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Migração proximal de âncora na reconstrução do ligamento patelofemoral medial em pacientes esqueleticamente imaturos

Resumos

O ligamento patelo-femoral medial (LPFM) é a estrutura mais lesada com a luxação aguda da patela e tem sido considerada a lesão essencial na instabilidade lateral-patelar. Consequentemente, o enfoque no estudo da reconstrução desse ligamento tem aumentado nos últimos anos. O ponto anatômico da origem femoral do LPFM recebe grande importância no momento da reconstrução, pois a fixação do enxerto em uma posição não anatômica pode acarretar sobrecarga medial, luxação medial da patela ou tensionamento excessivo do enxerto, com sua posterior falha. Na população pediátrica, a localização dessa origem femoral ganha destaque pela presença da fise do fêmur distal. A literatura ainda é controversa com relação ao melhor posicionamento do enxerto. Descrevemos dois casos em que foi feita a reconstrução do LPFM em pacientes esqueleticamente imaturos. A fixação femoral se deu por meio de âncoras que foram posicionadas acima da fise. Com o crescimento e o desenvolvimento dos pacientes, o ponto de origem femoral do neoligamento migrou proximalmente e acarretou a falha do enxerto nesses dois casos.

Criança; Ligamentos articulares; Luxação patelar/etiologia; Luxação patelar/cirurgia


The medial patellofemoral ligament (MPFL) injury has been considered instrumental in lateral patellar instability after patellar dislocation. Consequently, the focus on the study of this ligament reconstruction has increased in recent years. The MPFL femoral anatomical origin point has great importance at the moment of reconstruction surgery, because a graft fixation in a non anatomical position may result in medial overload, medial subluxation of the patella or excessive tensioning of the graft with subsequent failure. In the pediatric population, the location of this point is highlighted by the presence of femoral physis. The literature is still controversial regarding the best placement of the graft. We describe two cases of skeletally immature patients in whom LPFM reconstruction was performed. The femoral fixation was through anchors that were placed above the physis. With the growth and development of the patients, the femoral origin point of the graft moved proximally, resulting in failure in these two cases.

Child; Ligaments; Articular; Patellar dislocation/etiology; Patellar dislocation/surgery


Introdução

A reconstrução do ligamento patelo-femoral medial (LPFM) é o procedimento de escolha nos pacientes com instabilidade patelar lateral crônica que tenham o alinhamento do aparelho extensor normal e deficiência nos restritores mediais proximais.11. Bollier M, Fulkerson J, Cosgarea A, Tanaka M. Technical failure of medial patellofemoral ligament reconstruction. Arthroscopy. 2011;27:1153-9. Diversas técnicas têm sido descritas com diferentes tipos de enxertos e métodos de fixação. Porém, a reconstrução não anatômica acarreta a alteração da cinemática e da distribuição de carga na articulação patelo-femoral.22. Yercan HS, Erkan S, Okcu G, Ozalp RT. A novel technique for reconstruction of the medial patellofemoral ligament in skeletally immature patients. Arch Orthop Trauma Surg. 2011;131:1059-65.

Nos pacientes esqueleticamente imaturos, a localização do ponto correto para a origem femoral ganha importância ainda maior pela presença da linha fisária na porção distal do fêmur. A literatura ainda é controversa sobre o tema.33. Nelitz M, Dornacher D, Dreyhaupt J, Reichel H, Lippacher S. The relation of the distal femoral physis and the medial patellofemoral ligament. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19:2067-71.

O objetivo deste relato é descrever dois casos de reconstrução do LPFM em que a fixação femoral foi feita por meio de âncoras e proximais à fise distal do fêmur.

Caso 1

Paciente feminina, estudante, com 12 anos na época. Havia sido submetida à reconstrução do LPFM bilateral com o terço medial do tendão patelar e ao uso de âncoras metálicas no fêmur.

Aproximadamente com três anos de evolução, sofreu entorse do joelho direito com lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) e do LPFM reconstruído. Foi tratada cirurgicamente com a reconstrução do LCA e a revisão do LPFM e evoluiu bem.

Dois anos após, durante consulta de reavaliação, estava assintomática no joelho direito e relatava dor, que melhorava com medicação no joelho esquerdo. No exame físico apresentava subluxação lateral da patela esquerda. Nas radiografias de controle (figs. 1 e 2), foi possível visualizar a migração das âncoras pela cortical medial do fêmur esquerdo, decorrente do posicionamento acima da fise e do crescimento da paciente.

Figura 1
Radiografia de joelho em AP que mostra a migração proximal das âncoras metálicas na reconstrução do ligamento patelo-femoral medial (LPFM) com posicionamento acima da fise em uma paciente esqueleticamente imatura.

Figura 2
Radiografia de joelho em P que mostra a migração proximal das âncoras metálicas na reconstrução do ligamento patelo-femoral medial (LPFM) com posicionamento acima da fise em uma paciente esqueleticamente imatura.

Caso 2

Paciente feminina, estudante. Foi submetida à reconstrução do LPFM do lado esquerdo quando tinha 12 anos e menarca ausente. Também foi usada a técnica com o terço medial do tendão patelar e na fixação femoral foi empregada âncora bio-absorvível. A paciente já havia sido tratada da instabilidade patelar de forma conservadora e cirúrgica com outras técnicas que não a reconstrução do LPFM, sem sucesso.

A paciente evoluiu bem e manteve a estabilidade patelar por cerca de dois anos. Na reavaliação, após esse período, apresentava discreta subluxação patelar no início da flexão. Um ano após, a paciente voltou a apresentar instabilidade e subluxação lateral da patela. Nos exames de imagem (fig. 3) foi visualizada a migração proximal da âncora, que acarretou a falha do enxerto. Indicamos a cirurgia de revisão.

Figura 3
Ressonância magnética de joelho E que demonstra a migração proximal para a cortical medial do fêmur da âncora bioabsorvível posicionada proximal à fise na reconstrução do ligamento patelo-femoral medial (LPFM).

Discussão

Para o tratamento da instabilidade patelar, mais de cem procedimentos já foram descritos. Isso demonstra a complexidade da estabilidade dessa articulação, a qual depende de vários fatores.44. Beasley LS, Vidal AF. Traumatic patellar dislocation in children and adolescents: treatment update and literature review. Curr Opin Pediatr. 2004;16:29-36. Recentemente, o enfoque na reconstrução do LPFM tem aumentado. Vários trabalhos têm demonstrado que o LPFM é a estrutura anatômica mais lesada após a luxação da patela e a lesão essencial dessa patologia.55. Servien E, Fritsch B, Lustig S, Demey G, Debarge R, Lapra C, et al. In vivo positioning analysis of medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2011;39:134-9.

De forma análoga à reconstrução anatômica do LCA, é ideal a localização da origem correta do LPFM. Nenhuma reconstrução será anatomicamente perfeita, porém deve-se ter atenção para que seja a mais próxima possível.11. Bollier M, Fulkerson J, Cosgarea A, Tanaka M. Technical failure of medial patellofemoral ligament reconstruction. Arthroscopy. 2011;27:1153-9.

Na literatura, o método de localização da origem femoral do LPFM mais usado é o descrito por Schöttle et al.66. Schöttle PB, Schmeling A, Rosenstiel N, Weiler A. Radiographic landmarks for femoral tunnel placement in medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2007;35:801-4. e modificado por Servien et al.55. Servien E, Fritsch B, Lustig S, Demey G, Debarge R, Lapra C, et al. In vivo positioning analysis of medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2011;39:134-9. Na incidência lateral da radiografia do joelho, seria traçada uma reta pela cortical posterior da diáfise. Outra reta é traçada de forma perpendicular com a primeira, na região da origem posterior do côndilo femoral. O ponto localiza-se a um milímetro anterior à reta da cortical posterior e 2,5 mm distal à reta da porção posterior do côndilo.66. Schöttle PB, Schmeling A, Rosenstiel N, Weiler A. Radiographic landmarks for femoral tunnel placement in medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2007;35:801-4.

A descrição de Schöttle foi feita por meio de um estudo com cadáveres adultos. Shea et al.77. Shea KG, Grimm NL, Belzer J, Burks RT, Pfeiffer R. The relation of the femoral physis and the medial patellofemoral ligament. Arthroscopy. 2010;26:1083-7. adaptaram os parâmetros radiográficos para a população pediátrica e na avaliação da radiografia lateral encontraram que a origem do LPFM é proximal à fise em 2,7 ± 1,1 mm nas meninas e 4,6 ± 2,4 mm nos meninos.

Nelitz et al.33. Nelitz M, Dornacher D, Dreyhaupt J, Reichel H, Lippacher S. The relation of the distal femoral physis and the medial patellofemoral ligament. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19:2067-71. conduziram uma avaliação semelhante à de Shea et al.77. Shea KG, Grimm NL, Belzer J, Burks RT, Pfeiffer R. The relation of the femoral physis and the medial patellofemoral ligament. Arthroscopy. 2010;26:1083-7. No entanto, além da incidência lateral do joelho, deram ênfase à projeção de frente. Segundo esses autores, a epífise distal do fêmur apresenta um formato côncavo, o qual é seguido pela placa de crescimento. Então, na projeção lateral somente é visualizada a porção central da fise. Logo, o ponto proposto por Scöttle ficaria proximal à linha fisária. Mas na incidência de frente a borda medial da fise é mais proximal do que sua parte central, então o ponto da origem do LPFM seria distal à fise, por causa dessa concavidade.33. Nelitz M, Dornacher D, Dreyhaupt J, Reichel H, Lippacher S. The relation of the distal femoral physis and the medial patellofemoral ligament. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19:2067-71. Em todos os pacientes avaliados, a origem femoral foi distal à fise com uma média de 6,4 mm. Estudos cadavéricos de LaPrade et al.88. LaPrade RF, Engebretsen AH, Ly TV, Johansen S, Wentorf FA, Engebretsen L. The anatomy of the medial part of the knee. J Bone Joint Surg Am. 2007;89:2000-10. e Baldwin99. Baldwin JL. The anatomy of the medial patellofemoral ligament. Am J Sports Med. 2009;37:2355-61. também confirmariam a posição distal da origem do LPFM.

No paciente adulto, a fixação do enxerto do LPFM numa posição mais proximal acarreta o aumento da sobrecarga patelo-femoral medial, da subluxação medial e do tensionamento excessivo do enxerto, o qual pode falhar e recidivar a instabilidade lateral.11. Bollier M, Fulkerson J, Cosgarea A, Tanaka M. Technical failure of medial patellofemoral ligament reconstruction. Arthroscopy. 2011;27:1153-9. , 1010. Elias JJ, Cosgarea AJ. Technical errors during medial patellofemoral ligament reconstruction could overload medial patellofemoral cartilage: a computational analysis. Am J Sports Med. 2006;34:1478-85. Um acesso de tamanho adequado, a identificação das estruturas ósseas (epicôndilo medial e tubérculo adutor) que servem de parâmetro e o uso de fluo-roscopia são as principais recomendações na localização do ponto femoral intraoperatoriamente.55. Servien E, Fritsch B, Lustig S, Demey G, Debarge R, Lapra C, et al. In vivo positioning analysis of medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2011;39:134-9. , 11. Bollier M, Fulkerson J, Cosgarea A, Tanaka M. Technical failure of medial patellofemoral ligament reconstruction. Arthroscopy. 2011;27:1153-9.

Na reconstrução do LPFM no paciente esqueleticamente imaturo, a fixação proximal à fise tende a se tornar cada vez mais proximal com o crescimento do paciente, o que também levará a falha do enxerto.

Com a experiência desses dois casos, e pelas revisões atuais da literatura, concluímos que o local ideal para a fixação do enxerto na reconstrução do LPFM é distal à fise de crescimento do fêmur distal.

REFERENCES

  • 1
    Bollier M, Fulkerson J, Cosgarea A, Tanaka M. Technical failure of medial patellofemoral ligament reconstruction. Arthroscopy. 2011;27:1153-9.
  • 2
    Yercan HS, Erkan S, Okcu G, Ozalp RT. A novel technique for reconstruction of the medial patellofemoral ligament in skeletally immature patients. Arch Orthop Trauma Surg. 2011;131:1059-65.
  • 3
    Nelitz M, Dornacher D, Dreyhaupt J, Reichel H, Lippacher S. The relation of the distal femoral physis and the medial patellofemoral ligament. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2011;19:2067-71.
  • 4
    Beasley LS, Vidal AF. Traumatic patellar dislocation in children and adolescents: treatment update and literature review. Curr Opin Pediatr. 2004;16:29-36.
  • 5
    Servien E, Fritsch B, Lustig S, Demey G, Debarge R, Lapra C, et al. In vivo positioning analysis of medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2011;39:134-9.
  • 6
    Schöttle PB, Schmeling A, Rosenstiel N, Weiler A. Radiographic landmarks for femoral tunnel placement in medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med. 2007;35:801-4.
  • 7
    Shea KG, Grimm NL, Belzer J, Burks RT, Pfeiffer R. The relation of the femoral physis and the medial patellofemoral ligament. Arthroscopy. 2010;26:1083-7.
  • 8
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  • 9
    Baldwin JL. The anatomy of the medial patellofemoral ligament. Am J Sports Med. 2009;37:2355-61.
  • 10
    Elias JJ, Cosgarea AJ. Technical errors during medial patellofemoral ligament reconstruction could overload medial patellofemoral cartilage: a computational analysis. Am J Sports Med. 2006;34:1478-85.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sept-Oct 2013

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2012
  • Aceito
    15 Jan 2013
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