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Terminologia Anatômica em Ortopedia

Anatomic Terminology in Orthopedics

Resumos

Há grande variação com relação à ortografia de termos científicos em artigos e textos médicos. Visando padronizar esses termos, vigora atualmente a Terminologia Anatômica, publicada pelo Federative Committee on Anatomical Terminology e traduzida pela Comissão de Terminologia Anatômica da Sociedade Brasileira de Anatomia. Este trabalho correlaciona alguns termos usados na linguagem cotidiana com aqueles preconizados pela Nomina Anatomica. Também, discute a necessidade e a possibilidade de essa lista vir a tornar-se referência para escrita de assuntos ortopédicos.

Nomenclatura; Terminologia; Nomina anatomica; padronização


The spelling of scientific words in medical papers and textbooks varies a lot. In order to standardize such spelling, we now have the Anatomical Terminology, published by the Federative Committee on Anatomical Terminology, which has been translated into Portuguese by the Terminology Committee of the Brazilian Anatomy Society. This paper correlates some of the words used in daily language to some of the words suggested by the Nomina Anatomica. The paper also discusses the need and the prospects of having such list become the reference of the spelling in orthopedic matters.

Nomenclature; Terminology; Nomina anatomica; standardization


ATUALIZAÇÃO

Terminologia Anatômica em Ortopedia

Anatomic Terminology in Orthopedics

Eduardo Murilo NovakI; Giana Silveira GiostriII; Alencar NagaiIII

IMédico Ortopedista do Grupo de Cirurgia da Mão do Hospital Universitário Cajuru - Curitiba (PR), Brasil

IIMédica responsável pelos Grupos de Cirurgia da Mão do Hospital Universitário Cajuru e Hospital Infantil Pequeno Príncipe - Curitiba (PR), Brasil

IIIMédico Ortopedista do Hospital Infantil Pequeno Príncipe - Curitiba (PR), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência : Eduardo Murilo Novak, Rua São José, 300, Hospital Cajuru – 80050-350 – Curitiba, PR. E-mail: eduardonovak@gmail.com

RESUMO

Há grande variação com relação à ortografia de termos científicos em artigos e textos médicos. Visando padronizar esses termos, vigora atualmente a Terminologia Anatômica, publicada pelo Federative Committee on Anatomical Terminology e traduzida pela Comissão de Terminologia Anatômica da Sociedade Brasileira de Anatomia. Este trabalho correlaciona alguns termos usados na linguagem cotidiana com aqueles preconizados pela Nomina Anatomica. Também, discute a necessidade e a possibilidade de essa lista vir a tornar-se referência para escrita de assuntos ortopédicos.

Descritores: Nomenclatura; Terminologia; Nomina anatomica, padronização

ABSTRACT

The spelling of scientific words in medical papers and textbooks varies a lot. In order to standardize such spelling, we now have the Anatomical Terminology, published by the Federative Committee on Anatomical Terminology, which has been translated into Portuguese by the Terminology Committee of the Brazilian Anatomy Society. This paper correlates some of the words used in daily language to some of the words suggested by the Nomina Anatomica. The paper also discusses the need and the prospects of having such list become the reference of the spelling in orthopedic matters.

Keywords: Nomenclature; Terminology; Nomina anatomica, standardization

INTRODUÇÃO

Os termos usados nas publicações da área médica sofrem variação quando se comparam diferentes autores e distintas revistas. A falta de uniformidade compromete a reprodutibilidade das palavras, pois várias correntes são criadas, cada uma seguindo a ideologia que elege apropriada. Ademais, causa dificuldade ao se fazer uma pesquisa por palavra-chave, tendo em vista que uma mesma estrutura exibe várias grafias.

Em lingüística não convém dizer que determinado vocábulo está certo ou errado, e sim se está adequado ou inadequado às normas(1). A linguagem científica deve ser exata, de modo a evitar equívocos; simples, para facilitar a compreensão; e concisa, a fim de economizar tempo de leitura e espaço em publicações(2). Além disso, os vocábulos devem ser cuidadosamente observados, "com o mesmo rigor com que se empregam os símbolos em matemática"(1).

O propósito deste trabalho é revisar os termos anatômicos e regionais habitualmente utilizados em ortopedia, com base na última edição da Terminologia Anatômica(3), objetivando informar ao médico sobre a Nomina Anatomica aceita mundialmente.

HISTÓRICO

Desde o Século XIX vem-se tentando estabelecer oficialmente a nomenclatura para as estruturas, regiões e relações anatômicas do corpo humano. A primeira lista foi publicada em 1895, conhecida como Basle Nomina Anatomica (BNA). Adotada apenas por italianos, norte-americanos, latino-americanos e por anatomistas que dominavam a língua alemã, não teve seu uso difundido, possivelmente pela não inclusão de pesquisadores ingleses e franceses(3).

Nos anos seguintes, diversos eventos foram organizados visando difundir a terminologia, conseguindo-se, cada vez mais, maior participação e adesão. Finalmente, em 1989, após longa discussão e contando com representantes de 11 países, dos cinco continentes, inclusive o Brasil, foi criada a Federative International Committee on Anatomical Terminology (FICAT)(4), um comitê da respeitável International Federation of Associations of Anatomists (IFAA)(5), órgão mundial que elabora as listagens consensuais dos termos anatômicos.

Assim, coube à FICAT elaborar a versão final da Terminologia, tendo sido anunciada oficialmente em agosto de 1997. Essa lista foi enviada a todas as sociedades anatômicas para ser traduzida para os diversos idiomas; no Brasil, a Comissão de Terminologia Anatômica da Sociedade Brasileira de Anatomia, filiada à FICAT, realizou a tradução e, seqüencialmente, publicou a primeira edição brasileira, em 2001. Esta é a última versão da Nomina Anatomica, que tem validade até a próxima revisão(3).

A Academia Brasileira de Letras elaborou o "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa" (VOLP), devidamente respaldada pela lei nº 5.765, de 18 de dezembro de 1971(6). Ali constam as palavras que pertencem ao idioma, inclusive vários termos médicos. Entretanto, há alguns termos dissonantes entre o VOLP e a Terminologia Anatômica, como por exemplo "semimembranoso", nele inserido, contra "semimembranáceo", na Terminologia. Nesses casos de conflitos, resolve-se a favor da Terminologia Anatômica.

EXPRESSÕES MÉDICAS EM ORTOPEDIA

Sabe-se que pode soar como prolixa, complexa e detalhista a observação das normas internacionais de escrita de termos médicos. Entretanto, o rigor e o respeito à norma são primordiais para a consecução da dita Padronização Terminológica Anatômica, muito embora essa "unificação" sofrerá, necessariamente, alterações ao longo dos anos.

Para ratificar a utilidade de uma terminologia única, veja-se a hesitação que pode ocorrer, por exemplo, ao se escrever o nome da articulação entre o metacarpal (ou metacarpeano?) e a falange proximal (ou primeira falange?). Seria "metacarpofalângica" ou "metacarpofalangeana"? Ou "metacarpofalangiana"? Ou ainda, noutro modelo, "semimembranoso", "semi-membranoso", "semimembranácio" ou "semimembranáceo"? Ou então, músculo "supra-espinhal", "supraespinhal", "supra-espinhoso" ou "supra-espinal"? Articulação "rádio-ulnar", "radiulnar", "radioulnar"(7) ou "radioulnal"(8)?

Se a incerteza existe é porque cada um tem seu modo de escrita, baseando-se no que vem sendo passado de geração a geração, sem necessariamente atinar-se à maneira esmerada de redigir um texto. Ninguém tem dúvida de que "rádio" é rádio, porque é dessa maneira que todo mundo escreve. Mas alguns ainda têm dúvida se ulna é cúbito. Ou se patela é rótula.

A desculpa, que às vezes ouvimos, de que tanto faz escrever "infra-espinhoso" ou "infra-espinal", sob a alegação de que de qualquer forma o leitor entenderá, não pode prosperar. Se pensarmos desse modo, o assalto à língua portuguesa estará institucionalizado e não mais será justo corrigir quem escreve exceção com "ss".

A terminologia atual traz termos incomuns à nossa prática, que embora existam em nosso léxico, não constam na Nomina Anatomica. Por exemplo, a expressão "borda radial" não é adequada, perante a norma terminológica, apesar de constar nos dicionários Aurélio e Houaiss a utilização do termo "bordo" como sinônimo de "margem"(9). No mesmo sentido, deve-se preferir usar "palma", em vez de "região volar" (derivada do latim vola), e "dedos da mão" em vez de quirodáctilo.

Outra questão é sobre o uso de "metacarpal" e "metatarsal". Concordamos, novamente, que essas palavras são pouco usuais no dia-a-dia do ortopedista brasileiro e que dicionários da língua portuguesa trazem maneiras diferentes de escrita. Mas a nômina anatômica atualizada não inclui "metacarpeano" ou "metatarseano". Se houvesse a inclusão, deveria ser feita usando "i", e não "e" ("metacarpiano", "metatarsiano"). Além disso, a lista oficial recomenda usar o algarismo romano para indicar o metacarpal/metatarsal correspondente, de I a V.

Epônimos, como sabido, recomenda-se preteri-los(10). Assim, o nosso "canal de Guyon" deve ser chamado de "túnel ulnar", da mesma forma que artéria de Adamkiewicz deve ser denominada "artéria radicular anterior".

Na tabela 1, a título de exemplo, estão elencadas algumas palavras que podem levantar dúvida ao se escrever um artigo científico ou um capítulo de livro.

Como se vê, para nós, ortopedistas, soa estranho não constar "articulação trapeziometacarpeana" e, sim, "articulação carpometacarpal do polegar", como já vem apregoando a literatura norte-americana(11-12). Concordamos que, aparentemente, nenhum especialista em ortopedia foi consultado, pois muitos substantivos que são pacíficos no uso corrente foram suprimidos ou se apresentam de modo diverso na nomenclatura oficial. O fato é que, segundo a Terminologia Anatômica, essa é a maneira escorreita postulada para se padronizarem os termos, até o presente momento.

Enfim, temos como alternativa simplesmente ignorar essas listas e praticar a ciência da intuição, encontrando, dentro de um mesmo periódico, diferentes artigos citando "tecido subcutâneo", "tecido celular subcutâneo" e "tela subcutânea" como referência à mesma estrutura. Ou, ainda, criarmos a Terminologia Anatômica Ortopédica Brasileira, que traria mais confusão à mente do médico, além de dificultar ainda mais a indexação de nossas revistas. O racional, logo, seria adotarmos uma única fonte, respeitada no mundo todo, com o objetivo, também, de participarmos das próximas revisões, para que possamos adequá-las à nossa prática.

Evidentemente que leva tempo até que nos acostumemos com novas denominações. Mas é a alternativa viável para acabar com dúvidas cruciais, como a que surge ao escrever "interfalangiana", "interfalangeana" ou "interfalângico".

CRÍTICA

Em boa hora a RBO recebe para publicação um artigo desse teor.

A indiciplina terminológica anatômica de boa parte dos ortopedistas brasileiros tem sido uma constante em trabalhos enviados para publicação.

À primeira vista pode parecer um preciosismo acadêmico de editores e revisores a exigência da precisa designação e a correta grafia dos termos anatômicos, mas é óbvio sua importância para que haja uniformidade de conceito, clareza de pensamento e fácilidade de compreensão dos textos. Acrescente-se a necessidade que se impõe de linguagem científica precisa como condição obrigatória para a aceitação dos nossos trabalhos no concerto científico mundial.

Do ponto de vista didático não é demais lembrar que a observância das regras de expressão se insere, como parte importante, na disciplina metodológica da elaboração do trabalho científico. Bem lembrada a desculpa alegada de bastar que o leitor entenda o que está escrito seja argumento para se aceitar escrita incorreta. Pondo de lado os inúmeros erros gramaticais freqüentes nos trabalhos brasileiros, que aqui não cabe comentar, podemos afirmar que o assalto à língua portuguesa já está institucionalizado com a invasão de uma infinidade de termos estrangeiros, alguns até de significado diferente no vernáculo, como por exemplo, remover (um tumor), anglicismo usado no sentido de extirpar por completo, quando em português, dentre vários significados, que dizer mudar de um lugar para outro.

Como os autores defendem, deve ser obedecida a terminologia anatômica consolidada na "Terminologia Anatômica Internacional" editada pela Sociedasde Brasileira de Anatomia filiada à FICAT, 1ª edição brasileira 2001, Editora Manole Ltda.

Arnaldo Amado Ferreira Filho

  • 1. Bacelar S, Galvão CC, Alves E, Tubino P. Expressões médicas errôneas: erros e acertos. Acta Cir Bras. 2004;19(5):582-4.
  • 2. Bacelar S, Galvão CC, Alves E, Tubino P. Expressões médicas: falhas e acertos. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2003;18(3):III-XII.
  • 3
    Sociedade Brasileira de Anatomia. Comissão de Terminologia Anatômica; Comissão Federativa da Terminologia Anatômica. Terminologia anatômica: terminologia anatômica internacional. São Paulo: Manole; 2001.
  • 4. Checchia SL, Myazaki AN, Fregoneze M, Santos PD, Silva LA, Nakandakari EY, et al. Avaliação dos resultados do tratamento cirúrgico das fraturas-luxações da extremidade proximal do antebraço no adulto. Rev Bras Ortop. 2007;42(9):297-305.
  • 5. Checchia SL, Santos PD, Fregoneze M, Myazaki AN, Silva LA, Brandão BL, et al. Tratamento cirúrgico da fratura-luxação de Monteggia inveterada nas crianças. Rev Bras Ortop. 2004;39(11/12):648-60.
  • 6. Ferreira ABH. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3Ş ed. rev. e atual. Curitiba: Editora Positivo; 2004.
  • 7. Houaiss A. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva; 2001.
  • 8. Abib FC, Oréfice F. Terminologia anatômica utilizada em oftalmologia. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(2):273-6.
  • 9. Luria S, Waitayawinyu T, Nemechek N, Huber P, Tencer AF, Trumble TE. Biomechanic analysis of trapeziectomy, ligament reconstruction with tendon interposition, and tie-in trapezium implant arthroplasty for thumb carpometacarpal arthritis: a cadaver study. J Hand Surg Am. 2007;32(5):697-706.
  • 10. Fontana L, Neel S, Claise JM, Ughetto S, Catilina P. Osteoarthritis of the thumb carpometacarpal joint in women and occupational risk factors: a case-control study. J Hand Surg Am. 2007;32(4):459-65.
  • Endereço para correspondência

    :
    Eduardo Murilo Novak,
    Rua São José, 300, Hospital Cajuru
    – 80050-350 – Curitiba, PR.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008
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