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Miosite ossificante progressiva: relato de caso

Resumos

A miosite ossificante progressiva é uma doença rara, com menos de 1.000 casos descritos, autossômica dominante. O paciente apresenta edemas, devidos a processos inflamatórios, que vão se calcificando, com perda da mobilidade da região afetada. O objetivo deste trabalho é descrever um caso de miosite ossificante progressiva, apresentando as manifestações clínicas e discutindo os tratamentos disponíveis (ácido ascórbico oral e bifosfonato endovenoso).

Miosite Ossificante; Ácido Ascórbico; Ossificação Heterotópica; Difosfonatos


Myositis Ossificans Progressiva is a rare autosomal dominant disease with less than 1,000 case reports. Such patients presents edema, caused by inflammatory processes that progressively calcify, and with loss of mobility in the region affected. The objective of this study was to describe a case of myositis ossificans progressiva, present its clinical manifestations and discuss the treatments available (oral ascorbic acid and intravenous bisphosphonate).

Myositis Ossificans; Ascorbic Acid; Ossification, Heterotopic; Diphosphonates


RELATO DE CASO

Miosite ossificante progressiva: relato de caso

Frederico Barra de MoraesI; Alano Ribeiro de Queiroz FilhoII; Leonardo Jorge da SilvaII; Válney Luiz da RochaIII; Nayara Portilho AraújoIV; Ernesto Quaresma MendonçaIV; Érica Paiva de AlmeidaIV

IProfessor Assistente Substituto de Ortopedia do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - Goiânia, GO, Brasil

IIMédico Residente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - Goiânia, GO, Brasil

IIIChefe do Grupo de Ortopedia Pediátrica do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - Goiânia, GO, Brasil

IVEstagiário da Liga do Trauma do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - Goiânia, GO, Brasil

Correspondência Correspondência: Setor Universitário - Departamento de Ortopedia - Hospital das Clínicas Primeira Avenida, sem número 74000-000 - Goiânia - Goiás E-mail: frederico_barra@yahoo.com.br

RESUMO

A miosite ossificante progressiva é uma doença rara, com menos de 1.000 casos descritos, autossômica dominante. O paciente apresenta edemas, devidos a processos inflamatórios, que vão se calcificando, com perda da mobilidade da região afetada. O objetivo deste trabalho é descrever um caso de miosite ossificante progressiva, apresentando as manifestações clínicas e discutindo os tratamentos disponíveis (ácido ascórbico oral e bifosfonato endovenoso).

Descritores: Miosite Ossificante; Ácido Ascórbico; Ossificação Heterotópica; Difosfonatos

INTRODUÇÃO

A miosite ossificante progressiva (MOP), ou fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP), é uma doença rara, com menos de 1.000 casos descritos, autossômica dominante e com expressividade variável, com casos esporádicos(1). A formação de ossos heterotópicos envolve tendões, fáscias, aponeuroses e músculos.

Foi descrita pela primeira vez por Patin(2). Sua fisiopatologia ainda não é dominada. As partes moles se edemaciam, sendo a região da nuca a mais frequente(3). O paciente apresenta edemas, devidos a processos inflamatórios, que vão se calcificando, com perda da mobilidade da região afetada. Traumas de repetição podem desencadear o processo.

Inúmeros tratamentos têm sido utilizados como esteroides, isotretinoína, etidronato oral, mas sem bons resultados4-6. Estudos químicos e in vitro mostram que os bisfofonatos adsorvem os cristais de hidroxiapatita, diminuindo a formação heterotópica óssea durante o estágio ativo da doença(7). Palhares(8) observou que o ácido ascórbico em altas doses controlou a progressão da doença.

O objetivo do trabalho é relatar um caso de MOP, apresentando as manifestações clínicas e discutindo os tratamentos disponíveis.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 21 anos de idade, atendido pelo Departamento de Ortopedia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, apresentando tumorações endurecidas e deformidades desde o nascimento, mas que pioraram muito durante o crescimento na adolescência, a partir dos oito anos de idade. Queixa de dor e dificuldades de movimentação, além de polegares curtos.

Apresenta múltiplas contraturas em membros superiores, inferiores e na coluna vertebral. Postura escoliótica com aumento da lordose torácica, rigidez dorsolombar e cervical, com proeminência da escápula esquerda e ossificações ectópicas na musculatura paravertebral. Tem dificuldade para abrir a boca, engolir alimentos e inspiração torácica.

Os quadris e ombros estão rígidos bilateralmente, com atrofia muscular do deltoide, trapézio, bíceps, tríceps, glúteo médio e quadríceps. Apresenta ainda grande limitação da flexoextensão dos cotovelos e tornozelos. Marcha em equino, com contratura dos joelhos, estando o direito rígido em flexão e o esquerdo, em extensão.

Exames laboratoriais sanguíneos como cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, ureia, creatinina e hormônio da paratireoide encontravam-se com valores normais. Os exames de imagem (radiografias) evidenciaram várias lesões calcificadas, ossificações heterotópicas e barras ósseas na coluna lombar (Figura 1A), cervical (Figura 1B), torácica (Figura 2), pelve (Figura 3) e no joelho (Figura 4 A e B).





O tratamento realizado foi clínico, pelo qual foi orientado a evitar traumas e encaminhado à terapia com bisfosfonatos e ácido ascórbico.

DISCUSSÃO

O diagnóstico correto e precoce da MOP é essencial para proporcionar o início de um manejo apropriado. Devemos evitar biópsias e cirurgias desnecessárias, injeções intramusculares ou endovenosas, que podem desencadear ou acelerar o processo inflamatório, que é uma fase precedente das calcificações ectópicas. As vacinas intramusculares, como antidifteria-tétano-pertussis, sarampo, hepatite-B etc, podem ser aplicadas subcutaneamente(9). Os tratamentos dentários devem ser cautelosos, evitando-se as anestesias, principalmente a mandibular, para prevenir ancilose da articulação temporomandibular(10). A profilaxia das cáries dentárias é essencial para evitar procedimentos mais agressivos. A atividade física mais adequada aos pacientes com MOP é a natação, mesmo com algumas limitações, pois o paciente pode se adequar com os movimentos que lhe sobram, tendo assim uma forma de realizar exercícios físicos sem as lesões oriundas de impactos ou trauma direto.

A MOP é vista na radiografia simples aproximadamente duas a quatro semanas após o início do processo. A calcificação inicia-se na periferia e progride em direção ao centro, o que a diferencia do osteossarcoma. A tomografia computadorizada ajuda a delinear na MOP a radioluscência central circundada pela densidade periférica(11).

O diagnóstico diferencial se faz com a calcinose idiopática universal, dermatomiosite, calcinose idiopática tumoral e doenças por alterações no metabolismo do cálcio. A presença de ossificações nos tecidos moles do esqueleto axial e anomalias nos dedos simplifica o diagnóstico nos casos de MOP.

O uso de ácido ascórbico na MOP parece agir na estabilização da doença(8). A diminuição das ossificações, possivelmente em transição, isto é, ainda em fase de processo inflamatório, tem sido atribuída à ação do ácido ascórbico na modulação da síntese do procolágeno III(8).

Quanto aos tratamentos até agora empregados, o uso dos bisfosfonatos tem eficácia nas ossificações já estabelecidas^. Quando existe grave limitação dos movimentos e intolerância gástrica, o uso de bisfosfonato endovenoso pode estar indicado e ter boa melhora(12,13).

A associação de ácido ascórbico e bisfosfonado por via oral ou endovenosa pode ser uma alternativa no controle e diminuição das calcificações ectópicas a longo prazo, melhorando significativamente a sua qualidade de vida.

Trabalho recebido para publicação: 27/01/2011, aceito para publicação: 12/07/2011.

Os autores declaram inexistência de conflito de interesses na realização deste trabalho

Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia (DOT) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Este artigo está disponível online nas versões Português e Inglês nos sites: www.rbo.org.br e www.scielo.br/rbort

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  • Correspondência:

    Setor Universitário - Departamento de Ortopedia - Hospital das Clínicas
    Primeira Avenida, sem número
    74000-000 - Goiânia - Goiás
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      27 Jan 2011
    • Aceito
      12 Jul 2011
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