Acessibilidade / Reportar erro

Queimadura de terceiro grau na região da placa eletrocirúrgica durante artroscopia de ombro: relato de caso

Resumos

O número de artroscopias de ombro está aumentando e, por causa disso, a frequência de complicações relacionadas também aumenta. O presente caso relata uma queimadura de terceiro grau na região da placa eletrocirúrgica durante esta cirurgia e alerta sobre possíveis causas e como tentar prevenir esta rara, mas possível complicação.

Queimaduras; Queimaduras; Artroscopia; Falha de Equipamento


The number of shoulder arthroscopy procedures is increasing and, because of this, the frequency of related complications is also increasing. This report presents a case of third-degree burn from an electrosurgical pad during this procedure and serves as an alert regarding the possible causes and how to try to prevent this rare, but possible complication.

Burns; Burns; Equipment Failure


RELATO DE CASO

Queimadura de terceiro grau na região da placa eletrocirúrgica durante artroscopia de ombro: relato de caso

Third-degree burn in the region of the electrosurgical pad during shoulder arthroscopy: a case report

Leandro Cardoso GomideI; Celso Eduardo Ribeiro Gonçalves SantosI; Cleber Jesus PereiraI; Luiz Cláudio Coelho CarvalhoI; Sérgio Antônio Souza QueirozI; Roberto da Cunha LucianoI; Daniel Barros PereiraII; Lélia Pereira LeocádioIII

IMédico Ortopedista do Hospital Orthomedcenter - Uberlândia, MG, Brasil

IIChefe do Serviço de Ortopedia do Hospital Orthomedcenter - Uberlândia, MG, Brasil

IIIFisioterapeuta do Hospital Orthomedcenter - Uberlândia, MG, Brasil

Correspondência Correspondência: Av. Rondon Pacheco, 555 Bairro Copacabana - 38400-242 Uberlândia, MG Tel: 34-3233 E-mail: leandro@orthomedcenter.com.br

RESUMO

O número de artroscopias de ombro está aumentando e, por causa disso, a frequência de complicações relacionadas também aumenta. O presente caso relata uma queimadura de terceiro grau na região da placa eletrocirúrgica durante esta cirurgia e alerta sobre possíveis causas e como tentar prevenir esta rara, mas possível complicação.

Descritores: Queimaduras/etiologia; Queimaduras/prevenção & Controle; Artroscopia; Falha de Equipamento

ABSTRACT

The number of shoulder arthroscopy procedures is increasing and, because of this, the frequency of related complications is also increasing. This report presents a case of third-degree burn from an electrosurgical pad during this procedure and serves as an alert regarding the possible causes and how to try to prevent this rare, but possible complication.

Keywords: Burns/etiology; Burns/prevention & Control; Equipment Failure

INTRODUÇÃO

A artroscopia de ombro é um procedimento cada vez mais frequente nos dias atuais e, com isto, a frequência das complicações desta técnica cirúrgica também aumenta. No presente estudo, relatamos uma queimadura de terceiro grau no sítio de colocação da placa eletrocirúrgica na região da coxa de um paciente. Encontramos somente um caso semelhante na literatura.

Uma boa compreensão dos potenciais mecanismos de queimaduras em pacientes submetidos à eletrocauterização em cirurgias é necessária, a fim de tornar estas lesões as mais raras possíveis.

RELATO DE CASO

Um atleta de vôlei, sexo masculino, 28 anos de idade foi submetido a uma artroscopia no ombro direito para tratamento de uma lesão parcial bursal do manguito rotador na posição de cadeira de praia. Foi utilizada uma placa eletrocirúrgica (condutor de retorno), autoadesiva (3M®), para eletrocoagulação, na coxa esquerda.

Durante a artroscopia, nenhuma alteração articular foi evidenciada. Já no espaço subacromial, após a realização da bursectomia, a lesão parcial do manguito rotador foi localizada e nela foi realizado somente desbridamento com shaver. Após tal desbridamento, utilizou-se um dispositivo de ablação por eletrocautério (Linvatec®) para remover tecidos moles da superfície inferior do acrômio, a fim de expô-lo melhor e proceder à acromioplastia, a qual foi realizada em cerca de 10 minutos. Após o fechamento dos portais, foi realizado curativo e colocada tipoia.

No momento da retirada dos campos cirúrgicos, foi constatado, ao retirar a placa eletrocirúrgica, uma queimadura de terceiro grau no sítio de colocação da mesma (Figura 1). Foi contatado um cirurgião plástico do nosso hospital para a avaliação o qual recomendou tratamento com observação da lesão nos primeiros dias, desbridamento de tecidos necróticos em segundo tempo e curativos diários com sulfato de neomicina e bacitracina. Após quatro meses, tal lesão estava cicatrizada (Figura 2).



DISCUSSÃO

A artroscopia de ombro está cada vez mais sendo utilizada pelos cirurgiões ortopédicos. É uma técnica na qual se utiliza, frequentemente, de instrumentos eletrocirúrgicos para controlar sangramentos ou ablação de tecidos moles. Por causa da produção de calor e da corrente elétrica, queimaduras podem ocorrer nos pacientes.

Segundo Mundinger et al(1), queimaduras por eletrocautério no intraoperatório podem ser divididos em quatro categorias: 1) queimaduras por contato direto resultantes de uso inadequado de eletrodos; 2) queimaduras na "placa-terra"; 3) queimaduras resultantes de eletrodos molhados; 4) queimaduras ocorrendo fora do campo operatório como resultados de circuitos gerados entre o eletrodo ativo e uma fonte-terra alternada.

Basicamente, a corrente eletrocirúrgica tradicional de um circuito do tipo monopolar funciona da seguinte maneira: em um gerador se produz a corrente eletrocirúrgica, a qual é conduzida até o eletrodo por cabos. Este eletrodo ativo transmite a corrente cirúrgica ao tecido, a qual sairá do paciente por meio da "placa-terra" eletrocirúrgica, chegando novamente ao gerador. Como a área da superfície da "placa-terra" é muito maior que a do eletrodo ativo (onde acontece o corte, a coagulação ou a ablação), a corrente é dispersa por uma grande área, minimizando o aquecimento do tecido abaixo da "placa-terra". Contudo, se a corrente aumenta, a temperatura da placa também aumenta. Segundo Fickling et al(2), caso a temperatura da "placa-terra" exceda 44ºC, queimaduras podem acontecer.

Segundo estes mesmos autores, alguns fatores contribuem para as queimaduras: o primeiro seria o longo tempo de ativação do eletrocautério e em especial sobre altas temperaturas, o que esquentaria a "placa-terra" em excesso. O segundo fator seria uma diminuição na área de contato da "placa -terra", o que resultaria na concentração de corrente somente nos pontos de contato restantes e a corrente não dispersaria por toda a área da "placa-terra". Isto pode ocorrer por alguns fatores: placa colocada sobre uma área com muito pelo, a qual não foi tricotomizada; proeminências ósseas; áreas com pouco tecido mole; áreas oleosas; áreas com muito creme hidratante ou com cicatrizes. O terceiro, e que também pensamos ser provável, foi que utilizamos altas correntes por longo período sem interrupção. Isto foi feito a fim de tentar reduzir o sangramento, visto que o anestesista não estava conseguindo uma hipotensão adequada para o procedimento, temendo uma lesão cerebral por baixo fluxo, já que o paciente estava sendo operado em uma posição de cadeira de praia.

Outro motivo do sangramento é que na artroscopia de ombro não se utiliza garrote pneumático, diferentemente da artroscopia do joelho e do tornozelo. Outro motivo para a utilização de altas correntes, é que na artroscopia utiliza -se soro fisiológico, o qual é uma solução condutora de eletricidade que faz dispersar a corrente para fora do sítio cirúrgico desejado, obrigando a utilizar correntes elétricas mais altas para se ter o efeito desejado.

Outro tópico que merece ser discutido é que na cirurgia do nosso paciente foi realizada, além do bloqueio de plexo, anestesia geral. Isto faz com que o paciente fique inconsciente e então ele não pode nos "avisar"que está sendo queimado, ou seja, queimamos o paciente sem saber que isto estava acontecendo e só vamos saber quando a placa for retirada.

Sanders et al(3) relatam que notaram um cheiro de queimado durante a artroscopia e então interromperam o procedimento temporariamente. No nosso caso, não sentimos tal cheiro.

As queimaduras nas placas eletrocirúrgicas são extremamente raras e acreditamos que são subrelatadas na literatura. É muito importante tomar todas as precauções necessárias para evitar esta complicação. Sanders et al(3) sugerem inspecionar cada placa a ser utilizada; colocar a placa em um local apropriado e bem preparado com muita massa muscular; utilizar o mínimo de corrente necessária, e com pausas, a fim de se resfriar o tecido abaixo da placa; utilizar duas placas apropriadas em pacientes de alto risco como crianças ou idosos com pouca massa muscular.

Além das consequências médicolegais, as queimaduras nas placas eletrocirúrgicas podem gerar impactos físicos, financeiros e psicológicos nos pacientes e suas famílias.

Trabalho recebido para publicação: 12/01/10, aceito para publicação: 19/07/10.

Trabalho realizado no Hospital Orthomedcenter - Uberlândia, MG.

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

  • 1. Mundinger GS, Rozen SM, Carson B, Greenberg RS, Redett RJ. Case report: Full-thickness forehead burn over indwelling titanium hardware resulting from an aberrant intraoperative electrocautery circuit. Eplasty. 2007;8:e1.
  • 2. Fickling J, Loeffler C. When is it necessary to use two patient return electrodes? Clin Information Hotline News. 2005;10(1):1-3.
  • 3. Sanders SM, Krowka S, Giacobbe A, Bisson LJ. Case report: third-degree burn from a grounding pad during arthroscopy. Arthroscopy. 2009;25(10):1193-7.
  • Correspondência:

    Av. Rondon Pacheco, 555
    Bairro Copacabana - 38400-242
    Uberlândia, MG
    Tel: 34-3233
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Aceito
      19 Jul 2010
    • Recebido
      12 Jan 2010
    Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbo@sbot.org.br