Acessibilidade / Reportar erro

Lipoma arborescens: caso raro de ruptura do manguito rotador associado à presença de lipoma arborescens na bursa subacromial-subdeltoidea e glenoumeral

Resumos

Lipoma arborescens é uma condição rara de moléstia intra-articular, usualmente monoarticular, caracterizada por extensa proliferação dos vilos sinoviais e hiperplasia da gordura subsinovial. O tecido sinovial é progressivamente substituído por células maduras de gordura na membrana sinovial. O presente trabalho é o relato de caso de uma condição rara de lipoma arborescens tanto intra-articular (glenoumeral) como da bursa subacromial-subdeltoide além de ruptura do tendão do supraespinhoso. As apresentações clínicas, histológicas e radiográficas assim como o tratamento são discutidos no presente estudo. A apresentação do caso contempla também a avaliação radiográfica, ressonância magnética e exame patológico. Apesar do lipoma arborescens ser uma condição rara, tal hipótese deve ser considerada frente a um caso com hiperproliferação sinovial e lipossubstituição da sinovial.

Lipoma; Lipoma; Ombro; Sinovite; Bursite


Lipoma arborescens is a rare intra-articular disease that is usually monoarticular and is characterized by extensive proliferation of the synovial villi and hyperplasia of the subsynovial fat. The synovial tissue is progressively replaced by mature fat cells in the synovial membrane. The present study reports a case of a rare condition of lipoma arborescens that was simultaneously intra-articular (glenohumeral joint) and in the subacromial-subdeltoid bursa, in association with a torn supraspinatus tendon. The clinical, histological and radiographic presentations and treatment are discussed here. The description of this case includes radiographic and magnetic resonance evaluations and pathological examination. Although lipoma arborescens is a rare condition, it should be taken into consideration in cases presenting synovial hyperproliferation and synovial fat replacement.

Lipoma; Lipoma; Shoulder; Sinovitis; Bursitis


RELATO DE CASO

Lipoma arborescens: caso raro de ruptura do manguito rotador associado à presença de lipoma arborescens na bursa subacromial-subdeltoidea e glenoumeral

Eduardo BenegasI; Arnaldo Amado Ferreiro NetoII; Daniel Sabatini TeodoroIII; Marcos Vinícius Muriano da SilvaIII; Augusto Medaglia de OliveiraIII; Renée Zon FilippiIV; Flávia de Santis PradaI

IMédico Assistente do Grupo de Ombro e Cotovelo do Instituto de Ortopedia do HC/FMUSP – São Paulo, SP, Brasil

IIProfessor Colaborador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Chefe do Grupo de Ombro e Cotovelo do Instituto de Ortopedia do HC/FMUSP – São Paulo, SP, Brasil

IIIEstagiário do Grupo de Ombro e Cotovelo do Instituto de Ortopedia do HC/FMUSP – São Paulo, SP, Brasil

IVPatologista do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC/FMUSP – São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Flavia de Santis Prada Rua Adma Jafet, 74, cj. 93. Bela Vista 013010-050 – São Paulo, SP, Brasil. E-mail: flavprada@hotmail.com

RESUMO

Lipoma arborescens é uma condição rara de moléstia intra-articular, usualmente monoarticular, caracterizada por extensa proliferação dos vilos sinoviais e hiperplasia da gordura subsinovial. O tecido sinovial é progressivamente substituído por células maduras de gordura na membrana sinovial. O presente trabalho é o relato de caso de uma condição rara de lipoma arborescens tanto intra-articular (glenoumeral) como da bursa subacromial-subdeltoide além de ruptura do tendão do supraespinhoso. As apresentações clínicas, histológicas e radiográficas assim como o tratamento são discutidos no presente estudo. A apresentação do caso contempla também a avaliação radiográfica, ressonância magnética e exame patológico. Apesar do lipoma arborescens ser uma condição rara, tal hipótese deve ser considerada frente a um caso com hiperproliferação sinovial e lipossubstituição da sinovial.

Descritores – Lipoma/diagnóstico; Lipoma/radiografia; Ombro; Sinovite; Bursite

INTRODUÇÃO

Lipoma arborescens é uma rara condição na qual existe a proliferação de vilos sinoviais e hiperplasia da gordura sinovial. A articulação se apresenta com aumento de volume na articulação acometida, dor, moderado edema e perda da amplitude de movimentos. Esta condição é usualmente monoarticular, sendo o joelho a articulação mais frequentemente acometida(1). O exame de imagem mais recomendado é a ressonância magnética e o tratamento pode ser a sinovectomia aberta ou artroscópica(1-3). Apesar de terem sido aventadas hipóteses de que o lipoma arborescens seja decorrente de trauma, de afecção traumática, do desenvolvimento, de causa inflamatória ou neoplásica, a etiologia permanece desconhecida. Face ao quadro clínico e de imagem, outras condições sinoviais devem ser consideradas como diagnósticos diferenciais: condromatose sinovial, sinovite vilonodular pigmentada, hemangiomatose sinovial e doença reumática.

O aumento de volume no ombro pode ocorrer por um trauma, uma condição artrítica ou um tumor. Há poucos casos relatados na literatura em que o aumento do volume é causado por um lipoma arborescens(4). O presente trabalho relata um caso raro de lipoma arborescens do ombro que acomete, simultaneamente, a bursa subacromial-subdeltoidea, a articulação glenoumeral e, além disso, está associado à lesão do tendão do músculo supraespinal.

RELATO DO CASO

Um paciente do sexo masculino, com 65 anos de idade, nos procurou com dor no ombro direito há oito meses, de caráter intermitente, noturna, de moderada a baixa intensidade, que piorava em ambientes frios (ambientes com ar-condicionado) e com movimentação e melhorava com uso de AINEs. A dor evoluiu com aumento da frequência e, nos últimos três meses, o paciente percebeu aumento do volume do ombro direito, que progrediu até o dia da consulta. Não havia história de trauma. Em seus antecedentes pessoais consta tumor renal tratado e curado há quatro anos, além de hipertensão arterial sistêmica devidamente controlada. Ao exame físico ortopédico, apresentava musculatura eutrófica bilateral com aumento do volume do ombro direito, sem dor à palpação, com pouca dor à mobilização e amplitude de movimento ativa e passiva sem limitações (elevação 180º, abdução 180º, rotação lateral 60º e rotação medial até T7). Apresentava teste de Jobe positivo para dor e negativo para força. Os testes para os músculos infraespinal e subescapular foram negativos. Não apresentou alterações nos exames laboratoriais e, particularmente, os marcadores inflamatórios (VHS e PCR) assim como os reumáticos (fator reumatoide, Waaler-Rose e VDRL) se mostraram normais.

A radiografia simples não evidenciou alterações, exceto por um aumento das partes moles. Foi solicitada, então, uma ressonância magnética (RM), que demonstrou rotura de espessura total da porção anterior do tendão do músculo supraespinal, importante sinovite glenoumeral e da bursa subacromial com sinais de metaplasia gordurosa (Figura 1 – A-D).


Como proposta terapêutica, foi indicada cirurgia artroscópica (Figura 2) para sinovectomia do processo/componente sinovial seguida de procedimento aberto para a exérese do lipoma da bursa e o reparo do tendão do músculo supraespinal (Figura 2). A cirurgia foi realizada dia 23 de outubro de 2008. Após a artroscopia, uma via deltopeitoral ampliada foi feita, com desinserção da porção anterior do deltoide do acrômio para a visualização da parte posterior do lipoma, identificação e proteção do ramo profundo do nervo axilar. A sutura do manguito foi feita de maneira habitual. O exame intraoperatório por congelação confirmou o diagnóstico de lipoma arborescens. O resultado do exame anatomopatológico final foi de lipoma arborescens, mostrando focos de metaplasia cartilaginosa, associado a uma sinovite hiperplásica de grau moderado com numerosos corpos de fibrina predominando no componente intra-articular da lesão. Atualmente, com quatro meses de pós-operatório, apresenta boa função do ombro e não há sequelas neurológicas.


DISCUSSÃO

O lipoma arborescens é caracterizado pela proliferação vilosa difusa da membrana sinovial e substituição do tecido subsinovial por adipócitos maduros. Também pode ser denominado proliferação vilosa lipomatosa da membrana sinovial, o que evita a confusão com uma doença neoplásica(1).

A etiologia é desconhecida, mas a hipótese mais aceita, baseada em achados histológicos de infiltrado mononuclear sobre a membrana sinovial, é a de que seria uma reação não específica a uma inflamação crônica. Verifica-se, também, associação com trauma, doença articular degenerativa, artrite reumatoide, artrite psoriática e diabetes mellitus(1-3,5).

O lipoma arborescens é raro, com menos de 100 casos descritos na literatura de língua inglesa. Acomete, tipicamente, pacientes entre a quinta e sétima décadas de vida, mas são relatados casos em adultos jovens e em pacientes durante a infância(5-7). Homens e mulheres parecem ser igualmente afetados(2).

A doença é, geralmente, monoarticular e o joelho é o local mais comumente afetado, em particular, a bursa suprapatelar(1). Na literatura, há relatos de acometimento do punho, cotovelo, ombro, quadril e tornozelo, assim como de envolvimento bilateral e de doença poliarticular(4,5,8-10).

O paciente com lipoma arborescens se apresenta, tipicamente, com tumefação indolor da articulação acometida, de início insidioso que evolui durante vários meses a anos. A dor pode surgir com essa evolução e é de caráter progressivo, acompanhada de derrame articular com exacerbações intermitentes. Podem ocorrer sintomas mecânicos, tais como limitação da amplitude de movimento, bloqueio, ressalto e crepitação. Habitualmente, hemograma, velocidade de hemossedimentação, proteína C-reativa, uricemia, fator reumatoide, Waaler-Rose e VDRL são normais. O líquido sinovial tem aspecto límpido, cor amarelo-citrino, viscosidade normal, é negativo para células e cristais e as culturas são negativas.

Quanto aos exames de imagem, a radiografia simples é inespecífica, podendo não apresentar alterações ou, eventualmente, demonstrar tumefação das partes moles. É importante para descartar tumores ósseos.

A ultrassonografia mostra proliferações vilosas hiperecogênicas sugestivas de gordura.

Já a tomografia computadorizada evidencia massas vilonodulares de baixa densidade, ausência de captação de contraste endovenoso e, se houver, existência de derrame intra-articular. Além disso, permite confirmar se o lipoma arborescens é intra-articular ou não, a origem sinovial e o tamanho e a extensão das lesões(2). Entretanto, é um exame com baixa especificidade.

A ressonância magnética (RM) é o método de imagem de escolha para o diagnóstico. Os achados são bem característicos e alguns autores os consideram patognomônicos de lipoma arborescens. As características do lipoma arborescens na RM são: existência de uma massa sinovial vilositária com a mesma intensidade da gordura subcutânea nas sequências em T1 e T2 e baixo sinal nas sequências com supressão de gordura e STIR; artefato de desvio químico potencial (chemical-shift artifact) na interface gordura-líquido; e ausência de captação de gadolínio pela lesão. Além disso, a RM pode demonstrar algumas condições associadas, como derrame articular, e alterações degenerativas articulares, que são comuns em pacientes na faixa etária acometida pela doença(1,2).

Os achados no exame anatomopatológico são de vilos sinoviais hipertróficos distendidos por tecido adiposo maduro, ocorrendo, em alguns casos, metaplasia óssea e cartilaginosa. Pode ainda haver infiltração moderada de células inflamatórias mononucleares na membrana sinovial, bem como infiltrado focal perivascular(2). A associação do lipoma arborescens com patologias crônicas da articulação como derrame articular, cistos sinoviais, alterações degenerativas articulares, erosões ósseas e condromatose sinovial tem sido descrita, corroborando a hipótese de esta entidade tratar-se de um processo reativo da sinóvia.

O diagnóstico diferencial faz-se com sinovite vilonodular pigmentada, osteocondromatose sinovial e hemangioma sinovial.

O tratamento consiste na sinovectomia aberta ou artroscópica e, se conseguida a ressecção total da lesão, o prognóstico é bom com a cura na quase totalidade dos casos. Só há um caso relatado na literatura com recidiva da lesão após sinovectomia. A sinovectomia com compostos radioativos, como o ítrio-90, com esteroides ou com compostos químicos, como o ácido ósmico, é relatada como uma alternativa ao tratamento cirúrgico(3,11), mas não há seguimento de longo prazo que comprove sua eficácia.

O acometimento do ombro já foi descrito algumas vezes na literatura. A maioria dos relatos é de acometimento da bursa subdeltoidea(4), sendo alguns associados à lesão do manguito rotador. Até o momento, há dois casos descritos na literatura de lipoma arborescens da articulação glenoumeral, sendo que apenas um deles foi tratado cirurgicamente. Nosso caso retrata um lipoma arborescens, simultaneamente, bursal e intra-articular associado à lesão do tendão do músculo supraespinal. Até a presente data, não há nenhum outro caso relatado de lipoma arborescens com esse padrão.

Trabalho recebido para publicação: 23/12/2010, aceito para publicação: 26/07/2011.

Os autores declaram inexistência de conflito de interesses na realização deste trabalho

Trabalho realizado no LIM41 - Laboratório de Investigação Médica do Sistema Músculo-Esquelético do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da FMUSP, São Paulo, SP, Brasil.

Este artigo está disponível online nas versões Português e Inglês nos sites: www.rbo.org.br e www.scielo.br/rbort

  • 1. Adelani MA, Wupperman RM, Holt GE. Benign synovial disorders.J Am Acad Orthop Surg. 2008;16(5):268-75.
  • 2. Bernardo A, Bernardes M, Brito I, Vieira A, Ventura F. [Synovial lipoma rborescens]. Acta Med Port. 2004;17(4):325-8.
  • 3. Davies AP, Blewitt N. Lipoma arborescens of the knee. Knee. 2005;12(5):394-6.
  • 4. Dawson JS, Dowling F, Preston BJ, Neumann L. Case report: lipoma arborescens of the sub-deltoid bursa. Br J Radiol. 1995;68(806):197-9.
  • 5. Bejia I, Younes M, Moussa A, Said M, Touzi M, Bergaoui N. Lipoma arborescens affecting multiple joints. Skeletal Radiol. 2005;34(9):536-8.
  • 6. Cil A, Atay OA, Aydingöz U, Tetik O, Gedikoğlu G, Doral MN. Bilateral lipoma arborescens of the knee in a child: a case report. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2005;13(6):463-7.
  • 7. Donnelly LF, Bisset GS 3rd, Passo MH. MRI findings of lipoma arborescens of the knee in a child: case report. Pediatr Radiol. 1994;24(4):258-9.
  • 8. Babar SA, Sandison A, Mitchell AW. Synovial and tenosynovial lipoma arborescens of the ankle in an adult: a case report. Skeletal Radiol. 2008;37(1):75-7.
  • 9. Dinauer P, Bojescul JA, Kaplan KJ, Litts C. Bilateral lipoma arborescens of the bicipitoradial bursa. Skeletal Radiol. 2002;31(11):661-5.
  • 10. Doyle AJ, Miller MV, French JG. Lipoma arborescens in the bicipital bursa of the elbow: MRI findings in two cases. Skeletal Radiol. 2002;31(11):656-60.
  • 11. Erselcan T, Bulut O, Bulut S, Dogan D, Turgut B, Ozdemir S, et al. Lipoma arborescens; successfully treated by yttrium-90 radiosynovectomy.Ann Nucl Med. 2003;17(7):593-6.
  • Correspondência:

    Flavia de Santis Prada
    Rua Adma Jafet, 74, cj. 93. Bela Vista
    013010-050 – São Paulo, SP, Brasil.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      23 Dez 2010
    • Aceito
      26 Jul 2011
    Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rbo@sbot.org.br