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Variação na prevalência de asma e atopia em um grupo de escolares de Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Asthma and atopy prevalence in a group of students from Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Resumos

Introdução: Considerável aumento na prevalência da asma e da atopia vem sendo mundialmente observado ao longo das últimas décadas, porém, em nosso país, os dados epidemiológicos ainda são insuficientes. Objetivo: Este estudo foi realizado a fim de determinar a prevalência de asma e atopia em um grupo de escolares e comparar tais dados com outros dois levantamentos previamente realizados em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Métodos: A prevalência de asma foi identificada através de um questionário aplicado a 855 alunos de cinco escolas de Porto Alegre. Foram considerados atópicos aqueles escolares que, submetidos a testes cutâneos, apresentaram pelo menos uma reação cutânea positiva. Assinatura do termo de consentimento pós-informação de um dos pais foi exigida para a realização dos testes cutâneos. Resultados: Foi identificada prevalência de 42,5% de asma cumulativa e 22% de asma ativa, com predominância nas meninas. Atopia foi identificada em 50,1% da amostra. Tais resultados foram significativamente superiores aos 6,7% (1980) e 16% (1989) de asma cumulativa, 10,9% (1989) de asma ativa e 15,8% (1980) de atopia encontrados nos dois estudos previamente realizados. Conclusões: Altas prevalências de asma e atopia foram identificadas em nossos estudantes. Futuros estudos deverão ser realizados a fim de elucidar o fenômeno aqui demonstrado.

Asma; Epidemiologia; Atopia


Introduction: A considerable increase in asthma and atopy prevalence has been noticed worldwide through the last decades, however, in our country, epidemiological data are still insufficient. Objective: This study was carried out to determine the prevalence of asthma and atopy in a group of students, and compare these data with those found in two previous studies undertaken in Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Methods: Asthma prevalence was identified through a questionnaire applied to 855 students from five schools of Porto Alegre. The students submitted to skin tests who presented, at least, one positive reaction were considered atopic. The signature of an informed consent from one of the parents was required for the skin test performance. Results: Prevalence was found to be 42.5% and 22% of cumulative and active asthma, respectively, with predominance in females. Atopy was identified in 50.1% of the sample. These results were significantly higher than the 6.7% (1980) and 16% (1989) of cumulative asthma, 10.9% (1989) of active asthma and 15.8% (1980) of atopy found in the two previous studies. Conclusion: A high prevalence of asthma and atopy was identified in our students. Future studies should be performed to elucidate the phenomenon herein demonstrated.

Asthma; Epidemiology; Atopy


ARTIGO ORIGINAL

Variação na prevalência de asma e atopia em um grupo de escolares de Porto Alegre, Rio Grande do Sul* * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

RENATA WAGNER FIORE1 * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). , ADRIANA BARBIERI COMPARSI2 * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). , CLÁUDIA LOSS RECK2 * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). , JÉFERSON KRAWCYK DE OLIVEIRA2 * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). , KARINA BRASCO PAMPANELLI2 * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). , CARLOS CEZAR FRITSCHER3 * Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Introdução: Considerável aumento na prevalência da asma e da atopia vem sendo mundialmente observado ao longo das últimas décadas, porém, em nosso país, os dados epidemiológicos ainda são insuficientes. Objetivo: Este estudo foi realizado a fim de determinar a prevalência de asma e atopia em um grupo de escolares e comparar tais dados com outros dois levantamentos previamente realizados em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Métodos: A prevalência de asma foi identificada através de um questionário aplicado a 855 alunos de cinco escolas de Porto Alegre. Foram considerados atópicos aqueles escolares que, submetidos a testes cutâneos, apresentaram pelo menos uma reação cutânea positiva. Assinatura do termo de consentimento pós-informação de um dos pais foi exigida para a realização dos testes cutâneos. Resultados: Foi identificada prevalência de 42,5% de asma cumulativa e 22% de asma ativa, com predominância nas meninas. Atopia foi identificada em 50,1% da amostra. Tais resultados foram significativamente superiores aos 6,7% (1980) e 16% (1989) de asma cumulativa, 10,9% (1989) de asma ativa e 15,8% (1980) de atopia encontrados nos dois estudos previamente realizados. Conclusões: Altas prevalências de asma e atopia foram identificadas em nossos estudantes. Futuros estudos deverão ser realizados a fim de elucidar o fenômeno aqui demonstrado.

Asthma and atopy prevalence in a group of students from Porto Alegre, Rio Grande do Sul

Introduction: A considerable increase in asthma and atopy prevalence has been noticed worldwide through the last decades, however, in our country, epidemiological data are still insufficient. Objective: This study was carried out to determine the prevalence of asthma and atopy in a group of students, and compare these data with those found in two previous studies undertaken in Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Methods: Asthma prevalence was identified through a questionnaire applied to 855 students from five schools of Porto Alegre. The students submitted to skin tests who presented, at least, one positive reaction were considered atopic. The signature of an informed consent from one of the parents was required for the skin test performance. Results: Prevalence was found to be 42.5% and 22% of cumulative and active asthma, respectively, with predominance in females. Atopy was identified in 50.1% of the sample. These results were significantly higher than the 6.7% (1980) and 16% (1989) of cumulative asthma, 10.9% (1989) of active asthma and 15.8% (1980) of atopy found in the two previous studies. Conclusion: A high prevalence of asthma and atopy was identified in our students. Future studies should be performed to elucidate the phenomenon herein demonstrated.

Descritores – Asma. Epidemiologia. Atopia.

Key words – Asthma. Epidemiology. Atopy.

INTRODUÇÃO

Embora dados epidemiológicos variem de acordo com particularidades de cada região, aumento mundial na prevalência da asma e atopia tem sido uma constante observação nas pesquisas desenvolvidas neste campo, ao longo das últimas décadas. Várias teorias têm sido apontadas como justificativas, mas a explicação mais conclusiva para esse fenômeno ainda não foi definida(1-10). Fatores genéticos e ambientais parecem estar envolvidos, mas cada vez mais os últimos têm aparecido como os principais implicados(3,4,11-19).

Em algumas regiões, esse aumento de prevalência tem sido particularmente mais evidente do que em outras, como acontece entre determinados grupos etários da raça maori, na Nova Zelândia. Dois estudos realizados com intervalo de 12 anos (1975 e 1987) identificaram aumento de 26,2% para 34% na prevalência de asmáticos entre adolescentes dessa população. Etnia, aumento do tabagismo materno e redução das infecções respiratórias durante a infância precoce foram apontados como possíveis justificativas para o fato(20). Já na Alemanha, um estudo avaliando crianças e adolescentes de duas cidades situadas no Oeste e no Leste encontrou prevalência maior de asmáticos na região ocidental do país. Levando em consideração o fato de que os habitantes de ambas as cidades possuem a mesma etnia, restam os fatores ambientais como maiores justificativas para as diferenças identificadas(14). Esse fenômeno também foi observado por Bråbäck et al. em um estudo clássico desenvolvido entre 1991 e 1992, avaliando as diferentes prevalências de asma entre crianças suecas residentes em zona urbana e rural, respectivamente, e um terceiro grupo de crianças polonesas, também provenientes de uma área urbana de seu país. E embora a prevalência de asma tenha sido similar nos três grupos analisados, as crianças polonesas, mais expostas à poluição atmosférica e com maior número de infecções respiratórias na infância precoce, apresentaram significativamente menos sensibilização alérgica, identificada por teste cutâneo e dosagem sérica de imunoglobulina E específica(13).

No Brasil, embora escassos, os dados epidemiológicos sobre asma e atopia sugerem semelhança com o cenário descrito pela literatura internacional(9,10,21-23).

O objetivo deste trabalho foi determinar a prevalência de asma e atopia em um grupo de escolares da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a fim de reconhecer a magnitude do problema dentro de nossa população, bem como possibilitar a comparação destes resultados com dados previamente obtidos nesta mesma região.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram avaliados alunos de cinco escolas situadas em uma mesma área geográfica da cidade e pertencentes ao sistema público de ensino de Porto Alegre. Essas escolas foram escolhidas por ter sido utilizadas em dois outros estudos previamente realizados, com metodologia similar, a fim de permitir a comparação dos dados obtidos. Um questionário abrangendo sintomas sugestivos de asma, tais como "falta de ar" e "chiado" recorrentes, em algum momento da vida (considerados como asma cumulativa) ou nos últimos 12 meses (considerados como asma ativa) e história familiar de asma brônquica, foi aplicado pelos autores a 855 (86,8%) dos escolares de 5ª a 8ª séries, com faixa etária variando entre 10 e 18 anos, no período de agosto a dezembro de 1998, presentes em uma das três visitas feitas às escolas em questão, e que não se mostraram contrários à sua inclusão no estudo. Tal entrevista utilizou as mesmas questões aplicadas nos dois estudos anteriormente realizados com esse mesmo grupo de escolares. Testes cutâneos com 10 dos principais aeroalérgenos para diagnóstico de atopia foram aplicados através do método de punctura na região dos antebraços a 530 escolares, mediante permissão dos pais ou responsáveis, através da assinatura de um termo de consentimento informado. Desses, 25 foram excluídos seguindo critérios preestabelecidos descritos abaixo. A leitura dos testes foi realizada 20 minutos após a aplicação dos antígenos. Foram consideradas positivas as reações que apresentavam pápulas com o maior diâmetro igual ou superior a 3mm e atópicos aqueles escolares testados que apresentavam pelo menos uma reação positiva além da histamina. Foram definidos como critérios de exclusão para a realização dos testes cutâneos: a) presença de processo alérgico cutâneo ou broncoespasmo identificados no momento da realização dos mesmos; b) teste-controle com histamina negativo (podendo significar uma incapacidade de reação) e/ou teste-controle com solução salina positivo (podendo significar dermografismo); c) uso de medicações capazes de interferir na resposta imediata investigada pelo método (anti-histamínicos e corticosteróides sistêmicos); d) presença de lesões cutâneas na região anatômica a ser testada; e) ausência do termo de consentimento informado devidamente assinado por pais ou responsáveis.

Foi realizada análise descritiva simples seguida por teste estatístico do qui-quadrado para avaliar a significância estatística das associações no caso de comparação de proporções, com a fixado em 5%. Estratificações por faixas etárias foram realizadas antes da análise de algumas associações.

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética.

RESULTADOS

Do total de 855 escolares entrevistados, 48,3% eram do sexo masculino e 51,7% do feminino. Sintomas de asma cumulativa foram identificados em 42,5% dos escolares, com prevalência de 49,9% nas meninas, significativamente superior à de 34,5% encontrada nos meninos (RR = 1,45; IC: 1,23-1,70), conforme demonstrado na Figura 1. Não houve diferença de prevalência entre as faixas etárias analisadas. A presença de história familiar de asma foi referida por 357 escolares (41,7%). Sintomas de asma ativa foram identificados em 188 escolares (22%), com relação fem/masc de 1,7 (Figura 1). Atopia foi identificada em 251 (50,1%) alunos testados (Figura 2). O maior número de reações cutâneas positivas foi produzido por Dermatophagoides pteronyssinus, Dermatophagoides farinae e poeira doméstica, nessa ordem. Não houve associação significativa entre atopia e sexo e/ou faixa etária. A associação entre atopia e concomitantes sintomas tanto de asma cumulativa (RR = 1,20; IC: 1-1,45) quanto de asma ativa (RR = 1,32; IC: 0,9-1,78) na amostra analisada também não evidenciou significância estatística. Tais resultados foram significativamente superiores aos encontrados nos dois estudos previamente realizados nessas mesmas escolas, como está demonstrado na Figura 3.




DISCUSSÃO

Alta prevalência de sintomas de asma cumulativa (42,5%), asma ativa (22%) e atopia (50,1%) foi identificada no grupo de escolares de Porto Alegre analisado neste estudo. O caráter progressivo dessa prevalência ficou evidenciado pela comparação dos dados deste estudo com os de dois outros, previamente realizados nessas mesmas escolas (Figura 3). Embora não se possa generalizar as conclusões deste trabalho para o universo de escolares da cidade de Porto Alegre, é possível especular a existência de aumento global de asma e atopia em nosso meio, a espelho do que tem ocorrido no panorama mundial(3,8,13,24-27).

Uma das limitações que envolvem levantamentos epidemiológicos sobre asma refere-se à própria conceituação e ao diagnóstico da enfermidade(28,29). Na maioria dos casos, a asma pode ser diagnosticada exclusivamente por informações de história clínica(30). Entretanto, dados coletados durante pesquisa abrangendo grande amostragem de indivíduos podem não ser tão minuciosos quanto os coletados durante consulta médica. Por isso, é importante considerar o fato de que estudos baseados em questionários, apesar de amplamente difundidos e validados para fins epidemiológicos, como o protocolo proposto pelo ISAAC(27), podem incorrer no problema de hipervalorização de determinados sintomas.

Grande número de prováveis asmáticos foi identificado em nosso estudo, tanto em relação a sintomas cumulativos quanto a sintomas ativos. Embora seja possível que alguns desses tenham hipervalorizado suas queixas, nossos dados vão ao encontro da literatura mundial, que têm identificado percentuais cada vez maiores na prevalência da asma, especialmente na faixa etária incluída neste levantamento. Em nossa amostra, prevaleceu a presença de sintomas na população feminina, tanto em relação a sintomas cumulativos quanto em relação a sintomas de asma nos últimos 12 meses. Mais recentemente, tem sido notado que na adolescência a hiper-reatividade brônquica tende a aumentar na população feminina(31-33). Alterações hormonais podem estar relacionadas a esse fenômeno ocorrido na adolescência(10,34), relação inversa àquela verificada durante os primeiros anos de vida(14,26,30,35).

Os dados variam na literatura, mas a freqüência de pelo menos um familiar com sintomas atópicos é invariavelmente alta(36,37). Tal fato também ficou evidenciado na análise da correlação entre asma e história familiar do presente estudo.

Em relação à asma ativa, nossos resultados também foram concordantes com publicações recentes, sendo inclusive superponíveis aos dados verificados durante o levantamento internacional do ISAAC de 1994, em Porto Alegre(9).

O diagnóstico de alergia inclui a avaliação da história clínica, exame físico e testes in vivo ou in vitro(38). Uma das etapas de nosso trabalho consistiu na realização de testes cutâneos para determinação de resposta alérgica imediata, método diagnóstico in vivo simples e seguro, com boa correlação com a IgE específica(39). Conforme comentado anteriormente, a observação criteriosa dos fatores que podem, de alguma maneira, influenciar a realização e interpretação destes testes é essencial para que se considerem fidedignos os resultados obtidos(15,40). Por isso, especial atenção foi prestada à conservação dos alérgenos(41,42), à técnica de aplicação dos testes e à elaboração dos critérios de exclusão seguidos durante o estudo.

Embora nosso plano inicial objetivasse a participação de todos os escolares em ambas as etapas do estudo, o número de escolares submetidos aos testes cutâneos foi menor do que o analisado nas entrevistas. Tal fato era esperado e compreensível, já que a inclusão nessa fase do estudo pressupunha a autorização dos pais ou responsáveis por escrito. Ainda assim, 530 alunos foram testados.

A presença de atopia nos escolares de nosso estudo não variou significativamente de acordo com idade ou sexo, embora discreta predominância tenha sido identificada na população masculina. Em um estudo realizado no Rio de Janeiro, em 1990, Geller também identificou a predominância de atopia na população masculina(43). Peat et al., avaliando hiper-reatividade brônquica em crianças e adultos australianos, também não encontraram diferenças significativas quando correlacionaram sexo e hiper-reatividade de acordo com atopia, embora também tenham encontrado maior prevalência de asma na população feminina após a adolescência(44). Tal fato leva a crer que a prevalência de asma na infância é apenas parcialmente relacionada a diferenças de sensibilização entre os dois sexos.

A literatura sugere, de maneira geral, que os alérgenos de ambiente doméstico são mais importantes na determinação de doença atópica do que os alérgenos de ambiente externo(45,46). Nosso estudo confirmou essa idéia, identificando o D. pteronyssinus e o D. farinae, bem como a poeira doméstica, como os principais alérgenos sensibilizadores da amostra analisada.

Dois estudos epidemiológicos previamente realizados nessas mesmas escolas, em 1980 e 1989, apontaram prevalências de asma cumulativa de 6,7% e 16%, respectivamente, e de asma ativa de 10,9%, em 1989. A prevalência de atópicos identificada pelo estudo de 1980 foi de 15,8%. A comparação desses dados com os resultados do presente estudo (Figura 3) evidencia o importante aumento na prevalência da asma e da atopia nas escolas analisadas, ao longo das duas últimas décadas, confirmando a tendência mundialmente constatada(20). As razões para esse evidente aumento têm sido amplamente discutidas, mas, até então, permanecem sob forma de hipóteses ainda não suficientemente comprovadas pela comunidade científica.

O estilo de vida dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento parece estar, de alguma forma, relacionado a esse aumento(10,13). Alguns autores cogitam a influência da poluição atmosférica conseqüente da industrialização na determinação desse fenômeno; entretanto, a avaliação das variações mundiais de prevalência realizada pelo ISAAC permitiu concluir que a poluição não está entre os mais importantes fatores de risco(12). A redução do tempo de aleitamento materno(47) e o aumento do tabagismo nas mulheres gestantes foram apontados entre os motivos para essa progressão na prevalência de moradores da Nova Zelândia(32). Em contraposição, o tabagismo também é comum em países socialistas com baixas prevalências de asma, enquanto na Finlândia e Suíça, locais onde foi verificada importante redução no índice de tabagismo nos últimos 30 anos, as doenças atópicas têm seguido o mesmo padrão crescente(12). Outra hipótese recentemente proposta, e que tem suscitado interesse crescente entre os pesquisadores, é a associação inversa de infecções na infância e o desenvolvimento de asma. Com a melhora das condições sanitárias e dos programas de imunizações nos países mais desenvolvidos, notou-se declínio em muitas doenças infecciosas(10) e concomitante aumento na prevalência de doenças atópicas. A infecção por tuberculose, através da estimulação da produção de células TH1 e conseqüente inibição das células TH2 envolvidas nos processos atópicos, é outra hipótese que busca esclarecer o fenômeno(48,49). Já o vírus sincicial respiratório, comumente associado a quadros de sibilância em lactentes, pode estar relacionado à atopia por estimular diretamente a produção de células TH2. Outra possibilidade interessante e recentemente aventada aponta a utilização de antibióticos de amplo espectro, fornecidos por via oral abaixo dos dois anos de vida como favorecedora do desenvolvimento de atopia(50). As parasitoses, que têm sido associadas a fator de proteção contra a atopia, possivelmente saturam os sítios dos mastócitos e de outras células relacionadas à alergia, reduzindo a ativação das mesmas pelos alérgenos comuns(13,51). Futuros estudos poderão chegar a resultados mais conclusivos a respeito desses questionamentos.

No Rio Grande do Sul, a introdução da vacinação com BCG no primeiro ano de vida na década de 80 poderia ter sido um dos fatores associados ao aumento na prevalência da asma e atopia. Tal hipótese deverá ser merecedora de especial atenção em um futuro próximo.

Uma das principais justificativas para a realização de estudos epidemiológicos consiste na identificação de populações de risco e os fatores envolvidos na etiopatogenia de determinadas entidades mórbidas, a fim de direcionar mais adequadamente a distribuição dos recursos sanitários e possibilitar a implementação das estratégias preventivas para aqueles indivíduos. O papel exercido por infecções na infância, imunizações, tabagismo materno e tempo de amamentação, bem como a exposição precoce e prolongada aos alérgenos mais comuns de ambiente doméstico sobre o sistema imunológico da criança, talvez possam servir de objeto para futuros estudos, auxiliando a compreender o fenômeno aqui identificado.

1. Mestre em Pneumologia.

2. Acadêmico de Medicina.

3. Professor Titular do Departamento de Medicina.

Endereço para correspondência – Av. Ipiranga, 6.690, conj. 806 – 90610-000 – Porto Alegre, RS. Tel. (51) 339-5630; E-mail: a-fiore@pro.via-rs.com.br

Recebido para publicação em 13/10/00. Aprovado, após revisão, em 21/6/01.

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    Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2002
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Recebido
      13 Out 2000
    • Aceito
      01 Jun 2001
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