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Bronquiolite obliterante na forma nodular

Bronchiolitis obliterans in nodular form

Resumos

Paciente com 54 anos, do sexo feminino, ex-tabagista, que após duas semanas de um resfriado comum procurou atendimento médico devido a tosse com expectoração amarela, obstrução nasal e desconforto facial. Sua radiografia do tórax mostra lesão nodular no lobo superior esquerdo compatível com nódulo pulmonar solitário. Submetida a uma toracotomia exploradora, foi estabelecido o diagnóstico de bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP).

Bronquiolite obliterante e pneumonia em organização; Lesão numular pulmonar; Pneumopatias


A 54 year old female patient, public servant, ex-smoker, after two weeks of a common cold complained of cough with yellow sputum, nasal obstruction and facial pain. A chest X-ray showed a solitary nodular lesion in the upper left lobe. The patient was submitted to a left thoracotomy, which established the diagnosis of bronchiolitis obliterans organizing pneumonia (BOOP).

Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia; Coin pulmonary lesion; Lung diseases


RELATO DE CASO

Bronquiolite obliterante na forma nodular* * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco.

PAULO DE ALMEIDA1 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco. , MURILO J.B. GUIMARÃES2 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco. , MARIO GESTEIRA COSTA3 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco. , VITAL LYRA4 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco. , ISABELLA COIMBRA5 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco. , LUIZ ADRIANO DE ALBUQUERQUE OLIVEIRA6 * Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco.

Paciente com 54 anos, do sexo feminino, ex-tabagista, que após duas semanas de um resfriado comum procurou atendimento médico devido a tosse com expectoração amarela, obstrução nasal e desconforto facial. Sua radiografia do tórax mostra lesão nodular no lobo superior esquerdo compatível com nódulo pulmonar solitário. Submetida a uma toracotomia exploradora, foi estabelecido o diagnóstico de bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP).

Bronchiolitis obliterans in nodular form

A 54 year old female patient, public servant, ex-smoker, after two weeks of a common cold complained of cough with yellow sputum, nasal obstruction and facial pain. A chest X-ray showed a solitary nodular lesion in the upper left lobe. The patient was submitted to a left thoracotomy, which established the diagnosis of bronchiolitis obliterans organizing pneumonia (BOOP).

Descritores – Bronquiolite obliterante e pneumonia em organização. Lesão numular pulmonar. Pneumopatias.

Key words – Bronchiolitis obliterans organizing pneumonia. Coin pulmonary lesion. Lung diseases.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho

BOOP – Bronquiolite obliterante com pneumonia em organização

DLCO – Capacidade de difusão do monóxido de carbono

INTRODUÇÃO

O termo bronquiolite é uma denominação genérica para descrever várias doenças inflamatórias dos bronquíolos. A bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOOP) é uma síndrome clínico-patológica caracterizada por fibrose bronquiolar e peribronquiolar com proliferação intraluminal de tecido conjuntivo que se estende para os alvéolos, levando limitação ao fluxo aéreo. A forma idiopática da doença ocorre na maioria dos casos, podendo também ser uma manifestação de colagenoses ou outras doenças. Os pacientes com esta doença se apresentam freqüentemente com tosse seca e dispnéia. O achado radiológico mais freqüente é a presença de opacificações alveolares bilaterais. Apresentações incomuns são a opacificação unilateral, opacificação nodular, derrame pleural ou cavitações. A função pulmonar encontra-se com padrão restritivo, na maioria dos casos. O tratamento depende da etiologia da doença, utilizando-se a corticoterapia para os casos idiopáticos.

O intuito deste relato é apresentar um caso de BOOP com manifestação de forma nodular em uma paciente ex-tabagista.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

Paciente do sexo feminino, 54 anos de idade, funcionária pública, natural e residente no Recife-PE, procurou atendimento médico queixando-se de tosse com expectoração amarela, intensa obstrução nasal e desconforto facial. Há cerca de duas semanas havia tido um resfriado comum. Na fase inicial teve hipertermia, que respondeu ao uso de antitérmicos. Em sua história pregressa referiu que dormia na companhia de um gato (Felis catus) em sua cama durante vários anos e tabagismo por mais de 20 anos, tendo abandonado o hábito havia cinco anos (o marido faleceu de carcinoma de pequenas células do pulmão), sem outros antecedentes mórbidos. No exame físico admissional apresentava-se com bom estado geral, eupnéica; na ausculta pulmonar, apenas alguns roncos em ambos os hemitóraces, sem outras anormalidades.

A radiografia de tórax (Figura 1) evidenciava uma imagem nodular de contornos imprecisos no terço médio do pulmão esquerdo. A tomografia computadorizada de tórax (Figura 2) evidenciava uma imagem nodular medindo 2,4 x 2,2cm, espiculada, com parênquima pulmonar de permeio normal em lobo superior esquerdo e presença de dois pequenos linfonodos no mediastino pré-vascular e periaórtico. Exames de hemograma e bioquímica estavam normais. Foi submetida a broncoscopia flexível, que foi normal; o lavado broncoalveolar mostrou-se negativo na pesquisa direta para bacilos álcool-acidorresistentes e fungos, como também para células neoplásicas. A espirometria revelou um distúrbio ventilatório obstrutivo leve sem resposta ao broncodilatador inalado.



Foi estabelecido o diagnóstico clínico-radiológico de infecção de vias aéreas superiores e nódulo pulmonar solitário. Pelo antecedente de tabagismo e devido ao risco de doença neoplásica, a paciente foi submetida a uma mediastinoscopia e toracotomia exploradora esquerda. A biópsia de congelação revelou adenocarcinoma em lâmina de pulmão e ausência de neoplasia em gânglios mediastinais, sendo submetida a uma lobectomia superior esquerda. O período pós-operatório decorreu sem anormalidades, tendo recebido alta hospitalar no 10o dia de internamento. O exame histopatológico definitivo, porém, estabeleceu o diagnóstico de BOOP (Figura 3) e hiperplasia linfonodal reativa. Como a paciente encontrava-se assintomática, optou-se por expectação clínica e acompanhamento ambulatorial. Após dois meses de alta, a paciente encontra-se bem, sem uso de medicações.


DISCUSSÃO

A bronquiolite obliterante com pneumonia em organização é um dos padrões de resposta histológica do pulmão a uma variedade de injúrias que afetam as pequenas vias aéreas não-cartilaginosas e as estruturas alveolares. A forma idiopática da doença chamada de pneumonite organizante criptogênica é a apresentação clínica mais freqüente. Pode também apresentar-se associada a doenças do tecido conjuntivo, particularmente a artrite reumatóide e polimiosite, a infecções (viroses, bacterianas), a toxicidade por drogas (ouro, amiodarona, cocaína), a pneumonite de hipersensibilidade, a pneumonia eosinofílica crônica, a dano alveolar difuso (síndrome do desconforto respiratório do adulto) e a radioterapia(1). O tabagismo não é um fator desencadeante desta doença(2). Na série publicada por Lohr et al. não foram encontradas diferenças de sintomas, sinais, testes de função pulmonar, achados laboratoriais, radiológicos ou histopatológicos entre 37 casos de BOOP idiopática e 27 casos de BOOP secundária(3).

A maioria dos pacientes afetados por BOOP na forma primária ou secundária encontra-se na faixa etária dos 50 aos 70 anos e não há predominância por sexo(2). A incidência e a prevalência são desconhecidas. Quase 75% dos pacientes são sintomáticos. A apresentação clínica é, geralmente, na forma subaguda ou crônica, sendo rara a forma aguda. Os achados mais comuns são tosse não produtiva persistente, dispnéia há várias semanas e perda de peso. Em 50% dos casos há febre, mal-estar e fadiga. Hemoptise também é relatada(4). Na forma idiopática, uma infecção das vias aéreas superiores pode preceder o aparecimento do quadro, que freqüentemente mimetiza uma pneumonia comunitária(2). No exame físico encontram-se estertores crepitantes e taquipnéia, na maioria dos casos; sibilância e baqueteamento digital são raros. Em 25% dos casos o exame físico é normal. Os achados laboratoriais são inespecíficos, leucocitose ocorrendo em 50% dos casos e proteína C reativa positiva em até 80% dos casos.

Radiologicamente e tomograficamente, a BOOP tem apresentações variadas. Na radiografia de tórax a apresentação típica é de um infiltrado alveolar bilateral em placas(1). Uma distribuição periférica do infiltrado pode ser vista na forma idiopática da doença e infiltrados recorrentes ou migratórios são comuns. Menos comum é a apresentação como opacificação focal (nódulo ou massa) ou infiltrado alveolar difuso. Infiltrado alveolar unilateral, áreas de faveolamento, derrame ou espessamento pleural e cavitações são raros. Domingo et al. relataram um caso de BOOP em paciente tabagista com tosse, escarros hemoptóicos, dor torácica pleurítica à direita e nódulo solitário de 3cm em lobo superior de pulmão direito(5). Benzo e Sahn registraram um caso de BOOP como massa na base pulmonar esquerda cursando com febre e dor torácica pleurítica à esquerda em paciente tabagista(6). No trabalho de Chen e Price(7) foram descritos quatro casos de BOOP como nódulos pulmonares espiculados com broncografia aérea. Yang et al. relataram o primeiro caso de BOOP apresentando-se como nódulo pulmonar solitário com hidropneumotórax espontâneo(8). Na tomografia computadorizada de tórax pode apresentar-se como áreas localizadas de consolidação (placas) de vias aéreas, opacificação tipo vidro fosco, opacificação nodular e espessamento e dilatação das paredes brônquicas. No trabalho de Kohno et al. foram descritos 18 pacientes com BOOP focal apresentando na tomografia computadorizada margens irregulares em 17 casos, lesões satélites em 10 casos e broncografia aérea em nove casos(9).

As lesões histopatológicas características são a presença de proliferação intraluminal de tecido conjuntivo (pólipos) nos bronquíolos, ductos e sacos alveolares associada a infiltrado inflamatório intersticial mononuclear com preservação da arquitetura pulmonar(2). A patogênese dessas mudanças permanece desconhecida(2).

A prova de função pulmonar mostra mais comumente um distúrbio ventilatório restritivo leve a moderado. Em 20% dos pacientes há distúrbio obstrutivo como conseqüência de tabagismo ativo ou prévio. Ocasionalmente, a função pulmonar está normal. Anormalidades nas trocas gasosas são comuns, hipoxemia arterial de repouso e/ou exercício ocorrendo em mais de 80% dos casos. A capacidade de difusão do monóxido de carbono (DLCO) está reduzida na maioria dos casos. O lavado broncoalveolar revela celularidade aumentada, com maior proporção de linfócitos, neutrófilos e eosinófilos em relação a indivíduos normais(2).

A biópsia pulmonar a céu aberto ou por toracoscopia é recomendada para confirmar o diagnóstico de BOOP. O diagnóstico pode igualmente ser feito por biópsia transbrônquica, desde que a amostra seja adequada em tamanho para revelar as lesões características. O diagnóstico de BOOP idiopática é estabelecido por exclusão, quando não se identifica uma causa possível ou uma associação para o caso.

O tratamento de BOOP depende da causa associada, sendo específico quando há uma causa identificável, como terapia antimicrobiana para infecção. Para os casos de BOOP associada a colagenoses e a forma idiopática, a corticoterapia é o tratamento de eleição(1,2). Inicia-se geralmente prednisona na dose de 1mg/kg/dia por um a três meses; a dose é reduzida lentamente durante quatro a seis meses se o paciente está estável ou com melhora, reintroduzindo a terapia agressivamente ao sinal de recorrência. Para os casos agudos recomenda-se iniciar metilprednisolona em altas doses (0,5 a 1g/dia) por três a cinco dias, seguida de seis a 12 meses de corticóide oral. Nos casos de deterioração clínica em tratamento com corticóide deve-se iniciar um agente citotóxico, geralmente ciclofosfamida na dose de 1-2mg/kg/dia por três a seis meses(2). Cerca de dois terços dos pacientes com BOOP idiopática apresentam resolução completa do quadro clínico com o tratamento(1).

O fato de que a paciente dormia na companhia de um gato durante anos pode sugerir o desenvolvimento de BOOP neste caso como secundária a uma pneumonite por hipersensibilidade (por proteínas do pêlo do gato?), porém não foram encontrados relatos desta associação na literatura médica para confirmar essa possibilidade. Não foram identificadas outras doenças associadas a este caso, levando a considerá-lo como um caso de BOOP idiopática. A paciente permanecerá em seguimento ambulatorial no sentido de detectar precocemente um recidiva do quadro. A importância deste relato de caso deve-se ao fato de ele alertar para a necessidade da inclusão de BOOP no diagnóstico diferencial de nódulo pulmonar solitário.

1. Médico do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz.

2. Professor da Disciplina de Pneumologia da UPE.

3. Médico Cirurgião Torácico do Pavilhão Carlos Chagas. Professor de Cirurgia Torácica da Universidade de Pernambuco.

4. Médico Patologista.

5. Médica do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz.

6. Médico especializando do 1º ano do Curso de Pneumologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco.

Endereço para correspondência – Dr. Paulo de Almeida, Tórax, Rua Iramaia, 1.156, Ilha do Leite – 50070-530 – Recife, PE. Tel. (81) 3231-6013.

Recebido para publicação em 17/1/01. Aprovado, após revisão, em 11/9/02.

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  • 9. Kohno N, Ikezoe J, Johkoh T, Takeuchi N, Tomiyama N, Kido S, et al. Focal organizing pneumonia. Radiology 1993;189:119-23.
  • *
    Trabalho realizado no Serviço de Pneumologia do Pavilhão Carlos Chagas do Hospital Universitário Osvaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      Nov 2002

    Histórico

    • Aceito
      11 Set 2002
    • Recebido
      17 Jan 2001
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