Introdução
O conceito da medicina baseada em evidências (MBE) foi introduzido em 2001 e desde então vem despertando o interesse da comunidade científica.1 Os conceitos da MBE começaram a aparecer nos principais congressos e simpósios a partir de 2003.2,3
Diferentemente da medicina tradicional, esse novo ramo não é embasado na intuição, na experiência clínica não sistemática e no raciocínio fisiopatológico como motivos suficientes para tomada de decisão clínica. Medicina baseada em evidências exige novas habilidades do médico, incluindo o conhecimento da pesquisa na literatura, suas ferramentas e a avaliação da evidência clínica. Houve um aumento na produção de artigos que instruem médicos sobre como acessar, avaliar e interpretar a literatura médica.3,4 Esse senso crítico se torna obrigatório, haja vista o grande número de publicações e as frequentes armadilhas metodológicas, que podem conduzir o leitor a conclusões enganosas e potencialmente perigosas para a prática clínica e cirúrgica.5,6
A literatura ortopédica seguiu a linha das publicações internacionais em busca de melhores níveis de evidência nas publicações e a qualidade metodológica dos artigos passou a ser analisada com critérios mais rigorosos.4 Entretanto, até o momento, a literatura nacional carece de estudos críticos dos níveis de evidência em ortopedia e traumatologia.
O estudo trata de uma revisão com o objetivo de selecionar os estudos relacionados à cirurgia do joelho publicados de 2000 a 2011 na literatura ortopédica nacional por meio da Acta Ortopédica Brasileira (AOB) e da Revista Brasileira de Ortopedia (RBO) e classificá-los de acordo com os níveis de evidência. Esses dois periódicos foram escolhidos por estar inseridos no âmbito nacional e estar indexados, via Scielo, como uma base de dados bibliográfica internacional.
Variáveis secundárias a serem observadas: a quantidade de estudos publicados por ano, a região em que foram desenvolvidos e o principal tema abordado no estudo.
Material e método
Esta revisão considerou para avaliação os estudos publicados na literatura ortopédica nacional: Acta Ortopédica Brasileira (AOB) e Revista Brasileira de Ortopedia (RBO). Foram selecionados todos os estudos publicados de 2000 a 2011 relacionados à cirurgia do joelho.
Os critérios de inclusão foram estudos relacionados à cirurgia do joelho, selecionados manualmente nas edições publicadas que continham no título: joelho, fratura fêmurdistal e tíbia-proximal, artroscopia do joelho, menisco, ligamento cruzado anterior, ligamento cruzado posterior, patela, complexo ou canto póstero-lateral, artroplastia do joelho e biomecânica do joelho. Os critérios de exclusão foram artigos com tema não relacionado à cirurgia do joelho. Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa (número: 120.790).
A identificação dos estudos foi feita de forma eletrônica, edição a edição, por meio da identificação daqueles que se encaixavam nos critérios de inclusão. Nova seleção foi feita baseada no resumo e no texto completo. As dúvidas na seleção dos artigos foram resolvidas por meio do consenso entre dois dos pesquisadores, Davi Araújo Veiga Rosário e Guilherme Conforto Gracitelli (DAVR e GCG). Na persistência de dúvida, um terceiro avaliador foi consultado: Carlos Eduardo da Silveira Franciozi (CESF). Após a identificação dos estudos, dois avaliadores (DAVR e GCG), de forma independente, coletaram características qualitativas dos estudos: periódico (AOB e RBO), ano de publicação (anterior a 2005 e anterior a 2011) e região do país onde foram feitos.
Após a seleção, os artigos foram categorizados por dois examinadores de acordo com o nível de evidência e o tipo de estudo. A categorização foi feita após leitura de todo o artigo. A seguinte categorização foi adotada: nível 1 - revisão sistemática; nível 2 - ensaio clínico; nível 3 - estudos de coorte e caso-controle; nível 4 - série de casos; nível 5 - revisão narrativa e outros (exemplo: estudo biomecânico, anatômico, acurácia e ciência básica). As dúvidas na categorização dos artigos foram resolvidas por meio do consenso entre dois dos pesquisadores (DAVR e GCG). Na persistência de dúvida, um terceiro avaliador foi consultado (CESF).
As descrições dos artigos encontrados foram feitas com o uso de frequências absolutas e relativas para apresentação dos dados segundo ano de publicação, região do país, tema principal do artigo e tipo do estudo. Os resultados foram ilustrados graficamente para apresentação. A análise estatística descritiva foi feita com o uso do programa Excel 2007.
Resultado
A medicina baseada em evidência requer dos pesquisadores uma preocupação em relação à qualidade dos estudos. De 2000 a 2011 foram encontrados 255 estudos relacionados à cirurgia do joelho na literatura nacional avaliada.
Observou-se um crescente número de publicações nos periódicos nacionais com o passar dos anos (fig. 1). Em 2000 foram apresentados à comunidade científica apenas 11 artigos relacionados à cirurgia do joelho e chegaram a 26 em 2005 e 50 em 2011.
Na análise da região onde esses artigos foram desenvolvidos (fig. 2) observa-se uma clara soberania da Sudeste, com 212 (83,1%). A região Sul apresentou 30 (11,7%), a Nordeste cinco (2%) e a Norte e a Centro-Oeste dois cada (0,8%). Quatro trabalhos desenvolvidos no exterior foram publicados nos periódicos nacionais (1,6%).

Figura 2 - Produção científica por região. SE, Sudeste, NE, Nordeste, SU, Sul, NO, Norte, CO, Centro-Oeste, INTER, internacional
Em relação ao principal tema abordado, demonstrou-se o claro interesse nas publicações sobre o tema ligamento cruzado anterior, com 58 estudos (22,7%), e artroplastias, com 55 (21,5%). Os demais temas apresentam a distribuição mostrada na figura 3.
O nível de evidência dos estudos é demostrado na figura 4. A maior parte dos estudos apresentou nível de evidência IV (27,8%) e V (50,2%). Os estudos nível V foram subdivididos e apresentados na figura 5.
Discussão
A análise da literatura nacional em busca dos trabalhos publicados com o tema cirurgia do joelho demostrou uma tendência semelhante à da literatura internacional, com o aumento da produção científica com o passar dos anos.6,7 Dos 11 trabalhos publicados em 2000, passamos para 26 em 2005 e 50 em 2011. Esse estímulo à produção científica pode ser justificado por uma crescente demanda por evidências para justificar a aplicação de um método de tratamento. No passado, a opinião do especialista era o suficiente para a adoção de um protocolo de tratamento.
O estudo apontou que a maioria dos trabalhos publicados é dos níveis IV e V de evidência. Esses dados são semelhantes aos encontrados na literatura internacional e na literatura nacional sobre outros temas ortopédicos.4,8 Algumas hipóteses podem justificar a grande quantidade de estudos de níveis IV e V: são normalmente de baixo custo e que requerem pouco planejamento e conhecimento prévio. Eles podem ser parte da rotina de uma equipe de saúde, além de geralmente não necessitar de um tempo de seguimento prolongado e poder ser feitos em curto tempo.1,8
Vale ressaltar que estudos observacionais abertos também são importantes, especialmente em fases iniciais de teste de uma nova intervenção, e podem fornecer informações valiosas para o atendimento ao paciente. Porém, nesse caso, são fundamentais técnicas bem elaboradas de análise de dados, com construção de modelos de regressão multivariada com controle de potenciais confundidores.5,7 É recomendado aos autores fazerem todos os esforços e usarem um grupo controle em seus estudos, uma vez que isso pode elevar substancialmente a classificação do nível de evidências e melhorar a confiança com que se pode aplicar a informação apresentada para a prática clínica e cirúrgica.6
Uma variável secundária demonstrou uma grande diferença em relação à produção científica nas diversas regiões do nosso país. Essa diferença já foi apontada em outros trabalhos da literatura nacional, que sempre observaram a região Sudeste (83,1%) como centro da produção científica nacional, seguida pela Sul (11,7%).8 Essa constatação deve ser encarada como um incentívo às demais regiões para aumentar a sua produção científica e seguir a tendência das literaturas nacional e internacional.
Outra variável secundária aponta a preferência da elaboração de trabalhos com os temas ligamento cruzado anterior (22,7%) e artroplastias do joelho (21,5%). Essa intensa produção científica que aborda esses temas pode justificar a melhoria das técnicas na opção de tratamento e a prevalência de resultados pós-operatórios cada vez melhores com o passar dos anos.
A limitação do estudo está na possibilidade da publicação de trabalhos relacionados à cirurgia do joelho em outros periódicos nacionais que não foram investigados e a possibilidade de publicação em revistas internacionais de estudos com maior nível de evidência desenvolvidos no Brasil.
Conclusão
A produção científica nacional relacionada à cirurgia do joelho apresenta-se em expansão, com predomínio de expressão na região Sudeste.
A maioria dos estudos relacionados à cirurgia do joelho publicados nos periódicos nacionais tem baixo nível de evidência e concentra-se na abordagem do ligamento cruzado anterior e das artroplastias.