Acessibilidade / Reportar erro

Trombose venosa da veia subclávia após fratura de clavícula: relato de caso

Resumos

A trombose venosa profunda no membro superior não é frequente na literatura ortopédica. Relatamos um caso de trombose da veia subclávia durante o tratamento conservador de fratura do terço médio da clavícula. O diagnóstico é difícil e requer um alto grau de suspeição e o tratamento pode prevenir um tromboembolismo fatal. Há raros casos descritos associados à fratura de clavícula.

Clavícula; Trombose Venosa; Veia Subclávia


Deep vein thrombosis in the upper limbs is uncommon in the orthopedic literature. We report on a case of subclavian vein thrombosis that occurred during conservative treatment of a fracture in the middle third of the clavicle. This is difficult to diagnose and requires a high degree of suspicion. Treating it may prevent fatal thromboembolism. In some rare cases, it has been described in association with fractures of the clavicle.

Clavicle; Vein Thrombosis; Subclavian Vein


RELATO DE CASO

Trombose venosa da veia subclávia após fratura de clavícula: relato de caso

Subclavian vein thrombosis following fracture of the clavicle: case report

Bernardo Barcellos TerraI; Luiz Fernando CoccoII; Benno EjnismanIII; Hélio Jorge Alvachian FernandesIV; Fernando Baldy dos ReisV

IMédico do Grupo de Ombro e Cotovelo do Centro de Traumatologia do Esporte do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo (CETE/Unifesp)

IIPós-Graduando, Médico Assistente do Setor de Traumatologia do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo, Brasil

IIIDoutor em Ortopedia, Chefe do Grupo de Ombro e Cotovelo do Centro de Traumatologia do Esporte do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo (CETE/Unifesp)

IVDoutor e Chefe do Setor de Traumatologia do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo, Brasil

VProfessor Livre-Docente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo, Brasil

Correspondência Correspondência: Rua Borges Lagoa,783 5º andar, Vila Clementino 04038-032 - São Paulo, SP E-mail: bernardomedic@yahoo.com.br

RESUMO

A trombose venosa profunda no membro superior não é frequente na literatura ortopédica. Relatamos um caso de trombose da veia subclávia durante o tratamento conservador de fratura do terço médio da clavícula. O diagnóstico é difícil e requer um alto grau de suspeição e o tratamento pode prevenir um tromboembolismo fatal. Há raros casos descritos associados à fratura de clavícula.

Descritores: Clavícula; Trombose Venosa; Veia Subclávia

ABSTRACT

Deep vein thrombosis in the upper limbs is uncommon in the orthopedic literature. We report on a case of subclavian vein thrombosis that occurred during conservative treatment of a fracture in the middle third of the clavicle. This is difficult to diagnose and requires a high degree of suspicion. Treating it may prevent fatal thromboembolism. In some rare cases, it has been described in association with fractures of the clavicle.

Keywords: Clavicle; Vein Thrombosis; Subclavian Vein

INTRODUÇÃO

As fraturas de clavículas são comuns na prática ortopédica, representando de 5-12% de todas fraturas e 44% das lesões envolvendo o cíngulo superior.

Lesões neurovasculares associadas a fraturas fechadas de clavícula são raras(1-3) e estão mais associadas com traumas penetrantes(4-7). O mecanismo de lesão mais comum é a queda com a mão espalmada ou em um ponto sobre o ombro, ou traumas diretos ou indiretos, associados com esportes de contato(1,3,8). Trombose venosa profunda do membro superior da veia subclávia e/ou axilar é rara quando comparada à trombose venosa profunda dos membros inferiores, constituindo 1-4% das tromboses profundas do membro(9,10). Não são frequentes os casos citados na literatura ortopédica(11,12). O objetivo deste relato de caso é relatar esta condição rara, que se não diagnosticada e conduzida de forma correta, poderá ocasionar complicações fatais.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 70 anos de idade, relatou que há dois dias iniciou quadro de edema difuso por todo membro superior direito associado à hiperemia, sem história de trauma recente.

Relata que no dia 20/05/09 (há dois meses e 15 dias) teve uma fratura da clavícula direita após queda ao solo (Figura 1). Na ocasião, procurou atendimento médico, sendo prescrito o uso da imobilização tipo em "8" por três meses. Relata que há dois dias retirou a imobilização em decorrência de fortes dores na coluna torácica alta, momento no qual notou o surgimento de edema e hiperemia no membro superior direito. Sendo assim, procurou o pronto-socorro deste serviço, onde foi colhida história clínica e realizado o exame físico em que se presenciou as seguintes alterações no cíngulo superior direito:

- Deformidade em região de terço médio da clavícula associada à dor e crepitação à palpação local.

- Edema difuso ++/4+ associado a aumento da temperatura e cianose não fixa de todo membro superior direito.

- Pulsos braquial e radial 4+/4+, simétricos.


A paciente referia uso de anti-hipertensivos (enalapril, hidroclorotiazida), carbonato de cálcio e medicações para asma.

Diante da história e exame, foi aventada a hipótese de trombose venosa profunda do membro superior direito (TVP do MSD) e solicitadas radiografias da região do ombro, ultrassom duplex venoso do membro superior direito, com os seguintes resultados:

Radiografia: retardo de consolidação/pseudoartrose atrófica da fratura do terço médio da clavícula, sem evidência de formação de calo local (Figura 2).


Ultrassom (14/08/09): trombose segmentar parcial da veia subclávia (Figura 3).


Sendo assim, a paciente foi internada e acompanhada pela equipe de ortopedia, que programou procedimento cirúrgico de osteossíntese com placa e parafusos e enxerto local, e pela equipe da cirurgia vascular que iniciou heparina de baixo peso molecular (Enoxaparina - Clexane®) na dose de 40mg subcutâneo 2x/dia com suporte clínico e investigação de coagulopatias.

Durante a internação, a paciente evoluiu com cefaleia hemicraniana pulsátil à direita associada a episódios de pré-síncope (turvamento visual, palidez cutânea, sudorese), motivo pelo qual foram solicitados tomografia computadorizada do crânio, doppler de carótidas e hemograma com bioquímica, sendo excluídas as hipóteses de acidente vascular, hipoglicemia ou outras alterações.

- Hemograma do dia 11/08/09: sem alterações.

- Ultrassom doppler de carótidas e vertebrais: pequenas placas ateromatosas calcificadas no bulbo carotídeo e origem das carótidas internas bilateralmente, que não provocam aumento significativo do fluxo. Artérias vertebrais pérvias e fluxo ascendente.

No dia 19/08/09 (oitavo dia de internação hospitalar) foi realizado o procedimento cirúrgico conforme programado (Figura 4). No pós-operatório imediato, evoluiu sem intercorrências.


No primeiro dia do pós-operatório, já se notou diminuição do edema e da temperatura do membro acometido, equiparando-se ao do lado contralateral.

No terceiro dia, a paciente relatou melhora importante do quadro clinico e no exame físico observou total desaparecimento do edema (Figura 5).


Atualmente a paciente está sendo acompanhada no ambulatório, com melhora total do quadro clínico e sem queixas (Figura 6).


DISCUSSÃO

Geralmente, lesões vasculares seguidas de fratura de clavícula são incomuns, mas são reconhecidas como uma complicação imediata devido à transecção do vaso por uma fratura desviada(6,8,13) ou por uma complicação tardia, secundária à compressão em decorrência de um calo hipertrófico.

Em 1875, James Paget postulou que uma trombose espontânea das veias axilares e subclávias poderia causar dor e edema na extremidade superior. A Síndrome do Esforço (Paget-Schroetter) foi descrita nesta época. Esta síndrome ocorre em decorrência de esforços repetitivos em que se tem uma solicitação do membro superior em posições de abdução e rotação lateral extremas, resultando em dano endotelial com a formação de um coágulo(9,10,14). A trombose venosa profunda do membro superior pode ser de causa idiopática, esta geralmente associada com neoplasias.

As causas mais comuns encontradas associadas à trombose venosa do membro superior são cateter venoso central (72%), infecção (28%), insuficiência renal (21%)(15). Dor e edema são sintomas geralmente presentes, com a dor sendo não muito frequente, diferente do edema. Outros sinais e sintomas incluem descoloração, veias proeminentes e aumento da temperatura; no entanto, muitos podem ser assintomáticos(10,16).

Um elevado índice de suspeita é necessário para proceder com um diagnóstico objetivo usando métodos invasivos (venograma, angiografia) e métodos equivalentes não invasivos (ultrassom doppler)(10,16). Embolismo pulmonar é uma complicação importante e algumas vezes fatal. Estudos recentes mostram complicações como tromboembolismo pulmonar (8-36%), recorrência pós-anticoagulação (2-15%) e síndrome pós-trombótica (36-50%)(10,17,18). O tratamento agudo da trombose venosa profunda do membro superior inclui elevação deste membro, analgesia e doses terapêuticas de medicação anticoagulante com heparina de baixo peso molecular ou não fracionada, seguido por um período de três meses de warfarina(10,17). Trombólise oral ou sistêmica com uroquinase e estreptoquinase tem sido usada com bons resultados. Terapia trombolítica com cateter, anticoagulação por três meses e descompressão cirúrgica têm sido recomendados nos casos da síndrome do esforço. Filtro de veia cava superior pode ser usado para prevenir o tromboembolismo pulmonar se a terapia com anticoagulantes for contraindicada(10).

No presente caso, a paciente possuía 75 dias de evolução da fratura com radiografias mostrando sinais de retardo de consolidação, porém sem sinais de calo hipertrófico tanto no exame radiográfico, como no exame físico. Foi realizado um tratamento em conjunto com a equipe da cirurgia vascular e optado por fixação interna com placa bloqueada de baixo contato e parafusos bloqueados associado à terapia anticoagulante com heparina de baixo peso molecular (Clexane®) e warfarina oral por três meses. Dois dias depois da cirurgia, o edema e a hiperemia do membro superior já tinham praticamente desaparecidos.

A mortalidade por trombose venosa do membro superior pode chegar a 12% (variando de 10-50%), e a maioria dos pacientes que morrem possuem um cateter venoso central ou uma infecção(15,16).

Adla et al(19) relataram um caso de trombose venosa do membro superior quatro dias depois da fratura, dois dias após ter iniciado o uso da imobilização tipo em "8", regredindo após a retirada da mesma e início da terapia anticoagulante.

Não observamos na literatura nenhum caso relatado de trombose venosa do membro superior associada com retardo de consolidação da fratura da clavícula com esse tempo. Deve-se ter um alto índice de suspeita para diagnosticar essa entidade incomum para evitar complicações fatais. Apesar de esta entidade ser rara(11,12), deve-se sempre se lembrar da possibilidade de trombose venosa dos vasos subclávios nos pacientes com fratura de clavícula.

REFERÊNCIAS

Trabalho recebido para publicação: 30/03/10, aceito para publicação: 11/05/10.

Trabalho realizado pelo Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil (DOT-Unifesp/EPM).

Declaramos inexistência de conflito de interesses neste artigo

  • 1. Hill JM, McGuire MH, Crosby LA. Closed treatment of displaced middlethird fractures of the clavicle gives poor results. J Bone Joint Surg Br. 1997;79(4):537-9.
  • 2. Hutchinson MR, Ahuja GS. Diagnosing and treating clavicle injuries. Phys Sportsmed. 1996;24(3):26-36.
  • 3. Rockwood CA Jr, Williams GR, Young DC. Injuries to the acromioclavicular joint. In: Rockwood CA Jr, Green DP, Bucholz RW, Heckman JD, edtors. Fractures in adults. 3rd ed. Philadelphia: Lippincott; 1991.p. 1181-239.
  • 4. Costa MC, Robbs JV. Nonpenetrating subclavian artery trauma. J Vasc Surg. 1988;8(1):71-5.
  • 5. Katras T, Baltazar U, Rush DS, Davis D, Bell TD, Browder IW, Compton RP,Stanton PE Jr. Subclavian arterial injury associated with blunt trauma. Vasc Surg. 2001;35(1):43-50.
  • 6. Kendall KM, Burton JH, Cushing B. Fatal subclavian artery transection from isolated clavicle fracture. J Trauma. 2000;48(2):316-8.
  • 7. Natali J, Maraval M, Kieffer E, Petrovic P. Fractures of the clavicle and injuries of the sub-clavian artery. Report of 10 cases. J Cardiovasc Surg(Torino. 1975;16(5):541-7.
  • 8. Guillemin A. Chirure de la veine sous-claviere par fracture fermee de la clavicule. Bull Meme Soc Nat Chir. 1930;56:302-4.
  • 9. Adams JT, DeWeese JA. "Effort" thrombosis of the axillary and subclavian veins. J Trauma. 1971;11(11):923-30.
  • 10. Kommareddy A, Zaroukian MH, Hassouna HI. Upper extremity deep venous thrombosis. Semin Thromb Hemost. 2002;28(1):89-99.
  • 11. Lim EV, Day LJ. Subclavian vein thrombosis following fracture of the clavicle. A case report. Orthopedics. 1987;10(2):349-51
  • 12. Kanbar MS. Subclavian vein thrombosis following fracture of the clavicle: a case report. Orthopedics. 1988;11(10):1372.
  • 13. Matry C. Fracture de la clavicule gauch au tiers interne. Blessure de la veine sous claviere. Osteosynthese. Bull Meme Soc Nat Chir. 1932;58:75-8.
  • 14. Ellis MH, Manor Y, Witz M. Risk factors and management of patients with upper limb deep vein thrombosis. Chest. 2000;117(1):43-6.
  • 15. Marinella MA, Kathula SK, Markert RJ. Spectrum of upper-extremity deep venous thrombosis in a community teaching hospital. Heart Lung. 2000;29(2):113-7.
  • 16. Prandoni P, Bernardi E. Upper extremity deep vein thrombosis. Curr Opin Pulm Med. 1999 Jul;5(4):222-6. Review. PubMed PMID: 10407691.
  • 17. Prandoni P, Polistena P, Bernardi E, Cogo A, Casara D, Verlato F, Angelini F,Simioni P, Signorini GP, Benedetti L, Girolami A. Upper-extremity deep vein thrombosis. Risk factors, diagnosis, and complications. Arch Intern Med. 1997;157(1):57-62.
  • 18. Leebeek FW, Kappers-Klunne MC, Gómez-García EB. [Deep venous thrombosis of the arm: etiology, diagnosis and treatment]. Ned Tijdschr Geneeskd. 2000;144(8):361-4.
  • 19. Adla DN, Ali A, Shahane SA. Upper-extremity deep-vein thrombosis following a clavicular fracture. Eur J Orthop Traumatol. 2004;14:177-9.
  • Correspondência:
    Rua Borges Lagoa,783
    5º andar, Vila Clementino
    04038-032 - São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      30 Mar 2010
    • Aceito
      11 Maio 2010
    Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbo@sbot.org.br