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Fratura avulsão da crista ilíaca em criança Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo Francisco Morato de Oliveira, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

A fratura avulsão da apófise da crista ilíaca apresenta incidência rara e pouco conhecida. Neste artigo relatamos caso de paciente do sexo feminino, de 11 anos, que apresentou essa lesão após trauma indireto. Após uma análise cuidadosa da radiografia, foi identificada fratura avulsão da crista ilíaca e optou-se pelo tratamento não cirúrgico com analgesia e restrição de carga. O relato do caso salienta a importância da suspeição da fratura avulsão em traumas de baixa energia, além de orientar o tratamento e prevenir déficit funcional e deformidades.

Epífises/fisiopatologia; Epífises/lesões; Fraturas de cartilagem; Ílio


Avulsion fractures of the apophysis of the iliac crest have rare incidence and are little known. In this article, we report the case of an 11-year-old female patient who presented this injury after indirect trauma. From careful radiographic analysis, an avulsion fracture of the iliac crest was identified. It was decided to use nonsurgical treatment comprising analgesia and load restriction. This case report emphasizes the importance of suspecting avulsion fractures in cases of low-energy trauma, and also guides the treatment, so as to prevent functional deficit and deformities.

Epiphysis/physiopathology; Epiphysis/lesions; Cartilage fractures; Ilium


Introdução

As fraturas avulsões das apófises da bacia são lesões raras e de incidência pouco conhecida.11. O'hEireamhoin S, McCarthy T. Fractures around the hip in athletes. Open Sports Med J. 2010;4:58-63. As fraturas mais comuns são do ísquio e da espinha ilíaca anterior, superior e inferior. A avulsão da apófise da crista ilíaca é mais rara.22. Fernbach SK, Wilkinson RH. Avulsion injuries of the pelvis and proximal femur. Am J Roentgenol. 1981;137(3): 581-4. , 33. Metzmaker JN, Pappas AM. Avulsion fractures of the pelvis. Am J Sports Med. 1985;13(5):349-58. , 44. Rossi F, Dragoni S. Acute avulsion fractures of the pelvis in adolescent competitive athletes: prevalence, location, and sports distribution of 203 cases collected. Skeletal Radiol. 2001;30(3):127-31. - 55. Sundar M, Carty H. Avulsion fractures of the pelvis in children: a report of 32 fractures and their outcome. Skeletal Radiol. 1994;23(2):85-90. Ocorre, principalmente, no paciente entre 8 e 14 anos, pois essa apófise se fusiona entre 15 e 17 anos. No entanto, também pode ocorrer no adulto.66. Ogden JA, editor. Skeletal injury in the child. 3rd ed. New York: Springer-Verlag; 2000. , 77. Tachdjian MO. Scoliosis. Pediatric orthopaedics. Philadelphia: Saunders; 1990. p. 2265-379. - 88. Pereira GJ, Pereira HR, Cruz M. Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca - Uma rara lesão. Acta Ortop Bras. 2002;10(2):58-61. Geralmente decorrente de trauma indireto por causa da tração da musculatura inserida nessa região (músculo oblíquo externo e interno e músculo transverso do abdome).88. Pereira GJ, Pereira HR, Cruz M. Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca - Uma rara lesão. Acta Ortop Bras. 2002;10(2):58-61. , 99. Godshall RW, Hansen CA. Incomplete avulsion of a portion of the iliac epiphysis: an injury of young athletes. J Bone Joint Surg Am. 1973;55(6):1301-2. - 1010. Lambert MJ, Fligner DJ. Avulsion of the iliac crest apophysis: a rare fracture in adolescent athletes. Ann Emerg Med. 1993;22(7):1218-20. Diagnóstico de difícil suspeição clínica, por se tratar de trauma de baixa energia raramente causado por trauma direto. De maneira geral, opta-se pelo tratamento conservador com analgésicos convencionais e restrição de carga. De acordo com o grau de deslocamento (> 3 cm), pode-se optar pelo tratamento cirúrgico, o que previne déficit funcional e deformidades.99. Godshall RW, Hansen CA. Incomplete avulsion of a portion of the iliac epiphysis: an injury of young athletes. J Bone Joint Surg Am. 1973;55(6):1301-2. , 1010. Lambert MJ, Fligner DJ. Avulsion of the iliac crest apophysis: a rare fracture in adolescent athletes. Ann Emerg Med. 1993;22(7):1218-20. - 1111. Lombardo SJ, Retting AC, Kerlan RK. Radiographic abnormalities of the iliac apophysis in adolescent athletes. J Bone Joint Surg Am. 1983;65(4):444-6.

Relato do caso

Paciente do sexo feminino, 11 anos, atendida no serviço de emergência do Hospital do Servidor Público Estadual de São de Paulo, referia dor intensa em área topográfica de crista ilíaca esquerda, que teve início repentino, durante corrida na aula de educação física, no momento em que fez movimento giratório do tronco, o inclinou para a direita e o membro inferior esquerdo para esquerda. Paciente nega trauma direto no local.

Durante exame físico paciente apresentava dor intensa à palpação da crista ilíaca esquerda com edema e equimose, com limitação do membro inferior esquerdo para adução passiva ou abdução contra resistência. Referia também desconforto às rotações do quadril, porém não apresentava bloqueios articulares nem dismetria de membros inferiores ou deformidades. Paciente não conseguia deambular com apoio do pé esquerdo no solo.

Foi solicitada radiografia de bacia em AP e tentativa de fazer radiografias em AP inlet e outlet ( Fig. 1). Foi observada fratura avulsão da porção anterior da apófise da crista ilíaca esquerda.

Figura 1
Radiografia de bacia que mostra fratura avulsão da crista ilíaca esquerda (ver seta branca).

A tomografia computadorizada de bacia confirmou avulsão óssea e proporcionou melhor compreensão do desvio da fratura (Fig. 2).

Figura 2
Apófise da crista ilíaca com desvio inferior a 3 cm.

Optamos por tratamento conservador com analgésico convencional e restrição de carga durante duas semanas. Após duas semanas foi liberada carga parcial e progressiva. Paciente retornou para suas atividades cotidianas quatro semanas após o trauma.

No momento paciente encontra-se no nono mês pós-fratura e apresenta-se com sinais radiológicos de consolidação óssea (Fig. 3). Paciente está assintomática, sem déficit funcional, trendelemburg negativo e faz até atividades físicas, como corrida e dança.

Figura 3
Sinais de consolidação óssea à radiografia de bacia.

Discussão

Fratura avulsão da pelve em crianças e adolescentes é incomum e pouco conhecida. Uma revisão radiológica de 1.238 radiografias de pacientes adolescentes atletas com sintomas focais traumáticos revelou 203 fraturas avulsões das apófises da pelve (16,4%).11. O'hEireamhoin S, McCarthy T. Fractures around the hip in athletes. Open Sports Med J. 2010;4:58-63. Um outro estudo, relatado em quatro grandes séries, mostrou que em 268 fraturas avulsões da pelve, 50% representavam avulsões do ísquio, 23% avulsões da espinha ilíaca anterossuperior, 22% avulsões da espinha ilíaca anteroinferior, 3% avulsão do pequeno trocanter e 2% avulsão da crista ilíaca.22. Fernbach SK, Wilkinson RH. Avulsion injuries of the pelvis and proximal femur. Am J Roentgenol. 1981;137(3): 581-4. , 33. Metzmaker JN, Pappas AM. Avulsion fractures of the pelvis. Am J Sports Med. 1985;13(5):349-58. , 44. Rossi F, Dragoni S. Acute avulsion fractures of the pelvis in adolescent competitive athletes: prevalence, location, and sports distribution of 203 cases collected. Skeletal Radiol. 2001;30(3):127-31. - 55. Sundar M, Carty H. Avulsion fractures of the pelvis in children: a report of 32 fractures and their outcome. Skeletal Radiol. 1994;23(2):85-90. A Figura 4 mostra os possíveis locais de fratura avulsão das apófises da pelve.

Figura 4
Locais de fratura avulsão das apófises da pelve.12

A ossificação da apófise ilíaca é gradual e ocorre usualmente de anterior para posterior. Em torno de 14 anos no sexo feminino e 15 no masculino toda a cartilagem estará ossificada. No entanto, a fusão dessa cartilagem ossificada com o osso ilíaco somente vai ocorrer em torno dos 18 anos e assim, nesse intervalo, está sujeita a traumas diretos ou indiretos que poderão causar seu deslocamento.66. Ogden JA, editor. Skeletal injury in the child. 3rd ed. New York: Springer-Verlag; 2000. , 77. Tachdjian MO. Scoliosis. Pediatric orthopaedics. Philadelphia: Saunders; 1990. p. 2265-379. - 88. Pereira GJ, Pereira HR, Cruz M. Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca - Uma rara lesão. Acta Ortop Bras. 2002;10(2):58-61.

Geralmente o trauma indireto é o mecanismo mais comum, por causa de uma contração abrupta da musculatura que está inserida na crista ilíaca (transverso abdominal, oblíquo interno e oblíquo externo) em associação com um movimento rotacional ou de inclinação do tronco para o lado oposto.7 7. Tachdjian MO. Scoliosis. Pediatric orthopaedics. Philadelphia: Saunders; 1990. p. 2265-379. - 88. Pereira GJ, Pereira HR, Cruz M. Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca - Uma rara lesão. Acta Ortop Bras. 2002;10(2):58-61. Além da contração abrupta ativa, também pode decorrer de tração passiva, aceleração, saltos e estresse muscular repetitivo. Existem autores que acreditam que pelo fato de o tronco e o quadril não apresentarem um movimento sincronizado no momento da contração muscular, servem como um elemento muito importante no mecanismo da lesão.99. Godshall RW, Hansen CA. Incomplete avulsion of a portion of the iliac epiphysis: an injury of young athletes. J Bone Joint Surg Am. 1973;55(6):1301-2. O trauma direto é mecanismo raramente encontrado nesse tipo de lesão.

Por tratar-se de um trauma de baixa energia, a não feitura das radiografias nos prontos-socorros pode levar a um erro de diagnóstico. Os sintomas incluem dor, edema, equimose e limitação funcional. O exame radiológico confirma o diagnóstico e, para casos de dúvidas, podemos optar pela tomografia computadorizada.

A maioria das fraturas avulsões da pelve que ocorrem na criança e no adolescente apresenta resultados satisfatórios com o tratamento conservador. O tratamento conservador baseia-se em analgesia e restrição de carga por duas semanas. Após esse período é liberada carga progressiva com retorno para suas atividades físicas após quatro semanas.77. Tachdjian MO. Scoliosis. Pediatric orthopaedics. Philadelphia: Saunders; 1990. p. 2265-379. - 88. Pereira GJ, Pereira HR, Cruz M. Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca - Uma rara lesão. Acta Ortop Bras. 2002;10(2):58-61. Dois estudos em adolescentes com fraturas avulsões pélvicas mostraram bons resultados dos pacientes que foram tratados conservadoramente e retornaram normalmente para suas atividades aos níveis pré-lesão.22. Fernbach SK, Wilkinson RH. Avulsion injuries of the pelvis and proximal femur. Am J Roentgenol. 1981;137(3): 581-4. - 33. Metzmaker JN, Pappas AM. Avulsion fractures of the pelvis. Am J Sports Med. 1985;13(5):349-58. A avulsão da apófise da crista ilíaca pode apresentar um deslocamento de maior ou menor grau. Quando o deslocamento é maior do que 3 cm, podem ser necessárias redução aberta e fixação para evitar futuras deformidades e deslocamentos menores podem ser tratados por métodos não cirúrgicos.1010. Lambert MJ, Fligner DJ. Avulsion of the iliac crest apophysis: a rare fracture in adolescent athletes. Ann Emerg Med. 1993;22(7):1218-20.

Este relato de caso visa a salientar a existência de fraturas avulsões da crista ilíaca em pacientes jovens que sofreram trauma indireto. A falta de diagnóstico, assim como um tratamento inadequado, pode levar a resultados insatisfatórios, tais como deformidades e limitação funcional.

REFERENCES

  • 1
    O'hEireamhoin S, McCarthy T. Fractures around the hip in athletes. Open Sports Med J. 2010;4:58-63.
  • 2
    Fernbach SK, Wilkinson RH. Avulsion injuries of the pelvis and proximal femur. Am J Roentgenol. 1981;137(3): 581-4.
  • 3
    Metzmaker JN, Pappas AM. Avulsion fractures of the pelvis. Am J Sports Med. 1985;13(5):349-58.
  • 4
    Rossi F, Dragoni S. Acute avulsion fractures of the pelvis in adolescent competitive athletes: prevalence, location, and sports distribution of 203 cases collected. Skeletal Radiol. 2001;30(3):127-31.
  • 5
    Sundar M, Carty H. Avulsion fractures of the pelvis in children: a report of 32 fractures and their outcome. Skeletal Radiol. 1994;23(2):85-90.
  • 6
    Ogden JA, editor. Skeletal injury in the child. 3rd ed. New York: Springer-Verlag; 2000.
  • 7
    Tachdjian MO. Scoliosis. Pediatric orthopaedics. Philadelphia: Saunders; 1990. p. 2265-379.
  • 8
    Pereira GJ, Pereira HR, Cruz M. Avulsão indireta da epífise da crista ilíaca - Uma rara lesão. Acta Ortop Bras. 2002;10(2):58-61.
  • 9
    Godshall RW, Hansen CA. Incomplete avulsion of a portion of the iliac epiphysis: an injury of young athletes. J Bone Joint Surg Am. 1973;55(6):1301-2.
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    Lambert MJ, Fligner DJ. Avulsion of the iliac crest apophysis: a rare fracture in adolescent athletes. Ann Emerg Med. 1993;22(7):1218-20.
  • 11
    Lombardo SJ, Retting AC, Kerlan RK. Radiographic abnormalities of the iliac apophysis in adolescent athletes. J Bone Joint Surg Am. 1983;65(4):444-6.
  • 12
    Beaty JH, Kasser JR, editors. Rockwood and Wilkins fractures in children. 7th ed. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2007. p. 744-68.
  • Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo Francisco Morato de Oliveira, São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-June 2014

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2013
  • Aceito
    07 Jun 2013
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