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Tromboembolia pulmonar após videoartroscopia de ombro

Thromboembolic complication after arthroscopic shoulder surgery

Resumos

Embora fenômenos tromboembólicos sejam complicações frequentes em cirurgias dos membros inferiores, apenas dois relatos de casos de tromboembolia pulmonar após artroscopia de ombro são encontrados na literatura. É descrito o caso de uma paciente com 76 anos com embolia pulmonar bilateral após artroscopia cirúrgica do ombro. Não foram encontradas anormalidades vasculares e nenhuma origem do trombo foi detectada, ficando desconhecida a causa exata responsável pela tromboembolia.

Artroscopia; Ombro; Embolia pulmonar


Though thromboembolisms are frequent complications of surgery of the lower extremities, only two cases of pulmonary thromboembolism after shoulder arthroscopy are found in the literature. We describe the case of a 76-year-old patient with pulmonary embolism in both lungs after shoulder arthroscopy. No vascular abnormalities nor the origin of the thrombus was detected. The etiology of the thromboembolism remains unknown.

Arthroscopy; Shoulder; Pulmonary embolism


RELATO DE CASO

Tromboembolia pulmonar após videoartroscopia de ombro

Thromboembolic complication after arthroscopic shoulder surgery

Fabio Farina Dal MolinI; Siluê Franzoni Dal MolinII

IMestre em Ortopedia e Traumatologia pela FCMSCSP, Ortopedista Especialista em Ombro e Cotovelo do Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS

IIMestre em Anestesiologia pela UFRGS, Anestesista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Av. Mariland, 1.314. ap. 602 - Mont Serrat 90440-190 - Porto Alegre, RS E-mail: dalmolin@ombrocotovelo.com.br

RESUMO

Embora fenômenos tromboembólicos sejam complicações frequentes em cirurgias dos membros inferiores, apenas dois relatos de casos de tromboembolia pulmonar após artroscopia de ombro são encontrados na literatura. É descrito o caso de uma paciente com 76 anos com embolia pulmonar bilateral após artroscopia cirúrgica do ombro. Não foram encontradas anormalidades vasculares e nenhuma origem do trombo foi detectada, ficando desconhecida a causa exata responsável pela tromboembolia.

Descritores: Artroscopia; Ombro; Embolia pulmonar

ABSTRACT

Though thromboembolisms are frequent complications of surgery of the lower extremities, only two cases of pulmonary thromboembolism after shoulder arthroscopy are found in the literature. We describe the case of a 76-year-old patient with pulmonary embolism in both lungs after shoulder arthroscopy. No vascular abnormalities nor the origin of the thrombus was detected. The etiology of the thromboembolism remains unknown.

Keywords: Arthroscopy; Shoulder; Pulmonary embolism

INTRODUÇÃO

A trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar (EP) são complicações conhecidas das cirurgias ortopédicas dos membros inferiores. Nas artroplastias de joelho e quadril sem profilaxia, os fenômenos tromboembólicos apresentam incidência de 29% a 60%(1,2). Nas cirurgias artroscópicas do joelho, encontra-se incidência de TVP em até 4%(3), sendo que a EP sintomática está presente em menos de 1% dos pacientes(4). Embora existam relatos de tromboembolia pulmonar fatal após artroplastia de ombro(5), esta complicação é pouco frequente após videoartroscopia desta articulação.

O objetivo deste trabalho é relatar o caso de uma paciente que desenvolveu tromboembolia pulmonar bilateral após videoartroscopia de ombro.

RELATO DE CASO

Paciente NMF, 76 anos, sexo feminino, do lar, apresentava queixa de dor em ombro esquerdo havia um ano. A dor era como agulhadas, principalmente ao levantar o braço ou em movimentos ocasionais e inesperados. A paciente apresentava diabetes tipo II, hipertensão arterial sistêmica, fazia reposição hormonal e estava acima de seu peso (70kg, 1,60m).

Ao exame físico apresentava mobilidade do ombro direito e esquerdo simétrica (150, 45, T 9), força de abdução quatro, força de rotação interna e externa cinco, Speed +, Jobe + Neer +. Ao elevar o braço, fazia um movimento específico para evitar a dor.

No exame radiográfico do ombro apresentava acrômio tipo II e cistos subcondrais na região do sulco intertubercular do úmero. Na ressonância nuclear magnética (RNM) (Figuras 1 e 2), apresentava líquido subacromial aumentado, lesão do supraespinhal com 2cm de retração, tendão do bíceps alargado com lesões intramurais e artrose acromioclavicular.



Nos exames pré-operatórios, a paciente não apresentava anormalidades sanguíneas, função renal preservada e sem hipercolesterolemia.

Diabetes, colesterol e pressão arterial estavam controlados com medicação. Fazia reposição hormonal. Negava tabagismo ou fenômenos alérgicos. Não fazia uso de anticoagulantes.

A paciente foi submetida a videoartroscopia de ombro para sutura do manguito rotador e tenotomia do cabo longo do bíceps. A mesma submeteu-se a bloqueio interescalênico e anestesia geral. Foi posicionada em cadeira de praia com 70 graus de flexão do tronco e permaneceu nesta posição por 2,5 horas. O braço direito permaneceu em abdução de 70 graus e paralelo ao tronco. O braço esquerdo foi deixado rente ao corpo, apoiado em um suporte.

A inspeção artroscópica mostrou um tendão do bíceps degenerado e alargado. Havia líquido sinovial no espaço subacromial e o manguito rotador apresentava lesão do supraespinhal em U, com 2cm de retração (Figura 3). O bíceps foi tenodesado, foi feita acromioplastia e ressecção da extremidade lateral da clavícula, pois houve lesão da estrutura capsuloligamentar inferior da articulação acromioclavicular e a mesma apresentava-se com artrose avançada. A lesão em U do supraespinhal foi suturada com um ponto tendão-tendão e duas âncoras, segundo a técnica de dupla fileira: foi colocada uma âncora com dois fios no colo anatômico e feito dois pontos tipo matress. Uma segunda âncora com um fio foi colocada no tubérculo maior e feito um ponto em U, passando pelas bordas anterior e posterior da lesão, fazendo o fechamento completo desta (Figura 4). A bomba de infusão foi utilizada em 40mmHg e, ocasionalmente, em 60mmHg, para controlar e realizar a hemostasia com radiofrequência.



Na sala de recuperação, uma hora após o procedimento, a paciente apresentava-se ansiosa, impaciente, queixando-se de desconforto inespecífico na região esofagiana alta. Queixava-se também de dor no ombro esquerdo, apesar de estar sob efeito analgésico de bloqueio interescalênico. Como a queixa de dor era importante, a paciente foi tratada com sulfato de morfina, mas não apresentou melhora nos sintomas. A saturação arterial de oxigênio (SpO2) com cateter nasal permanecia em 94-96%. Nas horas seguintes, a paciente apresentava-se mais queixosa, gemente, e a saturação diminuiu para 93-94%. O oxigênio foi aumentado para 5L/min e, três horas após o procedimento, a SpO2 estava em 92%. A paciente foi reavaliada e referia rouquidão e desconforto retroesternal. A ausculta pulmonar apresentava estertores crepitantes bilaterais e foi administrado diurético para tratamento de provável edema agudo de pulmão. Solicitou-se radiografia de tórax, a qual apresentou consolidação na base pulmonar direita. A gasometria arterial apresentou SpO2 de 90% e D-Dímeros entre 500-1.000ng/mL (valor de referência < 250ng/mL). A paciente permaneceu com oxigênio 3L/min por mais dois dias e a saturação sanguínea de oxigênio permaneceu em torno de 94-95%. Pressão arterial e glicemia estavam controladas. A tomografia computadorizada de tórax apresentou algumas opacidades centrolobulares e estrias atelectásicas no lobo inferior esquerdo de etiologia inflamatória/pós-inflamatória. A ecocardiografia com Doppler apresentou quadro de mínima insuficiência mitral e tricúspide, e permitia estimar a pressão pulmonar em 41mmHg. A cintilografia perfusional pulmonar (Figura 5) encontrou evidências de várias áreas hipoperfundidas anormais subsegmentares nos dois pulmões, altamente sugestivo de embolia pulmonar. A ecodoppler do sistema venoso dos membros inferiores não apresentou sinais de trombose ou refluxo no sistema venoso profundo dos membros inferiores.


DISCUSSÃO

Os fenômenos tromboembólicos são complicações frequentes em pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas em membros inferiores. Patologia venosa tromboembólica após artroplastia de joelho e quadril ocorre entre 29% e 60% dos pacientes que não fazem profilaxia(6). Estudos de pacientes que realizaram artroscopia de joelho mostram que a incidência pode variar de 4% a 17%(3,4,7). A incidência desta patologia grave após cirurgia do membro superior não está bem definida. Lyman et al(6), em estudo de prognóstico retrospectivo, encontraram incidência de 0,5% de TVP após artroplastias de ombro. Após videoartroscopia de ombro, existem poucos casos relatados na literatura(8,9).

Existe associação clara entre trombose venosa profunda e embolia pulmonar. A incidência de tromboembolia pulmonar aumenta com a incidência de TVP. A tríade de Wirchow: hipercoagulabilidade, estase e lesão da íntima é a causa da formação do trombo. Estes fatores estão presentes tanto nas cirurgias dos membros inferiores como superiores(5).

Os seguintes fatores têm sido associados com fenômenos tromboembólicos: idade, obesidade, trauma, deficiência de antitrombina III, deficiência de proteína C e S, câncer, uso de anticoncepcionais orais, infarto do miocárdio, imobilização prolongada, história prévia de EP ou TVP(5,6).

Ao contrário do que na articulação do joelho e quadril, são pouco frequentes os estudos sistematizados que investiguem a incidência de TVP e EP no ombro. Somente alguns casos de complicações tromboembólicas após videoartroscopia de ombro estão relatados(8,9). Relatos de TVP depois de artroscopia do membro superior correlacionam a TVP com coagulopatia e anormalidades anatômicas(8,9). No caso anteriormente descrito, a paciente apresentava vários fatores de risco para tromboembolia: idade avançada, diabética tipo II, uso de hormônios e obesidade. Neste caso, não encontramos nenhuma coagulopatia ou causa mecânica para a embolia. Assim, a verdadeira causa da embolia pulmonar do caso que relatamos não foi encontrada. Somente podemos considerar a presença dos fatores de risco.

Polzhofer et al(10) acreditam que a lesão da veia subclávia, devido à compressão da ponteira do shaver, pode levar a fenômenos tromboembólicos, e referem que esta é a provável causa da patologia. Consideram que a posição inadequada do braço, a compressão causada pelo edema operatório e a tração elevada também podem contribuir para lesões da subclávia que levaria ao tromboembolismo. Em nosso caso, apesar de não usarmos tração do braço em cadeira de praia, concordamos que o edema causado pela infusão de soro pela bomba de infusão e a manipulação do shaver no portal anterior durante a ressecção da articulação acromioclavicular pode contribuir com a lesão da subclávia. Achamos também que a posição em 70 graus de flexão do tronco para a posição em cadeira de praia pode levar a estase e, consequentemente, tromboembolia. Também levantamos a hipótese de que a lesão mecânica do acrômio e clavícula durante a ressecção com burr, pode levar à embolia gordurosa.

O uso de profilaxia medicamentosa é controverso. Wirth et al(3), em estudo controlado com heparina de baixo peso molecular, em 239 pacientes avaliados, seis apresentaram TVP, cinco no grupo controle e um no grupo tratado. Como a literatura atual não apresenta a incidência exata de complicação tromboembólicas, não há consenso sobre a recomendação de profilaxia com medicamentos. No entanto, concordamos com Polzhofer et al(10) que a profilaxia com heparina de baixo peso molecular pode ser usada em pacientes de alto risco para complicações tromboembólicas.

CONCLUSÃO

A videoartroscopia cirúrgica do ombro é um procedimento seguro. Mas, embora sejam raras, complicações graves como embolia pulmonar podem ocorrer e devem sempre ser lembradas.

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

Trabalho realizado no Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS.

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  • 10. Polzhofer GK, Petersen W, Hassenpflug J. Thromboembolic complication after arthroscopic shoulder surgery. Arthroscopy. 2003;19(9):E129-32.
  • Correspondência:

    Av. Mariland, 1.314. ap. 602 - Mont Serrat
    90440-190 - Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010
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