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Oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP)

OXIGENOTERAPIA

Oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP)

SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA

INTRODUÇÃO

A insuficiência respiratória crônica costuma ser a fase final de diversas enfermidades respiratórias como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), fibrose pulmonar, graves deformidades torácicas e bronquiectasias adquiridas. Os pacientes que vivem com hipoxemia e, muitas vezes, hipercapnia, apresentam importante comprometimento físico, psíquico e social com deterioração da qualidade de vida, freqüentemente de forma importante. Além disso, esses pacientes apresentam repetidas complicações, com numerosas internações hospitalares e conseqüente aumento do custo econômico para todos os sistemas de saúde.

A administração de O2 domiciliar já existe há aproximadamente 50 anos, a partir das observações do Dr. J. E. Cotes, na Inglaterra. Entretanto, só a partir dos anos 70 é que se confirmou que a ODP melhorava a qualidade e prolongava a expectativa de vida de pacientes portadores de DPOC com hipoxemia crônica. Embora seja razoável assumir que a maioria dos benefícios decorrentes dessa forma terapêutica possa ocorrer em hipoxemia crônica de outras etiologias, isto ainda não está totalmente definido.

A partir de então, milhares de pacientes recebem essa forma terapêutica em todo o mundo. No que se refere à prevalência internacional da oxigenoterapia domiciliar, esta varia enormemente, desde 240/100.000 habitantes nos EUA, até 20/100.000 na Finlândia. As causas dessa grande variação são inúmeras, não sendo objeto de discussão no momento.

Levando em consideração as estatísticas européias que apontam prevalência aproximada de 40 pacientes/100.000 habitantes como usuários de O2 crônicamente, podemos inferir que no Brasil teríamos aproximadamente 65.000 pacientes nesta condição. Entretanto, sabe-se que a maioria desses pacientes não está recebendo ODP, o que resulta em gastos elevados com freqüentes internações hospitalares por complicações decorrentes da hipoxemia crônica não corrigida.

Resumidamente, podemos dizer que, com o objetivo de reduzir a hipóxia tecidual durante as atividades cotidianas, a ODP aumenta a sobrevida dos pacientes por melhorar as variáveis fisiológicas e sintomas clínicos; incrementa a qualidade de vida pelo aumento da tolerância ao exercício, diminuindo a necessidade de internações hospitalares, assim como melhora os sintomas neuropsiquiátricos decorrentes da hipoxemia crônica.

Do ponto de vista fisiológico, o uso crônico de O2 melhora sua oferta para as células, com redução da policitemia secundária. De forma semelhante, alivia o estresse miocárdico da hipoxemia, reduzindo arritmias cardíacas, especialmente durante o sono. Ainda mais, a ODP estabiliza, ou pelo menos atenua e algumas vezes reverte, a progressão da hipertensão pulmonar e, provavelmente, melhora a fração de ejeção do ventrículo direito.

Do ponto de vista da função pulmonar, existem alguns estudos sugerindo que a mesma pode estabilizar-se com a ODP.

INDICAÇÕES

Pelo exposto, aceita-se hoje a existência irrefutável de evidências científicas dos benefícios terapêuticos da ODP em pacientes com hipoxemia crônica decorrente da DPOC.

Aceita-se como indicação da necessidade de ODP a presença de PaO2 < 55mmHg, ou entre 56-59mmHg na presença de sinais sugestivos de cor pulmonale, insuficiência cardíaca congestiva ou eritrocitose (hematócrito > 55%).

Lembramos que os valores acima só devem ser considerados quando:

• obtidos em laboratório confiável;

• determinações com o paciente estável clinicamente e com abordagem terapêutica otimizada;

• com prescrição médica detalhada da necessidade do O2;

• com reavaliação dos pacientes após três meses para verificação da real necessidade.

Vale recordar que é de responsabilidade do médico determinar a necessidade e a forma de administração do O2, sendo que a disponibilidade e o custo dos diferentes sistemas devem ser sempre analisados. Ainda mais, médicos e provedores devem monitorar o uso do O2 e retirar o equipamento caso o mesmo não esteja sendo utilizado.

Salientamos que existe uma questão ética a ser discutida no caso de pacientes hipoxêmicos em estágio terminal, se devem ou não receber O2 para aliviar os sintomas. Também, no caso de pacientes que optam por não usá-lo, ou que continuam fumando enquanto usando O2.

INDICAÇÕES E REQUERIMENTOS PARA ODP

Oxigenoterapia de forma contínua:

a)PaO2< 55mmHg ou SaO2< 88%, ou

b)PaO2 = 56-59mmHg ou SaO2 = 89%, associado a:

1) edema por insuficiência cardíaca

2) evidência de cor pulmonale

3) hematócrito > 56%.

Requerimentos:

a)Gasometria após otimização do manejo clínico;

b)Checar no período de três meses, quando a terapêutica for iniciada no hospital ou com paciente instável;

c)prescrição médica;

d)Revisar prescrição periodicamente (a cada seis meses).

1)Oxigenoterapia durante exercício:

a)SaO2 < 88% ou PaO2 < 55mmHg durante atividade física;

b)Demonstração do aumento da tolerância ao exercício com O2 durante programa de reabilitação pulmonar.

2)Oxigenoterapia noturna:

a)SaO2 < 88% ou PaO2< 55mmHg durante o sono com evidência de cor pulmonale, eritrocitose, ou outro distúrbio físico ou mental atribuído a hipoxemia;

b)Quando a hipoxemia relacionada ao sono é corrigida ou melhorada pela suplementação de O2.

3)Documentação de hipoxemia (SaO2 < 88% ou PaO2 < 55mmHg) associada a episódios agudos e recorrentes de broncoespasmo, cor pulmonale, ou outra enfermidade cardiopulmonar, em pacientes com freqüente desestabilização clínica.

Finalmente, lembramos que os sistemas de aporte de O2 devem ser prescritos individualmente objetivando os requerimentos e capacidades de cada paciente. O papel da suplementação durante o sono e exercício, em pacientes normóxicos quando despertos e em repouso, ainda é objeto de investigação. Em outras doenças que não a DPOC, os benefícios da oxigenoterapia domiciliar de longa duração são freqüentemente assumidos mas não confirmados.

SaO2 = saturação arterial de O2 na gasometria;

SpO2 = saturação por oximetria de pulso.

TEMPO DE UTILIZAÇÃO DA ODP

Bases científicas para prescrição da oxigenoterapia domiciliar contínua (24h/d)

Melhora da sobrevida

Os argumentos científicos para o uso da OPD em portadores de hipoxemia crônica grave (pressão arterial de oxigênio ou PaO2< 55mmHg), estão baseados em dois trabalhos clássicos: o norte-americano Nocturnal Oxygen Therapy Trial (NOTT) e o britânico Medical Research Council (MRC), publicados no início dos anos 80, os quais mostraram que a oxigenoterapia aumenta a sobrevida dos portadores de DPOC e hipoxemia grave.

No estudo do MRC os pacientes que recebiam oxigênio no mínimo 15h/dia foram comparados com os pacientes do grupo controle que não recebiam oxigênio. A diferença de sobrevida entre os dois grupos tornou-se nítida após 500 dias e se manteve após três, quatro e cinco anos do seguimento. Após 500 dias a taxa de mortalidade foi maior no grupo controle sem oxigênio (29%/ano) do que em pacientes com oxigênio (12%/ano). A população total estudada foi de 77 pacientes no estudo MRC e de 203 pacientes no NOTT.

No estudo norte-americano um grupo recebeu ODP 24h/dia versus oxigênio somente durante 12 horas noturnas. A sobrevida dos pacientes que receberam ODP foi melhor quando comparada com a dos indivíduos que receberam oxigênio somente no período noturno. Após um ano o mesmo aconteceu com a taxa de mortalidade, a qual foi de 11,9% para o grupo da oxigenoterapia contínua contra 20,6% do grupo da oxigenoterapia por 12 horas.

Os pacientes dos dois trabalhos eram similares quanto à gravidade da doença, sendo diferentes quanto à idade, maior no NOTT, e pressão parcial do gás carbônico arterial (PaCO2), maior no MRC.

Quando as curvas de sobrevida do NOTT e do MRC foram combinadas, a pior curva observada foi a do grupo controle do MRC sem oxigênio e a melhor foi a do grupo do NOTT com oxigenoterapia contínua (>18h/d). Podemos concluir desses dois estudos multicêntricos que qualquer quantidade de oxigenoterapia é melhor do que a não prescrição, e que o uso contínuo (24h/d) é melhor do que uso por 12 ou 15h/dia com relação à sobrevida. Após cinco anos a sobrevida dos pacientes que receberam ODP (24h/d) foi de 62% versus 16% para o grupo controle sem oxigênio.

Melhora da qualidade de vida

• Aumento da tolerância ao exercício

É notório que indivíduos portadores de DPOC quando usam oxigênio portátil aumentam a distância caminhada. Lilker et al. foram os primeiros a constatar esse fato com trabalho controlado usando oxigênio líquido e comparando-o com o ar.

• Diminuição do número de internações

A necessidade de internações diminui em pacientes portadores de DPOC que recebem OPD, fazendo jus ao custo-benefício da sua prescrição.

• Melhora do estado neuropsíquico

Distúrbios neuropsíquicos são freqüentes em pacientes com hipoxemia crônica, sendo que o padrão freqüentemente observado é semelhante ao do indivíduo idoso, como: dificuldade para concentração, perda da memória e redução na habilidade de abstração. Existe relação entre o grau de hipoxemia e a presença desses distúrbios, como foi demonstrado no estudo de Krop et al.

A PaO2 diurna nem sempre reflete fidedignamente essas alterações, mas sim o estudo da PaO2 noturna, pois a hipoxemia piora durante o sono e particularmente durante a fase de movimentos rápidos dos olhos em portadores de DPOC grave.

A hipoxemia associada à idade avançada e a existência de doenças cardiovasculares são as explicações mais aceitas quanto à origem desses distúrbios. Krop et al. demonstraram melhora da função neuropsíquica após o 1o mês de oxigenoterapia e que há reversibilidade das alterações eletroencefalográficas da hipoxemia crônica após 15 a 20h/dia de ODP.

USO CORRETO DA ODP

Sabe-se que a ODP é dispendiosa e sua utilização domiciliar é passível de abuso potencial. A maioria dos candidatos a ODP é portadora de doenças pulmonares graves e seu acompanhamento requer uma série de exames periódicos. Portanto, a literatura especializada recomenda a adoção de um protocolo para prescrição otimizada da ODP e seu controle adequado. É essencial que existam linhas mestras preestabelecidas para que as indicações sejam precisas e também que os médicos saibam como prescrevê-las. Devemos aqui enfatizar que os médicos devem estar aptos a prescrever o melhor tipo de oxigenoterapia que se adapte às necessidades de cada paciente e que os mesmos saibam de suas responsabilidades quanto a esses procedimentos (Quadro 1).


DOCUMENTAÇÃO PARA PRESCRIÇÃO DE ODP

É necessário que haja a documentação dos parâmetros de indicação ao se prescrever a ODP para indivíduos com doença pulmonar avançada que cursam com hipoxemia crônica.

Tempo de utilização do oxigênio

Os benefícios terapêuticos estão diretamente relacionados com o número de horas/dia que o paciente utiliza de ODP. Portanto, devemos prescrever a oxigenoterapia idealmente 24h ao dia e estimular o paciente a usá-lo o maior tempo possível. Considera-se como tempo mínimo aceitável 15h contínuas por dia incluindo sempre as horas de sono.

Oximetria de pulso

A oximetria de pulso é considerada o melhor método para triagem de pacientes com hipoxemia. O oxímetro posicionado no dedo ou no lóbulo da orelha nos dá, através da pele e por leitura imediata, a saturação arterial do oxigênio (SpO2) no ato do exame. O oxímetro é bastante sensível e fidedigno, com erro estimado de 1 a 2%, quando comparado com o obtido pela gasometria arterial. Existem situações clínicas que alteram sua leitura, a saber: icterícia, metahemoglobinemia, onicomicose, esclerodermia, perfusão tecidual inadequada, pele com pigmentação escura e artefato. Apesar desses inconvenientes, a oximetria de pulso é considerada método excelente.

Além dessa sua indicação, podemos usá-la para titular o fluxo de oxigênio mais preciso em repouso e tanto no exercício como durante o sono. A gasometria arterial está indicada para iniciar a OPD e a comparação da SpO2 medida pela oximetria de pulso com a SaO2 dosada pela gasometria arterial em ar ambiente corrobora a acurácia desse método. Além disso, podemos utilizar a SpO2 para ajustarmos os fluxos de oxigênio após algum tempo de uso da OPD, tanto nas exacerbações quanto na melhora da doença.

COMO FAZER A INDICAÇÃO E A MONITORAÇÃO DA ODP

A dose de oxigênio a ser administrada deve ser estabelecida individualmente através da titulação do fluxo de O2 necessário para obter PaO2 de pelo menos 60mmHg ou SaO2 maior a 90%, com o paciente em repouso. A presença de hipercapnia não impede de aumentar a dose de O2 até os níveis necessários, exceto se houver acidose grave ou deterioração do sensório. Nessa situação devemos adicionar ventilação não invasiva à prescrição.

A titulação do fluxo de O2 adequado para obter SpO2> 90% deve ser feita utilizando-se um oxímetro de pulso conectado ao dedo do paciente, que deverá estar em repouso e sentado em posição ereta, sem falar durante 20 minutos.

A oximetria durante atividades físicas pode ser realizada através do teste de caminhada de seis minutos no plano para a maioria dos pacientes, mas naqueles com hipoxemia grave já em repouso ela poderá ser feita através da simulação de suas atividades domésticas simples.

O fluxo de O2 ideal para a correção da hipoxemia durante atividades físicas deverá ser aquele que mantém a SpO2 > 90%.

A realização de oximetria noturna permite prescrição mais precisa do fluxo adequado de O2 durante o sono e, não havendo condições de realizá-la, está correto o acréscimo de 1L/min ao fluxo de O2 basal.

FORMAS DE ADMINISTRAÇÃO DE OXIGÊNIO

Os sistemas de administração de O2 podem ser classificados em:

De baixo fluxo ou fluxo variável (prong nasal, máscara facial, etc.)

De alto fluxo ou fluxo fixo (máscara de Venturi)

Cânula ou prong nasal

Método simples, barato, e o mais comumente usado. Excelente nos casos de acentuação da dispnéia, durante a alimentação, tosse, ocasiões em que seria necessário remover a máscara facial, se esta fosse a forma de administração. Pode ocorrer secura ou sangramento da mucosa nasal após a utilização de fluxos altos. A umidificação só se faz necessária para fluxos maiores que 4L/min.

Máscara simples

As máscaras têm seu uso limitado por dois fatores:

Não existem modelos e tamanhos variáveis que se adaptem a todos os tipos de face, ocorrendo grande variação da FiO2, conforme o padrão ventilatório do paciente. Com isto, há desperdício de 2/3 do O2.

O fluxo mínimo necessário é de l L/min, o que torna seu uso praticamente inviável. Os principais problemas são: úlceras de pressão em face e orelhas, risco de aspiração, desconforto pelo calor e sensação claustrofóbica.

Cateter orofaríngeo

O cateter orofaríngeo, por ser desconfortável, tem seu uso cada vez mais infreqüente. Requer FiO2 menor, uma vez que, na fase expiratória, o O2 se acumula nas vias aéreas superiores, sendo aproveitado "em pulso" na inspiração seguinte.

Cateter transtraqueal

Proposto pela primeira vez em 1982, consiste na administração de O2 diretamente na traquéia, através de um pequeno cateter (1 a 2mm de diâmetro interno), inserido percutaneamente, ao nível do primeiro anel. A maior vantagem desse método é a economia de O2, em aproximadamente 50% durante o repouso e 30% durante os esforços. Além disso, esteticamente é o melhor método, pois pode ser totalmente camuflado. Esse método de administração mostra excelentes resultados clínicos, quando comparado com os demais, provavelmente porque o paciente recebe realmente O2 durante as 24h. As desvantagens são mínimas, como rouquidão passageira, enfisema subcutâneo autolimitado, hemoptise e formação de bolhas mucosas.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DA FONTE DE OXIGÊNIO

Atualmente existem três fontes de oxigênio disponíveis para fornecimento domiciliar: gasoso comprimido em cilindros, líquido e concentradores. O Quadro 2 mostra resumidamente as vantagens e desvantagens das mesmas e o Quadro 3, seus critérios de seleção.



LIMITAÇÕES DA ODP

Não existem contra-indicações para a administração de ODP. Entretanto, algumas enfermidades associadas, características dos pacientes, aspectos sociais e demográficos, podem limitar a administração e uso de oxigênio, tais como:

enfermidades psiquiátricas graves;

dificuldades do paciente e de familiares para entender os riscos associados com o tratamento e em manter as medidas de segurança adequadas;

não aderência ao tratamento farmacológico instituído;

residência em locais de difícil acesso e problemas no fornecimento de energia elétrica;

persistência do tabagismo;

dificuldades econômicas extremas.

TOXICIDADE E EFEITOS COLATERAIS

Existem três categorias de riscos associadas à ODP:

riscos físicos, tais como incêndios e explosões, traumas ocasionados pelo cateter ou máscara ou ressecamento de secreções devido a umidificação inadequada;

efeitos funcionais que incluem retenção de CO2 e atelectasias;

manifestações citotóxicas do oxigênio.

Os riscos de incêndios são, na maioria das vezes, ocasionados pelo hábito de fumar durante o uso do oxigênio; as explosões ocorrem, geralmente, por golpes ou quedas dos cilindros e/ou por manipulação inadequada dos redutores de pressão.

A retenção de CO2 pode ser observada, em alguns pacientes, durante a administração de oxigênio. Freqüentemente, é referido que esse fato é ocasionado pela diminuição do estímulo respiratório hipóxico que resulta em diminuição da ventilação minuto e aumento concomitante do CO2. Entretanto, estudos recentes sugerem que a hipótese mais provável é que o aumento da PaO2, resultante da administração de oxigênio, pode aumentar o espaço morto devido à reversão da vasoconstrição hipóxica pulmonar. Tal reversão aumentaria a perfusão de áreas com pequena ventilação, desviando sangue de áreas bem ventiladas, resultando em alterações da relação ventilação/perfusão, aumento do espaço morto e, conseqüentemente, da PaCO2.

Entretanto, embora existam evidências de que a respiração com oxigênio a 100% aumenta significativamente o desequilíbrio ventilação/perfusão, a suplementação com oxigênio na concentração de 28 a 40% não modifica a relação ventilação/perfusão na maioria dos pacientes portadores de DPOC.

De fato, cada litro de O2 associado ao ar ambiente eleva a FiO2 total em quatro pontos percentuais, como, por exemplo, com um fluxo de O2 de 1 L/min, corresponde a uma FiO2 de 24%.

O efeito da oxigenoterapia sobre a PaCO2 pode ser monitorado por meio do pH. Mesmo no caso de aumentos da PaCO2, a oxigenoterapia de baixo fluxo pode ser utilizada com segurança nos casos em que o pH se mantiver normal.

A toxicidade pulmonar por oxigênio pode ocorrer quando forem utilizadas frações inspiradas superiores a 50% por longos períodos. De qualquer maneira, o bom senso recomenda que seja utilizado o menor fluxo de O2 necessário para manter a saturação adequada.

OXIGENOTERAPIA DURANTE O SONO E O EXERCÍCIO

A ODP mobiliza grandes quantidades de recursos. Portanto, restrições a sua indicação e controle rigoroso do reembolso devem ser a regra que norteará a implantação e a popularização desta terapêutica no Brasil.

Após quatro consensos sobre o tema, ficou definido nos EUA que se garantirá o reembolso da oxigenoterapia nas seguintes situações:

Pressão parcial de oxigênio (PaO2) < 55mmHg ou saturação arterial de oxigênio (SaO2) < 88%;

PaO2 entre 56 e 59mmHg ou saturação de 89%, nas seguintes condições:

• evidência eletrocardiográfica de cor pulmonale ou

• edema devido a insuficiência cardíaca congestiva ou

• policitemia, com hematócrito > 56%;

PaO2< 55mmHg ou saturação < 88% durante atividade física;

PaO2< 55mmHg ou saturação < 88% durante o sono;

Diminuição na PaO2 de mais de 10mmHg ou maior que 5% na saturação, associada a sinais e sintomas relacionados à hipoxemia noturna, tais como insônia ou sono não reparador, sonolência diurna e piora das funções cognitivas durante a vigília.

Salientamos que todas as medidas de PaO2 e/ou saturação só podem ser realizadas em pacientes com doença estável e com a terapêutica medicamentosa otimizada; as prescrições devem ser reavaliadas após 60 a 90 dias, para eliminar a possibilidade de ter prescrito o oxigênio durante uma agudização não detectada ou recuperação da mesma.

Durante a atividade física deve-se dar preferência a uma fonte de O2 portátil. Quando esta não estiver disponível pode-se contornar o problema utilizando uma extensão de até seis metros para os concentradores (tubo com 5mm de diâmetro interno) e até 15 metros para os cilindros.

Fica clara, pelos dados expostos acima, a intenção de estabelecer limites precisos para a prescrição de oxigênio. Este fato é muito importante quando se considera a indicação de oxigênio durante o sono e durante atividade física, já que não existem evidências conclusivas dos benefícios da terapêutica nestas condições.

Hipoxemia documentada durante o sono ou exercício ainda não constitui justificativa para a prescrição de oxigênio de forma contínua, a menos que esta esteja presente também quando o paciente estiver acordado e em repouso.

Pacientes com doenças respiratórias crônicas podem apresentar sinais de cor pulmonale e/ou policitemia pelo fato de terem dessaturação noturna, sem evidência de hipoxemia quando acordados. A correção da hipoxemia noturna pelo uso de oxigênio suplementar está plenamente indicada nestes casos. Caso exista apnéia do sono e/ou outras condições de hipoventilação, outras formas de terapêuticas devem ser utilizadas (CPAP, BiPAP), com ou sem oxigênio simultâneo.

Estudos do sono de pacientes com DPOC e PaO2 maior que 60mmHg, quando acordados, e sem evidências de cor pulmonale demonstraram que 25 a 45% deles apresentam dessaturações significativas durante o sono. A maioria desses indivíduos tem aumento da pressão na artéria pulmonar que progride quando não tratada com O2 e um estudo retrospectivo de três anos sugeriu que existe mortalidade maior nesse grupo de pacientes.

Portanto, restringe-se a indicação de O2 durante o sono aos casos que apresentem evidências concretas de dessaturação, tais como cor pulmonale e policitemia.

No que se refere ao uso de oxigênio durante as atividades da vida diária e o exercício em indivíduos que não têm hipoxemia em repouso, não existem estudos prospectivos que tenham avaliado seus benefícios a longo prazo. Além disso, não há correlação entre a necessidade de oxigênio durante teste padrão de exercício, como, por exemplo, a caminhada de seis minutos, e a necessidade de oxigênio durante a realização de atividades rotineiras.

Portanto, embora a suplementação de oxigênio reduza a dispnéia e aumente a tolerância ao exercício em pacientes portadores de doença pulmonar e/ou cardíaca, durante a realização de testes de exercício, existe clara necessidade de determinar melhores indicadores da necessidade de oxigênio para atividade física. Cabe definir melhor quais os pacientes, dentro do grupo dos portadores de DPOC, teriam maiores benefícios com utilização de O2 nesta situação (aumento de sobrevida, melhoria da qualidade de vida).

O DIAGNÓSTICO DA HIPOXEMIA

O diagnóstico da hipoxemia deve ser feito idealmente pela gasometria arterial. Ajustes de fluxo durante exercício e sono podem ser feitos com oximetria de pulso, assim como a triagem dos pacientes e seu acompanhamento no domicílio.

O nível exato que se objetiva atingir na correção da hipoxemia (valor adequado de PaO2 ou saturação que deve ser mantido) ainda não foi definido adequadamente. Em pacientes com hipoxemia crônica se acredita que valores de PaO2 de 60 a 65mmHg ou saturação de 92 % mais ou menos 2% sejam apropriados, apesar de não serem totalmente normais.

Nos indivíduos com hipercapnia existe ainda a preocupação de que a correção total da hipoxemia possa acentuar a retenção de CO2. Portanto, não há uma resposta definitiva quanto ao valor ideal de PaO2 ou saturação a ser obtido com a ODP.

FALHA TERAPÊUTICA

Na ODP se define como falha terapêutica a persistência ou piora de alguns dos seguintes critérios:

manifestações subjetivas da doença: aumento da dispnéia, diminuição do rendimento neuropsicológico, intolerância ao exercício e má qualidade de vida;

evidências indiretas de hipoxemia persistente: manutenção de hematócrito elevado, sinais clínicos persistentes de cor pulmonale descompensado e alterações eletrocardiográficas;

Hipoxemia refratária.

Causas da falha terapêutica

falta de programa de ODP adequado;

falta de adesão à ODP em decorrência de:

• informações insuficientes pelos médicos que a prescrevem;

• restrição do uso pelo paciente por razões estéticas, sociais, econômicas, principalmente quando não se associa a ODP a equipamentos portáteis, evitando-se a limitação muitas vezes imposta por alguns dos sistemas de fornecimento de O2;

interrupção do tratamento farmacológico;

presença de doenças associadas.

Na fase terminal da doença pulmonar obstrutiva crônica a hipoxemia e a hipercapnia podem ser refratárias ao uso de oxigênio; nestes casos deve-se investigar a presença de insuficiência ventilatória (PIM, PEM máximas) que, se confirmada, deve-se prescrever suporte pressórico não invasivo com O2.

Existem algumas estratégias para corrigir as falhas terapêuticas mais importantes:

ter um programa nacional estabelecido para a ODP, custeado pelos órgãos governamentais;

instruir melhor os prováveis médicos responsáveis pela prescrição da ODP;

educar adequadamente os pacientes e o seu núcleo familiar, verificando no domicílio o uso correto do oxigênio, por meio de sistemas de visita domiciliar;

facilitar e estimular a manutenção do nível habitual de atividades físicas durante o uso da ODP, através da utilização de sistemas portáteis e de todos os equipamentos que possibilitem a movimentação do paciente;

otimizar o tratamento global do paciente.

VIAJANDO COM OXIGÊNIO

Os meios de transporte e os cuidados médicos vêm-se aprimorando cada vez mais nos últimos anos, assim como passageiros usuários de oxigênio estão viajando com freqüência cada vez maior. As viagens aéreas comerciais, por apresentar maiores desafios médicos e logísticos para sua implantação, serão objeto de ênfase neste resumo.

Alterações fisiológicas relacionadas com exposição à altitude

Durante viagens aéreas os passageiros ficam expostos à hipóxia hipobárica porque as cabinas não são pressurizadas rotineiramente ao nível do mar, e o fazem habitualmente como se estivessem entre 1.500 e 2.100 metros de altitude, de tal forma que, para avaliação da maioria dos pacientes antes do vôo, os médicos devem considerar uma altitude de 2.500 metros. Em pacientes portadores de DPOC que estão compensados ao nível do mar a baixa pressão parcial de O2 nas aeronaves pode produzir grave hipoxemia, sendo, entretanto, desconhecida a proporção de pacientes que sofrem problemas cardíacos durante viagens aéreas, tendo a DPOC como comorbidade.

Habitualmente, se recomenda que a PaO2 durante viagem aérea seja mantida acima de 50mmHg. Embora se saiba que de dois a três litros de O2 por minuto via cânula nasal conseguem compensar a fração inspirada de O2 perdida a 2.500 metros, em relação ao nível do mar, para a maioria dos pacientes um fluxo incremental de um a dois litros é suficiente para manter a PaO2 acima do desejado.

Os pacientes portadores de DPOC que fazem uso de ODP necessitarão de suplementação durante os vôos. Estes pacientes devem receber mais oxigênio que o correspondente ao nível do mar, devendo ser considerada também a altitude do local de destino. Lembramos que as companhias aéreas devem ser contatadas pelo paciente com antecedência ao vôo, para discussão de suas necessidades, e que as mesmas não oferecem oxigênio em qualquer traslado terrestre, incluindo em seu terminal.

Não podemos esquecer a otimização do tratamento clínico do portador de doença pulmonar e a interação do indivíduo com seu médico, agente de viagens, fornecedor do oxigênio, nem tampouco um planejamento ideal para o dia da viagem. Interação com o médico: o médico assistente deve especificar o diagnóstico do paciente, o fluxo de oxigênio necessário para correção da hipoxemia durante o vôo e a duração requerida para aplicação do oxigênio. Devem ser feitas diversas cópias para apresentação durante todos os vôos.

Anexos Anexos

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Anexos

  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2000
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