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Lesão ligamentar do joelho associada à fratura diafisária do fêmur ipsilateral

Resumos

OBJETIVO:

Determinar a incidência de lesão ligamentar do joelho em pacientes com fratura diafisária de fêmur ipsilateral.

MÉTODOS:

Foram avaliados 36 pacientes. Todos foram submetidos a exame físico e radiológico sob anestesia no momento da osteossíntese do fêmur.

RESULTADOS:

O mecanismo de trauma mais comum foi o acidente com motociclistas. Apresentaram lesão ligamentar do joelho 11 (30,5%) pacientes e foram encontradas lesões centrais (64%) e periféricas (36%). Nenhuma das lesões foi tratada no momento da fixação da fratura.

CONCLUSÃO:

Ressalta-se a dificuldade do diagnóstico no ato da admissão e a necessidade de exame físico sistematizado antes e após o tratamento cirúrgico da fratura femoral.

Fratura; Fêmur; Ligamentos; Joelho


OBJECTIVE:

With the objective of identifying the incidence of ipsilateral knee ligament injury, thirty-six patients with femoral shaft fractures were evaluated.

METHODS:

During the osteosynthesis procedure to repair the femur while under anesthesia, all patients underwent a physical examination and X-ray examination.

RESULTS:

The most common mechanism of injury observed was motorcycle accidents. Of the thirty-six patients that were studied, eleven patients (30.5%) had a knee ligament injury. Of the eleven patients, 64% had a cruciate ligament injury. The ligament injury was not treated at the time of the osteosynthesis procedure.

CONCLUSION:

We highlight the difficulty of diagnosis at the time of admission and the need for systematic physical examination before and after surgical treatment of femoral fracture.

Fractures; Femur; Ligaments; Knee


Introdução

As fraturas do fêmur são graves lesões que rapidamente atraem a atenção do médico e é frequente a associação com outras fraturas. Além dessas, podem estar associadas lesões ligamentares do joelho ipsilateral, que na sua grande maioria são diagnosticadas tardiamente. Walker e Kennedy11. Walker DM, Kennedy JC. Occult knee ligament injuries associated with femoral shaft fractures. Am J Sports Med. 1980;8:172-4. relataram essas lesões ligamentares como silenciosas ou ocultas e cursaram com falta do diagnóstico em até 78% nessa fase, com consequências negativas para pacientes e ortopedistas.

Na literatura foram encontradas referências da associação entre essas lesões com o aumento dos acidentes de alta energia.22. De Campos J, Vangsness Jr CT, Merritt PO, Sher J. Ipsilateral knee injury with femoral fracture. Examination under anesthesia and arthroscopic evaluation. Clin Orthop Relat Res. 1994:178-82. , 33. Esmaeilijah AA, Heidary H, Shakiba M. Association of knee ligament injury with ipsilateral femoral shaft fractures. Ir J Orthop Surg. 2004;2:37-9. Trickey44. Trickey EL. Rupture of the posterior cruciate ligament of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1968;50:334-41. relatou que o acidente de trânsito é o trauma mais frequente nessa associação de lesões.

Incidências de 32%55. Braga GF, Cunha FM, Lazaroni AP. Instabilidade do joelho associada à fratura do fêmur. Rev Bras Ortop. 1999;34:329-32. a 48%66. Van Raay JJ, Raaymakers EL, Dupree HW. Knee ligament injuries combined with ipsilateral tibial and femoral diaphyseal fractures: the floating knee. Arch Orthop Trauma Surg. 1991;110:75-7. são relatadas para lesão ligamentar em portadores de fratura ipsilateral do fêmur. Van Raay et al.66. Van Raay JJ, Raaymakers EL, Dupree HW. Knee ligament injuries combined with ipsilateral tibial and femoral diaphyseal fractures: the floating knee. Arch Orthop Trauma Surg. 1991;110:75-7. descreveram tempo de até 12,8 meses entre o traumatismo inicial e o diagnóstico.

Para o diagnóstico das lesões ligamentares nessa associação, vários métodos já foram relatados. Esmaeilijah et al.33. Esmaeilijah AA, Heidary H, Shakiba M. Association of knee ligament injury with ipsilateral femoral shaft fractures. Ir J Orthop Surg. 2004;2:37-9. usaram o exame físico sob anestesia, De Campos et al.22. De Campos J, Vangsness Jr CT, Merritt PO, Sher J. Ipsilateral knee injury with femoral fracture. Examination under anesthesia and arthroscopic evaluation. Clin Orthop Relat Res. 1994:178-82. usaram artroscopia, Walker e Kennedy11. Walker DM, Kennedy JC. Occult knee ligament injuries associated with femoral shaft fractures. Am J Sports Med. 1980;8:172-4. usaram a fixação distal do fêmur associada a radiografias do joelho sob stress e Dickson et al.77. Dickson KF, Galland MW, Barrack RL, Neitzschman HR, Harris MB, Myers L, et al. Magnetic resonance imaging of the knee after ipsilateral femur fracture. J Orthop Trauma. 2002;16:567-71. submeteram os pacientes a exame de ressonância magnética. Nos centros de referência de atenção ao trauma ortopédico, o estabelecimento de um protocolo para identificação desses casos é fundamental, com vistas a estabelecer o tratamento correto na janela de oportunidade adequada.44. Trickey EL. Rupture of the posterior cruciate ligament of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1968;50:334-41. , 77. Dickson KF, Galland MW, Barrack RL, Neitzschman HR, Harris MB, Myers L, et al. Magnetic resonance imaging of the knee after ipsilateral femur fracture. J Orthop Trauma. 2002;16:567-71.

8. Auffarth A, Bogner R, Koller H, Tauber M, Mayer M, Resch H, et al. How severe are initially undetected injuries to the knee accompanying a femoral shaft fracture? J Trauma. 2009;66:1398-401.
- 99. Szalay MJ, Hosking OR, Annear P. Injury of knee ligament associated with ipsilateral femoral shaft fractures and with ipsilateral femoral and tibial shaft fractures. Injury. 1990;21:398-400.

O paciente politraumatizado que apresenta fratura diafisária de fêmur tem a lesão ligamentar do joelho como um desafio diagnóstico pela dificuldade criada no exame físico, que é fundamental para a definição de tratamento e prognóstico.44. Trickey EL. Rupture of the posterior cruciate ligament of the knee. J Bone Joint Surg Br. 1968;50:334-41. , 66. Van Raay JJ, Raaymakers EL, Dupree HW. Knee ligament injuries combined with ipsilateral tibial and femoral diaphyseal fractures: the floating knee. Arch Orthop Trauma Surg. 1991;110:75-7.

7. Dickson KF, Galland MW, Barrack RL, Neitzschman HR, Harris MB, Myers L, et al. Magnetic resonance imaging of the knee after ipsilateral femur fracture. J Orthop Trauma. 2002;16:567-71.
- 88. Auffarth A, Bogner R, Koller H, Tauber M, Mayer M, Resch H, et al. How severe are initially undetected injuries to the knee accompanying a femoral shaft fracture? J Trauma. 2009;66:1398-401. , 1010. Moore TM, Patzakis MJ, Harvey Jr JP. Ipsilateral diaphyseal femur fractures and knee ligament injuries. Clin Orthop Relat Res. 1988:182-9.

Materiais e métodos

Entre 1/3/2011 e 1/3/2012 foram avaliados os joelhos de todos os pacientes portadores de fratura diafisária do fêmur ipsilateral atendidos em nosso serviço e submetidos à osteossíntese por qualquer método, a fim de avaliar a prevalência de lesões ligamentares.

O exame de rotina foi feito durante a mesma indução anestésica para a osteossíntese da fratura do fêmur, o que não gerou riscos, desconfortos ou custos adicionais para o paciente ou a instituição. Em todos os casos o exame semiológico foi feito por mais de um profissional e sempre confirmado por um profissional experiente em cirurgia do joelho.

Os dados foram coletados em banco de dados e avaliados posteriormente pelo programa EPI-Info.

Sabe-se que na avaliação da lesão aguda do joelho o padrão-ouro é o exame físico, feito algumas vezes sob anestesia, associado ao estudo por ressonância magnética.77. Dickson KF, Galland MW, Barrack RL, Neitzschman HR, Harris MB, Myers L, et al. Magnetic resonance imaging of the knee after ipsilateral femur fracture. J Orthop Trauma. 2002;16:567-71. Na nossa instituição o exame por ressonância magnética é de difícil obtenção, o que tornou o exame físico sob anestesia e as radiografias sob estresse de fundamental importância para o diagnóstico.

Foram incluídos os pacientes portadores de fratura diafisária do fêmur sem histórico de outras lesões agudas ou crônicas no membro inferior ipsilateral. Foram excluídos os pacientes com lesão prévia no joelho pesquisado e pacientes com outras fraturas no membro inferior ipsilateral.

O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelo paciente na ocasião da própria internação ou em consulta ambulatorial subsequente e o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas (CEP).

Resultados

Nossa casuística se compõe de 36 fraturas diafisárias de fêmur, nas quais foram encontrados 11 (30,5%) casos com lesão ligamentar no joelho ipsilateral, seis à esquerda e cinco à direita.

O mecanismo de trauma, na grande maioria dos casos, foi o acidente de trânsito. Desses, três foram automobilísticos e seis motociclísticos (fig. 1).

Figura 1
Representação da incidência dos mecanismos de trauma.

A idade variou entre 16 e 45 anos, com média de 27,5 anos, e somente um paciente era do sexo feminino.

As fraturas foram identificadas de acordo com a classificação Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen (AO), seis foram do tipo A, quatro do tipo B e uma do tipo C.

A distribuição quanto ao tipo de lesão está representada na tabela 1. Foram encontrados três casos de lesão de ambos os ligamentos cruzados (um associado à periferia lateral e medial e dois associados somente à periferia medial), três casos de lesão do ligamento cruzado posterior (dois associados com periferia lateral e um com periferia medial), um caso de lesão do ligamento cruzado anterior (associado com periferia medial) e quatro casos de lesão periférica isolada (duas mediais e duas laterais).

Tabela 1
Frequência quanto ao tipo de lesão ligamentar observada em 36 casos de fraturas ipsilaterais do fêmur

Conclusão

A associação entre lesões ligamentares do joelho e fratura ipsilateral do fêmur é frequente e atinge quase um terço dos casos registrados. A atenção direcionada à fratura do fêmur e a dificuldade de fazer o exame físico antes da estabilização da fratura podem explicar o alto índice de casos diagnosticados tardiamente. O exame físico logo após a fixação da fratura, com o paciente anestesiado e com o auxílio de radiografias de estresse, pode ajudar a esclarecer a maioria dos diagnósticos e permitir o tratamento precoce que for mais adequado.

As lesões ligamentares identificadas não tinham sido diagnosticadas ou relatadas em prontuário anteriormente.

Nenhuma das lesões ligamentares foi tratada no momento da fixação da fratura.

Discussão

Quanto à incidência de lesões ligamentares do joelho (LLJ) associadas à fratura diafisária de fêmur ipsilateral, estudos mostram semelhança com nossos resultados. Szalay et al.99. Szalay MJ, Hosking OR, Annear P. Injury of knee ligament associated with ipsilateral femoral shaft fractures and with ipsilateral femoral and tibial shaft fractures. Injury. 1990;21:398-400. identificaram 27% de instabilidade do joelho em 114 pacientes portadores de fraturas do fêmur. Faccini et al.1111. Faccini R, Sartori E, Biscione R, Lupi L. Association between fracture of the diaphysis of the femur and lesion of the ligaments of the knee. Chir Organi Mov. 1993;78:177-82. reavaliaram 97 joelhos de pacientes com fraturas do fêmur e diagnosticaram 26,7% de LLJ. Braga et al.55. Braga GF, Cunha FM, Lazaroni AP. Instabilidade do joelho associada à fratura do fêmur. Rev Bras Ortop. 1999;34:329-32. encontraram 31% de LLJ em 29 casos.

Outros estudos indicaram incidências inferiores. Moore et al.1010. Moore TM, Patzakis MJ, Harvey Jr JP. Ipsilateral diaphyseal femur fractures and knee ligament injuries. Clin Orthop Relat Res. 1988:182-9. observaram somente 5,3% de LLJ em 320 fraturas do fêmur revistas. Dickob e Mommsen1212. Dickob M, Mommsen U. Damage to the knee ligament as a concomitant injury in femoral shaft fractures. Unfallchirurgie. 1992;18:218-23. revisaram 59 fraturas diafisárias do fêmur e encontraram 18,6% de LLJ.

Os traumas de alta energia capazes de fraturar o fêmur aumentam o índice de outras lesões associadas e o joelho segue como uma das regiões mais frequentemente atingidas.

Ressaltamos a maior incidência de lesão do LCP em relação ao LCA, provavelmente por envolvimento de traumas na região anterior do joelho, e também a associação da lesão ligamentar central, que em todos os casos esteve associada com alguma lesão periférica (tabela 2).

Tabela 2
Frequência das lesões ligamentares centrais com ou sem associações

Com quase um terço dos pacientes acometidos por essa associação, seria de se esperar uma maior frequência de diagnósticos precoces. Mas o que ocorre é que, por causa da dificuldade de se fazer o exame ligamentar na fase pré-osteossíntese, muitos casos só são diagnosticados tardiamente e perde-se em alguns deles a oportunidade de abordagem cirúrgica na fase aguda.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sept-Oct 2013

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2012
  • Aceito
    06 Nov 2012
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