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Fratura do componente tibial em artroplastia total do joelho: relato de dois casos

Resumos

Os autores relatam a rara ocorrência de dois casos de fratura do componente tibial em artroplastia total do joelho, fazem uma revisão da literatura e discutem os principais fatores que podem causar as falhas dos implantes.

Artroplastia do Joelho; Complicações Pós-Operatórias; Revisão


The authors report the rare occurrence of two cases of fracture of the tibial component in total knee arthroplasty. They review the literature and discuss the main factors that can cause failure of the implants.

Arthroplasty; Replacement; Knee; Postoperative Complications; Review


RELATO DE CASO

Fratura do componente tibial em artroplastia total do joelho: relato de dois casos

Idemar Monteiro da PalmaI; Rodrigo Pires e AlbuquerqueII; João Maurício BarrettoIII

IMédico Ortopedista do Grupo do Joelho do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IICoordenador do Setor de Cirurgia do Joelho do Hospital Municipal Miguel Couto - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIEx-Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho e Chefe do Serviço de Ortopedia da Santa Casa - Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Av. Henrique Dodsworth, 83/105, Copacabana 22061-030 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: rodalbuquerque@ibest.com.br

RESUMO

Os autores relatam a rara ocorrência de dois casos de fratura do componente tibial em artroplastia total do joelho, fazem uma revisão da literatura e discutem os principais fatores que podem causar as falhas dos implantes.

Descritores: Artroplastia do Joelho; Complicações Pós-Operatórias; Revisão

INTRODUÇÃO

A artroplastia total do joelho é um procedimento de alta complexidade, em constante evolução, indicado basicamente em pacientes com diagnóstico de osteoartrose do joelho ou doenças reumáticas. Implantes com designs mais modernos assemelhando-se ao máximo à anatomia do joelho normal, associados ao instrumental cada vez mais preciso e que causa menor agressão nas partes moles, tornam as indicações cirúrgicas cada vez mais abrangentes.

Os bons resultados obtidos após realização da artroplastia total do joelho (ATJ) são bem documentados na literatura, tanto no que diz respeito ao alívio da dor, quanto na manutenção destes resultados no seguimento a longo prazo(1-6).

Existem diversas complicações inerentes a este tipo de procedimento cirúrgico. As fraturas dos implantes são uma ocorrência rara, sendo encontradas na literatura, mais frequentemente, como relatos de casos.

O objetivo desta pesquisa foi apresentar dois casos de fratura do componente tibial com o mesmo modelo e tipo de prótese.

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 68 anos de idade, índice de massa corporal > 30, portadora de osteoartrose, foi submetida à artroplastia total do joelho esquerdo em janeiro de 2000, no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Municipal Miguel Couto. Foi utilizada a prótese modelo PCA (Howmedica®). A paciente realizou revisões sucessivas com o médico responsável, mantendo a deformidade angular em varo e o mesmo arco de movimento desde o pós-operatório inicial. Em outubro de 2008, retornou ao seu médico com piora do quadro doloroso quando foi então encaminhada ao ambulatório do joelho. Foram solicitados exames de imagem e laboratoriais para avaliação do joelho e possível revisão da ATJ.

Em janeiro de 2009, compareceu pela primeira vez ao ambulatório do joelho com quadro doloroso intenso, sem história de trauma e com exames laboratoriais negativos para infecção. No exame físico observamos uma deformidade do joelho em varo e um arco de movimento de 0 a 75º. No exame radiográfico do joelho com carga evidenciamos uma fratura do componente tibial (Figura 1). Foi indicada uma cirurgia de revisão da artroplastia total do joelho, sendo realizada em agosto de 2009 (Figuras 2 e 3). No pós-operatório imediato observamos o alívio da dor e a melhora funcional do joelho.




Caso 2

Paciente do sexo masculino, 72 anos de idade, índice de massa corporal normal, portador de osteoartrose, foi submetido à artroplastia total do joelho esquerdo em janeiro de 1994, em um hospital privado do Estado do Rio de Janeiro. Foi utilizada a prótese modelo PCA (Howmedica®). O paciente realizou revisões sucessivas com o médico responsável, mantendo a deformidade angular em varo e o mesmo arco de movimento. Em maio de 1997, retornou ao seu médico com persistência do quadro doloroso quando foi então encaminhado ao Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. Foram solicitados exames de imagem e laboratoriais para avaliação do joelho e possível revisão da ATJ. Após a triagem, entrou na fila para uma revisão de ATJ.

Em abril de 1999, compareceu ao ambulatório do joelho do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia com quadro doloroso intenso, sem história de trauma e com exames laboratoriais negativos para infecção. No exame físico e no exame radiográfico com carga observamos uma deformidade do joelho em varo e com arco de movimento de 0 a 80º(Figura 4). Foi indicada uma cirurgia de revisão da artroplastia total do joelho, sendo realizada em junho de 1999 (Figuras 5 e 6). No pós-operatório imediato observamos o alívio da dor e a melhora funcional do joelho.




DISCUSSÃO

Existem diversos fatores para fratura do implante em ATJ. Na literatura, os citados são: perda óssea, mau alinhamento, obesidade, nível de atividade elevado, erro de fabricação e design impróprio. Em nossa opinião, concordamos com essa afirmação acima citada. Além disso, achamos que o sucesso do procedimento cirúrgico depende de inúmeros fatores: cirurgião familiarizado com a cirurgia, um bom balanço ligamentar, instrumental adequado e preciso e implante de boa qualidade e durabilidade.

Em nosso modo de ver, os dois implantes da nossa casuística ficaram com o posicionamento em varo do joelho devido ao balanço ligamentar inadequado. Em função disto, houve maior sobrecarga do compartimento medial do joelho, facilitando a fratura do implante. Luring et al(7) corroboram nosso pensamento e relatam que o mau alinhamento do implante cria uma osteólise gerando uma sobrecarga cíclica na prótese utilizada. Swarts et al(8) consideram o correto alinhamento como principal fator para o sucesso da ATJ. Rousseau et al(9) observaram que a falência precoce em artroplastia total do joelho excluindo infecção está relacionada a problemas técnicos na implantação da prótese que poderiam ser evitados.

Os dois implantes utilizados em nosso estudo foram do mesmo modelo e de fabricação norte-americana (Howmedica®). Flivik et al(10) e Maruyama et al(11) concluem em seus estudos que o design impróprio foi o principal fator de fratura do componente tibial. Nossa pesquisa utilizou um tipo de prótese com design moderno, e o que nos chamou a atenção foi o local de fratura semelhante nos dois implantes.

Wada et al(12) observaram que a espessura do implante femoral utilizado foi menor quando comparada com outros tipos de prótese sendo um fator predisponente para o risco de fratura. Além disso, relataram que seus pacientes não tinham sobrepeso, obtendo uma falência de 3,3%, considerada alta pelos autores. Em nossa opinião, a espessura do implante é um fator fundamental para durabilidade da ATJ. Quando correlacionamos com a nossa série, achamos que o sobrepeso associado ao mau alinhamento causado pelo desequilíbrio ligamentar foi o fator determinante na fratura do implante ocorrido no caso 1. É de conhecimento geral que a obesidade leva a um desgaste maior do implante que, quando associado ao mau posicionamento da prótese decorrente do balanço inadequado de partes moles, diminui ainda mais a sobrevida do implante. Scott et al(13) corroboram nosso pensamento e adicionam que forças assimétricas no joelho após uma ATJ podem causar fratura por fadiga do implante, falha do implante ou deformações do componente plástico.

Whiteside et al(14) verificaram 32 de casos de fratura do componente femoral no modelo Ortholoc II. Concluíram que o design dessa prótese predispôs a ocorrência de fratura devido à existência de uma área mais fina entre o chanfro e a superfície distal do implante. Em razão disto, defendemos os testes biomecânicos e um melhor controle de qualidade na comercialização dos implantes. Cook e Thomas(15) e Mendes et al(16) observaram erro de fabricação levando à fratura do implante. Morrey e Chao(17) citam que a temperatura de fabricação da prótese e a irregularidade da superfície porosa são os principais fatores de risco quando correlacionamos com os erros de fabricação do implante.

Huang et al(18) e Han et al(19) alertam que após uma ATJ devemos observar o desgaste do polietileno e a osteólise. Uma intervenção cirúrgica precoce minimiza o risco de perda óssea e complicações graves podem ser evitadas, como uma soltura da prótese, fratura supracondilar do fêmur ou a fratura do implante(18).

Abernethy et al(20) observaram em sua pesquisa que a fratura do componente tibial foi a principal causa de revisão precoce em ATJ. Após a revisão da literatura, não concordamos com essa afirmação. No nosso modo de ver, a fratura do implante após a ATJ é uma complicação rara. Enfatizamos que a cirurgia de ATJ é uma cirurgia de partes moles em que o equilíbrio ligamentar é o ponto de partida para o posicionamento adequado do implante e a sobrevivência da prótese. Nossos casos falharam devido ao balanço ligamentar inadequado que gerou forças assimétricas e a quebra dos implantes.

Trabalho recebido para publicação: 22/04/2010, aceito para publicação: 07/07/2010.

Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia e no Hospital Municipal Miguel Couto - Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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  • Correspondência:

    Av. Henrique Dodsworth, 83/105, Copacabana
    22061-030 - Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      22 Abr 2010
    • Aceito
      07 Jul 2010
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