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Pleurodese: perspectivas futuras

Pleurodesis: future prospects

Resumos

Apesar de estarmos completando praticamente um século desde a realização da primeira pleurodese, a metodologia não está consensualmente definida. A tendência atual de executarmos procedimentos minimamente invasivos estimulou novas pesquisas com o objetivo de reduzir a agressão, incluindo o uso de novas substâncias, a colocação de drenos mais finos e a redução ou abolição da necessidade de internação hospitalar. Dentre as drogas esclerosantes, o talco tem a preferência mundial. Entretanto, o possível desenvolvimento da síndrome da angústia respiratória, por vezes fatal, fez renascer o interesse por outras drogas. Os quimioterápicos não têm evidente efeito esclerosante e originam importantes efeitos colaterais. Os agentes irritantes hidróxido de sódio e nitrato de prata produzem pleurodese efetiva. Ambos podem ser utilizados em seres humanos.

Pleurodese; Soluções esclerosantes; Procedimentos clínicos


This article addresses the evolution of pleurodesis since the beginning of the 20th century and defines the characteristics of the ideal sclerosing agent. Emphasis is placed on the current tendency towards minimally invasive procedures where insertion of catheters is usually given priority over certain surgical procedures such as placement of drains or thoracoscopy. Among the sclerosing drugs, talc is the one preferred throughout the world. However, the possible appearance of respiratory distress syndrome, which is sometimes fatal, caused the awakening of interest in other drugs. Anti neoplastic drugs do not induce a very efficient pleurodesis and still have the disadvantage of causing important side effects. Sodium hydroxide and silver nitrate produce effective pleurodesis. Both can be used in humans.

Pleurodesis; Sclerosing solutions; Clinical procedures


ARTIGO DE REVISÃO

Pleurodese: perspectivas futuras* * Trabalho realizado Laboratório de Pleura, Divisão de Doenças Respiratórias, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Auxílio: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

FRANCISCO S. VARGAS1 * Trabalho realizado Laboratório de Pleura, Divisão de Doenças Respiratórias, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Auxílio: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). , LISETE R. TEIXEIRA2 * Trabalho realizado Laboratório de Pleura, Divisão de Doenças Respiratórias, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Auxílio: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). , ALIPIO O. CARMO3 * Trabalho realizado Laboratório de Pleura, Divisão de Doenças Respiratórias, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Auxílio: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). , EVALDO MARCHI4 * Trabalho realizado Laboratório de Pleura, Divisão de Doenças Respiratórias, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Auxílio: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). , MARCELO COSTA VAZ5 5 . Médico Assistente da Disciplina de Pneumologia da FMUSP. , LEILA ANTONANGELO6 6 . Médica Chefe do Serviço de Citologia da Divisão de Laboratório Central do HC-FMUSP. , FABIO B. JATENE7 7 . Diretor de Serviço de Cirurgia Torácica do ICHC/InCor-FMUSP.

Apesar de estarmos completando praticamente um século desde a realização da primeira pleurodese, a metodologia não está consensualmente definida. A tendência atual de executarmos procedimentos minimamente invasivos estimulou novas pesquisas com o objetivo de reduzir a agressão, incluindo o uso de novas substâncias, a colocação de drenos mais finos e a redução ou abolição da necessidade de internação hospitalar. Dentre as drogas esclerosantes, o talco tem a preferência mundial. Entretanto, o possível desenvolvimento da síndrome da angústia respiratória, por vezes fatal, fez renascer o interesse por outras drogas. Os quimioterápicos não têm evidente efeito esclerosante e originam importantes efeitos colaterais. Os agentes irritantes hidróxido de sódio e nitrato de prata produzem pleurodese efetiva. Ambos podem ser utilizados em seres humanos.

Pleurodesis: future prospects

This article addresses the evolution of pleurodesis since the beginning of the 20th century and defines the characteristics of the ideal sclerosing agent. Emphasis is placed on the current tendency towards minimally invasive procedures where insertion of catheters is usually given priority over certain surgical procedures such as placement of drains or thoracoscopy. Among the sclerosing drugs, talc is the one preferred throughout the world. However, the possible appearance of respiratory distress syndrome, which is sometimes fatal, caused the awakening of interest in other drugs. Anti neoplastic drugs do not induce a very efficient pleurodesis and still have the disadvantage of causing important side effects. Sodium hydroxide and silver nitrate produce effective pleurodesis. Both can be used in humans.

Descritores – Pleurodese. Soluções esclerosantes. Procedimentos clínicos.

Key words – Pleurodesis. Sclerosing solutions. Clinical procedures.

INTRODUÇÃO

Os relatos iniciais de pleurodese datam do início do século e referem que Spengler injetou nitrato de prata a 0,5% na cavidade pleural para controle de pneumotórax recidivante(1). Não há referências muito claras a respeito desse procedimento, ou ao uso de outras drogas, até 1935, quando Bethune(2), após lobectomia por câncer de pulmão, introduziu talco no espaço pleural. A partir dessa época, as mais variadas substâncias têm sido utilizadas com o intuito de produzir a adesão entre os folhetos pleurais, permitindo controlar a recidiva tanto do pneumotórax quanto do derrame pleural.

Apesar de praticamente haver transcorrido um século, ainda não se obteve o agente esclerosante ideal. É exatamente a inexistência de uma substância que preencha esses requisitos que explica o grande número de pesquisas e, inclusive, o renascimento de agentes que foram usados no passado.

As principais características do agente esclerosante ideal são:

• Custo reduzido e ser encontrado facilmente em todo o mundo.

• Fácil manipulação e esterilização, não favorecendo a infecção pleural.

• Fácil introdução; o ideal seria durante a punção, sem necessidade de dreno ou de toracoscopia.

• Prescindir de esvaziamento da cavidade após a introdução do agente. Este é um aspecto importante, pois se acredita que haja relação entre a intensidade da inflamação pleural representada pela formação do derrame pleural com o grau de pleurodese obtida. A presença de líquido no espaço pleural impediria o contato entre os folhetos pleurais, dificultando a pleurodese.

• Não provocar processo álgico intenso. A dor deve ser de fácil controle por via sistêmica, prescindindo de analgesia local intracavitária.

• Mortalidade nula e morbidade mínima e facilmente tratada.

• Finalmente, deve ser eficaz. A efetividade ideal seria de 100%.

Não existe agente ideal. As substâncias utilizadas incluem-se em quatro categorias principais:

Antibióticos – O representante mais importante é a tetraciclina, que ganhou a preferência nos EUA. Durante décadas foi uma das primeiras opções, sendo sua efetividade em torno de 67%(3). Seu uso foi abandonado na década de 80 em decorrência da suspensão na fabricação por restrições comerciais. Este agente foi substituído pelos seus derivados minociclina e doxiciclina. Ambos mantêm níveis de eficácia semelhantes aos da tetraciclina.

Antineoplásicos – Vários agentes quimioterápicos têm sido injetados no espaço pleural com o objetivo de produzir sínfise entre os folhetos pleurais. Cisplatina e citarabina foram pouco efetivas, em torno de 27%(3). Doxorubicina, etoposido, 5-fluoracil e mitomicina C foram estudados em várias séries com resultados inexpressivos, porém com manifestações colaterais importantes, motivo pelo qual seu uso foi abandonado(3). O representante mais importante deste grupo é a bleomicina, considerada, principalmente nos EUA, como a segunda opção na indução de pleurodese. Na atualidade, há tendência a reduzir sua utilização. É cara, o controle do derrame pleural se obtém em torno de 55% dos casos e determina manifestações colaterais importantes(3). A mostarda nitrogenada produz resultados semelhantes aos obtidos com os derivados da tetraciclina(4).

Imunoestimulantes – O destaque cabe ao Corynebacterium parvum, cujo uso predominou na comunidade européia. A efetividade é inferior à da tetraciclina, oscilando em torno de 60%. A vantagem é não necessitar de colocação de dreno torácico, bastando injeção concomitante à toracocentese. Atualmente seu uso é bastante restrito, principalmente pela suspensão de sua produção, por interesses comerciais.

Irritantes – Incluem-se as substâncias esclerosantes mais importantes na atualidade. O nitrato de prata, a primeira substância usada, foi abandonada aparentemente pelo difícil controle da dor. Os antimaláricos, em particular a quinacrina, foram abandonados pelas manifestações colaterais, predominando mal-estar, febre e o aparecimento de múltiplas loculações pleurais. O hidróxido de sódio e o nitrato de prata foram abandonados por razões não muito claras. Finalmente, deve-se citar o talco, que tem, na atualidade, a preferência mundial.

Surge na atualidade um quinto grupo, representado por agentes considerados mediadores biológicos da inflamação. Light et al.(5), em modelo experimental em coelhos, observaram que uma única injeção intrapleural da citoquina transforming growth factor beta (TGFb) produzia, de forma dose-dependente, pleurodese efetiva. Sugeriram a investigação em humanos e especularam sobre os prováveis benefícios de seu uso: a segurança e a produção de pouca dor. Mesmo confirmando-se esse fato em humanos, seu uso deve ficar restrito a centros médicos mais avançados.

Por essas razões, persistem as discussões e as pesquisas sobre novos agentes esclerosantes, uma vez que nenhum preenche todos os requisitos necessários para ser considerado unanimemente o melhor.

Outro aspecto, que estimula o desenvolvimento de novos estudos, fundamenta-se na tendência atual de executar procedimentos minimamente invasivos. Esta conduta visa conseguir o controle local do quadro pleural, de preferência em nível ambulatorial, sem necessidade de internação ou de submeter o paciente à anestesia geral. Na grande maioria das vezes, nos casos de derrames neoplásicos, a evolução da doença primária determina a evolução final do paciente, contribuindo o quadro pleural na deterioração clínica e sendo responsável por sintomatologia expressiva. Para minimizar a agressão na realização da pleurodese, há preferência por induzir a sínfise entre os folhetos pleurais injetando-se as substâncias esclerosantes através de drenos torácicos posicionados com o auxílio de anestesia local, evitando-se assim anestesias mais complexas necessárias para a realização de toracoscopia ou videotoracoscopia. Ainda com o intuito de reduzir a agressão, surgem os cateteres, que evitam a colocação de drenos torácicos, certamente mais desconfortáveis. Em contrapartida, esses cateteres têm lume reduzido, o que dificulta a injeção de suspensões com partículas maiores como, por exemplo, talco, e que facilmente obstruem sua luz. Nessas condições, a injeção intrapleural de substâncias líquidas facilitaria a realização do procedimento.

REINADO DO TALCO

A partir de 1935, o talco foi progressivamente ocupando um lugar de destaque na preferência internacional. As razões são óbvias: é barato, de fácil manuseio, encontra-se em todo o mundo, sendo acessível em hospitais de todos os portes. É bem tolerado, as manifestações colaterais são reduzidas, predominando a febre e a dor, ambas discretas(6). Entretanto, a razão principal de sua aceitação é sua efetividade. Na grande maioria dos relatos refere-se eficácia superior a 90%(3,6). O maior óbice fundamenta-se na forma de administração. Inicialmente, era clássica a realização de toracoscopia, o que limitava o procedimento. A partir de 1958(7) propagou-se o uso de talco slurry ou seja uma suspensão de talco em soro fisiológico. A grande vantagem é que dessa forma evita-se a toracoscopia, sendo necessária apenas a colocação de dreno na cavidade pleural e, através deste, injeta-se o talco. Aparentemente, os efeitos colaterais são os mesmos e a eficácia não se reduz, continuando na faixa dos 90%. A restrição, no enfoque atual da redução da agressão, repousa na dificuldade de injetar o talco através de cateteres finos ou de drenar o líquido com grumos de talco.

Na década de 80, porém, foram reconhecidos casos de síndrome do desconforto respiratório com o uso de talco, tanto slurry como em pó, insuflado(8). De 614 pacientes, por nós submetidos a pleurodese insuflando dois gramas de talco nos últimos 15 anos, sete (1,2%) desenvolveram esse quadro, que foi fatal em três(6). Apesar de se acreditar que essa complicação seja rara, recentemente Rehse et al.(9) referiram incidência de 9% após 89 procedimentos. Atualmente, esse tema é controverso. O direcionamento das pesquisas converge para o estudo da composição e do tamanho das partículas, ou seja, especula-se se esse efeito não seria decorrente das características intrínsecas do talco utilizado. Em adendo a todas essas preocupações, uma deve ser considerada em particular e cujo significado clínico ainda está por ser determinado; experimentalmente, demonstramos, após 24 horas da injeção intrapleural em ratos, a presença de partículas de talco em diversos órgãos como rim, cérebro e mesmo em lavado broncoalveolar e no pulmão contralateral(10).

Esses fatos motivaram o desenvolvimento de novas pesquisas e o estudo de agentes previamente utilizados e que haviam se mostrado efetivos.

MOSTARDA NITROGENADA

A mecloretamina é um agente alquilante com propriedades antineoplásicas, solúvel em água, que apresenta na concentração de 0,2% um pH entre 3 e 5. Quando em solução neutra ou alcalina, perde rapidamente sua atividade. É extremamente tóxico, apresentando graves efeitos colaterais, com manifestações neurológicas, cutâneas e hepáticas. Ocasiona náuseas e vômitos incoercíveis e graus importantes de depressão medular, com pancitopenia e hemorragias graves(11).

A mostarda nitrogenada foi injetada no espaço pleural pela primeira vez em 1954 por Albertelli et al.(12), que obtiveram resultados favoráveis em quatro pacientes com efusão pleural conseqüente a câncer. A partir desse estudo, vários trabalhos foram publicados, referindo efetividade em torno de 60%(13-15). Os resultados extremos foram referidos por Fracchia et al.(16), com apenas 27% de respostas positivas, e por Kinsey et al.(17), que obtiveram 87% de resultados favoráveis, ou Mark et al.(18), que controlaram o quadro pleural em 92% dos pacientes. Os sintomas colaterais sempre foram importantes, o que certamente determinou seu abandono na metade da década de 70.

Poucos estudos experimentais foram realizados. No início dos anos 80, Sahn e Good(19) obtiveram resultados pouco expressivos com a injeção de mecloretamina intrapleural em coelhos. Deve-se ressaltar que foram injetadas no espaço pleural doses inferiores às habitualmente preconizadas em estudos clínicos. Posteriormente, Marchi et al.(4), no final dos anos 90, obtiveram pleurodese efetiva em pleura normal de coelhos com doses de 0,8mg/kg, consideradas seguras em esquemas terapêuticos antineoplásicos em humanos.

Não acreditamos que a mostarda nitrogenada deva ser considerada como droga indicada para o controle, em humanos, do derrame pleural, mesmo de etiologia neoplásica. Sua efetividade não é superior à observada com outras substâncias que não apresentam os efeitos indesejados dessa droga. Não nos parece que novos estudos experimentais em animais ou clínicos em humanos devam ser realizados para considerá-la proscrita do nosso arsenal de substâncias com efeito esclerosante pleural.

HIDRÓXIDO DE SÓDIO

O hidróxido de sódio (NaOH) é uma substância cáustica, corrosiva, bastante solúvel em água e fortemente alcalina (o pH da solução a 0,01% em água é superior a 11,0)(11).

A instilação dessa substância no espaço pleural com o objetivo de produzir a sínfise entre os folhetos pleurais não é nova. Refere-se(20) sua utilização em 1928 por Young, em modelo experimental em animais. A primeira referência clínica (de que temos conhecimento) ocorreu em 1976. Bezanilla(21) injetou 20ml de NaOH a 0,5% em 15 portadores de derrame pleural secundário a câncer de mama, obtendo o controle do derrame em 14 (93%). A única recidiva do derrame relatada ocorreu após cinco meses do procedimento. Nesta primeira descrição, o autor relatou as características favoráveis de sua utilização: desenvolvimento de dor discreta que cedia espontaneamente após alguns minutos, escassa drenagem torácica, possibilidade de remover o dreno torácico precocemente (em geral entre 24 e 72 horas após o procedimento) e alta hospitalar em torno do terceiro dia pós-pleurodese.

A utilização do NaOH para a produção de pleurodese predominou na comunidade sul-americana. Rioseco(22), no final da década de 70, referiu o controle do derrame pleural por períodos de até 25 meses, em pacientes operados de carcinoma de pulmão e de tiróide. Na década de 80, vários relatos atestam seu efeito esclerosante. Leone et al.(23), induzindo pleurodese com hidróxido de sódio, concluíram, em modelo experimental em ratos, que apenas a injeção intrapleural a 2% produzia fibrose pleural. Em humanos, Leone et al.(23) publicaram seus resultados em 1982(1) e 1985(24), referindo efetividade de 100% com NaOH a 0,5%. Nos dois estudos, ressaltam a boa tolerância e enfatizam o aparecimento de dor discreta e passageira. Finalmente, no final da década de 90, apresentam o universo de sua experiência(25): 116 pacientes com derrame pleural neoplásico, dos quais, 80 foram submetidos à pleurodese com NaOH a 0,5%. A efetividade foi de 88,7%, com sobrevida média de 13,9 meses, sem recorrência da coleção líquida e com efeitos colaterais indesejados em menor intensidade do que o descrito com outras substâncias.

Em 1987, Guachalla et al.(26) apresentaram a experiência chilena com o uso de 20ml (0,3ml/kg) de hidróxido de sódio a 1%. Foram referidos 59 pacientes com derrame pleural secundário a neoplasia. Foi obtida pleurodese completa em 47 (80%) pacientes, parcial em nove (15%) e em apenas em três (5%) houve insucesso.

Em 1996 reiniciamos estudos experimentais, em modelo animal, usando coelhos(27). Demonstramos a efetividade do nitrato de prata a 0,5% como agente esclerosante pleural e alertamos para o cuidado que se deve ter no manuseio do processo álgico. O combate à dor não deve incluir a administração intrapleural de drogas anestésicas. Comprovamos que o hidrocloreto de lidocaína reage com o hidróxido de sódio formando NaCl e lidocaína, desativando parte do NaOH injetado e, conseqüentemente, reduzindo o efeito esclerosante, o que pode tornar a pleurodese ineficaz.

Novos estudos devem ser realizados, devendo-se quantificar a deposição e a maturação do colágeno na pleura. Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na pleurodese devem ser estudados, em particular a lesão do mesotélio e a produção e liberação de moduladores inflamatórios. Entretanto, mesmo enquanto esses aspectos não são conhecidos em maior profundidade, há elementos para aceitar e sugerir, em casos particulares, o uso do hidróxido de sódio a 0,5% como agente esclerosante pleural, principalmente no controle do derrame pleural recidivante secundário a neoplasia. Recomenda-se, porém, controlar a dor por via sistêmica, evitando-se a injeção intrapleural de lidocaína.

NITRATO DE PRATA

O nitrato de prata é uma substância com propriedades irritativas, cáusticas, adstringentes e desinfetantes. É solúvel em água, sendo o pH resultante próximo a 5,5(11). Deve ser considerado na indicação de pleurodese, pois seu custo é reduzido, encontra-se em todo o mundo e é de fácil manipulação, esterilização e instilação na cavidade pleural. Não provoca dor intensa e a mortalidade é nula, sendo os efeitos colaterais facilmente tratados. Finalmente, a efetividade é em torno de 90%.

O nitrato de prata foi a primeira substância injetada na cavidade pleural, com o intuito de produzir a sínfise pleural. A literatura(1) mostra que após ter sido injetada por Spengler, permaneceu no ostracismo até a década de 40, quando Brock(28) preconizou seu uso (2ml de solução a 10%). Desde então, vários trabalhos se sucederam até a metade da década de 80, quando o nitrato de prata foi substituído definitivamente pela tetraciclina ou pelo talco(29-31). Neste período de 40 anos, dois fatos são importantes: o volume injetado variou de 2 a 10ml e as concentrações injetadas, de 1 a 10%. Os estudos, em sua quase totalidade em portadores de pneumotórax, mostram índice de sucesso superior a 75%, em geral acima de 90%.

As razões do abandono não são claras; aparentemente, foram o desenvolvimento de dor mais intensa do que com o uso de outras substâncias e a necessidade de permanência hospitalar mais longa. Sua efetividade, porém, nunca foi discutida. Inclusive, em determinada época, a Royal Air Force inglesa, para permitir que seus pilotos retornassem a voar, após pleurodese com nitrato de prata para o controle da recidiva de pneumotórax, tentavam, três meses após o procedimento, induzir através de punção da cavidade pleural a formação de pneumotórax. Somente aqueles em quem a tentativa não era bem sucedida voltavam a voar(31). Além disso, do ponto de vista funcional, a pleurodese com nitrato de prata desenvolve déficit pulmonar moderado, sem grandes repercussões funcionais(29).

O aparecimento de casos de síndrome do desconforto respiratório após introdução de talco, por insuflação durante a toracoscopia, ou em solução (slurry) através de dreno torácico, gerou novamente interesse no nitrato de prata.

As pesquisas predominaram em modelo animal com pleura normal. Inicialmente, foi demonstrado que a injeção intrapleural de nitrato de prata a 0,5% produzia pleurodese semelhante à induzida por 35mg/kg de tetraciclina(32). O procedimento foi bem tolerado, os animais não apresentaram sinais de sofrimento ou de dor e nenhum morreu.

O dano pulmonar produzido pelo nitrato de prata é dose-dependente, predominando nas primeiras semanas(33). Agudamente, é superior ao produzido pelo talco e semelhante ao da tetraciclina. A lesão parenquimatosa progressivamente se reduz, sendo igual à produzida pelo talco após 21 dias(8) e mantendo-se em níveis semelhantes até seis meses(3).

O efeito esclerosante do nitrato de prata em pleura normal de coelhos é superior ao do talco slurry(34). Macroscopicamente, se observa maior aderência entre os folhetos pleurais e, microscopicamente, maior quantidade de fibrose e de colágeno, o qual é formado por fibras finas, imaturas, que, reagindo entre si e perdendo líquido, amadurecem, tornando-se espessas e responsáveis pela resistência ao estiramento. Apesar de a pleurodese secundária ao nitrato de prata conter quantitativamente mais fibrose e colágeno, o padrão arquitetural, representado pela proporção entre fibras finas e grossas, é idêntico(34). A administração prévia de lidocaína intracavitária, com o intuito de reduzir a dor, tende a reduzir a fibrose, não interferindo, porém, na maturação do colágeno(35).

Em seres humanos as observações são semelhantes. Nossos resultados preliminares em derrame pleural neoplásico recidivante são promissores(36). Nossa casuística atual é representada por 47 pacientes submetidos à pleurodese. Em 24 injetamos 5g de talco slurry, obtivemos pleurodese efetiva em 21 (87,5%). Em 23 instilamos 20ml de nitrato de prata a 0,5%; o controle do quadro pleural foi obtido em 22 (95,6%). Todos os pacientes toleraram o procedimento sem manifestações colaterais de importância (dados não publicados).

Os estudos atuais devem procurar definir melhor o dano parenquimatoso pulmonar. O conhecimento existente mostra que, apesar de ser mais intenso do que o produzido pelo talco, é reversível e não provoca déficit funcional importante. Dessa forma, quando da indicação da pleurodese química devemos considerar o nitrato de prata. Podemos, inclusive, considerar o nitrato de prata entre as primeiras opções em pacientes com câncer avançado, resistentes aos quimioterápicos e sem maiores expectativas prognósticas, nos quais se procura o controle local do derrame pleural.

1. Professor Titular da Disciplina de Pneumologia da FMUSP.

2. Médica Assistente e Chefe do Grupo de Pleura da Disciplina de Pneumologia da FMUSP.

3. Farmacêutico, Responsável pelo Laboratório de Pleura da Disciplina de Pneumologia da FMUSP.

4. Professor Adjunto da Faculdade de Medicina de Jundiaí.

Endereço para correspondência – Francisco Vargas, Rua Itapeva, 500, cj. 4C – 01332-000 – São Paulo, SP.

Recebido para publicação em 6/5/00. Aprovado, após revisão, em 2/10/00.

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    Trabalho realizado Laboratório de Pleura, Divisão de Doenças Respiratórias, Instituto do Coração (InCor), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Auxílio: Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
  • 5
    . Médico Assistente da Disciplina de Pneumologia da FMUSP.
  • 6
    . Médica Chefe do Serviço de Citologia da Divisão de Laboratório Central do HC-FMUSP.
  • 7
    . Diretor de Serviço de Cirurgia Torácica do ICHC/InCor-FMUSP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2000

    Histórico

    • Aceito
      02 Out 2000
    • Recebido
      06 Maio 2000
    Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento de Patologia, Laboratório de Poluição Atmosférica, Av. Dr. Arnaldo, 455, 01246-903 São Paulo SP Brazil, Tel: +55 11 3060-9281 - São Paulo - SP - Brazil
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