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Análise da variação dos valores da rotação medial conforme a posição da diáfise do úmero

Resumos

OBJETIVO: Analisar a validade da medida de rotação medial (RM) do ombro pelos níveis vertebrais conforme a variação da posição da diáfise do úmero, testando o bigoniômetro como novo instrumental de aferição. MÉTODOS: Foram avaliados, prospectivamente, 140 ombros (70 pacientes) que tinham limitação da RM do ombro unilateral. Avaliou-se, por meio da escala visual, o nível vertebral e correlacionou-se com o ângulo obtido conforme a posição da diáfise do úmero utilizando o bigoniômetro desenvolvido com a Engenharia Mecânica do Mackenzie. RESULTADOS: O nível vertebral máximo alcançado na RM do lado não acometido variou de T3 a T12, e para o lado acometido variou de T6 a trocânter. Já quando o membro acometido foi reposicionado em RM de acordo com os valores angulares do lado normal, 57,13% dos pacientes alcançaram níveis mais baixos entre sacro, glúteo e trocânter. Analisando o nível vertebral máximo alcançado e a variação entre o ângulo x (plano frontal: abdução e RM do ombro) acometido e o ângulo x não acometido em RM, verificamos que quanto maior a angulação do eixo da diáfise menor a variação do nível vertebral alcançado. Avaliando a correlação linear entre as variáveis diferença do nível vertebral máximo alcançado e a variação do ângulo y (extensão e adução do ombro) acometido e ângulo y não acometido em RM, verificamos que não há uma relação linear bem estabelecida entre estas variáveis. CONCLUSÃO: A medida da RM pelos níveis vertebrais não corresponde aos valores reais, pois varia conforme o posicionamento da diáfise do úmero.

Articulação do Ombro; Amplitude de Movimento Articular; Rotação; Goniometria Articular


OBJECTIVE: To analyze the validity of measurements of shoulder medial rotation (MR) of the shoulder, using vertebral levels, according to the variation in the position of the humeral diaphysis, and to test the bi-goniometer as a new measuring instrument. METHODS: 140 shoulders (70 patients) were prospectively evaluated in cases presenting unilateral shoulder MR limitation. The vertebral level was evaluated by means of a visual scale and was correlated with the angle obtained according to the position of the humeral diaphysis, using the bi-goniometer developed with the Department of Mechanical Engineering of Mackenzie University. RESULTS: The maximum vertebral level reached through MR on the unaffected side ranged from T3 to T12, and on the affected side, from T6 to the trochanter. Repositioning of the affected limb in MR according to the angular values on the normal side showed that 57.13% of the patients reached lower levels, between the sacrum, gluteus and trochanter. From analysis on the maximum vertebral level attained and the variation between the affected angle x (frontal plane: abduction and MR of the shoulder) and the unaffected angle x in MR, we observed that the greater the angle of the diaphyseal axis was, the lower the variation in the vertebral level attained was. From evaluating the linear correlation between the variables of difference in maximum vertebral level reached and variation in the affected angle y (extension and abduction of the shoulder) and the unaffected angle y in MR, we observed that there was no well-established linear relationship between these variables. CONCLUSION: Measurement of MR using vertebral levels does not correspond to the real values, since it varies according to the positioning of the humeral diaphysis.

Shoulder Joint; Range of Motion, Articular; Rotation; Articular, Goniometry


ARTIGO ORIGINAL

Análise da variação dos valores da rotação medial conforme a posição da diáfise do úmero

Alberto Naoki MiyazakiI; Marcelo FregonezeII; Pedro Doneux SantosIII; Luciana Andrade da SilvaIII; Guilherme do Val SellaIII; Carina CohenIV; Taís Stedile Busin GioraIV; Sergio Luiz ChecchiaV; Fabio RaiaVI; Hélio PekelmanVI; Raquel CymrotVII

IProfessor Assistente e Chefe do Grupo de Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – São Paulo, Brasil

IIProfessor Assistente e Assistente do Grupo de Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – São Paulo, Brasil

IIIAssistente do Grupo de Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade Ciências de Médicas da Santa Casa de São Paulo – São Paulo, Brasil

IVEstagiária do Grupo de Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – São Paulo, Brasil

VProfessor Adjunto, Consultor Acadêmico e Membro do Grupo de Cirurgia do Ombro e Cotovelo do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – São Paulo, Brasil

VIProfessor Assistente do Curso de Engenharia Mecânica da Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo, Brasil

VIIProfessora Assistente do Curso de Engenharia Mecânica da Universidade Presbiteriana Mackenzie – São Paulo, Brasil

Correspondência Correspondência: Rua Dr. Cesário Mota Jr., 112, Vila Buarque 01221020 – São Paulo, SP. E-mail: lucalu@terra.com.br / ombro@ombro.med.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a validade da medida de rotação medial (RM) do ombro pelos níveis vertebrais conforme a variação da posição da diáfise do úmero, testando o bigoniômetro como novo instrumental de aferição.

MÉTODOS: Foram avaliados, prospectivamente, 140 ombros (70 pacientes) que tinham limitação da RM do ombro unilateral. Avaliou-se, por meio da escala visual, o nível vertebral e correlacionou-se com o ângulo obtido conforme a posição da diáfise do úmero utilizando o bigoniômetro desenvolvido com a Engenharia Mecânica do Mackenzie.

RESULTADOS: O nível vertebral máximo alcançado na RM do lado não acometido variou de T3 a T12, e para o lado acometido variou de T6 a trocânter. Já quando o membro acometido foi reposicionado em RM de acordo com os valores angulares do lado normal, 57,13% dos pacientes alcançaram níveis mais baixos entre sacro, glúteo e trocânter. Analisando o nível vertebral máximo alcançado e a variação entre o ângulo x (plano frontal: abdução e RM do ombro) acometido e o ângulo x não acometido em RM, verificamos que quanto maior a angulação do eixo da diáfise menor a variação do nível vertebral alcançado. Avaliando a correlação linear entre as variáveis diferença do nível vertebral máximo alcançado e a variação do ângulo y (extensão e adução do ombro) acometido e ângulo y não acometido em RM, verificamos que não há uma relação linear bem estabelecida entre estas variáveis.

CONCLUSÃO: A medida da RM pelos níveis vertebrais não corresponde aos valores reais, pois varia conforme o posicionamento da diáfise do úmero.

Descritores – Articulação do Ombro/fisiologia; Amplitude de Movimento Articular; Rotação; Goniometria Articular

INTRODUÇÃO

A amplitude de movimento é um importante parâmetro na avaliação funcional do ombro, necessitando de precisão em sua aferição(1). A medição pode ser feita conforme o manual da American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS) por meio da escala visual e da goniometria(2). A medida da rotação medial do ombro é particularmente difícil de ser definida, devido ao abdome impedir a rotação medial máxima e uma medida comumente utilizada é a rotação medial pelo método indireto, conforme o nível vertebral proximal máximo alcançado pelo polegar, no qual a mão é ativamente posicionada atrás das costas e o nível vertebral alcançado pela ponta do polegar estendido é registrado(2-5). No entanto, alguns autores acreditam que esta medida subestima a contribuição de outras articulações, considerando que sua acurácia não é válida(4,6).

Andrade et al(1), em um estudo comparativo entre o método de estimativa visual e a goniometria para avaliação da amplitude de movimento (ADM) do ombro, mostraram que o maior índice de reprodutibilidade foi na medida de rotação medial pelo método da escala visual. No entanto, para Armstrong et al(7), a estimativa visual na avaliação da ADM, apesar de sua facilidade e rapidez de aplicação, apresentou moderada reprodutibilidade com diferenças significativas quando comparada à goniometria, que demonstrou grande confiabilidade e reprodutibilidade, sendo considerada como melhor método para avaliação da amplitude de movimento. Entretanto, Herrington(8) referiu que a mensuração pela goniometria no ombro pode ser imprecisa, devido à dificuldade de estabelecer o eixo de movimento.

Ao contrário do que se acreditava, as rotações medial e lateral não ocorrem inteiramente na articulação do ombro(3). Mallon et al(4) demonstraram que a articulação escapulotorácica também contribui para esses movimentos. O valor da contribuição exata destas articulações varia, com razão média de 2:1 nos níveis vertebrais máximos. A rotação medial ao longo do tórax parece ser realizada quase que exclusivamente pela articulação do ombro, que contribui com 91%. Se considerarmos a rotação medial total, o ombro contribui com 84%, enquanto que levar o braço para trás das costas mobiliza a articulação escapulotorácica. O movimento de posicionamento da mão atrás das costas ocorre em três movimentos distintos: primeiro, com o braço em frente ao corpo, a articulação do ombro roda internamente; segundo, o braço é posicionado atrás do corpo com a maioria do movimento ocorrendo pela extensão e rotação interna da articulação escapulotorácica; e terceiro, o polegar alcança o nível vertebral pela flexão do cotovelo. Por esta medida ser composta de três movimentos e não apenas pela rotação medial da articulação do ombro, seu valor como parâmetro de rotação medial é questionável; no entanto, é evidente sua importância funcional para representação das atividades de vida diária, visto que sua limitação incapacita muito o indivíduo(4,9).

A medição da rotação medial é parte do exame padrão adotado mundialmente(10). O nível vertebral médio alcançado em membros superiores sem alterações é, em geral, entre os níveis torácicos (T) T6 e T10(11), sendo que do nível sacral (S) S1 a T10 o movimento ocorre principalmente em torno da flexão do cotovelo(4) e a rotação medial do ombro quase não se altera acima de T12(12).

O que se observa é que o lado acometido pode alcançar níveis vertebrais semelhantes ao lado normal às custas da inclinação compensatória do tronco e flexão do cotovelo. Em relação à função, isso pode parecer irrelevante; entretanto, para fins científicos, a determinação correta e padronizada do nível vertebral é fundamental. Buscando analisar esta compensação, desenvolvemos um instrumento de mensuração bidimensional para medir o posicionamento angular da diáfise do úmero no movimento combinado de rotação medial e extensão e, dessa forma, comparando o lado normal com o acometido, podemos fazer a correção da posição e a comparação do nível vertebral alcançado.

O objetivo deste trabalho é analisar a validade da medida de rotação medial do ombro pelos níveis vertebrais conforme a variação da posição da diáfise do úmero, testando o bigoniômetro como novo instrumental de aferição.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

No período de dezembro de 2010 a janeiro de 2011 foram avaliados, prospectivamente, 140 ombros de 70 pacientes em acompanhamento no Ambulatório do Grupo de Ombro e Cotovelo da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – Pavilhão "Fernandinho Simonsen" que tinham limitação da rotação medial do ombro unilateral. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos dessa instituição. Todos os pacientes estavam cientes da participação no estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os critérios de inclusão foram pacientes com limitação da rotação medial unilateral. Foram excluídos os indivíduos obesos (índice de massa corporal – IMC ≥ 30), com fratura não consolidada do membro superior, com limitação da mobilidade do cotovelo, artrite reumatoide, doença bilateral dos ombros e tempo pós-operatório de cirurgia do ombro inferior a quatro meses.

Dos 70 pacientes avaliados, 41 (58,57%) eram do sexo feminino e 29 (41,43%), do masculino. A média de idade foi igual a 57 anos, variando de 32 a 82 anos. A média do IMC dos pacientes avaliados foi de 25,25 (de 17,7 a 29,7). O lado dominante foi acometido em 47 (67,14%) pacientes. Quarenta e cinco (64,29%) indivíduos tinham dor no ombro acometido. Quarenta e nove pacientes (70%) foram submetidos a procedimento cirúrgico, com tempo médio de seguimento pós-operatório de 27 meses, variando de cinco a 180 meses.

A avaliação da rotação medial do ombro foi feita por meio da escala visual por estimativa do nível vertebral e correlacionada com o ângulo obtido conforme a posição da diáfise do úmero utilizando o bigoniômetro desenvolvido em conjunto com o Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Mackenzie.

Instrumento

O instrumento utilizado nas medições foi composto de 18 peças diferentes, descritas a seguir: peça 1, base, cortada de uma placa de acrílico de 15mm de espessura e serve para suportar o resto das peças do mecanismo; peça 2, disco com 360º, cortada de uma chapa de poliestireno de 1mm, serve como anel redutor de atrito permitindo movimentos mais suaves na rotação do suporte e define o eixo da combinação da extensão e adução do ombro (eixo do ângulo y); peça 3, suporte, cortada de uma placa de acrílico de 15mm e depois torneada e fresada para adquirir o formato projetado, servindo de apoio para o meio disco e para a haste; peça 4, meio disco com 180º, feita a partir de um transferidor de acrílico cortado e responsável pela definição do eixo de rotação medial e abdução do ombro, (eixo do ângulo x); peça 5, haste, foi cortada de um tubo de fenolite de 8mm, deve ser posicionada paralela ao úmero permitindo a leitura dos ângulos; peça 6, trava, cortada em acrílico de 2mm, serve para segurar o suporte na base; peça 7, parafuso de fenda M3, fixa a trava no suporte; peça 8, braçadeira, cortada de uma chapa de aço inox, serve para posicionar o equipamento no corpo da pessoa; peça 9, parafuso de fenda M3, fixa o suporte à base; peça 10, porca sextavada M3; peça 11, arruela lisa A3, auxilia na fixação do suporte a base; peça 12 parafuso fenda M3, fixa a haste ao suporte permitindo a rotação da haste; peça 13, medidor superior, foi prototipado em plástico ABS (acrylonitrile butadiene styrene), fixa o espaçamento entre a haste e a borda lateral do acrômio no paciente; peça 14, régua, cortada em acrílico de 5mm, foi posteriormente fresada para se obter o paralelismo dos rasgos, esta mantém o medidor superior e inferior paralelos; peça 15, medidor inferior, foi prototipada em plástico ABS, deve ser apoiada no epicôndilo lateral e, posteriormente, na ponta do olécrano; peça 16, pino, foi prototipada em plástico ABS, fixa o medidor inferior à régua, permitindo que o mesmo suba e desça paralelo ao medidor superior; peça 17, porca borboleta M3, que facilita o ajuste da base; e peça 18, nível de bolha, permite manter a base nivelada horizontalmente (Figura 1).


O instrumento de medida foi validado por estatística e analisadas em separado a repetibilidade e a reprodutibilidade, e consideradas concordantes as medidas que não diferissem mais de 15º, considerando a grande amplitude de movimento do ombro. A repetibilidade foi verificada através da concordância entre os resultados de medições sucessivas repetidas na posição neutra e em rotação medial do mesmo paciente, efetuadas com o mesmo método, o mesmo operador e com as mesmas condições de utilização. Já a reprodutibilidade foi constatada pela concordância entre os resultados das medições na posição neutra e em rotação medial, efetuadas pelos dois operadores no mesmo paciente.

Metodologia

Todos os pacientes foram avaliados pelos mesmos dois examinadores (E1 e E2). O exame foi realizado com o paciente em posição ortostática e foram marcados pontos de referência na borda lateral do acrômio, no epicôndilo lateral e na ponta do olécrano dos dois membros superiores com fitas adesivas coloridas. Esses pontos foram usados para determinar o alinhamento da diáfise do úmero.

A braçadeira do bigoniômetro foi apoiada sobre os ombros, inicialmente do lado normal e, após as aferições, em posição neutra e em rotação medial o mesmo procedimento era realizado no lado acometido. O aparelho era estabilizado sempre pelo examinador E1, que posicionava a linha média do instrumento alinhada com a borda lateral do acrômio. Os níveis foram cuidadosamente observados para certificar que o aparelho se manteve paralelo ao solo todo o tempo.

Como ponto de partida, o paciente era colocado em ortostatismo com os membros superiores em posição anatômica e os valores angulares obtidos no aparelho eram anotados sempre pelo examinador E2, utilizando como parâmetros a borda lateral do acrômio e o epicôndilo lateral, que correspondem ao eixo da diáfise do úmero nesta posição (Figura 2). Em seguida, era solicitado ao paciente que posicionasse o membro em rotação medial nas costas no ponto mais alto alcançado com o polegar estendido. O aparelho foi posicionado utilizando como parâmetros a borda lateral do acrômio e a ponta do olécrano, que correspondem ao eixo da diáfise do úmero nesta posição. Foram anotadas pelo examinador E2 as medidas angulares marcadas no aparelho, o grau de flexão do cotovelo e o nível vertebral atingido pelo polegar estendido. A mesma sequência foi realizada no lado normal e, em seguida, no lado acometido.


O valor angular aferido no lado não acometido posicionado em rotação medial foi utilizado como parâmetro de reposicionamento do membro acometido. Uma vez alinhado pelo examinador E1, nova medida pela escala visual do nível vertebral máximo alcançado era obtida e anotada pelo examinador E2 (Figura 3).


A variação angular observada entre o membro com limitação da rotação medial e o reposicionamento do eixo do úmero deste lado utilizando os valores angulares do lado normal foi analisada e comparada com a diferença do nível vertebral máximo alcançado pelo membro acometido.

Na análise estatística, foi utilizado o programa Minitab 16 Statistical Software. Para todos os testes de hipótese foram calculados níveis descritivos (valor p), considerando intervalo de confiança de 95% como estatisticamente significante e rejeitando, portanto, as hipóteses com p ≤ 0,05.

Para comparar a média entre duas variáveis, foi utilizado o teste t de Student para dados pareados. Foram também calculadas as correlações lineares entre pares de variáveis, como a variação Δx, que representa quantitativamente o valor da variação angular do eixo x (ângulo x acometido – x não acometido em rotação medial) e variação Δy, representado quantitativamente pelo valor da variação angular do eixo y (ângulo y acometido – y não acometido em rotação medial).

Foram calculados a média, o desvio padrão (DP) e o intervalo de confiança (IC) para todas as variáveis analisadas. Quanto ao ângulo x do lado não acometido e do lado acometido, em posição anatômica, a diferença média ao se comparar os 70 pacientes ficou dentro do IC com p > 0,005, sendo aceita a hipótese de igualdade entre as medidas (p = 0,681) (Figura 4). O mesmo ocorreu quando calculada a diferença para o ângulo y do lado acometido e não acometido em posição anatômica, com p = 0,545 (Figura 5).



RESULTADOS

Na avaliação das variáveis ângulo x para os 70 pacientes, ao se comparar o ângulo x do lado não acometido e do lado acometido em rotação medial, a diferença média ficou dentro do IC com p = 0,002, concluindo, portanto, que as medidas não são iguais para o lado não acometido e acometido, sendo superior no acometido (Figura 6).


Em relação à variável ângulo y para os 70 pacientes, ao se comparar o ângulo y do lado não acometido e do lado acometido em rotação medial, a diferença média ficou dentro do IC com p = 0,000, concluindo que as medidas não são iguais para o lado não acometido e acometido, sendo superior no acometido (Figura 7).


Os valores do nível vertebral máximo alcançado na rotação medial com o polegar estendido do lado não acometido variaram de T3 a T12, com 46% dos casos entre T8 e T9. Para o lado acometido, os valores do nível vertebral máximo alcançado com o polegar estendido variaram de T6 a trocânter. Já quando o membro acometido foi reposicionado em rotação medial de acordo com os valores angulares do lado normal, os níveis variaram de T6 a trocânter, porém com diferente distribuição percentual, de forma que 57,13% dos pacientes alcançaram níveis entre sacro, glúteo e trocânter (Tabela 1).

A variável flexão máxima do cotovelo do lado não acometido e do lado acometido foi analisada comparando essas medidas para os 70 pacientes, e concluímos que a flexão máxima do cotovelo para o lado não acometido e acometido não são iguais, sendo superior no não acometido (p = 0,000) (Figura 8). Da mesma forma, ao compararmos os pacientes que alcançavam, com o membro acometido, níveis vertebrais superiores a S1 e indivíduos não acometidos, a flexão do cotovelo também foi maior no lado não acometido.


Ao avaliar as variáveis diferença do nível vertebral máximo alcançado e variação Δx (ângulo x acometido – x não acometido em rotação medial), concluímos que há uma relação linear decrescente entre estas variáveis, isto é, quanto maior a angulação do eixo da diáfise menor a variação do nível vertebral alcançado (p = 0,044) (Figura 9).


Em seguida, calculamos a correlação linear entre as variáveis: diferença do nível vertebral máximo alcançado e variação Δy (ângulo y acometido – y não acometido em rotação medial) e obtivemos valor igual a –0,231. Tal valor é, ao nível de significância de 5%, igual a zero (P = 0,054), concluindo que não há uma relação linear bem estabelecida entre estas variáveis (Figura 10).


A queixa de dor no ombro não influenciou o nível vertebral alcançado no membro acometido (p = 0,309). No entanto, quando relacionamos a flexão do cotovelo no lado com limitação da rotação medial e a presença de dor, concluímos que pacientes com dor fazem uma maior flexão compensatória do cotovelo (p = 0,004).

DISCUSSÃO

A medição da rotação medial do ombro é bastante complexa, não existindo um padrão para o posicionamento do braço, tornando-a imprecisa(13). Em nosso estudo, buscamos padronizar os pontos de referência do eixo da diáfise do úmero, tornando a medição da rotação medial do ombro pelo método da escala visual menos subjetiva. Também mantivemos a mesma rotina de medição: enquanto o examinador E1 sempre posicionava o instrumento, o E2 sempre realizava as aferições.

Embora Armstrong et al(7) encontraram que a medida da rotação medial do ombro pela estimativa visual apresente moderada reprodutibilidade, Andrade et al(1), ao comparar este método com a goniometria, demonstraram maior reprodutibilidade da aferição pela escala visual. Em nosso estudo, ao testar a medida da rotação medial pelo nível vertebral máximo alcançado, obtivemos alta concordância entre os dois examinadores, conferindo, sob análise estatística, a reprodutibilidade da aferição.

Conforme os achados de Mallon et al(4), que definiram que o posicionamento da mão atrás das costas ocorre em três movimentos distintos, desenvolvemos uma forma numérica de aferição da rotação medial do ombro que considerou o movimento inicial de abdução e rotação medial, medido pelo ângulo do eixo x, que ocorre principalmente na articulação do ombro; depois, o movimento de extensão, adução e rotação medial, aferida pelo ângulo do eixo y, realizada pela articulação escapulotorácica; e, por último, o ângulo de flexão do cotovelo, medido por goniometria convencional, que é o principal responsável pela rotação medial a partir da linha média do sacro, podendo mover a mão 17 a 20cm proximais, que corresponde ao ganho de sete a oito níveis em indivíduos normais(14).

Em nosso estudo, concluímos que a flexão máxima do cotovelo para o lado acometido mostrou-se estatisticamente menor em relação ao lado não acometido para todos os níveis vertebrais alcançados, e os pacientes que atingiram níveis inferiores ao nível lombar L5 tiveram menores graus de flexão do cotovelo. Tal fato pode ser justificado pelos estudos de Mallon et al(4), que demonstram que a flexão do cotovelo é a principal responsável pelo alcance dos níveis vertebrais entre S1 e T10.

Ao avaliarmos os pacientes com queixa de dor no ombro acometido, esta variável não esteve relacionada com níveis vertebrais mais inferiores. Entretanto, a flexão do cotovelo desses pacientes mostrou-se maior (p = 0,004), possivelmente, na tentativa de compensar o déficit da rotação medial. Cabe ressaltar que nenhum desses indivíduos apresentava dor ou restrição dos movimentos do cotovelo em posição anatômica.

Ainda que Andrade et al(1) não encontraram correlação entre a medida angular da rotação medial do ombro a 90º de abdução com o paciente na posição supino e o nível vertebral pela escala visual, por se tratarem de métodos diferentes e não passíveis de comparação, no nosso estudo conseguimos estabelecer uma relação linear decrescente entre a variação do nível vertebral pela escala visual e a variação dos valores angulares obtidos pelo bigoniômetro no eixo x. Assim, quanto maior a angulação compensatória do membro superior acometido em relação ao lado normal (Δx) maior foi a variação do nível vertebral corrigido (p = 0,044). Já ao comparar o Δy com a variação do nível vertebral, o valor estatístico ao nível de significância de 5% ficou muito próximo de p < 0,05 (p = 0,054), o que sugere que não podemos afirmar que há uma relação bem definida. Porém, demonstra forte associação entre as variáveis, podendo o erro estar no tamanho da amostra ou na aferição.

Nosso trabalho demonstrou claramente que o valor do nível vertebral medido na prática médica é superestimado, uma vez que, com o reposicionamento do membro superior acometido conforme os valores angulares encontrados no membro superior não acometido, ocorreu o decréscimo destas medidas em pelo menos um nível para todos os pacientes estudados.

Greene e Heckman(11) citaram o nível vertebral máximo alcançado como uma medida de interesse dos cirurgiões do ombro pela sua importância funcional nas atividades de vida diária, como higiene, fechamento do sutiã pela mulher e retirada da carteira do bolso posterior da calça. Assim, embora o valor da rotação medial do ombro seja superestimado nas aferições, é importante considerar que esta medida se trata de uma compensação do posicionamento do braço para a adaptação funcional, tornando o membro superior com limitação do movimento o mais próximo possível do lado normal.

Em conformidade com a literatura, que cita que o nível vertebral máximo alcançado varia entre T6 e T10 em indivíduos normais(11), nossa casuística apresentou 82,86% (58 casos) do lado não acometido nesta faixa. Já o lado acometido concentrou apenas 21,43% (15 casos) das aferições neste intervalo, e, após a correção do posicionamento angular da diáfise do úmero, o número baixou para 12,86% (nove casos).

Se considerarmos que o alcance da mão abaixo no nível vertebral L5 é funcionalmente muito ruim para o desempenho das atividades de vida diária, podemos concluir que a compensação do tronco é de grande importância, visto que 16 pacientes (22,86%) alcançavam ativamente com o membro superior acometido os níveis sacro, glúteo e trocânter, e, após a correção, aumentava para 40 pacientes (57,13%) os que não conseguiam alcançar níveis acima do sacro.

Apesar de ter sido sugerido por Andrade et al(1), a criação de um novo aparelho para a aferição da rotação medial do ombro, visto sua dificuldade em determinar o centro de rotação dos movimentos desta articulação, não encontramos nenhum estudo na literatura que tenha desenvolvido tal equipamento. Nosso estudo foi pioneiro na tentativa de desenvolver um instrumento novo de aferição e, embora tenha sua aplicabilidade testada, sugerimos sua reavaliação em novos estudos para confirmar sua confiabilidade.

A aferição da rotação medial do ombro com o bigoniômetro é relativamente rápida e fácil; entretanto, por se tratar de um instrumento não disponível no mercado, existe a dificuldade de serem realizados estudos comparativos, o que torna sua aplicabilidade restrita do ponto de vista prático.

CONCLUSÃO

Como conclusão, podemos afirmar que a medida da rotação medial pelos níveis vertebrais não corresponde aos valores reais, pois varia conforme o posicionamento da diáfise do úmero.

Trabalho recebido para publicação: 02/06/2011, aceito para publicação: 19/08/2011.

Os autores declaram inexistência de conflito de interesses na realização deste trabalho

Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (DOT-FCMSCSP), Pavilhão "Fernandinho Simonsen", diretor: Prof. Dr. Osmar Avanzi, e no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, coordenador: Prof. Dr. Antônio Gonçalves Mello – São Paulo (SP), Brasil.

Este artigo está disponível online nas versões Português e Inglês nos sites: www.rbo.org.br e www.scielo.br/rbort

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  • Correspondência:

    Rua Dr. Cesário Mota Jr., 112, Vila Buarque
    01221020 – São Paulo, SP.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Jun 2011
    • Aceito
      19 Ago 2011
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