Acessibilidade / Reportar erro

Houve mudanças na incidência e na epidemiologia das fraturas do anel pélvico nas últimas décadas? Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

As fraturas do anel pélvico compõem de 2% a 8% de todas as lesões do esqueleto, incidência que sobe para 25% nos politraumatizados e representa fator prognóstico negativo no que diz respeito à morbidade e à mortalidade. Buscou-se com este trabalho estabelecer se houve mudança do perfil desses pacientes nas últimas décadas e por que ela ocorreu. Para tanto, avaliaram-se epidemiologia, mecanismo de trauma e tipos de fratura, por revisão bibliográfica nas bases de dados indexadas relacionadas ao tema, selecionados 20 trabalhos que continham os requisitos para o estudo. O período entre janeiro de 1987 e dezembro de 1999 (primeira década) e outro de janeiro de 2000 a dezembro de 2010 (segunda década) foram analisados e comparados estatisticamente pelo Teste de Mann-Whitney. As classificações de Tile, Young Burgess e AO foram adequadas para permitir sua categorização. As pesquisas em cada uma das décadas foram homogêneas. Na primeira, as lesões foram mais prevalentes em homens, com 62,5%, com tendência a inversão desse padrão, dado o aumento de mulheres acometidas na segunda década (p = 0,286). A média de idade na primeira década era de 39,3 anos e revelou um aumento na segunda (p = 0,068). Os mecanismos de trauma mais prevalentes foram aqueles relacionados ao tráfego nos períodos, assim como as fraturas classificadas como do tipo A (p = 0,203ep= 0,457, respectivamente). Os índices de mortalidade diminuíram (p = 0,396). Conclui-se que houve tendência ao aumento na média de idade dos pacientes (p = 0,068). Já o crescente acometimento das mulheres (p = 0,286) e a diminuição da mortalidade (p = 0,396) não foram significantes.

Ossos pélvicos ; Epidemiologia ; Fraturas do quadril ; Metanálise


The pelvic ring fractures comprise 2 -8% of all skeletal injuries. As the incidence rises to 25% in polytrauma and represents a negative prognostic factor with regard to morbidity and mortality of patients, we sought with this work to establish the profile of these, compared to an alteration in the profile of patients with pelvic ring fractures in recent decades. To this end, we evaluated the epidemiological profile, mechanism of injury and types of fractures. By reviewing the literature indexed in the databases related to the theme, 20 papers were selected that contained the requirements for the study. For the period between January 1987 and December 1999 (first decade), and another period in January 2000 and December 2010 (second decade), data were analyzed by Mann -Whitney test. The ratings Tile, Young and Burgess AO were adequate to permit their categorization. The research in each decade was homogeneous. At first the lesions were more prevalent in men with 62.5% with a tendency to reverse this pattern given the increase of women in the second decade (p = 0.286). The average age in the first decade was 39.3 years, an increase in the second (p = 0.068). The most prevalent mechanisms of trauma were related to traffic in both periods as well as fractures classified as type A (p = 0.203 and p = 0.457, respectively), having mortality rates decreased (p = 0.396). We conclude that there was a tendency to increase in the average age of patients (p = 0.068); however the increasing involvement of women (p = 0.286) and decreased mortality (p = 0.396) were not significant.

Pelvic bones ; Epidemiology; Hip fractures ; Meta-analysis


Introdução

Estima-se que o trauma, problema de saúde pública mundial, anualmente cause, só nos acidentes de trânsito, cerca de 1,2 milhão de mortes em todo o mundo.11. Abreu AM, de Lima JM, Matos LN, Pillon SC. Alcohol use and traffic accidents: a study of alcohol levels. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18. Spec No.: 513-20. Apresenta grande morbidade e atinge hoje mais de 50 milhões de pessoas,22. Mello Jorge MH, Latorre MR. Traffic accidents in Brazil: data tendencies. Cad Saúde Publ Rio de Janeiro. 1994;10 Suppl.1:19 -44. situação agravada nos centros urbanos, sobretudo nas capitais e nas regiões metropolitanas, onde a crescente frota de veículos e a maior agressividade no trânsito causam acidentes com alta energia e consequente aumento do número de mortes.33. Marin L, Queiroz MS. Car accidents in the age of speed: an overview. Cad Saúde Publ Rio de Janeiro. 2000;16(1):7 -21. , 44. Rodrigues NB, Gimenes CM, Lopes CM, Rodrigues JM. Death, injuries an pattern of motorcycle accident victims in the city of Sorocaba, São Paulo, Brazil. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2010;12(3):21 -5.

Na população jovem, economicamente ativa, a principal causa de óbito são os agentes externos, comparativamente a outras faixas etárias. Vê-se nessa população perfil mais audacioso, que eleva as taxas de mortalidade por acidentes e violência urbana.5 5. Carlini-Cotrim B, Gazal-Carvalho C, Gouveia N. Comportamentos de saúde entre jovens estudantes das redes pública e privada da área metropolitana do Estado de, São Paulo. Rev Saúde Públ. 2000;34(6):636 -45.

6. Laurenti R, Jorge MH, Gotlieb SL. Epidemiological profile of men: morbidity and mortality. Ciênc Saúde Coletiva Rio de Janeiro. 2005;10(1):35 -46.

7. Barros MD, Ximenes R, Lima ML. Child and adolescent mortality due to external causes: trends from 1979 to 1995. Rev Saúde Públ. 2001;35(2):142 -9.

8. Modelli MES, Pratesi R, Taui PL. Alcoolemia em vítimas fatais de acidentes de trânsito no Distrito Federal. Bras Rev Saúde Públ. 2008;42(2):350 -2.

9. Farias GM, Rocha KM, Freitas MCS, Cota KF, Dantas RA. Acidentes de trânsito decorrentes da influênca do uso do álcool. Inter Sci Place Rev Científica Int. 2009;2(9).

10. Abreu AM, Lima JM, Silva LM. Alcoholemy levels and mortality by traffic accidents in the city of Rio de Janeiro. Esc Anna Nery Enfermagem. 2007;11(4):575 -80.
- 1111. Gazal-Carvalho C, Carlini-Cotrim B, Silva OA, Sauaia N. Blood alcohol content prevalence among trauma patients seen at a level 1 trauma center. Rev Saúde Públ. 2002;36(1):47 -54.

Nesse cenário, os acidentes de trânsito despontam entre os principais agravos à saúde e têm como fatores de risco população jovem, do sexo masculino e com baixo nível social.1212. Santos AM, Moura ME, Nunes BM, Leal CF, Teles JB. Profile of motorcycle accident victims treated at a public hospital emergency department. Cad Saúde Públ Rio de Janeiro. 2008;24(8):1027 -38. A gravidade dos acidentes ocasiona períodos de internação longos, com demanda de recursos de alto custo e, por conseguinte, maior dispêndio de verbas públicas e privadas.12 12. Santos AM, Moura ME, Nunes BM, Leal CF, Teles JB. Profile of motorcycle accident victims treated at a public hospital emergency department. Cad Saúde Públ Rio de Janeiro. 2008;24(8):1027 -38.

13. Parreira JG, Coimbra R, Rasslan S, Ruiz DE. Politraumatizados com trauma craniencefálico grave: importância das lesões abdominais associadas. Rev Col Bras Cir. 2001;28(5):336 -41.

14. Parreira JG, Haddad L, Rasslan S. Lesões abdominais nos traumatizados com fraturas de bacia. Rev Col Bras Cir. 2002;29(3):153 -60.

15. Jorge MH, Koizumi MS. Gastos governamentais do SUS com internações hospitalares por causas externas: análise no Estado de São Paulo, 2000. Rev Bras Epidemiol. 2004;7(2):228 -38.
- 1616. Martins CB, Andrade SM. Causas externas entre menores de 15 anos em cidade do Sul do Brasil: atendimentos em pronto-socorro, internações e óbitos. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):194 -204.

Na tentativa de minimizar os reflexos catastróficos dos acidentes de trânsito na saúde pública brasileira, nos últimos anos houve aumento da adoção de medidas preventivas por entidades médicas e governamentais, com o intuito de diminuir o número absoluto dos acidentes e minimizar suas consequências. A implantação de serviços de resgate médico nas estradas e também nas cidades brasileiras a partir da década de 1980 é exemplo dessas medidas.1717. Malvestio MA, Sousa RM. Advanced life support: care provided to motor vehicle crash victims. Rev Saúde Públ. 2002;36(5):584 -9.

Outros avanços notórios foram a criação do Código de Trânsito Brasileiro de 1998 (Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997),1818. Malta DC, Silva MM, Lima CM, Soares Filho AM, Montenegro MM, Mascarenhas MDM, et al. Impact of the legal alcohol restriction in the morbidity and mortality by transport-related injuries - Brazil, 2008. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(1):77 -8. que levou à redução no número de óbitos, e também de legislação com maior rigor, como a Lei 11.705 de 19 de junho de 2008,1919. Malta DC, Soares Filho AM, Montenegro MM, Mascarenhas MD, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortality analysis of traffic accidents before and after Brazil's dry law, from 2007 to 2009. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(4):317 -28. popularmente conhecida como Lei Seca, que mostrou diminuição proporcional do risco de morte. Essas medidas mostraram-se efetivas, porém ainda precisam de aprimoramento e atualização, como aumento da fiscalização e aprofundamento do processo educativo da população brasileira.2020. Souza MF, Carvalho MD, Souza CG, Silva MM, Carvalho CG, Morais Neto OL. Descriptive and trend analyses of land transport accidents for public policies in Brazil. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16(1):33 -44.

Paralelamente à implementação dessas leis, criadas na tentativa de diminuir a frequência desses acidentes, a frota automobilística aumenta progressivamente. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o número de veículos automotores aumentou cerca de 300% nos últimos dez anos. No município de São Paulo, a taxa de mortalidade de vítimas por acidente automobilístico aumentou de 0,4/100.000 habitantes para 1,4/100.000 habitantes de 1996 a 2005.2121. Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Frota antes de 2000 e frota 2011. Disponível em: http://www.denatran. gov.br/frota.htm/publicacoes/show public.asp?cod=
Disponível em: http://www.denatran. gov....

Ainda hoje, carecemos de dados mais elaborados a respeito da gravidade do trauma, das lesões mais frequentemente observadas, das sequelas e das complicações especificamente relacionadas aos acidentes envolvendo automóveis no mundo. Essas informações poderiam auxiliar na implantação de medidas preventivas e de atendimento desses doentes e direcionar o médico na sua investigação diagnóstica e na decisão de prioridades.

Com o intuito de compreender as mudanças no comportamento da sociedade nas últimas décadas, no que diz respeito ao mecanismo do trauma e, por consequência, aos tipos de fraturas do anel pélvico (fig. 1-A a 1-D), o diagnóstico, a morbidade e a mortalidade na fratura pélvica têm sido amplamente discutidos pelas sociedades médicas afins, pelos governos e pela população em geral.17 17. Malvestio MA, Sousa RM. Advanced life support: care provided to motor vehicle crash victims. Rev Saúde Públ. 2002;36(5):584 -9.

18. Malta DC, Silva MM, Lima CM, Soares Filho AM, Montenegro MM, Mascarenhas MDM, et al. Impact of the legal alcohol restriction in the morbidity and mortality by transport-related injuries - Brazil, 2008. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(1):77 -8.
- 1919. Malta DC, Soares Filho AM, Montenegro MM, Mascarenhas MD, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortality analysis of traffic accidents before and after Brazil's dry law, from 2007 to 2009. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(4):317 -28.

Figura 1
Radiografias de fratura do anel pélvico. (A) Fratura de pelve tipo B de Tile, radiografia de frente. Imagem do arquivo do Grupo de Quadril do DOT-ISCMSP; (B) Fratura de pelve tipo B de Tile, radiografia inlet. Imagem do arquivo do Grupo de Quadril do DOT-ISCMSP; (C) Fratura de pelve tipo B de Tile, radiografia outlet. Imagem do arquivo do Grupo de Quadril do DOT-ISCMSP; (D) Fratura de pelve tipo B de Tile, radiografia pós-operatória. Imagem do arquivo do Grupo de Quadril do DOT-ISCMSP.

Nesse contexto, as fraturas do anel pélvico, que compõem de 2% a 8% de todas as lesões do esqueleto, incidência que aumenta para 25% nos politraumatizados, representam fator prognóstico negativo no que diz respeito à morbidade e à mortalidade do paciente politraumatizado e nos estimularam a estabelecer o perfil epidemiológico dessas fraturas a partir de revisão bibliográfica.2222. Bucholz RW, Court-Brown CM, Heckman JD, Tornetta P. Rockwood and Green's fractures in adults. 3rd. Philadelphia: Lippincott; 2010.

Objetivo

Comparar se houve mudança no perfil dos pacientes com fraturas do anel pélvico nas décadas de 1990 e 2000. Para tanto, avaliaram-se o perfil epidemiológico (idade, sexo e mortalidade), o mecanismo de trauma e os tipos de fratura.

Material

Após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Irmandade de Misericórdia da Santa Casa de São Paulo (51/2012), foi feita revisão bibliográfica nas bases de dados Medline, Pubmed, Lilacs e Cochrane e na literatura relacionada ao tema nas últimas duas décadas que descreveu a epidemiologia de fraturas do anel pélvico. Os artigos apresentaram em seus conteúdos alguma das seguintes palavras-chave: fraturas, anel pélvico, epidemiologia, Pelvic Bones, injuries, Fractures, Bone/epidemiology, Accidents, Traffic, Prospective Studies, Retrospective Studies. A coleta de dados ocorreu de dezembro de 2011 a março de 2012.

Os artigos foram selecionados após avaliação crítica da força de evidência e foram aceitos somente os com impacto mínimo 2A. Foram descartados aqueles que, apesar de constarem no resultado das buscas, não apresentaram na metodologia avaliação completa dos dados baseados em idade, sexo, mecanismo do trauma, mortalidade e tipo de fratura (critérios de refinamento).

Na avaliação do tipo de fratura, comparamos as classificações de Tile, Young Burgess e AO e classificamos como do tipo A as fraturas do tipo A de Tile e tipo A da AO, tipo B as fraturas do tipo B de Tile, Grupo AeBdeYoung Burgess e tipo B da AO e do tipo C as fraturas do tipo C de Tile, Grupo C de Young Burgess e C da AO.2323. Olson SA, Burgess A. Classification and initial management of patients with unstable pelvic ring injuries. Instr Course Lect. 2005;54:383 -93.

Foram encontrados 152 artigos, dos quais 73 atendiam aos critérios de refinamento. Desses, foram excluídos os textos duplicados, o que totalizou 52 artigos. Após leitura dos títulos e dos resumos, foram selecionados 20 trabalhos que continham os dados necessários para o estudo (tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Trabalhos analisados na primeira década

Tabela 2
Trabalhos analisados na segunda década

Método

Esses artigos foram divididos em dois períodos: entre janeiro de 1987 e dezembro de 1999 (denominada primeira década) e outro de janeiro de 2000 a dezembro de 2010 (denominada segunda década), analisados estatisticamente pelo Teste de Mann-Whitney.

Para este trabalho foi definido nível de significância de 0,05 (5%). Os intervalos de confiança foram construídos ao longo do trabalho, com 95% de confiança estatística (tabela 3).

Tabela 3
Comparação das variáveis analisadas

Nesta análise estatística foram usados os softwares SPSS V17, Minitab 16 e Excel Office 2010.

Resultados

Basicamente podemos dizer (com exceção do número de pacientes) que os grupos de trabalhos de cada década têm baixa variabilidade quanto aos critérios de refinamento, pois os coeficientes de variância são menores do que 50% e demonstram que os estudos em cada uma das décadas foram homogêneos (tabela 3 e fig. 2).

Figura 2
Box-plot para as décadas em todas as variáveis.

Na primeira década as lesões do anel pélvico eram mais prevalentes em homens, com 62,5%, e menos nas mulheres, com 37,5%. Na segunda década, no entanto, foi observado aumento de mulheres acometidas, com 43,3% dessas lesões, embora sem expressar significância (p = 0,286).

A média de idade na primeira década era de 39,3 anos e revelou uma tendência ao aumento da idade média em até sete anos na segunda década (p = 0,068).

Quanto aos mecanismos de trauma das fraturas do anel pélvico, os mais prevalentes foram aqueles relacionados ao tráfego - acidentes automobilísticos, motociclísticos e atropelamentos, com manutenção dessa predominância durante todo período, 70,7% e 62,7%, respectivamente (p = 0,203). Mas não demonstraram ser dados significantes.

Também encontramos que a maioria das fraturas foi classificada como do tipo A (40,5%), seguidas pelo tipo B (26,7%) e pelo C (23,5%) na primeira década, com discreto aumento das lesões dos tiposAeB, 48,6% e 28%, na segunda década, achados esses, entretanto, sem validade estatítica (p = 0,457ep= 0,967, respectivamente).

Os índices de mortalidade foram de 15,1% na primeira década e diminuíram para 13,6% na segunda década. Não foram configurados como significativos após análise (p = 0,396).

Discussão

Como referência no atendimento ao politraumatizado na cidade, temos notado modificação no padrão epidemiológico das fraturas do anel pélvico nos pacientes tratados no nosso serviço nos últimos anos, fato que gerou necessidade de procurarmos se a literatura especializada também atentava para essa mudança.

Estudamos 20 artigos do período de 1995 a 2012 e respeitamos critérios previamente enumerados. Com pesquisa focada nos últimos 20 anos, época que compreende o desenvolvimento, a implementação, a sistematização e a melhor compreensão do politraumatizado com o ATLS e as medidas de saúde pública implantadas no início da década de 1980, buscamos avaliar o perfil epidemiológico das lesões do anel pélvico.2222. Bucholz RW, Court-Brown CM, Heckman JD, Tornetta P. Rockwood and Green's fractures in adults. 3rd. Philadelphia: Lippincott; 2010.

Foi notada tendência na inversão das proporções quanto ao gênero mais acometido com fraturas do anel pélvico, uma vez que o acometimento do sexo feminino, na presente revisão, teve aumento na última década, aumento esse não significante (p = 0,286). Situação que pode estar relacionada com a consolidação da mulher nos postos de trabalho e a solidificação na estrutura social, crescentemente mais ativa e participativa economicamente, incorrendo, assim, em maior exposição aos eventos traumáticos.

O envelhecimento populacional, com aumento da expectativa de vida em todo o mundo, impacta na necessidade de participação efetiva nas atividades cotidianas dos indivíduos acima de 60 anos, que aparecem mais independentes e autossuficientes na atualidade. A melhoria da acessibilidade aos serviços de saúde capacitados, que outrora não ofereciam assistência adequada ou em tempo hábil para a sobrevivência nessa faixa etária, e o aperfeiçoamento do atendimento ao politraumatizado corroboram os achados de aumento da média de idade quanto às lesões do anel pélvico na comparação dos dois períodos e expressam tendência estatística após análise (p = 0,068).

Nos trabalhos avaliados houve predomínio de traumas por acidentes relacionados ao tráfego de veículos em ambos os períodos, achado, muito embora, sem validação (p = 0,203). Não há, entretanto, estratificação entre as diversas possibilidades desse tipo de evento, tais como: atropelamento, acidentes com motocicletas ou automobilísticos. Esse fato gerou certa frustração, uma vez que, ao proceder à análise dos dados, não foi possível inferir quais vetores foram mais prevalentes.

Desse modo, atentamos para a necessidade da feitura de ensaios que definam o mecanismo de trauma implicado nas fraturas do anel pélvico, com objetivo de não somente contemplar pesquisas clínicas sobre o tema, mas também para que possam ser correlacionados os mecanismos e as classificações das fraturas, a gravidade, a evolução, as complicaçõeseo prognóstico. A relevância desses dados pode nos auxiliar na implantação de medidas preventivas em saúde pública, principalmente no que concerne à educação no trânsito e à necessidade de centros de referência e especialização para tratamento desse tipo de lesão.

As fraturas do Tipo A foram as mais prevalentes nos dois períodos analisados, o que pode ser explicado se admitirmos que esse tipo de lesão não evolui para o óbito, o que permite que todos aqueles com tal diagnóstico sejam incluídos nas bases de dados (p = 0,457). As fraturas classificadas como B apresentaram aumento (p = 0,967) quando comparamos as décadas analisadas, resultado esperado pela melhoria da assistência pré-hospitalar que garante a sobrevida desses pacientes e aumenta, assim, a chegada ao pronto-socorro. Com atendimento intra-hospitalar mais apropriado e aumento da admissão desses doentes, temos o incremento no número de pacientes tratados. No entanto, tais resultados não foram estatisticamente significantes no período analisado.

Apesar da discreta diminuição no índice de mortalidade na última década (p = 0,396), infere-se que, mesmo sem significância estatística, apesar da política de prevenção de acidentes, da logística de atendimento e da abordagem inicial do paciente politraumatizado, com melhorias estruturais dos veículos e das vias públicas, o ser humano mantém sua busca por superar limites e insiste muitas vezes em arriscar a própria vidaeade outros, o que resulta em acidentes graves e muitas vezes fatais.

Existem limitações no presente estudo. A falta de padronização quanto aos mecanismos de trauma e à classificação das fraturas nos trabalhos levantados trouxe dificuldades, além da falta de significância estatística dos dados encontrados, apesar de o n usado, traduzido pela homogeneidade da amostra. Também o uso de trabalhos escritos em inglês, português e espanhol, o que poderia afetar o resultado final obtido. Futuros trabalhos semelhantes a este devem levar isso em consideração.

Conclusão

Observamos que o perfil epidemiológico das fraturas do anel pélvico nas duas últimas décadas não apresentou modificações significantes. A tendência crescente de maior acometimento das mulheres, o aumento na média de idade e a diminuição da mortalidade no período analisado foram os achados observados no nosso estudo, porém sem significância estatítica.

Agradecimentos

Agradecemos ao Prof. Dr. Walter Riccioli Junior, Dr. Daniel Daniachi e Dr. Marcelo Queiroz, assistentes do Grupo de Cirurgia de Quadril da IMSCSP, pela feitura de cirurgias correlatas ao tema, que instigaram tal linha de pesquisa.

  • Trabalho realizado no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Abreu AM, de Lima JM, Matos LN, Pillon SC. Alcohol use and traffic accidents: a study of alcohol levels. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18. Spec No.: 513-20.
  • 2
    Mello Jorge MH, Latorre MR. Traffic accidents in Brazil: data tendencies. Cad Saúde Publ Rio de Janeiro. 1994;10 Suppl.1:19 -44.
  • 3
    Marin L, Queiroz MS. Car accidents in the age of speed: an overview. Cad Saúde Publ Rio de Janeiro. 2000;16(1):7 -21.
  • 4
    Rodrigues NB, Gimenes CM, Lopes CM, Rodrigues JM. Death, injuries an pattern of motorcycle accident victims in the city of Sorocaba, São Paulo, Brazil. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2010;12(3):21 -5.
  • 5
    Carlini-Cotrim B, Gazal-Carvalho C, Gouveia N. Comportamentos de saúde entre jovens estudantes das redes pública e privada da área metropolitana do Estado de, São Paulo. Rev Saúde Públ. 2000;34(6):636 -45.
  • 6
    Laurenti R, Jorge MH, Gotlieb SL. Epidemiological profile of men: morbidity and mortality. Ciênc Saúde Coletiva Rio de Janeiro. 2005;10(1):35 -46.
  • 7
    Barros MD, Ximenes R, Lima ML. Child and adolescent mortality due to external causes: trends from 1979 to 1995. Rev Saúde Públ. 2001;35(2):142 -9.
  • 8
    Modelli MES, Pratesi R, Taui PL. Alcoolemia em vítimas fatais de acidentes de trânsito no Distrito Federal. Bras Rev Saúde Públ. 2008;42(2):350 -2.
  • 9
    Farias GM, Rocha KM, Freitas MCS, Cota KF, Dantas RA. Acidentes de trânsito decorrentes da influênca do uso do álcool. Inter Sci Place Rev Científica Int. 2009;2(9).
  • 10
    Abreu AM, Lima JM, Silva LM. Alcoholemy levels and mortality by traffic accidents in the city of Rio de Janeiro. Esc Anna Nery Enfermagem. 2007;11(4):575 -80.
  • 11
    Gazal-Carvalho C, Carlini-Cotrim B, Silva OA, Sauaia N. Blood alcohol content prevalence among trauma patients seen at a level 1 trauma center. Rev Saúde Públ. 2002;36(1):47 -54.
  • 12
    Santos AM, Moura ME, Nunes BM, Leal CF, Teles JB. Profile of motorcycle accident victims treated at a public hospital emergency department. Cad Saúde Públ Rio de Janeiro. 2008;24(8):1027 -38.
  • 13
    Parreira JG, Coimbra R, Rasslan S, Ruiz DE. Politraumatizados com trauma craniencefálico grave: importância das lesões abdominais associadas. Rev Col Bras Cir. 2001;28(5):336 -41.
  • 14
    Parreira JG, Haddad L, Rasslan S. Lesões abdominais nos traumatizados com fraturas de bacia. Rev Col Bras Cir. 2002;29(3):153 -60.
  • 15
    Jorge MH, Koizumi MS. Gastos governamentais do SUS com internações hospitalares por causas externas: análise no Estado de São Paulo, 2000. Rev Bras Epidemiol. 2004;7(2):228 -38.
  • 16
    Martins CB, Andrade SM. Causas externas entre menores de 15 anos em cidade do Sul do Brasil: atendimentos em pronto-socorro, internações e óbitos. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(2):194 -204.
  • 17
    Malvestio MA, Sousa RM. Advanced life support: care provided to motor vehicle crash victims. Rev Saúde Públ. 2002;36(5):584 -9.
  • 18
    Malta DC, Silva MM, Lima CM, Soares Filho AM, Montenegro MM, Mascarenhas MDM, et al. Impact of the legal alcohol restriction in the morbidity and mortality by transport-related injuries - Brazil, 2008. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(1):77 -8.
  • 19
    Malta DC, Soares Filho AM, Montenegro MM, Mascarenhas MD, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortality analysis of traffic accidents before and after Brazil's dry law, from 2007 to 2009. Epidemiol Serv Saúde. 2010;19(4):317 -28.
  • 20
    Souza MF, Carvalho MD, Souza CG, Silva MM, Carvalho CG, Morais Neto OL. Descriptive and trend analyses of land transport accidents for public policies in Brazil. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16(1):33 -44.
  • 21
    Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Frota antes de 2000 e frota 2011. Disponível em: http://www.denatran. gov.br/frota.htm/publicacoes/show public.asp?cod=
    » Disponível em: http://www.denatran. gov.br/frota.htm/publicacoes/show public.asp?cod=
  • 22
    Bucholz RW, Court-Brown CM, Heckman JD, Tornetta P. Rockwood and Green's fractures in adults. 3rd. Philadelphia: Lippincott; 2010.
  • 23
    Olson SA, Burgess A. Classification and initial management of patients with unstable pelvic ring injuries. Instr Course Lect. 2005;54:383 -93.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2013

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2012
  • Aceito
    03 Out 2012
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br