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Estudo epidemiológico das lesões no futebol profissional durante a Copa América de 2011, Argentina

Resumos

OBJETIVO:

Desenvolver estudo epidemiológico sobre as lesões ocorridas entre os jogadores profissionais de futebol masculino durante a Copa América de 2011, na Argentina.

MÉTODOS:

Fez-se estudo retrospectivo das lesões ocorridas durante a 43ª edição da Copa América de Futebol na Argentina, em 2011. As lesões foram avaliadas pelo departamento médico das seleções e reportadas à Conmebol. Os dados foram compilados e descritos de acordo com as normas estabelecidas pelo Centro de Pesquisas e Avaliações Médicas (F-Marc) da Fédération Internationale de Football Association (Fifa) em 2005.

RESULTADOS:

Ocorreu maior prevalência de lesões nos membros inferiores, sendo coxas e joelhos os segmentos mais acometidos. Os diagnósticos mais frequentes foram lesões musculares. As lesões apresentaram em sua maior parte grau leve de severidade e ocorreu pequena diferença na prevalência de lesões de acordo com as etapas da partida, havendo discreto predomínio nos 15 minutos finais. A incidência de lesões por 1.000 horas de jogo foi similar à média encontrada na literatura.

CONCLUSÕES:

A análise dos resultados obtidos permitiu traçar um perfil da prevalência, distribuição por segmento corporal, minuto em que ocorreram e severidade das lesões dos jogadores de futebol profissional das seleções participantes da Copa América de 2011 na Argentina. O maior rigor dos árbitros pode ser em parte atribuído à grande competitividade de torneios internacionais. Entretanto, esses resultados não podem ser considerados definitivos em virtude da necessidade de ser comparados a outros estudos epidemiológicos de mesmo espectro que usem conceitos e critérios semelhantes.

Atletas; Futebol/lesões; ; Epidemiologia


OBJECTIVE:

Develop an epidemiological study of injuries occurred among male professional football players during the Copa America 2011, held in Argentina.

METHODS:

We conducted a retrospective study of injuries sustained during the 43rd edition of the Copa America football in Argentina, in 2011. The lesions were evaluated by the medical department of the selections and reported to the CONMEBOL. The data were compiled and reported in accordance with rules established by the FIFA Medical Assessment and Research Centre (F-MARC) in 2005.

RESULTS:

There was a higher prevalence of lesions in the lower limbs. Thighs and knees were the most affected segments. The most frequent diagnoses were muscle injuries. The injuries were mostly minor degrees of severity and there was little difference in the prevalence of lesions according to the stages of the match, with slight predominance in the final 15 minutes. The incidence of lesions per 1,000 game hours was similar to the average found in the literature.

CONCLUSIONS:

The results obtained allowed us to outline a profile of the prevalence, distribution per body segment, minute in which occurred and severity of injuries in professional football players of participating teams in the Copa America 2011 in Argentina. The extreme rigor of referees may be partly attributed to the highly competitive nature of international tournaments. However, this results cannot be considered definitive because of the need to be compared to other epidemiological studies with same design using similar concepts and criteria.

Athletes; Football/injuries; Epidemiology


Introdução

O futebol é a modalidade esportiva mais popular do mundo. Estima-se que pelo menos 200 mil atletas profissionais e 240 milhões de atletas amadores pratiquem esse esporte, que abrange todas as faixas etárias, ambos os gêneros e apresenta alto índice de lesões.11. Inklaar H. Soccer injuries. Incidence and severity. Sports Med. 1994;18(1):55-73. 2. Inklaar H. Soccer injuries II. Aetiology and prevention. Sports Med. 1994;18(2):81-93. 3. Tucker AM. Common soccer injuries. Diagnosis, treatment and rehabilitation. Sports Med. 1997;25(1):21-32. 4. Hoy K, Lindblad BE, Terkelsen CJ, Helleland HE, Terkelsen CJ. European soccer injuries. Am J Sports Med. 1992;20(3):318-22. 55. Ekstrand J, Gillquist J. The avoidability of soccer injuries. Int J Sports Med. 1983;4(2):1424-8. Aproximadamente 80% desses indivíduos são do sexo masculino.66. Timpka T, Risto O, Bjormsjo M. Boys soccer league injuries: a community-based study of time-loss from sports participation and long-term sequelae. Eur J Public Health. 2008;18(1):19-24. 77. Junge A, Dvorak J. Soccer injuries: a review on incidence and prevention. Sports Med. 2004;34(13):929-38. É um esporte que envolve grande contato físico, movimentos curtos, rápidos e não contínuos, como aceleração, desaceleração, mudanças de direção, saltos e pivôs. Em virtude dessas características, apresenta em termos absolutos alto número de lesões 88. Matsudo V, Martin V. Lesões no futebol profissional. Projeto Piloto. Ambito Med Desp. 1995;12:5-10. 99. Keller CS, Noyes FR, Bencher CR. The medical aspects of soccer injury epidemiology. Am J Sports Med. 1987;15(3):230-7. e desperta muito interesse da traumatologia esportiva.

O esporte de alto rendimento tem passado por muitas mudanças ao longo dos últimos anos, principalmente em relação ao aumento da demanda física e do risco de lesões. Estima-se que a incidência de lesões no futebol gire em torno de 10-15/1.000 horas de treino, podendo ser de quatro a seis vezes maior durante os jogos. Entretanto, essa estatística varia muito entre os trabalhos, dependendo do desenho do estudo e dos critérios usados para definir e caracterizar as lesões.1010. Paus V, Torrengo F, Del Compare P. Incidence of injuries in juvenile soccer players. Rev Asoc Argent Traumatol Deporte. 2003;10(1):28-34. Essa heterogeneidade dificulta a análise epidemiológica, a coleta de dados e a uniformidade dos critérios de diagnóstico e tempo de recuperação.

Variações de metodologia geram diferenças significativas nos resultados e tornam as conclusões e comparações interestudos muito difíceis. Com o intuito de minimizar essas discrepâncias, um grupo de especialistas do Centro de Pesquisas e Avaliações Médicas da Fifa (F-Marc) foi reunido em 2005 e estabeleceu um consenso definindo conceitos e metodologia padrão para estudos sobre lesões no futebol.1111. Fuller CW, Ekstrand J, Junge A, Andersen TE, Bahr R, Dvorak J, et al. Consensus statement on injury definitions and data collection procedures in studies of football (soccer) injuries. Br J Sports Med. 2006;40:193-201.

Materiais e métodos

O conceito usado para definir lesões no futebol foi o mesmo escolhido por Fuller et al.1111. Fuller CW, Ekstrand J, Junge A, Andersen TE, Bahr R, Dvorak J, et al. Consensus statement on injury definitions and data collection procedures in studies of football (soccer) injuries. Br J Sports Med. 2006;40:193-201. para o consenso da Fifa de 2005, descrevendo-as como qualquer queixa física sustentada por um jogador que resulte de treinos ou jogos, independentemente da necessidade de atenção médica ou tempo de afastamento das atividades.

Foram sujeitos da pesquisa os jogadores das 12 seleções participantes da 43ª edição da Copa América, de 1 a 24 de julho de 2011, em oito cidades da Argentina, organizada pela Conmebol. Nesse período, as equipes estudadas fizeram 26 jogos e cada equipe participou de no mínimo três jogos, equivalentes à fase preliminar do torneio, e no máximo seis jogos, caso tivesse participado da final ou da disputa do terceiro lugar. Os dados gerais do torneio estão reunidos na Tabela 1.

Tabela 1
Dados gerais do torneio.

As lesões foram avaliadas pelo departamento médico de cada seleção no fim das partidas. Os registros contendo os dados relativos ao tipo de lesão, segmento do corpo acometido, data de ocorrência, severidade e minuto de jogo no qual ocorreram foram informados pelos médicos das equipes e compilados por um membro da organização do torneio. O apêndice A na última página apresenta a ficha padrão da Fifa em espanhol usada pelos médicos durante a competição.

A severidade das lesões foi subdividida de acordo com o período de recuperação estimado em dias. Grau I/insignificante: não necessitou de afastamento; grau II/mínima: 1 a 3 dias de afastamento; grau III/leve: 4 a 7 dias; grau IV/moderada: entre 8 e 28 dias; grau V/grave: mais do que 28 dias de afastamento; grau VI/encerradora da carreira.11 Os resultados finais desse estudo foram avaliados de forma retrospectiva e agrupados de acordo com os moldes da Fifa, incluindo a classificação de segmentos, o mecanismo de lesão (traumática ou por sobrecarga) e os diagnósticos (Anexo 1).

Resultados

Foram 26 jogos, em 17 dias. Desse total, 23 tiveram duração de 90 minutos e três tiveram duração de 120 minutos, totalizando 2.430 minutos de jogo. No total, 26 jogadores se lesionaram, acumulando 63 lesões.

O tipo de lesão mais frequente foi contusão (25 casos) e as regiões acometidas com maior frequência foram coxas (17 lesões) e joelhos (15 lesões). A Tabela 2 e a Fig. 1 apresentam as lesões agrupadas pelo diagnóstico e a Tabela 3 e a Fig. 2 reúnem as lesões de acordo com a parte do corpo atingida.

Tabela 2
Diagnóstico.
Tabela 3
Segmento do corpo acometido.

Fig.1
Diagnósticos.

Fig. 2
Segmento acometido.

Dos 26 jogadores lesionados, 13 (50%) sofreram lesões por contato, enquanto os outros 13 (50%) se machucaram por trauma indireto. Os árbitros consideraram infrações nove dos 13 casos de contato (69%), sendo que apenas um jogador foi suspenso (expulso).

A seleção do Peru não enviou os dados relativos ao minuto de jogo em que ocorreu a lesão e nem o período de afastamento para estimativa da severidade. Em termos individuais, quatro jogadores peruanos sofreram quatro lesões cada, sendo os que apresentaram individualmente o maior numero de lesões. A seleção peruana também foi a que apresentou o maior número de lesões, no total de 35. Dois jogadores do Chile sofreram lesões no jogo contra o Peru e também não foi informado o momento do jogo no qual elas ocorreram.

Em relação ao minuto de jogo, 26 lesões foram reportadas. Dessas, 13 (50%) ocorreram durante a primeira etapa, 12 (46%) ocorreram durante a segunda etapa e 1 (4%) ocorreu no tempo extra. Excluíram-se das estatísticas as lesões sofridas pelos atletas da seleção do Peru, pois o minuto em que ocorreram não foi especificado.

As etapas foram subdividas em períodos de 15 minutos e tempo extra. O período com maior número de lesões foi entre 76 e 90 minutos de jogo, com sete no total (27%). A distribuição das lesões por período é mostrada na Fig. 3.

Fig. 3
Distribuição de lesões por período do jogo.

A estimativa do número de lesões pelo tempo de atividade foi de 70,7 para cada 1.000 horas de jogo e a incidência de lesões por partida disputada foi de 2,42 durante a competição.

Com relação à prevalência por região do corpo, foi verificado que 54 (85,7%) das lesões ocorreram nos membros inferiores e nove (14,3%) ocorreram no resto do corpo. Duas (3,3%) ocorreram nos membros superiores, três (4,7%) na região do tronco e quatro (6,3%) na cabeça e no pescoço.

Contusões foram responsáveis por 39% de todas as lesões (25 no total), seguidas por contraturas musculares com 19% (12 no total). Constatou-se que nove das 25 contusões (36%) ocorreram no joelho, sendo o segmento mais acometido. A distribuição dessas lesões por segmento corporal é apresentada na Tabela 4 e Fig. 4. Em relação às contraturas musculares, o segmento mais acometido foi a coxa, representando sete das 12 (58%) lesões, enquanto três (25%) ocorreram na panturrilha. Os músculos adutores foram os envolvidos com mais frequência na coxa, representando três das sete lesões (43%).

Tabela 4
Distribuição das contusões por segmento do corpo.

Fig. 4
Distribuição por segmento do corpo.

A distribuição das lesões de acordo com a severidade demonstrou que lesões grau II/mínimas (nove) foram responsáveis por 32,14% do total, seguidas pelas lesões grau IV/moderadas (oito), com 28,58%. Lesões grau V/graves (um caso) representaram apenas 3,58%, totalizando 28 lesões reportadas. Excluiu-se das estatísticas a seleção do Peru, pois os dados relativos à severidade não foram detalhados.

A Fig. 5 demonstra a distribuição das lesões de acordo com a severidade. A incidência dos diferentes tipos de lesão de acordo com a posição de atuação do jogador não foi avaliada.

Fig. 5
Distribuição das lesões de acordo com a severidade.

Discussão

Diversos estudos epidemiológicos têm sido feitos sobre a incidência e as causas das lesões no futebol, 11. Inklaar H. Soccer injuries. Incidence and severity. Sports Med. 1994;18(1):55-73. 22. Inklaar H. Soccer injuries II. Aetiology and prevention. Sports Med. 1994;18(2):81-93. 55. Ekstrand J, Gillquist J. The avoidability of soccer injuries. Int J Sports Med. 1983;4(2):1424-8. 77. Junge A, Dvorak J. Soccer injuries: a review on incidence and prevention. Sports Med. 2004;34(13):929-38. 1111. Fuller CW, Ekstrand J, Junge A, Andersen TE, Bahr R, Dvorak J, et al. Consensus statement on injury definitions and data collection procedures in studies of football (soccer) injuries. Br J Sports Med. 2006;40:193-201. com o intuito de reduzir a morbidade dos casos e aumentar a segurança dos atletas. Problemas metodológicos relacionados a essas pesquisas foram descritos em detalhes por Finch et al.,1212. Finch CF. An overview of some definitional issues for sports injury surveillance. Sports Med. 1997;24(3):157-63. Jung e Dvorak1313. Junge A, Dvorak J. Influence of definition and data collection on the incidence of injuries in football. Am J Sports Med. 2000;28(Suppl 5):S40-6. e Noyes et al.1414. Noyes FR, Lindenfeld TN, Marshall MT. What determines an athletic injury (definition)? Who determines an injury (occurrence)? Am J Sports Med. 1988;16(Suppl 1):S65-8. e incluem diferenças nos conceitos usados, na coleta de dados, ausência de uniformidade nos critérios diagnósticos e no tempo de recuperação. Vários fatores de risco e medidas de prevenção são citados,1515. Dvorak J, Junge A, Chomiak J, Graf-Baumann T, Peterson L, Rösch D et al. Risk factor analysis for injuries in football players: possibilities for a prevention program. Am J Sports Med. 2000;28(Suppl 5):S69-74. 16. Engström BK, Renstrom PA. How can injuries be prevented in the World Cup soccer athlete? Clin Sports Med. 1998;17(4):755-68. 1717. Taimela S, Kujala UM, Osterman K. Intrinsic risk factors and athletic injuries. Sports Med. 1990;9(4):205-15. mas poucos grupos investigaram a efetividade real de tais medidas. 1818. Askling C, Karlsson J, Thorstensson A. Hamstring injury occurrence in elite soccer players after preseason strength training with eccentric overload. Scand J Med Sci Sports. 2003;13(4):244-50. 19. Caraffa A, Cerulli G, Projetti M, Aisa G, Rizzo A. Prevention of anterior cruciate ligament injuries in soccer: a prospective controlled study of proprioceptive training. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 1996;4(1):19-21. 20. Ekstrand J, Gillquist J, Liljedahl SO. Prevention of soccer injuries: supervision by doctor and physiotherapist. Am J Sports Med. 1983;11(3):116-20. 21. Heidt RS Jr, Sweeterman LM, Carlonas RL, Traub JA, Tekulve FX. Avoidance of soccer injuries with preseason conditioning. Am J Sports Med. 2000;28(5):659-62. 22. Hewett TE, Lindenfeld TN, Riccobene JV, Noyes FR. The effect of neuromuscular training on the incidence of knee injury in female athletes: a prospective study. Am J Sports Med. 1999;27(6):699-706. 23. Junge A, Rosch D, Peterson L, Graf-Baumann T, Dvorak J. Prevention of soccer injuries: a prospective intervention study in youth amateur players. Am J Sports Med. 2002;30(5):652-9. 24. Mandelbaum BR. ACL tears in female athletes: the challenge of prevention with neuromuscular training programs. In: Annual proceedings from the AAOS Meeting: New Orleans, 2003. 25. Söderman K, Werner S, Pietila T, Engström B, Alfredson H. Balance board training: prevention of traumatic injuries of the lower extremities in female soccer players? A prospective randomized intervention study. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2000;8(6):356-63. 26. Surve I, Schwellnus MP, Noakes T, Lombard C. A fivefold reduction in the incidence of recurrent ankle sprains in soccer players using the Sport-Stirrup orthosis. Am J Sports Med. 1994;22(5):601-6. 2727. Tropp H, Askling C, Gillquist J. Prevention of ankle sprains. Am J Sports Med. 1985;13(4):259-62. Lesões prévias e reabilitação inadequada foram apontados como fatores de risco para lesões futuras por Dvorak et al.1515. Dvorak J, Junge A, Chomiak J, Graf-Baumann T, Peterson L, Rösch D et al. Risk factor analysis for injuries in football players: possibilities for a prevention program. Am J Sports Med. 2000;28(Suppl 5):S69-74. e Hawkins et al.,2828. Hawkins RD, Hulse MA, Wilkinson C, Hodson A, Gibson M. The association football medical research programme: an audit of injuries in professional football. Br J Sports Med. 2001;35(1):43-7. sendo que até 25% dos casos são lesões recidivantes. 2929. Nielsen AB, Yde J. Epidemiology and traumatology of injuries in soccer. Am J Sports Med. 1989;17(6):803-7. 3030. Hawkins RD, Fuller CW. A prospective epidemiological study of injuries in four English professional football clubs. Br J Sports Med. 1999;33(3):196-203.

Futebolistas mais jovens apresentam maior incidência de lesões em membros superiores, cabeça e face do que a média.3131. Hoff GL, Martin A. Outdoor and indoor soccer: injures among youth player. Am J.Sports Med. 1986;14:231-3. Sullivan et al.3232. Sullivan JA, Gross RH, Grana WA, Garcia-Moral CA. Evaluation of injuries in youth soccer. Am J Sports Med. 1980;8(5):325-7. sugerem que o comportamento mais inconsequente desses atletas durante as atividades esportivas seja a principal explicação para esse achado. Também nos membros inferiores é notável a maior incidência de contusões em jogadores jovens. A maior parte é causada por trauma, embora se observe que durante uma temporada até 34% das lesões são por sobrecarga.3030. Hawkins RD, Fuller CW. A prospective epidemiological study of injuries in four English professional football clubs. Br J Sports Med. 1999;33(3):196-203.

Em relação à prevalência de acordo com o diagnóstico, as contusões, os estiramentos e as entorses são as lesões mais frequentes encontradas na literatura.33-35 Nosso estudo aponta resultados semelhantes, já que, além de evidenciar que lesões de membros inferiores ocorreram como maioria absoluta, os tipos mais encontrados foram contusões e contraturas. Como a maior parte das lesões ocorre nos músculos da coxa e da perna, houve concordância com os resultados obtidos, já que apontaram os músculos da coxa como o principal sítio de lesão.

Aproximadamente 28% das lesões ocorrem em lances de infração, sendo essa proporção ainda maior em competições internacionais.3626. Surve I, Schwellnus MP, Noakes T, Lombard C. A fivefold reduction in the incidence of recurrent ankle sprains in soccer players using the Sport-Stirrup orthosis. Am J Sports Med. 1994;22(5):601-6. Em outro trabalho, Fuller et al.3737. Fuller C, Junge A, Dvorak J. An assessment of football referees decisions in incidents leading to player injuries. Am J Sports Med. 2004;32(Suppl 1):17S-2S. apontaram que os árbitros consideraram infrações 47% dos lances de jogo responsáveis pelos casos de lesão. Os dados reunidos no presente estudo apontam maior rigor dos árbitros durante a Copa América, sendo 69% dos casos considerados infrações. Tradicionalmente observa-se em jogos internacionais menor tolerância dos árbitros em relação ao contato físico entre os jogadores, embora as causas desse fato não tenham sido discutidas.

Determinar o exato momento do jogo em que ocorrem as lesões também é fundamental, já que a grande maioria ocorre nos primeiros e nos últimos 15 minutos dos jogos.3838. Rahnama N, Reilly T, Lees A. Injury risk associated with playing actions during competitive soccer. Br J Sports Med. 2002;36(5):354-9. Nesse aspecto, o atual estudo encontrou resultados semelhantes, já que a maior parte das lesões ocorreu nos últimos 15 minutos do jogo. A estimativa do número de lesões pelo tempo de atividade foi de 70,7 para cada 1.000 horas de jogo, sendo compatível com os dados da literatura (40-90/1.000 horas de jogos).1010. Paus V, Torrengo F, Del Compare P. Incidence of injuries in juvenile soccer players. Rev Asoc Argent Traumatol Deporte. 2003;10(1):28-34. A grande quantidade de lesões observadas pode refletir maior intensidade dos jogos disputados devido ao caráter de extrema competitividade do torneio entre as nações. Entretanto, mais estudos são necessários para confirmar esse achado.

A classificação da severidade das lesões geralmente reflete o tempo de afastamento do atleta. Um modelo tradicionalmente usado30 divide as lesões em graus I, II e III, sendo que o grau I inclui afastamento < 7 dias, o grau II entre 7 e 28 dias e o grau III afastamento > 28 dias. Outra classificação comumente empregada separa as lesões em traumáticas e por sobrecarga. Van Mechelen et al.3939. Van Mechelen W. Sports injury surveillance systems. 'One size fits all'? Sports Med. 1997;24(3):164-8. definem uma lesão aguda como sendo causada por um único incidente traumático e como sobrecarga se for causada por microtraumas repetitivos. O atual estudo se baseou no consenso da Fifa de 2005, que divide as lesões em seis categorias, e demonstrou que a maioria foi classificada como lesões leves, com afastamento de no máximo três dias. Tal achado está em concordância com os achados gerais da literatura.

Observa-se ainda em alguns estudos epidemiológicos que o risco de lesões varia de um jogador para o outro de acordo com a posição de atuação.3434. McMaster W. Injuries in Soccer. Am J Sports Med. 1978;6(6):354-7. 4040. Engströn B, Johanson C, Tornkusist H. Soccer injuries among elite female players. Am J Sports Med. 1991;19:273-5. Porém, com o advento do futebol moderno, no qual os jogadores quase não guardam posição fixa, essa situação tem mudado e isso pode ser confirmado pelos estudos de Ekstrand et al.55. Ekstrand J, Gillquist J. The avoidability of soccer injuries. Int J Sports Med. 1983;4(2):1424-8. 41 e de McMaster et al.,34 34. McMaster W. Injuries in Soccer. Am J Sports Med. 1978;6(6):354-7.que não encontraram diferença significativa entre posição do jogador e incidência de lesão. O goleiro responde pela maioria das lesões nos membros superiores, uma vez que é a única posição que usa tais membros para desempenhar sua função.42 O estudo desenvolvido pelo nosso grupo não levou em consideração a posição dos jogadores lesionados devido à escassez de informações pertinentes.

Algumas limitações metodológicas do presente estudo devem ser apontadas. Há possibilidade de viés de informação do desfecho, uma vez que os dados precisos sobre as lesões podem ter sido alterados ou mesmo omitidos pelos médicos das equipes. As informações obtidas sobre as lesões ocorridas nos jogos da seleção do Peru foram incompletas, impossibilitando a inclusão dos dados relativos ao momento do jogo em que ocorreram e sua severidade estimada pelo período de afastamento. O efeito desses potenciais vieses de informação sobre as prevalências detectadas, portanto, não pode ser adequadamente estimado. Ainda, o pequeno número da amostra de jogadores e partidas disputadas e a natureza transversal do estudo impedem o estabelecimento de uma relação causa-efeito inequívoca. Salientamos ainda que este é o primeiro estudo neste nível envolvendo a Conmebol.

Conclusões

A análise dos resultados obtidos no presente estudo permitiu traçar um perfil da prevalência, distribuição por segmento corporal, minuto em que ocorreram e severidade das lesões dos jogadores de futebol profissional das seleções participantes da Copa América de 2011 na Argentina.

A grande maioria dos achados deste trabalho está em concordância com os dados obtidos de outros estudos epidemiológicos envolvendo lesões no futebol. Ocorreu maior prevalência de lesões nos membros inferiores, os diagnósticos mais frequentes foram lesões musculares e as lesões apresentaram em sua maior parte graus leves de severidade. Além disso, ocorreu discreta preponderância das lesões nos 15 minutos finais de partida. Essas constatações indicam um padrão pouco variável e previsível nas estatísticas de tais estudos. Houve coerência nos dados obtidos em relação à incidência de lesões por 1.000 horas de jogo.

Entretanto, o rigor dos árbitros em relação ao contato físico entre os jogadores foi muito maior do que a média encontrada na literatura. Tal fato pode refletir a discrepância na metodologia usada entre os diversos estudos, além de sugerir maior intensidade e competitividade dos jogos disputados nos torneios entre nações. Os resultados conflitantes não podem ser considerados definitivos, pois é necessário que sejam comparados a outros estudos epidemiológicos que usem designs e conceitos semelhantes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2013

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2012
  • Aceito
    03 Set 2012
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