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Disestesia peri-incisional após reconstrução do ligamento cruzado anterior com terço central do tendão patelar

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a prevalência e o tipo de disestesia em torno da incisão utilizada para obtenção desse tendão na cirurgia de reconstrução do LCA. MÉTODOS: De uma população de 1.368 reconstruções do LCA com o terço central do tendão patelar, foram avaliados, por entrevista telefônica, 102 pacientes, totalizando 111 joelhos. RESULTADOS: O seguimento médio foi de 52 meses, variando entre 12 e 88 meses. A idade dos pacientes variou entre 16 e 58 anos, com média de 34,7 anos. Em 66 joelhos (59,46%), houve algum grau de disestesia peri-incisional. Em 40,54% dos joelhos, essa condição não foi encontrada. Em todos os casos de disestesia, o tipo encontrado foi o tipo II de Highet. CONCLUSÃO: A disestesia peri-incisional após a reconstrução do LCA com terço central do tendão patelar é muito prevalente, acometendo mais da metade dos casos nessa série.

Joelho; Ligamento Cruzado Anterior; Parestesia


OBJECTIVE: To evaluate the prevalence and type of dysesthesia around the incision used to obtain the patellar tendon for anterior cruciate ligament (ACL) reconstruction surgery. METHODS: Out of a population of 1368 ACL reconstructions using the central third of the patellar tendon, 102 patients (111 knees) were evaluated by means of telephone interview. RESULTS: The mean follow-up was 52 months (ranging from 12 to 88 months). The patients' ages ranged from 16 to 58 years (mean: 34.7 years). There was some degree of peri-incisional dysesthesia in 66 knees (59.46%). In 40.54% of the knees, this condition was not found. In all the cases of dysesthesia, the type encountered was Highet's type II. CONCLUSION: Peri-incisional dysesthesia following ACL reconstruction using the central third of the patellar tendon is highly prevalent. It affected more than half of the cases in this series.

Knee; Anterior Cruciate Ligament; Paresthesia


ARTIGO ORIGINAL

Disestesia peri-incisional após reconstrução do ligamento cruzado anterior com terço central do tendão patelar

Peri-incisional dysesthesia following anterior cruciate ligament reconstruction using central third of patellar tendon

Lúcio Honório de Carvalho JúniorI; Luiz Fernando Machado Soares II; Matheus Braga Jacques GonçalvesII; Paulo Randal Pires JúniorIII; Daniel Soares BaumfeldIII; Marcelo Lobo PereiraIV; Rodrigo Rosa LessaIV; Lincoln Paiva CostaIV; Henrique Barra BisinotoV

IDoutor pela Unifesp. Professor Adjunto do Departamento do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina da UFMG. Membro do Grupo do Joelho do Hospital Madre Teresa

IIMembro do Grupo do Joelho do Hospital Madre Teresa de Belo Horizonte

IIMédico Residente em Ortopedia e Traumatologia do Hospital Madre Teresa de Belo Horizonte

IVMédico Especializando do 4º ano do Serviço de Ortopedia do Hospital Madre Teresa

VAcadêmico do Curso de Medicina da UFMG

Correspondência Correspondência: R. Olavo Carsalade Vilela, 264 Ipê da Serra - 34000-000 Nova Lima, MG E-mail: luciohcj@medicina.ufmg.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a prevalência e o tipo de disestesia em torno da incisão utilizada para obtenção desse tendão na cirurgia de reconstrução do LCA.

MÉTODOS: De uma população de 1.368 reconstruções do LCA com o terço central do tendão patelar, foram avaliados, por entrevista telefônica, 102 pacientes, totalizando 111 joelhos.

RESULTADOS: O seguimento médio foi de 52 meses, variando entre 12 e 88 meses. A idade dos pacientes variou entre 16 e 58 anos, com média de 34,7 anos. Em 66 joelhos (59,46%), houve algum grau de disestesia peri-incisional. Em 40,54% dos joelhos, essa condição não foi encontrada. Em todos os casos de disestesia, o tipo encontrado foi o tipo II de Highet.

CONCLUSÃO: A disestesia peri-incisional após a reconstrução do LCA com terço central do tendão patelar é muito prevalente, acometendo mais da metade dos casos nessa série.

Descritores: Joelho/cirurgia; Ligamento Cruzado Anterior/cirurgia; Parestesia

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the prevalence and type of dysesthesia around the incision used to obtain the patellar tendon for anterior cruciate ligament (ACL) reconstruction surgery.

METHODS: Out of a population of 1368 ACL reconstructions using the central third of the patellar tendon, 102 patients (111 knees) were evaluated by means of telephone interview.

RESULTS: The mean follow-up was 52 months (ranging from 12 to 88 months). The patients' ages ranged from 16 to 58 years (mean: 34.7 years). There was some degree of peri-incisional dysesthesia in 66 knees (59.46%). In 40.54% of the knees, this condition was not found. In all the cases of dysesthesia, the type encountered was Highet's type II.

CONCLUSION: Peri-incisional dysesthesia following ACL reconstruction using the central third of the patellar tendon is highly prevalent. It affected more than half of the cases in this series.

Keywords: Knee/surgery; Anterior Cruciate Ligament/surgery, Paresthesia

INTRODUÇÃO

A reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) é um procedimento cada vez mais realizado, uma vez que sua lesão tem relação direta com o aumento da prática de atividades esportivas(1-3). Sua reconstrução envolve a utilização de enxertos livres, que podem ser autólogos ou homólogos(1-3). Das opções autólogas, uma das mais utilizadas é o terço central do tendão patelar(1-5). As outras opções autólogas incluem os tendões flexores (semitendíneo e grácil) e quadríceps.

A morbidade sobre a área doadora é fator de destaque no processo decisório quanto ao tipo de enxerto a ser utilizado. Uma das críticas quanto ao uso do terço central do tendão patelar é a possibilidade do acesso cirúrgico interferir com o ramo infrapatelar do nervo safeno. Esse ramo inerva a região medial e lateral da pele abaixo da patela(6-8) e, quando traumatizado ou lesado, pode causar disestesia peri-incisional em graus variados.

O objetivo deste trabalho é avaliar a prevalência de disestesia peri-incisional após reconstrução do LCA com o terço central do tendão patelar.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo transversal, avaliando pacientes submetidos à reconstrução do LCA utilizando como enxerto livre o terço central do tendão patelar. Todos os pacientes foram operados pelos autores no Hospital Madre Teresa de Belo Horizonte entre maio de 2001 e setembro de 2008, totalizando 1.368 pacientes.

A avaliação foi telefônica, pesquisando através da palpação, pelo paciente, da região adjacente ao acesso cirúrgico. Tal avaliação foi validada após teste piloto realizado no mesmo serviço.

Por definição, disestesia é alteração da sensibilidade, em especial do tato. O indivíduo pode sentir dor ao toque leve e não ao toque ou pressão firme. É classificada de acordo com a Escala de Highet(9):

S0: anestesia;

S1: sensibilidade profunda preservada;

S2: sensibilidade dolorosa e tátil preservada com disestesia;

S3: sensibilidade dolorosa e tátil preservada sem disestesia;

S4: sensibilidade discriminativa presente; e S5: sensibilidade normal.

Foram registradas características dos pacientes, a data da cirurgia, a presença ou não da disestesia peri-incisional e, caso presente, sua localização (superior, inferior, lateral ou medial em relação à incisão) e característica segundo a escala de Highet(9).

Foi realizado cálculo amostral que encontrou 108 joelhos como sendo suficientes para que os achados tivessem 95% de probabilidade de serem representativos da amostra (intervalo de confiança de nove pontos percentuais para mais ou para menos). Sua escolha se deu por sorteio.

O trabalho foi apresentado e aprovado na Comissão de Ética em Pesquisa da instituição.

RESULTADOS

Foram avaliados 102 pacientes (111 joelhos). Destes, 61 joelhos foram do lado direito (54,95%) e 41 joelhos do lado esquerdo (36,94%), com nove pacientes (8,11%) submetidos à reconstrução bilateral.

A idade dos pacientes variou entre 16 e 58 anos, com média de 34,7 anos.

O seguimento pós -operatório variou entre 12 e 88 meses, com média de 52 meses.

Em 66 joelhos (59,46%), houve algum grau de disestesia peri- incisional. Em 40,54% dos joelhos essa condição não foi encontrada.

A localização da disestesia foi avaliada quanto ao número de locais acometidos (superior, inferior, medial e lateral), sendo mais comum o acometimento em apenas uma dessas quatro localizações.

O local mais acometido foi a parte lateral da incisão, (37 joelhos - 33,3%), seguido da inferior (12 joelhos - 10,8%), da medial (cinco joelhos - 4,5%) e da superior (dois joelhos - 1,8%). Todos os pacientes com disestesia apresentavam tipo S2 de Highet(9).

Outros pacientes apresentaram disestesia em mais de uma região. Das localizações associadas, observou-se disestesia lateral e inferior em quatro joelhos (3,6%), lateral e medial em três (2,7%), lateral e superior em dois (1,8%) e apenas um paciente (0,9%) apresentou disestesia nas quatro regiões do joelho.

Dos pacientes assintomáticos, 18 afirmaram já terem apresentado disestesia em algum momento do pós-operatório (do tipo S2 de Highet); contudo, observaram melhora progressiva com o passar do tempo, alcançando a classificação S5. Destes, três revelaram melhora em um mês, um em quatro meses, dois em seis meses, um em 10 meses, seis em período maior que 12 meses e cinco pacientes melhoraram após 24 meses de pós-operatório.

DISCUSSÃO

A perda sensorial periférica acompanha padrão anatômico definido. Após corte do nervo periférico, apenas pequena área nervosa periférica com perda total de sensibilidade é achada. Essa área é denominada zona autônoma ou zona isolada. A zona autônoma apresenta recuperação que pode levar poucos dias a semanas após a lesão, eventualmente com longo tempo de regeneração(10).

A ordem de recuperação da sensibilidade já foi definida e segue (segundo Horner e Dellon) (8) a seguinte sequência: primeiro - percepção dolorosa e temperatura; e, em um segundo tempo - percepção tátil.

Busam et al(11) e Cohen et al (12) descreveram a lesão do ramo infrapatelar do nervo safeno como uma das complicações possíveis após a reconstrução do LCA com terço central do tendão patelar; contudo, nenhum deles descreveu sua prevalência.

Diferentemente dos distúrbios sensoriais na mão e no pé que causam grandes limitações, a maioria das lesões do ramo infrapatelar do nervo safeno não impede as atividades diárias do paciente. Sua distribuição anatômica segue dois tipos de padrão. No primeiro tipo, o nervo cruza a região proximal da tíbia de medial para lateral próximo ao terço distal do tendão patelar. No segundo tipo, o nervo cruza a região proximal por sobre o terço médio do tendão patelar. O primeiro tipo é o mais frequente(7).

Neste trabalho, em 56,46% dos pacientes, foi encontrado algum grau de disestesia peri-incisional pós-operatória. Na literatura consultada não foi descrito o percentual nem as características dessa alteração no pós-operatório.

O local mais comum de alteração de sensibilidade foi na região lateral da incisão (33,3%), podendo estar relacionada com a anatomia do ramo infrapatelar do nervo (transversal de medial para lateral).

Apesar de sua íntima relação com o tendão patelar, a disestesia peri-incisional relacionada ao dano do nervo safeno não apresenta implicações funcionais além daquelas já relacionadas com a retirada do tendão propriamente dito(13).

A condição aqui estudada foi considerada como definitiva no momento da avaliação, que, por sua vez, se deu por amostra aleatória calculada sobre o número total de indivíduos. Não foi encontrada diferença entre o tempo de seguimento entre os grupos com e sem disestesia peri-incisional.

CONCLUSÃO

A disestesia peri-incisional após a reconstrução do LCA com terço central do tendão patelar é muito prevalente, acometendo mais da metade dos casos nessa série.

Trabalho recebido para publicação: 11/10/09, aceito para publicação: 12/01/10.

Trabalho realizado no Hospital Madre Teresa de Belo Horizonte.

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

  • 1. Fox JA, Nedeff DD, Bach BR Jr, Spindler KP. Anterior cruciate ligament reconstruction with patellar autograft tendon. Clin Orthop Relat Res. 2002;(402):53‑63
  • 2. Simon NJ. Roberts MA. Graft choice in anterior cruciate ligament reconstruction. Tech Knee Surg. 2005 4(2):112-9
  • 3. Denti M, Vetere D, Bait C, Schönhuber H, Melegati G, Volpi P. Revision anterior cruciate ligament reconstruction: causes of failure, surgical technique, and clinical results. Am J Sports Med. 2008;36(10):1896-902.
  • 4. Johnson D. Techniques in knee surgery: anterior cruciate ligament reconstruction. Tech Knee Surg 2006;5(2):107-20.
  • 5. Camanho GL, Camanho LF, Munhoz MAS, Moura MC. Tratamento da lesão aguda do ligamento cruzado anterior. Rev Bras Ortop. 1997;32(5):347-52.
  • 6. Strum GM, Friedman MJ, Fox JM, Ferkel RD, Dorey FH, Del Pizzo W, et al. Acute anterior cruciate ligament reconstruction. Analysis of complications. Clin Orthop Relat Res. 1990;(253):184-9.
  • 7. Mmochida H, Kikuchi S. Injury to infrapatellar branch of saphenous nerve in arthroscopic knee surgery. Clin Orthop Relat Res. 1995;(320):88-94.
  • 8. Horner G, Dellon AL. Innervation of the human knee joint and implications for surgery. Clin Orthop Relat Res. 1994;(301):221-6.
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  • 10. Clarke HD, Scott WN, Insall JN, Pedersen HB, Math KR, et al. Anatomy. In: Insall JN, Scott WN. Surgery of the knee. 4th ed. New York: Churchill Livingstone; 2006. p. 3-66.
  • 11. Busam ML, Provencher MT, Bach BR Jr. Complications of anterior cruciate ligament reconstruction with bone-patellar tendon-bone constructs: care and prevention. Am J Sports Med. 2008;36(2):379-94
  • 12. Cohen, M, Abdalla, RJ, Carneiro Filho M, Queiroz AAB, Ferreira Filho FS. Complicações da reconstrução intra-articular com tendão patelar: relato preliminar. Rev Bras Ortop. 1992:27(4):245-8.
  • 13. Andrade MAP, Cenni MHF, Pinheiro Júnior LFB, Lemos WG. A repercussão da retirada do enxerto do tendão patelar no mecanismo extensor do joelho. Rev Bras Ortop. 1999:34(8):461-4.
  • Correspondência:

    R. Olavo Carsalade Vilela, 264
    Ipê da Serra - 34000-000
    Nova Lima, MG
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Out 2009
    • Aceito
      12 Jan 2010
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