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Síndrome compartimental pós-fratura de platô tibial

Resumos

As fraturas de platô tibial são relativamente raras e representam, aproximadamente, 1,2% de todas as fraturas. A tíbia, por sua localização subcutânea e pobre cobertura muscular, está exposta a sofrer grandes quantidades de traumatismos, que não são somente fraturas, mas também lesões por achatamento, contusões severas, entre outras que, em um determinado momento, podem causar no enfermo a síndrome compartimental. É relatado o caso de um paciente de 58 anos que, após fratura de platô tibial, apresentou síndrome compartimental de perna e foi submetido à fasciotomia descompressiva dos quatro compartimentos direitos. Após osteossíntese com fixação interna de platô tibial com placa em L, evoluiu com nova síndrome compartimental.

Fraturas da tíbia; Fios ortopédicos; Fixação interna de fraturas


Fractures of the tibial plateau are relatively rare, representing around 1.2% of all fractures. The tibia, due to its subcutaneous location and poor muscle coverage, is exposed and suffers large numbers of traumas, not only fractures, but also crush injuries and severe bruising, among others, which at any given moment, could lead compartment syndrome in the patient. The case is reported of a 58-year-old patient who, following a tibial plateau fracture, presented compartment syndrome of the leg and was submitted to decompressive fasciotomy of the four right compartments. After osteosynthesis with internal fixation of the tibial plateau using an L-plate, the patient again developed compartment syndrome.

Tibial fractures; Bone wires; Fracture fixation internal


Introdução

As fraturas de platô tibial são relativamente raras e representam 1,2% de todas as fraturas.11. Court-Brown CM, Caesar B. Epidemiology of adult fractures: a review. Injury. 2006;37(8):691-7. A tíbia está exposta a sofrer grandes quantidades de traumatismos, que podem causar a síndrome compartimental (SC).22. Blanco MG, López AA, Lorenzo YG. Síndrome compartimental agudo en lesiones de la tibial. Arq Med Camagüey. 2008;4(12):1-10. Feito o diagnóstico de SC, está indicada a fasciotomia para a abertura dos quatro compartimentos.33. Kojima KE, Ferreira RV. Fraturas da diáfise da tíbia. Rev Bras Ortop. 2011;46(2):130-5.

O objetivo é relatar um caso de síndrome compartimental após fratura de platô tibial tratado com fasciotomia prévia a osteossíntese de metáfise tibial e que evoluiu com síndrome compartimental no pós-operatório.

Descrição do caso

Paciente masculino, 58 anos, caiu da própria altura, evoluiu com dor em membro inferior direito (MID), associada a edema e dificuldade de deambular. A radiografia de MID revelou fratura metafisária proximal da tíbia e epífise proximal da fíbula com comprometimento da articulação do joelho.

A tomografia computadorizada das articulações revelou fraturas cominutivas de platô tibial e cabeça fibular. Nos exames bioquímicos, foi constatado CK total de 637 u/L. Como o paciente evoluiu com dor progressiva e intensa, parestesia, paresia, palidez e pele tensa e brilhante, foi encaminhado ao serviço de cirurgia vascular, onde foi solicitada ultrassonografia vascular Doppler, que afastou a trombose venosa. A indicação da fasciotomia descompressiva foi baseada na parestesia dos nervos da perna, associada ao volume do membro quando comparado ao contralateral.

O paciente foi encaminhado para fasciotomia descompressiva de urgência num determinado serviço. A cirurgia transcorreu sob indução anestésica peridural e foram feitas fasciotomias medial e lateral, para liberação dos quatro compartimentos da perna. Finalizando, fizeram-se hemostasia, síntese parcial da fasciotomia e curativo da ferida operatória.

A osteossíntese foi feita sob anestesia raquidiana 48 horas depois nesse primeiro serviço. Fizeram-se redução de fratura, fixação interna de fratura de platô tibial do lado medial e lateral com placa em L e fechamento da fasciotomia. Quando se manipulou a fratura para fixação com placa L, a perna direita evoluiu com edema e dor progressiva em compartimento localizado, o que fez o paciente procurar nosso serviço, no qual foi identificada a necessidade de reabertura da incisão cirúrgica (uma nova fasciotomia descompressiva) e foi possível visualizar a haste (fig. 1), a qual não foi retirada a priori. Foi feito curativo do ferimento e, após 15 dias de pós-operatório, enxerto de pele livre na região lateral dessa perna, com exposição da placa e parafuso de fixador interno (fig. 2). Após seis semanas, retirou-se a haste lateral e todo o ferimento do paciente foi fechado, com boa evolução até o presente momento, sem comorbidades associadas.

Figura 1
- Reabertura da incisão cirúrgica (nova fasciotomia descompressiva)
Figura 2
- Enxerto de pele livre em fasciotomia anterolateral de perna direita com exposição de placa e parafuso de fixador interno

Discussão

As fraturas de platô tibial correspondem a 1% de todas as fraturas e a cerca de 8% das ocorridas em idosos.44. Mandarino M, Pessoa A, Guimarães JAM. Avaliação da reprodutibilidade da classificação de Schatzker para as fraturas do planalto tibial. Rev Into. 2004;2(2):1-60. Elas são um desafio para os cirurgiões, seja pela complexidade da lesão óssea, seja pela lesão associada de tecidos moles.55. Faustino CAC, Góes CEG, Godoy FAC, Nishi ST, Bicudo LAR. A importância da ressonância magnética pré-operatória nas fraturas do planalto tibial. Rev Bras Ortop. 2011;46(Suppl 1):13-7.

São fatores importantes para o diagnóstico: história clínica detalhada e estudo por imagens.66. Kfuri Júnior M, Fogagnolo F, Bitar RC, Freitas RL, Salim R, Paccola CAJ. Fraturas do planalto tibial. Rev Bras Ortop. 2009;44(6):468-74 Neste relato de caso, o paciente procurou o primeiro serviço de atendimento médico com dor, associada a edema, e dificuldade de deambular e foi diagnosticada fratura de platô tibial, por meio de radiografia e tomografia computadorizada.

Em vários estudos de fraturas associadas com trauma vascular há o aumento da probabilidade de haver a síndrome de compartimento (SC) e, portanto, fasciotomias. Existe um estudo que explorou a associação entre o local do trauma de penetração para a extremidade inferior e a necessidade de fasciotomias. Eles concluíram que as lesões proximais abaixo do joelho conferem um aumento substancial do risco de "compartimento" e que o risco aumenta se for associado uma fratura da tíbia proximal.77. Camacho SP, Lopes RC, Carvalho MR, Carvalho ACF, Bueno RC, Regazzo PH. Análise da capacidade funcional de indivíduos submetidos a tratamento cirúrgico após fratura do planalto tibial. Acta Ortop Bras. 2008;16(3):168-72. Em nosso trabalho, evidenciou-se na radiografia uma fratura metafisária proximal da tíbia e epífise proximal da fíbula com comprometimento da articulação do joelho.

A SC se define como o aumento da pressão dentro do compartimento fechado por fáscias e que afeta a viabilidade dos tecidos. A SC aguda é severa e ocorre como resultado de traumatismos, que em muitas ocasiões necessitam de fasciotomias descompressivas para evitar a necrose de músculos.22. Blanco MG, López AA, Lorenzo YG. Síndrome compartimental agudo en lesiones de la tibial. Arq Med Camagüey. 2008;4(12):1-10.

O grau de lesão dependerá da rapidez com que o aumento de pressão se estabelece e por quanto tempo perdura. A patogênese é explicada pela elevação da pressão intracompartimental em níveis suficientes para comprometer a microcirculação de tecidos.88. Sayum Filho J, Ramos LA, Sayum J, Carvalho RT, Ejnisman B, Matsuda MM, et al. Síndrome compartimental em perna após reconstrução de ligamento cruzado anterior: relato de caso. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):730-2.

Classicamente há seis achados clínicos no diagnóstico da síndrome de compartimento: 1) dor na extremidade afetada, desproporcional à lesão; 2) dor induzida pelo estiramento dos músculos do compartimento; 3) paresia dos músculos do compartimento; 4) hipoestesia ou parestesia na topografia dos nervos que atravessam o segmento afetado; 5) endurecimento ou inflamação, ou ambos, do local afetado; 6) pulsos distais reduzidos ou ausentes.99. Ernest CB, Brennaman BH, Haimovici H. Fasciotomia. In: Haimovici H, Ascer E, Hollier LH, Strandness DE Jr, Towne JB, editors. Cirurgia vascular: princípios e técnicas. 4a ed. São Paulo: Di-Livros; 2000. p. 1290-8. O achado clínico mais importante é o endurecimento, a tensão do segmento afetado, se acompanhado dedor, inchaço, diminuição de sensibilidade e dificuldade de movimentação do membro.1010. Pitta GBB. Lesiones de la arteria poplitea por traumatismo en la vida civil. In: Anais do XVIII Congresso Del Capitulo Latino Americano. II Congresso Nacional de Angiologia, Punta Del Leste; 1986. p. 76. Laboratorialmente pode-se ter um aumento da creatina-quinase (CK) num valor de 1.000-5.000 U/mL, o que demonstra uma mioglobinúria que pode sugerir o diagnóstico.99. Ernest CB, Brennaman BH, Haimovici H. Fasciotomia. In: Haimovici H, Ascer E, Hollier LH, Strandness DE Jr, Towne JB, editors. Cirurgia vascular: princípios e técnicas. 4a ed. São Paulo: Di-Livros; 2000. p. 1290-8. O paciente procurou nosso serviço após manipulação da fratura para fixação com placa L, pois a perna direita evoluiu com edema e dor progressiva em compartimento localizado, e foi indicada a fasciotomia descompressiva, baseada na parestesia dos nervos da perna associada ao volume do membro quando comparado ao contralateral. Além disso, laboratorialmente foi constatado CK total de 637 u/L, o que corroborou o diagnóstico.

As indicações absolutas para o tratamento cirúrgico são fraturas expostas e fraturas associadas à SC ou a lesão vascular. Nessas situações,o tratamento deve ser conduzido em caráter de emergência. Nos demais casos, o momento da cirurgia é ditado pelas condições clínicas gerais do paciente.66. Kfuri Júnior M, Fogagnolo F, Bitar RC, Freitas RL, Salim R, Paccola CAJ. Fraturas do planalto tibial. Rev Bras Ortop. 2009;44(6):468-74

Conclusão

A fratura de platô tibial é um trauma importante, que pode cursar com mau prognóstico. Sendo assim, por causa da importância da associação entre fraturas ósseas e o desenvolvimento da síndrome compartimental, é necessária a feitura do seu diagnóstico diferencial a partir do reconhecimento precoce dos sinais e dos sintomas da síndrome para a instituição de terapêutica adequada, o que melhora o prognóstico e diminui o índice de morbidade.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Court-Brown CM, Caesar B. Epidemiology of adult fractures: a review. Injury. 2006;37(8):691-7.
  • 2
    Blanco MG, López AA, Lorenzo YG. Síndrome compartimental agudo en lesiones de la tibial. Arq Med Camagüey. 2008;4(12):1-10.
  • 3
    Kojima KE, Ferreira RV. Fraturas da diáfise da tíbia. Rev Bras Ortop. 2011;46(2):130-5.
  • 4
    Mandarino M, Pessoa A, Guimarães JAM. Avaliação da reprodutibilidade da classificação de Schatzker para as fraturas do planalto tibial. Rev Into. 2004;2(2):1-60.
  • 5
    Faustino CAC, Góes CEG, Godoy FAC, Nishi ST, Bicudo LAR. A importância da ressonância magnética pré-operatória nas fraturas do planalto tibial. Rev Bras Ortop. 2011;46(Suppl 1):13-7.
  • 6
    Kfuri Júnior M, Fogagnolo F, Bitar RC, Freitas RL, Salim R, Paccola CAJ. Fraturas do planalto tibial. Rev Bras Ortop. 2009;44(6):468-74
  • 7
    Camacho SP, Lopes RC, Carvalho MR, Carvalho ACF, Bueno RC, Regazzo PH. Análise da capacidade funcional de indivíduos submetidos a tratamento cirúrgico após fratura do planalto tibial. Acta Ortop Bras. 2008;16(3):168-72.
  • 8
    Sayum Filho J, Ramos LA, Sayum J, Carvalho RT, Ejnisman B, Matsuda MM, et al. Síndrome compartimental em perna após reconstrução de ligamento cruzado anterior: relato de caso. Rev Bras Ortop. 2011;46(6):730-2.
  • 9
    Ernest CB, Brennaman BH, Haimovici H. Fasciotomia. In: Haimovici H, Ascer E, Hollier LH, Strandness DE Jr, Towne JB, editors. Cirurgia vascular: princípios e técnicas. 4a ed. São Paulo: Di-Livros; 2000. p. 1290-8.
  • 10
    Pitta GBB. Lesiones de la arteria poplitea por traumatismo en la vida civil. In: Anais do XVIII Congresso Del Capitulo Latino Americano. II Congresso Nacional de Angiologia, Punta Del Leste; 1986. p. 76.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2013
  • Aceito
    09 Abr 2013
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