Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da apresentação de sinais e sintomas de impacto femoroacetabular após epifisiólise do fêmur proximal

Resumos

OBJETIVO: Neste trabalho, procuramos avaliar se existe relação entre o grau de deslizamento da epifisiólise femoral proximal (EFP) e a presença de impacto femoroacetabular (IFA). Ainda, analisou-se o arco de movimento do quadril (ADM) em relação ao IFA, além de revisar a literatura sobre o assunto. MÉTODO: Foram analisados 19 casos de EFP em 15 pacientes tratados cirurgicamente com epifisiodese in situ com um parafuso canulado, com seguimento médio de 27 meses. Realizou-se a análise do grau de deslizamento da EFP pelos ângulos epimetafisário (âEM) e coloepifisário (âCE) da radiografia em perfil, dos sinais de impacto radiográficos na incidência anteroposterior, dos sintomas clínicos e do ADM do quadril. RESULTADOS: Evidenciou-se que o grau de deslizamento da EFP (através do âEM) apresenta relação inversa estatisticamente significante com a presença de IFA no período médio de seguimento deste estudo. Ou seja, os pacientes que demonstraram um quadro sintomático de IFA apresentaram graus menores de deslizamento. Isso pode ser explicado pelo fato que o tipo de impacto que ocorre na EFP (came de inclusão ou de impacção) depende do grau de deslizamento, e estes se apresentam de forma e cronologia diferentes. O ADM do quadril não apresentou relação com o IFA. CONCLUSÃO: Há relação entre o grau de deslizamento e a presença de IFA clínicoradiológica após EFP.

Epífise Deslocada; Epífise Deslocada; Epífise Deslocada; Epífise Deslocada; Articulação do Quadril


OBJECTIVES: In this study, we sought to evaluate whether there is any relationship between the degree of epiphysiolysis of the proximal femur (EPF) and the presence of femoroacetabular impingement (FAI). Hip range of motion (ROM) was also analyzed in relation to FAI, and the literature on this topic was reviewed. METHODS: Nineteen cases of EPF in fifteen patients who had been treated surgically by means of in situ epiphysiodesis with a cannulated screw were evaluated. The mean follow-up was 27 months. The degree of EPF was analyzed using the epimetaphyseal and neck-epiphyseal angles on lateral-view radiographs, the radiographic signs of FAI on anteroposterior-view radiographs, clinic symptoms and hip ROM. RESULTS: It was found that the degree of EPF (through the epimetaphyseal angle) presented a statistically significant inverse relationship with the presence of FAI over the mean follow-up period of this study. In other words, the patients with symptoms of FAI presented lesser degrees of slippage. This can be explained by the fact that the types of impingement that occurs in cases of EPF (i.e. cam impaction or inclusion) depends on the degree of slippage, and these present different clinical forms and chronology. The ROM did not present any relationship with FAI. CONCLUSION: There is a relationship between the degree of slippage and the presence of clinical-radiological FAI after EPF.

Epiphysis, slipped; Epiphysis, slipped; Epiphysis, slipped; Epiphysis, slipped; Hip joint


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da apresentação de sinais e sintomas de impacto femoroacetabular após epifisiólise do fêmur proximal

Evaluation of presentation of signs and symptoms of femoroacetabular impingement after epiphysiolysis of the proximal femur

Fábio Peng KrügerI; Paulo Sérgio Gérzon de BrittoII; Lauro Machado NetoIII; Carlos Roberto SchwartsmannIV

IMédico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IIMédico Chefe do Departamento de Ortopedia e Traumatologia Infantil do Hospital da Criança Santo Antônio no Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IIIMédico Assistente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia Infantil do Hospital da Criança Santo Antônio no Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre

IVMédico Chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre Rua Monsenhor Veras, 369/204 Santana - 90610-010 - Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: fabiokruger@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Neste trabalho, procuramos avaliar se existe relação entre o grau de deslizamento da epifisiólise femoral proximal (EFP) e a presença de impacto femoroacetabular (IFA). Ainda, analisou-se o arco de movimento do quadril (ADM) em relação ao IFA, além de revisar a literatura sobre o assunto.

MÉTODO: Foram analisados 19 casos de EFP em 15 pacientes tratados cirurgicamente com epifisiodese in situ com um parafuso canulado, com seguimento médio de 27 meses. Realizou-se a análise do grau de deslizamento da EFP pelos ângulos epimetafisário (âEM) e coloepifisário (âCE) da radiografia em perfil, dos sinais de impacto radiográficos na incidência anteroposterior, dos sintomas clínicos e do ADM do quadril.

RESULTADOS: Evidenciou-se que o grau de deslizamento da EFP (através do âEM) apresenta relação inversa estatisticamente significante com a presença de IFA no período médio de seguimento deste estudo. Ou seja, os pacientes que demonstraram um quadro sintomático de IFA apresentaram graus menores de deslizamento. Isso pode ser explicado pelo fato que o tipo de impacto que ocorre na EFP (came de inclusão ou de impacção) depende do grau de deslizamento, e estes se apresentam de forma e cronologia diferentes. O ADM do quadril não apresentou relação com o IFA.

CONCLUSÃO: Há relação entre o grau de deslizamento e a presença de IFA clínicoradiológica após EFP.

Descritores: Epífise Deslocada/diagnóstico; Epífise Deslocada/ epidemiologia; Epífise Deslocada/radiografia; Epífise Deslocada/complicações; Articulação do Quadril

ABSTRACT

OBJECTIVES: In this study, we sought to evaluate whether there is any relationship between the degree of epiphysiolysis of the proximal femur (EPF) and the presence of femoroacetabular impingement (FAI). Hip range of motion (ROM) was also analyzed in relation to FAI, and the literature on this topic was reviewed.

METHODS: Nineteen cases of EPF in fifteen patients who had been treated surgically by means of in situ epiphysiodesis with a cannulated screw were evaluated. The mean follow-up was 27 months. The degree of EPF was analyzed using the epimetaphyseal and neck-epiphyseal angles on lateral-view radiographs, the radiographic signs of FAI on anteroposterior-view radiographs, clinic symptoms and hip ROM.

RESULTS: It was found that the degree of EPF (through the epimetaphyseal angle) presented a statistically significant inverse relationship with the presence of FAI over the mean follow-up period of this study. In other words, the patients with symptoms of FAI presented lesser degrees of slippage. This can be explained by the fact that the types of impingement that occurs in cases of EPF (i.e. cam impaction or inclusion) depends on the degree of slippage, and these present different clinical forms and chronology. The ROM did not present any relationship with FAI.

CONCLUSION: There is a relationship between the degree of slippage and the presence of clinical-radiological FAI after EPF.

Keywords: Epiphysis, slipped/diagnosis; Epiphysis, slipped/epidemiology; Epiphysis, slipped/radiography; Epiphysis, slipped/ complications; Hip joint

INTRODUÇÃO

A epifisiólise do fêmur proximal (EFP) é uma das principais doenças do quadril na adolescência. Considerando as suas possíveis complicações a curto prazo, condrólise e osteonecrose, deve-se respeitar o acompanhamento dedicado nos primeiros meses de evolução devido à gravidade das sequelas. Tais complicações já foram bem estudadas em trabalhos mais antigos. No entanto, alguns estudos(1-5) têm dado um maior enfoque às possíveis complicações a longo prazo relacionadas à doença - impacto femoroacetabular (IFA) e coxartrose.

A evolução da EFP para coxartrose há muito tempo é sugerida por muitos autores em diversos estudos científicos(1-11). Mais recentemente, vários trabalhos estudaram a relação precursora da EFP para IFA(8,10,12-14), inclusive alguns já demonstram resultados de tratamentos com boa evolução, através de osteocondroplastia associada ou não à osteotomia intertrocantérica(15-17).

Assim como em qualquer doença, o IFA pós-EFP apresenta fatores preditivos que podem ajudar o médico a fornecer um prognóstico antes mesmo do surgimento dos sintomas da doença. Isso é muito importante no IFA, uma vez que quando os sintomas iniciam, as sequelas já podem ser graves (condromalácia, osteoartrose, erosão óssea).

O grau de deslizamento da EPF pode ser um fator preditivo da gravidade do IFA e da sua cronologia de apresentação. A princípio, acredita-se que quanto maior o deslizamento, maior será a chance de apresentar IFA; devido à maior gibosidade metafisária do colo femoral impactando contra o acetábulo. A amplitude de movimento (ADM) do quadril, consequentemente, também pode ser um fator prognóstico, pois quanto maior for o deslizamento, maior será a restrição de movimento no quadril.

O objetivo do presente trabalho é averiguar se há realmente relação entre o grau de deslizamento da EFP e a apresentação de sintomas do IFA pós-EFP. Secundariamente, procurou-se comprovar a provável relação entre a ADM e a presença de IFA, além de revisar a literatura sobre o assunto.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram avaliados, retrospectivamente, os pacientes com epifisiólise femoral proximal tratados cirurgicamente no Hospital da Criança Santo Antônio (Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre) de junho de 2005 a dezembro de 2008, através do banco de dados do bloco cirúrgico.

Foram investigados sintomas gerais e relacionados ao impacto femoroacetabular (dor no quadril em "C", dor em atividades físicas, dor após muito tempo sentado, dor dependente da posição articular do quadril).

No exame físico, a altura e o peso corporal foram medidos para calcular o índice de massa corporal (IMC). Foram consideradas a flexão, a abdução e a rotação interna para avaliar a ADM do quadril, de acordo com o trabalho de Mamisch et al(12) e conforme Tachdjian(18) são os principais movimentos perdidos. As medidas da rotação interna foram realizadas com o quadril em 90 graus de flexão. Aplicou-se o teste de IFA, no qual se realiza a flexão, a adução e a rotação interna do quadril e questiona-se a presença de dor na região anterior da articulação(16,19). O sinal de Drehmann(20) também foi pesquisado.

Na avaliação radiográfica, calculou-se os ângulos coloepifisário (âCE) e epimetafisário (âEM) na incidência perfil do quadril (Lowenstein - posição de rã) para quantificar o deslizamento. O ângulo coloepifisário foi medido entre uma linha longitudinal ao centro do colo e outra ligando as pontas da epífise (Figura 1). O ângulo epimetafisário foi medido entre esta última e a linha que liga as duas pontas da metáfise (Figura 2). Procuram-se sinais radiológicos de coxartrose decorrentes do IFA, considerando estes como: osteófitos, cistos e/ou osteólise na junção colocapital do fêmur; e osteófitos, cistos, calcificação labial e/ou esclerose subcondral no rebordo acetabular.



Para considerar como um quadro clínico-radiológico sintomático de IFA, o paciente precisava apresentar concomitantemente alguma alteração radiográfica, teste do impacto positivo e sintomas dolorosos prévios compatíveis com IFA. Todos pacientes foram avaliados clínica e radiologicamente pelo mesmo médico examinador.

RESULTADOS

Foram avaliados 19 casos de epifisiólise femoral proximal em 15 pacientes, constituídos por oito homens e sete mulheres. A idade média foi de 12 anos e cinco meses quando apresentaram os sintomas iniciais da doença, sendo o mais novo com 10 anos e nove meses e o mais velho com 15 anos e quatro meses, este foi o único paciente com mais de 13 anos de idade. O tempo médio entre a cirurgia e a entrevista do trabalho foi de dois anos e três meses, sendo o mínimo de nove meses e

o máximo de 55 meses de seguimento. Houve 11 casos unilaterais e quatro bilaterais. O lado direito foi acometido em oito casos e o esquerdo em 11 (Tabela 1).

Todos os pacientes foram tratados com a mesma técnica cirúrgica - epifisiodese do fêmur proximal por fixação percutânea com um parafuso canulado de 7,0mm, sob fluoroscopia em mesa ortopédica(21). Não foram realizadas manobras para redução da epifisiólise, somente o posicionamento na mesa ortopédica.

Na avaliação clínica dos 19 casos, quatro (21%) apresentaram sinal de Drehman, 10 (52%) apresentaram teste do impacto femoroacetabular positivo e 12 (63%) apresentavam sintomas dolorosos prévios no quadril.

A amplitude de movimento média foi de 102 graus para flexão do quadril, 15,5 graus de rotação interna e 38 graus de abdução.

Na avaliação radiográfica, o ângulo epifisiometafisário apresentou em média 23 graus e o coloepifisário 60 graus na incidência de perfil. Treze pacientes (68%) apresentaram algum sinal radiográfico de impacto e nove de remodelação óssea no colo femoral. Os achados de coxartrose relacionados ao IFA mais comuns foram esclerose subcondral acetabular e osteólise colo femoral. Oito casos fecharam os três critérios para serem considerados como portadores de um quadro sintomático de IFA (pela presença simultânea de achados radiográficos, sintomas dolorosos e teste de impacto positivo).

Exemplo de caso de uma paciente com EPF bilateral assincrônica (a até o), medida dos ângulos âEM e âCE (b, h), evolução demonstrando grande remodelamento (d, f; j, m) (Figura 3).


A comparação entre o grau de deslizamento, através do âEM, e o quadro sintomático de IFA mostrou evidência de relação inversa estatisticamente significativa (p = 0,045 no teste de Kruskal-Wallis; ANOVA, Parametric Test for Inequality of Population Means p = 0,0534). Os pacientes com quadro sintomático de IFA no momento da entrevista apresentaram âEM menor do que aqueles sem um quadro sintomático de IFA. No entanto, quando usado o âCE para graduar o deslizamento, não houve relação estatisticamente significativa entre essas variáveis.

A ADM não se relacionou com a presença de IFA, calculando separadamente cada movimento (flexão, rotação interna e abdução (Tabela 2).

DISCUSSÃO

A amostra foi homogênea, houve uniformidade na idade e no sexo da população estudada. O número de pacientes da amostra ficou menor do que o esperado, prejudicando os cálculos e diminuindo seu poder estatístico.

Todos os pacientes deste estudo tinham mais de seis meses de evolução pós-operatória, período quando há maior ganho de ADM(19). Embora já haja comprovação de que o IFA possa levar a mudanças na ADM, neste

O estudo, não houve diferença estatística na relação entre a ADM e os ângulos (âCE ou âME). No entanto, Mamisch et al(12) concluíram em seu recente trabalho que a quantidade de deslizamento e a morfologia da proeminência metafisária femoral influenciam na ADM, podendo considerá-los como variáveis importantes em futuros trabalhos(8).

Paradoxalmente ao que se esperava, encontrou-se uma relação inversa entre a quantidade de deslizamento e a presença de sintomatologia de IFA, quando considerado o âEM. Ou seja, quanto menor foi o ângulo, maior foi a chance de apresentar os sinais e sintomas de IFA pesquisados neste trabalho. Nós esperávamos que ocorresse justamente o contrário: quanto maior fosse o deslizamento, maior seria o atrito entre o rebordo acetabular e o colo femoral proeminente, causando mais sintomas de IFA. Porém, essa relação não parece ser direta.

O tipo de IFA que ocorre após a EFP é o came, o qual se baseia em uma proeminência da região anterolateral do colo femoral, que pode advir de várias origens. Dependendo do tamanho desse defeito, essa proeminência pode adentrar no acetábulo e causar abrasões diretas na cartilagem acarretando o subtipo inclusão do came; ou pode impactar no bordo acetabular, sem conseguir entrar na articulação, causando lesões labrais imediatas e cartilaginosas indiretas, acarretando o subtipo impacção do came. Cada uma delas apresenta sinais e sintomas em momentos distintos da evolução da doença(10).

Ainda de acordo com Rab(10), a determinação de qual subtipo de impacto came irá ocorrer (inclusão ou impacção) dependerá do grau de deslizamento. Geralmente, um grau leve causa o subtipo inclusão; e graus maiores, o subtipo impacção. Cada subtipo do came apresenta formas de apresentação individuais. O subtipo inclusão gera sintomas mais cedo e ocasiona osteoartrose do quadril mais precoce, devido à lesão direta da cartilagem da área de carga (dômus acetabular); neste quadro, o paciente não apresenta grandes limitações da ADM, pois o defeito "encaixa-se" dentro da articulação. O subtipo impacção gera sintomas e osteoartrose mais tardiamente, pois a lesão mecânica direta inicial ocorre entre proeminência metafisária do colo femoral e o rebordo acetabular, composto pelo labrum fibrocartilaginoso, osso ilíaco e cartilagem articular adjacente ao labrum (ou seja, da extrema periferia do acetábulo). Dessa forma, a cartilagem articular da área de carga do quadril fica preservada em um primeiro momento, e somente com a consequente progressão da doença torna-se acometida(10). Nesse último modelo, a ADM fica gravemente limitada, uma vez que o defeito não consegue entrar no espaço articular.

A partir disso, pode-se supor porque o início e a forma de apresentação dos sintomas do IFA pós-EFP vão depender do tipo de impacto (came-inclusão ou came-impacção) e não diretamente, do grau de deslizamento.

Além da explanação anterior, existem outros fatores que poderiam influenciar a apresentação de sintomas de IFA na EFP. Os pacientes compensam a deformidade de forma variável e individual, adotando posições adaptativas (p. ex.: aumento da rotação externa e diminuição da flexão do quadril) e afastando-se de atividades físicas por inibição própria, sempre com o objetivo de evitar o fenômeno do IFA(10).

Os dois subtipos de impacto came devem ser vistos dinamicamente, pois podem mudar com o tempo e a função (p. ex.: através do remodelamento do colo femoral ou alterações na marcha); por isso também alguns pacientes aparentam tolerar deslizamentos maiores melhor que outros, através principalmente do remodelamento ósseo que ocorre quanto mais jovem for o paciente.

O âCE não apresentou relação com a presença de IFA. Uma das possíveis razões para isso é a dificuldade de obter uniformidade nas radiografias em posição de rã, sendo por vezes complicado traçar a linha mediana do colo femoral, para realizar a medida do ângulo. A outra razão é a pequena casuística da nossa série.

Na Tabela 2, os pacientes do grupo IFA+ representa o grupo dos sintomáticos (tríade positiva: anamnese, exame físico e radiografia) no momento do trabalho, com provável impacto came do subtipo inclusão, em que há amplitude de movimento maior que o outro grupo, com provável impacção. A abdução e a rotação interna corroboraram essa hipótese, sendo maiores no grupo IFA+; porém, a flexão foi maior no grupo IFA.

As medidas dos ângulos âME e âCE são, por vezes, de difícil aferição na opinião dos autores, devido à dificuldade técnica em alguns exames. Mesmo assim, há na literatura trabalho credenciando esta forma de medição como válido, e com bons índices de reprodutibilidade inter e intraobservador(22).

Em trabalhos com objetivos de investigação semelhantes não foram encontrados os mesmos resultados. DeLullo et al(23) e Dodds et al(24) concluíram que a severidade do deslizamento não influenciou na incidência de aparecimento de sintomas de IFA.

Os autores consideram que o diagnóstico de IFA pode ser dado ao paciente assim que comprovado o diagnóstico de EFP; considerando que haverá aumento no ângulo α e diminuição no offset cervicocefálico automaticamente no momento em que o colo femoral desliza para anterossuperior. Ou seja, todo paciente com EFP tem IFA do tipo came, podendo ser sintomático ou não.

As questões em aberto são: qual o subtipo ele irá desenvolver (inclusão ou impacção), quando iniciarão as queixas e qual a magnitude das sequelas. Os pacientes com menor grau de deslizamento na EFP parecem ter sinais e sintomas precoces de IFA, provavelmente por apresentarem o subtipo inclusão do tipo de impacto came, o qual restringe pouco a ADM do quadril, mas causa alterações cartilaginosas mais cedo. Por outro lado, os pacientes com maior grau de deslizamento parecem apresentar sinais e sintomas tardios de IFA, por provavelmente apresentarem o subtipo impacção do tipo de impacto came, que classicamente causa uma grande limitação da ADM, lesões labrais inicialmente e lesões cartilaginosas a longo prazo.

Estão aparecendo na literatura muitos trabalhos estudando coxartrose e IFA pós-EFP. Abraham et al(13) diferenciaram a coxartrose idiopática da coxartrose secundária à EFP, considerando que a última apresenta perda do offset cervicocefálico, presença de IFA e lesão cartilaginosa acetabular periférica adjacente ao colo femoral laterossuperior, enquanto que a idiopática não apresenta esses achados. Também evidenciou que os pacientes com coxartrose pós-EFP submetem-se à artroplastia total do quadril 11 anos mais cedo que os paciente com coxartrose idiopática.

Assim, já estamos longe da ideia antiga que englobava a coxartrose devido à epifisiólise dentro das idiopáticas. Este trabalho serve de exemplo para maiores, para tentar provar possíveis relações entre a apresentação do IFA pós-EFP, a ADM e o grau de deslizamento.

CONCLUSÃO

Os pacientes com IFA pós-EFP sintomáticos apresentaram graus menores de deslizamento. A ADM não se relacionou com o grau de deslizamento.

Trabalho recebido para publicação: 11/04/10, aceito para publicação: 07/06/10.

Trabalho realizado no Hospital da Criança Santo Antônio - Porto Alegre, RS.

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

  • 1. Goodman DA, Feighan JE, Smith AD, Latimer B, Buly RL, Cooperman DR. Subclinical slipped capital femoral epiphysis. Relationship to osteoarthrosis of the hip. J Bone Joint Surg Am. 1997;79(10):1489-97.
  • 2. Murray RO. The aetiology of primary osteoarthritis of the hip. Br J Radiol. 1965;38(455):810-24.
  • 3. Stulberg SD, Cordell LD, Harris WH, Ramsey PL, MacEwen GD. Unrecognized childhood hip disease: a major cause of idiopathic osteoarthritis of the hip. In: Amstutz HC, editors. The Hip: Proceedings of the Third Open Scientific Meeting of the Hip Society. St Louis: Mosby; 1975;212-28.
  • 4. Harris WH. Etiology of osteoarthritis of the hip. Clin Orthop Relat Res. 1986;(213):20-33.
  • 5. Aronson J. Osteoarthritis of the young adult hip: etiology and treatment. Instr Course Lect. 1986;35:119-28.
  • 6. Boyer DW, Mickelson MR, Ponseti IV. Slipped capital femoral epiphysis. Longterm follow-up study of one hundred and twenty-one patients. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(1):85-95.
  • 7. Carney BT, Weinstein SL, Noble J. Long-term follow-up of slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am. 1991;73(5):667-74.
  • 8. Leunig M, Casillas MM, Hamlet M, Hersche O, Nötzli H, Slongo T, Ganz R. Slipped capital femoral epiphysis: early mechanical damage to the acetabular cartilage by a prominent femoral metaphysis. Acta Orthop Scand. 2000;71(4):370-5.
  • 9. Richolt JA, Teschner M, Everett PC, Millis MB, Kikinis R. Impingement simulation of the hip in SCFE using 3D models. Comput Aided Surg. 1999;4(3):144-51.
  • 10. Rab GT. The geometry of slipped capital femoral epiphysis: implications for movement, impingement, and corrective osteotomy. J Pediatr Orthop. 1999;19(4):419-24.
  • 11. Wilson PD, Jacobs B, Schecter L. Slipped capital femoral epiphysis: an endresult study. J Bone Joint Surg Am. 1965;47:1128-45.
  • 12. Mamisch TC, Kim YJ, Richolt JA, Millis MB, Kordelle J. Femoral morphology due to impingement influences the range of motion in slipped capital femoral epiphysis. Clin Orthop Relat Res. 2009;467(3):692-8.
  • 13. Abraham E, Gonzalez MH, Pratap S, Amirouche F, Atluri P, Simon P. Clinical implications of anatomical wear characteristics in slipped capital femoral epiphysis and primary osteoarthritis. J Pediatr Orthop. 2007;27(7):788-95.
  • 14. Notzli HP, Wyss TF, Stoecklin CH, Schmid MR, Treiber K, Hodler J. The contour of the femoral head-neck junction as a predictor for the risk of anterior impingement. J Bone Joint Surg Br. 2002;84(4):556-60.
  • 15. Spencer S, Millis MB, Kim YJ. Early results of treatment of hip impingement syndrome in slipped capital femoral epiphysis and pistol grip deformity of the femoral head-neck junction using the surgical dislocation technique. J Pediatr Orthop. 2006;26(3):281-5.
  • 16. Crestani MV, Teloken MA, Gusmao PDF. Impacto femoroacetabular: uma das condicoes precursoras da osteoartrose do quadril. Rev Bras Ortop. 2006;41(8):285-93.
  • 17. Schai PA, Exner GU. Corrective Imhauser intertrochanteric osteotomy. Oper Orthop Traumatol. 2007;19(4):368-88.
  • 18. Tachdjian MO. Clinical pediatric orthopedics: the art of diagnosis and principles of management. Stamford, Connecticut: Appleton and Lange; 1997.
  • 19. Sink EL, MD, Gralla J, Ryba A, Dayton M. Clinical Presentation of Femoroacetabular Impingement in Adolescents. J Pediatr Orthop. 2008; 28(8):806-11.
  • 20. Drehmann F. Drehmann'fs sign. A clinical examination method in epiphysiolysis (slipping of the upper femoral epiphysis). Description of signs, aetiopathogenetic considerations, clinical experience. Z Orthop Ihre Grenzgeb. 1979;117(3):333.44.
  • 21. Aronson DD, Carlson WE. Slipped capital femoral epiphysis. A prospective study of fixation with a single screw. J Bone Joint Surg Am. 1992;74(6):810-9.
  • 22. Siegel DB, Kasser JR, Sponseller P, Gelberman RH. Slipped capital femoral epiphysis. A quantitative analysis of motion, gait, and femoral remodeling after in situ fixation. J Bone Joint Surg Am. 1991;73(5):659-66.
  • 23. DeLullo JA, Thomas E, Cooney TE, McConnell SJ, Sanders JO. Femoral remodeling may influence patient outcomes in slipped capital femoral epiphysis. Clin Orthop Related Res. 2007;457:163.70.
  • 24. Dodds MK; McCormack D; Mulhall KJ. Femoroacetabular impingement after slipped capital femoral epiphysis: does slip severity predict clinical symptoms? J Pediatr Orthop. 2009;29(6):535-9.
  • Correspondência:
    Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre
    Rua Monsenhor Veras, 369/204
    Santana - 90610-010 - Porto Alegre, RS, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Abr 2010
    • Aceito
      07 Jun 2010
    Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbo@sbot.org.br