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Tabagismo e ocupação: elo de exposições pouco explorado como estratégia de combate ao tabagismo

EDITORIAL

Tabagismo e ocupação: elo de exposições pouco explorado como estratégia de combate ao tabagismo

EDUARDO ALGRANTI1

Os efeitos do tabagismo na prevalência de sintomas respiratórios, alterações funcionais pulmonares e risco de câncer são reconhecidos há décadas. A multicausalidade das doenças associadas ao tabagismo tem tido, relativamente, pouco enfoque. Dentre as causas de doenças pulmonares ambientais, as exposições ocupacionais e a poluição (domiciliar e externa) seguem o tabagismo em escala de importância, e já se conhecem alguns efeitos deletérios ao sistema respiratório advindos da associação entre estes grupos causais.

A exposição a poeiras e fumos associa-se à presença de lesões anatomopatológicas típicas nos bronquíolos terminais e respiratórios, caracterizadas por pigmentação e fibrose, morfologicamente distintas das lesões causadas pelo tabagismo(1,2). Estudos populacionais revelam excesso significativo e independente de sintomas respiratórios crônicos em indivíduos expostos a poeiras, assim como a gases e fumos, porém a presença de Limitação Crônica ao Fluxo Aéreo (LCFA), definida como uma relação VEF1/CVF menor que 0,6, foi significativa apenas para os expostos a poeiras, independentemente dos efeitos do tabagismo(3). Desde o final da década de 80 aceita-se que exposições ocupacionais a poeiras e/ou poeiras e fumos associam-se causalmente à LCFA(4).

A exposição a poeiras minerais afeta fumantes e não fumantes de forma distinta, com padrão predominantemente obstrutivo nos primeiros, associado a aumento de volumes pulmonares e diminuição das trocas gasosas(5). Os efeitos das exposições combinadas é maior do que isoladas e, em casos individualizados, pode não ser possível a quantificação da contribuição de cada um deles, o que com freqüência dificulta conclusões quanto à atributabilidade.

A associação positiva de efeitos das exposições ocupacionais e tabagismo pode se manifestar de forma aditiva, como os danos funcionais, por exemplo, em mineiros de carvão(6), assim como sinérgica, como o câncer de pulmão em expostos ao asbesto(7). Além disso, em expostos ao asbesto o tabagismo associa-se a risco aumentado de asbestose(8) e em situações de exposição a agentes de alto peso molecular a um risco aumentado de sensibilização e asma ocupacional(9).

Alguns trabalhos brasileiros envolvendo diferentes grupos ocupacionais referem-se à prevalência de bronquite crônica, alterações funcionais e tabagismo. A Tabela 1 sumariza os achados.

A Tabela 1 mostra dados de tabagismo em grupos ocupacionais distintos. O efeito idade é um fator importante na chance de abandono do hábito de fumar, seja pela prevalência cumulativa de doenças intercorrentes, ou por outros fatores ¾ o grupo com menor percentagem de fumantes corresponde ao grupo com maior média de idade. Quatro dos grupos referidos, mineiros de carvão(10), trabalhadores de fiação de linho(12), trabalhadores de silos(13) e de ex-trabalhadores de cimento-amianto(14), apresentam prevalências pontuais elevadas de BC, diagnosticada através de questionários de sintomas respiratórios. Em um estudo de BC de base populacional na região sul do Brasil, Menezes et al.(16) encontraram uma prevalência de 12,7%, numa amostra de indivíduos de ambos os sexos com 40 anos ou mais, contendo 55,9% de fumantes e ex-fumantes. Nesta população, o efeito "exposição ocupacional a poeiras" apresentou ORs significantes com gradiente crescente entre exposições leves e intensas, porém quando controlado para outras variáveis perdeu a significância. Embora os grupos descritos na Tabela 1 tenham faixas etárias e composições distintas, chama a atenção a alta prevalência de BC na mineração de carvão(10) e em trabalhos em silos(13).

Alguns dos estudos referidos na Tabela 1 abordaram o efeito combinado do tabagismo e da exposição ocupacional em relação a BC e função pulmonar. Em mineiros de carvão brasileiros, o tabagismo foi o único fator significativo em relação à referência de BC e alterações funcionais(10). Em ex-trabalhadores de cimento-amianto, a exposição ocupacional associou-se significativamente a maior prevalência de BC, independente do tabagismo, assim como a níveis mais baixos de função pulmonar, da mesma forma que o tabagismo(14). Em trabalhadores de indústria de fertilizantes, a exposição ocupacional deixou de ser um fator significativo para a BC quando controlada pelo tabagismo(15).

Há exatos 20 anos, Elmes(17) analisou a importância relativa do tabagismo na saúde respiratória de alguns grupos ocupacionais, concluindo que em mineiros de carvão a contribuição do tabagismo na morbidade e mortalidade respiratória era mais importante do que a exposição ocupacional, ao passo que na exposição à sílica (ardósia) e asbesto, os efeitos de ambas na função pulmonar eram aditivos e similares em magnitude, com exceção do câncer de pulmão em expostos ao asbesto, em que havia um sinergismo multiplicativo entre elas.

O controle do tabagismo em certas situações ocupacionais pode ser tanto ou mais importante do que a própria exposição ocupacional. A cessação do fumo normalmente leva à regressão de sintomas bronquíticos, assim como a uma tendência à lentificação do declínio funcional(18). Pouco se sabe sobre os efeitos da cessação de exposições ocupacionais sobre sintomas e função; entretanto, conhecendo-se a patogenia, é de se supor que os efeitos sobre os sintomas sejam similares aos da cessação do fumo.

A possibilidade de se conduzirem atuações dirigidas a grupos nos quais há riscos sinérgicos entre o tabagismo e exposições ocupacionais respiratórias é viável, pois já há conscientização entre associações de classe e sindicatos sobre esta associação de riscos. O apelo da soma de efeitos prejudiciais ao sistema respiratório é uma forte ferramenta de convencimento, até agora muito pouco utilizada. A opção, embora não seja perfeita, é clara: é mais fácil deixar de fumar do que deixar o trabalho.

REFERÊNCIAS

1. Churg A, Wright JL, Wiggs B, Paré PD, Lazar N. Small airway disease and mineral dust exposure. Am Rev Respir Dis 1985;131:139-143 .

2. Kennedy SM, Wright JL, Mullen JB, Paré PD, Hogg JC. Pulmonary function and peripheral airway disease in patients with mineral dust or fume exposure. Am Rev Respir Dis 1985;132:1294-1299.

3. Korn RJ, Dockery DW, Speizer FE, Ware JH, Ferris Jr BG. Occupational exposures and chronic respiratory symptoms. Am Rev Respir Dis 1987;136:293-304.

4. Becklake MR. Occupational exposures: evidence for a causal association with chronic obstructive pulmonary disease. Am Rev Respir Dis 1989;140:S85-S91.

5. Kreiss K, Greenberg LM, Kogut SJH, Lezotte DC, Irvin CG, Cherniack RM. Hard-rock mining exposures affect smokers and nonsmokers differently. Am Rev Respir Dis 1989;139:1487-1493.

6. Marine WM, Gurr D, Jacobsen M. Clinically important respiratory effects of dust exposure and smoking in British coal miners. Am Rev Respir Dis 1988;137:106-112.

7. Hammond EC, Selikoff IJ, Seidman H. Asbestos exposure, cigarette smoking and death rates. Ann N Y Acad Sci 1979;330:473-490.

8. Weiss W. Cigarette smoking, asbestos, and small irregular opacities. Am Rev Respir Dis 1984;130:293-301.

9. Chan-Yeung M, Malo JL. Natural history of occupational asthma. In: Bernstein IL, Chan-Yeung M, Malo JL, Bernstein DI, eds. Asthma in the workplace. New York: Marcel Dekker, 1999;129-143.

10. Algranti E. Doenças respiratórias associadas à mineração de carvão ¾estudo de coorte de 5 anos. Tese de Doutorado, Faculdade de Saúde Pública, USP, 1991.

11. Mendonça EMC, Silva RCC, Algranti E, Bussacos MA. Estudo clínico, radiológico e funcional pulmonar de trabalhadores em fundições de ferro da região de Osasco. Anais, IV Semana de Pesquisa da Fundacentro, Fundacentro, 2000;81-85.

12. Mendonça EMC, Algranti E, Silva RCC, Ribeiro MCSA. Bissinose e asma ocupacional em trabalhadores de uma fiação de linho em Sorocaba-São Paulo. J Pneumol 1995;21:1-8.

13. Tietboehl Filho CN, Moreira JS, Edelweiss MC. Os efeitos respiratórios da exposição à poeira de grãos de cereais: uma revisão sucinta da literatura e um estudo epidemiológico em trabalhadores de silos do Rio Grande do Sul. J Pneumol 1994;20:193-206.

14. Algranti E, Mendonça EMC, De Capitani EM, Freitas JBP, Silva HC, Bussacos MA. Non-malignant asbestos-related diseases in Brazilian asbestos-cement workers. Am J Ind Med (in press).

15. Hüttner MD, Moreira JS. Avaliação ambiental e epidemiológica do trabalhador da indústria de fertilizantes de Rio Grande, RS. J Pneumol 2000;26:245-253.

16. Menezes AMB, Victora CG, Rigatto M. Prevalence and risk factors for chronic bronchitis in Pelotas, RS, Brazil: a population-based study. Thorax 1994;49:1217-1221.

17. Elmes PC. Relative importance of cigarette smoking in occupational lung disease. Br J Ind Med 1981;38:1-13.

18. Dockery DW, Speizer FE, Ferris Jr BJ, Ware JH, Louis TA, Spiro III A. Cumulative and reversible effects of lifetime smoking on simple tests of lung function in adults. Am Rev Respir Dis 1988;137:286-292.

Endereço para correspondência ¾ Rua Capote Valente, 710 ¾ 05409-002, São Paulo, SP. E-mail: eduardo@fundacentro.gov.br

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    . Médico/Pesquisador, Divisão de Medicina/CST, Fundacentro, SP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Out 2002
    • Data do Fascículo
      Jul 2001
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