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Proposta de urn novo teste clínico para o diagnóstico do ressalto lateral do quadril ☆☆ Work developed in the Department of Orthopedics and Traumatology, Hospital das Clínicas, Medical School, Universidade de São Paulo and at the Vita Institute.

Resumos

O ressalto lateral do quadril é uma entidade nosológica muitas vezes desconhecida pela maioria dos ortopedistas e até mesmo por alguns especialistas em cirurgia do quadril. Trata--se da presença de um estalido palpável e/ou audível na face lateral do quadril, por vezes doloroso, causado pelo atrito musculotendineo sobre o grande trocanter durante a flexão e a extensão da articulação coxofemoral. Descreveremos a seguir um novo teste para o diagnóstico do ressalto lateral do quadril, que é eminentemente clínico.

Quadril; Lesões do quadril; Artralgia


Lateral hip snapping is a nosological entity that is often unknown to many orthopedists and even to some hip surgery specialists. It comprises palpable and/or audible snapping on the lateral face of the hip that is sometimes painful, caused by muscle-tendon friction on the greater trochanter during flexion and extension of the coxofemoral joint. In the following, we describe a new test for diagnosing lateral hip snapping, which is eminently clinical.

Hip; Hip injuries; Arthralgia


Introdução

A avaliação de pacientes com dores no quadril pode ser difícil, já que o diagnóstico diferencial é vasto incluindo patologias intra-articulares e extra-articulares e dores referidas de patologias pélvicas e vertebrais.

Avanços nos exames de imagem, principalmente na res-sonância nuclear magnética, e conhecimentos vindos da evolução dos procedimentos cirúrgicos, como as artroscopias, levaram a uma maior compreensão da anatomia funcional do quadril, que inclui as doenças de partes moles, como músculos e tendões.11. Strauss EJ, Nho SJ, Kelly BT. Greater trochanteric pain syndrome. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):113-9.

Definida originalmente como "palpação dolorosa sobre o grande trocanter", a sindrome dolorosa do grande trocan-ter inclui a bursite trocantérica, as tendinopatias dos glúteos médio e mínimo e o ressalto lateral do quadril. Tern maior pre-valência nas mulheres em relação aos homens.11. Strauss EJ, Nho SJ, Kelly BT. Greater trochanteric pain syndrome. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):113-9.,22. Voos JE, Rudzki JR, Shindle MK, Martin H, Kelly BT. Arthroscopic anatomy and surgical techniques for peritrochanteric space disorders in the hip. Arthroscopy 2007;23(11):1246, el-5. A sindrome dolorosa do grande trocanter é relativamente comum e aco-mete 10% a 25% da população em geral,11. Strauss EJ, Nho SJ, Kelly BT. Greater trochanteric pain syndrome. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):113-9. mas apenas uma pequena porcentagem apresenta o ressalto lateral.

O ressalto lateral do quadril, também chamado de ressalto ou estalido da banda iliotibial (BIT), deve-se ao atrito da borda posterior dessa ou da borda anterior do músculo glú-teo máximo sobre a face lateral do grande trocanter durante movimentos do quadril, principalmente flexão e extensão.11. Strauss EJ, Nho SJ, Kelly BT. Greater trochanteric pain syndrome. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):113-9.,33. Ilizaliturri VM Jr, Martinez-Escalante FA, Chaidez PA, Camacho-Galindo J. Endoscopic iliotibial band release for external snapping hip syndrome. Arthroscopy. 2006;22(5):505-10.55. Allen WC, Cope R. Coxa Saltans: the snapping hip revisited. J Am Acad Orthop Surg. 1995;3(5):303-8. Quando o quadril está estendido, a BIT encontra-se posterior ao grande trocanter. Ao fletir o quadril, a BIT passa pelo grande trocanter para alcançar uma posição mais anterior. Apesar dessa passagem da BIT pelo grande trocanter ser fisi-ológica e benigna, nos casos de tensão lateral pode ocorrer o ressalto, que por vezes torna-se um quadro inflamatório e doloroso, com irradiação para a face lateral da coxa ou para a região glútea ipsilateral.66. Zoltan DJ, Clancy WG Jr, Keene JS. A new operative approach to snapping hip and refractory trochanteric bursitis in athletes. Am J Sports Med. 1986;14(3):201-4.Pacientes com ressaltos sintomá-ticos são geralmente jovens e ativos fisicamente.11. Strauss EJ, Nho SJ, Kelly BT. Greater trochanteric pain syndrome. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):113-9. O ressalto pode ser voluntário ou involuntário77. Justis EJ. Snapping hip. In: Campbell's operative orthopaedics. St. Louis: CV Mosby; 1980. p. 1403. e palpável e/ou audível.88. Yoon TR, Park KS, Diwanji SR, Seo CY, Seon JK. Clinical results of multiple fibrous band release for the external snapping hip. J Orthop Sci. 2009;14(4):405-9.

Por causa dos poucos trabalhos publicados sobre o tema, o diagnóstico do ressalto muitas vezes não é feito, e prejudica seu adequado tratamento. A anamnese mostra geralmente um paciente ativo com um quadro arrastado, atraumático, com sintomas progressives de "incômodos" ao redor do trocanter maior. No exame físico, o paciente pode reproduzir sozinho o ressalto ou o ortopedista pode encontrá-lo com manobras de flexo-extensão do quadril, com o paciente em decúbito dorsal horizontal ou lateral. O teste de Ober pode ser positivo e indicar a tensão da BIT e a marcha de Trendelemburg pode ser encontrada e indicar lesões glúteas.44. Ilizaliturri VM Jr, Camacho-Galindo J. Endoscopic treatment of snapping hips, iliotibial band, and iliopsoas tendon. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):120-7.

O ressalto deve ser diferenciado de causas intra-articulares de estalido no quadril, como corpos livres, osteocondromatose sinovial e lesão do labrum acetabular.99. White RA, Hughes MS, Burd T, Hamann J, Allen WC. A new operative approach in the correction of external coxa saltans: the snapping hip. Am J Sports Med. 2004;32(6):1504-8.,1010. Provencher MT, Hofmeister EP, Muldoon MP. The surgical treatment of external coxa saltans (the snapping hip) by Z-plasty of the iliotibial band. Am J Sports Med. 2004;32(2):470-6. A radiografia simples da articulação coxofemoral é, geralmente, normal, e auxilia na exclusão de corpos livres. Exames como a ultrassonografia estática e a ressonância magnética podem mostrar processos inflamatórios locais, que ajudam a corroborar o diagnóstico de ressalto lateral, além de ser importantes para descartar outras prováveis causas de estalido no quadril. A ultrassonografia dinâmica é o melhor método, apesar de examinador dependente, para o diagnóstico por imagem do ressalto.1111. Choi YS, Lee SM, Song BY, Paik SH, Yoon YK. Dynamic sonography of external snapping hip syndrome. J Ultrasound Med. 2002;21(7):753-8.

O tratamento do ressalto doloroso pode ser conservador, com mudança das atividades provocadoras, medicações orais analgésicas e anti-inflamatórias, alongamentos do trato iliotibial e, se necessária, infiltração local com corticoide e anestésico, que diminui a inflamação do trato iliotibial e das bursas do quadril.

Na minoria dos casos, com a falha do tratamento conservador, a cirurgia torna-se necessária.11. Strauss EJ, Nho SJ, Kelly BT. Greater trochanteric pain syndrome. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):113-9. Geralmente envolve zetaplastias com alongamentos ou ressecções de parte da banda iliotibial e pode ser feita por meio das técnicas aberta88. Yoon TR, Park KS, Diwanji SR, Seo CY, Seon JK. Clinical results of multiple fibrous band release for the external snapping hip. J Orthop Sci. 2009;14(4):405-9.ou endoscópica.33. Ilizaliturri VM Jr, Martinez-Escalante FA, Chaidez PA, Camacho-Galindo J. Endoscopic iliotibial band release for external snapping hip syndrome. Arthroscopy. 2006;22(5):505-10.,44. Ilizaliturri VM Jr, Camacho-Galindo J. Endoscopic treatment of snapping hips, iliotibial band, and iliopsoas tendon. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):120-7.

Apesar de o mecanismo causador do ressalto ser bem des-crito na literatura, não é de conhecimento dos autores, até o presente momento, um teste clínico descrito para o seu diag-nóstico.

O objetivo deste estudo é descrever um teste clínico simples e capaz de identificar o ressalto lateral do quadril.

Descrição do teste clínico

O paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal horizontal sobre uma maca com os membros inferiores em extensão completa. O examinador posiciona-se de pé, ao lado do membra não examinado do paciente, para executar as manobras. (fig. 1)

Figura 1
Examinador posicionado do lado contralateral ao membro examinado.

A seguir, posiciona-se o membro que não será examinado para fora da maca, que é deixado pendente, com o joelho fletido a 90°. O membro inferior examinado deve estar com o joelho em extensão e com o quadril em flexão de 15° e adução de45°. (figs. 2 e 3)

Figura 2
Estabilização da pelve com uma das mãos. Com a outra mão, segura-se o tornozelo, com o quadril fletido em 15°.
Figura 3
Rotação interna do quadril com o quadril fletido em 15° e aduzido em 45°. Neste momento, visibiliza-se o ressalto quando o teste é positívo.

O examinador apoia-se sobre a espinha ilíaca ântero-superior e estabiliza a pelve com uma das mãos. Com a outra, segura o membro inferior examinado pelo tornozelo e faz rotações interna e externa do quadril. (figs. 3 e 4)

Figura 4
Rotação externa do quadril com o quadril fletido em 15° e aduzido em 45°. Neste momento, visibiliza-se o ressalto quando o teste é positivo.

Quando positivo, nota-se o ressalto na face lateral do quadril, que muitas vezes é visível, palpável e até mesmo audível e pode ser doloroso ou não.

Considerações finais

Apesar de raro e, geralmente, indolor, o ressalto lateral do quadril deve fazer parte do diagnóstico diferencial da sindrome dolorosa do quadril.

Acreditamos que o teste acima descrito poderá auxiliar o ortopedista no reconhecimento do ressalto lateral do quadril, embora mais estudos sejam necessários para a confrrmação da sua validade e reprodutibilidade.

  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo e no Instituto Vita, São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Strauss EJ, Nho SJ, Kelly BT. Greater trochanteric pain syndrome. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):113-9.
  • 2
    Voos JE, Rudzki JR, Shindle MK, Martin H, Kelly BT. Arthroscopic anatomy and surgical techniques for peritrochanteric space disorders in the hip. Arthroscopy 2007;23(11):1246, el-5.
  • 3
    Ilizaliturri VM Jr, Martinez-Escalante FA, Chaidez PA, Camacho-Galindo J. Endoscopic iliotibial band release for external snapping hip syndrome. Arthroscopy. 2006;22(5):505-10.
  • 4
    Ilizaliturri VM Jr, Camacho-Galindo J. Endoscopic treatment of snapping hips, iliotibial band, and iliopsoas tendon. Sports Med Arthrosc. 2010;18(2):120-7.
  • 5
    Allen WC, Cope R. Coxa Saltans: the snapping hip revisited. J Am Acad Orthop Surg. 1995;3(5):303-8.
  • 6
    Zoltan DJ, Clancy WG Jr, Keene JS. A new operative approach to snapping hip and refractory trochanteric bursitis in athletes. Am J Sports Med. 1986;14(3):201-4.
  • 7
    Justis EJ. Snapping hip. In: Campbell's operative orthopaedics. St. Louis: CV Mosby; 1980. p. 1403.
  • 8
    Yoon TR, Park KS, Diwanji SR, Seo CY, Seon JK. Clinical results of multiple fibrous band release for the external snapping hip. J Orthop Sci. 2009;14(4):405-9.
  • 9
    White RA, Hughes MS, Burd T, Hamann J, Allen WC. A new operative approach in the correction of external coxa saltans: the snapping hip. Am J Sports Med. 2004;32(6):1504-8.
  • 10
    Provencher MT, Hofmeister EP, Muldoon MP. The surgical treatment of external coxa saltans (the snapping hip) by Z-plasty of the iliotibial band. Am J Sports Med. 2004;32(2):470-6.
  • 11
    Choi YS, Lee SM, Song BY, Paik SH, Yoon YK. Dynamic sonography of external snapping hip syndrome. J Ultrasound Med. 2002;21(7):753-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2013
  • Aceito
    02 Set 2013
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