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Custo-efetividade do tratamento cirúrgico da fratura do quadril em idosos no Brasil Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Iuiz de Fora, MG, Brasil.

Resumos

OBJETIVOS:

estimar o custo por ano de vida ajustado por qualidade (QALY) com foco no tempo entre o trauma e a cirurgia.

MÉTODOS:

foi feita uma coorte retrospectiva com amostra sistemática com todos os pacientes internados no hospital do estudo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) durante três anos. Compararam-se duas estratégias de tratamento, uma precoce, se o paciente fosse operado até o quarto dia, e outra tardia, se após o quarto dia. O custo foi o direto médico do ponto de vista do SUS, colhido diretamente do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Custos de Materiais de Implantes (OPM) do SUS (Sigtap), para contagem dos custos associados ao hospital, aos honorários médicos e aos implantes usados, e o desfecho utilidade foi medido indiretamente por meio do EuroQOL-5D, instrumento mundialmente usado e transformado em utilidade pela normativa do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar) de 2013.

RESULTADOS:

a amostra contou com 110 pacientes, 27 no grupo precoce e 83 no tardio. Variáveis confundidoras foram controladas, idade, gênero, risco anestésico (ASA) e tipo de fratura e de cirurgia. As amostras se revelaram homogêneas quanto a essas variáveis. O custo por QALY da estratégia precoce foi de R$ 5.129,42 e da estratégia tardia, de R$ 8.444,50.

CONCLUSÃO:

a estratégia precoce demonstra dominância em relação à tardia neste estudo.

Análise Econômica em Saúde; Fratura do quadril; Idoso


OBJECTIVES:

To estimate the cost per quality-adjusted life-year (QALY) focusing on the length of time between trauma and surgery.

METHODS:

A retrospective cohort with systematic sampling was conducted among all the patients who were admitted to the study hospital through the Brazilian National Health System (SUS) over a three-year period. Two treatment strategies were compared: early treatment, if the patient was operated up to the fourth day; and late treatment, if this was done after the fourth day. The cost was the direct medical cost from the point of view of SUS, which was gathered from the management system, from the SUS table of procedures, medications and implant material costs (SIGTAP), to account for the costs associated with the hospital, medical fees and implants used. The outcome of usefulness was measured indirectly by means of EuroQOL-5D, which is an instrument used worldwide, and these measurements were transformed into usefulness by means of the standard rules of the Regional Planning and Development Center of Minas Gerais (CEDEPLAR) of 2013.

RESULTS:

The sample included 110 patients: 27 in the early group and 83 in the late group. The confounding variables of age, gender, anesthetic risk (ASA), fracture type and surgery type were controlled for. The samples were shown to be homogenous with regard to these variables. The cost per QALY of the early strategy was R$ 5,129.42 and the cost of the late strategy was R$ 8,444.50.

CONCLUSION:

The early strategy was highly favorable in relation to the late strategy in this study.

Health Economical Analysis; Hip fracture; Elderly person


Introdução

As fraturas do fêmur proximal têm repercussões seriíssimas no paciente idoso: alta morbidade e mortalidade, alto índice de incapacidade em pós-operatório e custos crescentes tanto para a família quanto para a sociedade, com resultados pobres do tratamento. São consideradas um dos maiores problemas de saúde pública do mundo.11. Wei TS, Hu CH, Wang SH, Hwang KL. Fall characteristics, functional mobility and bone mineral density as risk factors of hip fracture in the community-dwelling ambulatory elderly. Osteoporos Int. 2001;12(12):1050-5. and 22. Cummings SR, Melton LI. Epidemiology and outcomes of osteoporotic fractures. Lancet. 2002;359(9319):1761-7.

A linha-guia do Reino Unido recomenda 24 horas como objetivo ideal entre o trauma e a cirurgia, exceto naqueles casos em que o quadro do paciente necessite de mais tempo para melhoria clínica.33. Scottish Intercollegiate Guidelines Network (SIGN). Management of hip fracture in older people. A national clinical guideline. Edinburgh: Scottish Intercollegiate Guidelines Network; 2009. Alguns consideram o cumprimento desse tempo ideal um critério de qualidade do serviço em questão.44. Sund R, Liski A. Quality effects of operative delay on mortality in hip fracture treatment. Qual Saf Health Care. 2005;14(5):371-7.

O tempo entre o trauma e a cirurgia é alargado no Brasil, o que pode acarretar pioria dos resultados clínicos e de qualidade de vida, além de aumentar os custos em um sistema de saúde em desenvolvimento, como é o brasileiro.55. Cunha U, Veado MAC. Fratura da extremidade proximal do fêmur em idosos: independência funcional e mortalidade em um ano. Rev Bras Ortop. 2006;41(6):195-9. , 66. Vidal EIO. Aspectos epidemiológicos da fratura do fêmur proximal em idosos [tese]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas de Campinas; 2010. and 77. Arliani GG, Astur DC, Linhares GK, Balbachevsky D, Fernandes HIA, Reis FB. Correlação entre tempo para o tratamento cirúrgico e mortalidade em pacientes idosos com fratura da extremidade proximal do fêmur. Rev Bras Ortop. 2011;46(2):189-94.

Os custos diretos médicos relacionados ao tratamento da fratura do quadril em idosos têm sido estudados desde 2001, no Brasil, e variam de forma importante, principalmente por causa das diferenças nas metodologias de coleta ou levantamento usadas, desde R$ 1.700,0088. Silva LK. Avaliação tecnológica em saúde: densitometria óssea e terapêuticas alternativas na osteoporose pós-menopausa. Cad Saúde Pública. 2003;19(4):987-1003. até R$ 24.000,00.99. Araújo DV, Oliveira IHA, Bracco OL. Custo da fratura osteoporótica do fêmur no sistema suplementar de saúde brasileiro. Arq Bras Endocrinol Metab. 2005;19(6):897-901.

A efetividade pode ser medida como qualidade de vida, o nome do resultado é "utilidade". Trata-se de um método de mensuração em que um número cardinal que varia de zero a um representa um extrato possível da qualidade de vida. Morte é representada como "zero" e perfeita qualidade de vida é representada como "um". Esse desfecho pode ser colhido direta ou indiretamente por meio de questionários.

Os métodos de coleta indiretos são mais fáceis e baratos.1010. Drummond MF, OB´ rien B, Stoddart GL, Torrance GW. Methods for the economic evaluation of health care programmes. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 1997. O uso desses instrumentos depende das normativas de transformação, que, idealmente, devem ser criadas na população-alvo local.1111. Nord E. An alternative to QALYs: the saved young life equivalent (SAVE). Br Med I. 1992;305(6858):875-7.

Independentemente do tipo de investimento, se público ou privado, os gastos em saúde vêm crescendo no mundo, ora por aumento da tecnologia dura, ora pela soma de tecnologias, uma característica do setor de saúde. Isso torna a eficiência alocativa e a eficiência dos tratamentos ainda mais importantes.1212. Ministério da Saúde (Brasil). Portaria n◦ 2669 de 3 de novembro de 2009. Estabelece as prioridades, objetivos, metas e indicadores de monitoramento e avaliação do Pacto pela Saúde, nos componentes pela Vida e de Gestão, e as orientaç ões, prazos e diretrizes do seu processo de pactuação para o biênio 2010-2011. Available in: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt266903112009.html [accessed 20.01.13].
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Esse conhecimento deve fazer parte do interesse dos ortopedistas.

Uma análise econômica da "fratura do quadril em idosos" torna-se um esforço para conhecer melhor o problema e seus detalhes e possibilitar o planejamento adequado para seu enfrentamento. Sua principal característica é o ponto de vista coletivo em vez do individual, o que traduz melhor a dimensão da questão aos nossos olhares e aos dos gestores da saúde.

O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre o custo, sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS), e a efetividade do tratamento cirúrgico da fratura do quadril em idosos, no Brasil, com foco no tempo decorrido entre o trauma e a cirurgia.

Métodos

Estudou-se uma coorte retrospectiva formada por uma amostra sistemática de todos os pacientes com fraturas do quadril internados no hospital do estudo, de 1° de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2011. Fez-se uma análise econômica em saúde com perspectiva do pagador, ou seja, do SUS, e levaram-se em consideração os custos diretos médicos associados às diversas técnicas possíveis de tratamento para fratura do quadril em idosos. O horizonte temporal considerado foi de um ano, não se aplicaram correções, pois não houve correção, durante esse tempo, da tabela que cuida do ressarcimento dos hospitais que trabalham com pacientes do SUS, conforme o que foi palco do estudo.

Dessa coorte colheram-se custos diretos médicos, tempo entre o trauma e a cirurgia, número de óbitos intra-hospitalares, tempo de permanência e utilidade por meio do EuroQOL-5D (EQ-5D),1313. Rabin R, Oemar M, Oppe M. EQ-5D a measure of health-related quality of life developed by the EuroQol Group: user guide. 7th ed. Rotterdam: EuroQol Group; 2000. instrumento já usado e com normativas de transformação disponíveis para o Brasil.1414. Andrade MV, Noronha K, Maia AC, Kind P, Lins C, Menezes RM, et al. Estimação dos parâmetros de valorização dos estados de saúde em Minas Gerais, a partir do EQ-5D; 2015. Available in: http://www.cedeplar.ufmg.br/component/content/article/191-textos-para-discussao/1546-estimacao-dos-parametros-de-valorizacao-dos-estados-de-saude-em-minas-gerais-a-partir- do-eq-5d.html [accessed 20.01.13].
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Esses foram considerados desfechos finais ou variáveis dependentes.

Como variáveis independentes, foram colhidos idade, gênero, tipo de fratura, tipo de tratamento e risco anestésico - ASA.1515. Dripps RD. New classification of physical status. Anesthesiology. 1963;24:111.

Os custos associados aos tratamentos foram levantados diretamente do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (Sigtap), segundo os códigos associados aos Códigos Internacionais de Doença (CID-10)1616. Organização Mundial de Saúde. CID - 10: Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde; 2003. - S72-0, que corresponde à fratura do colo do fêmur, e S72-1, que corresponde à fratura transtrocanteriana.

Esses foram divididos em custos hospitalares, de honorários médicos, de materiais de implantes e totais.

Dois grupos foram criados com foco no tempo decorrente entre o trauma e a cirurgia: "cirurgia precoce" (≤ 4 dias) e "cirurgia tardia" (> 4 dias). Esse ponto de corte se ampara nas observações de Fernandes et al., 1717. Fernandes RA, Araújo DV, Takemoto MLS, Sauberman MV. Fraturas do fêmur proximal no idoso: estudo de custo da doença sob a perspectiva de um hospital público no Rio de Ianeiro, Brasil. Phys Rev Saúde Coletiva. 2011;21(2):395-416. em que o grupo precoce desapareceria se o ponto de corte fosse menor, e de Moroni et al., 1818. Moroni A, Hoque M, Waddell IP, Russell TA, Wippermann B, Digiovanni G. Surgical treatment and management of hip fracture patients. Arch Orthop Trauma Surg. 2014;134(2):277-81. que comprovam, em seu trabalho, mortalidade aumentada após esse ponto de corte.

Os grupos foram comparados com relação à idade pelo teste t de Student e com as demais variáveis independentes, em formato dicotômico, pelo teste qui-quadrado.

A análise estatística foi feita com o Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 20.0 e a árvore de decisão gerada a partir do software Treeage Pro 2011.

O estudo contou com a liberação do Comitê de Ética em Parecer Consubstanciado n°. 126.931, de 09/10/2012.

Resultados

Foram encontrados quatro códigos de tratamento e seis tipos de OPM e seus variados custos, conforme Tabela 1, Tabela 2 and Tabela 3.

Tabela 1 -
Códigos dos procedimentos

Tabela 2 -
Custos hospitalares e médicos associados aos códigos

Tabela 3 -
Custo dos implantes

Aplicou-se o custo real, pago pelo SUS, à planilha criada com os 115 pacientes da coorte estudada e foi encontrado o custo médio por tratamento, por paciente, de R$ 1.933,79 (DP, R$ 686,26), com custos hospitalares médios na amostra de R$ 813,92 (DP, R$ 210,92), o que correspondeu a 42,09% do total, custos de honorários médicos médios de R$ 252,73 (DP, R$ 12,13), correspondentes a 13,17% do custo total, e OPMs médios de R$ 867,13 (DP, R$ 473,52), que corresponderam a 44,84% do custo total.

Compararam-se os dois grupos segundo as variáveis independentes. Os resultados são apresentados na tabela 4.

Tabela 4 -
Comparação entre grupos

Consideraram-se os grupos homogêneos e que os custos para ambas as estratégias, sob a perspectiva do SUS, eram os mesmos e passou-se a compará-los.

Com relação aos óbitos intra-hospitalares, encontraram-se 7,41% de óbitos no grupo precoce contra 16,86% no grupo da cirurgia tardia. Esse resultado, embora não seja estatisticamente significativo [OR: 0,394 - IC 95% 0,084 - 1,859 (p = 0,226)], é clinicamente significativo.

Com os mesmos custos, considerando-se as duas estratégias, em cada mil pacientes submetidos à estratégia da cirurgia precoce, em comparação com a estratégia da cirurgia tardia, salvar-se-iam 94 vidas.

A permanência hospitalar foi diferente entre os dois grupos de forma estatisticamente significativa com média de 7,22 dias (DP, 3,43 dias) de permanência para os pacientes da estratégia da cirurgia precoce contra 15,90 dias (DP, 6,81 dias) de permanência para aqueles da cirurgia tardia (p < 0,001).

Um paciente submetido à estratégia da cirurgia precoce geraria para o hospital uma diária de R$ 267,84 e se submetido à estratégia da cirurgia tardia, geraria uma diária de R$ 121,62.

Com relação ao estudo da utilidade, por meio do EQ-5D, as diferenças encontradas são sem significância estatística, conforme dados da tabela 5.

Tabela 5 -
Análise dos desfechos utilidade

A análise de decisão, gerada por meio de uma árvore de decisão, mostra um resultado impactante em termos de custo por ano de vida ajustado por qualidade (AVAC ou QALY). A figura 1 mostra esses resultados.

Figura 1 -
Árvore de decisão custo-utilidade fratura do quadril.

As estratégias, expostas por meio de um modelo de análise de decisão, demonstram a pobreza dos resultados associados com utilidades baixas para ambas as estratégias, mas demonstram vantagens na alocação de recursos na estratégia da cirurgia precoce que custa R$ 5.129,42 por QALY contra R$ 8.444,50 por QALY da cirurgia tardia. A primeira estratégia se mostra, então, dominante.

Discussão

A amostra do trabalho se assemelha às amostras encontradas na literatura nacional e internacional quanto à proporcionalidade, à predominância do sexo feminino e ao pico ao redor dos 75 anos.1919. Cordey I, Schneider M, Bühler M. The epidemiology of fractures of the proximal femur. Injury. 2000;31(1):56-61. and 2020. Sakaki MH, Oliveira AR, Coelho FF, Leme LEG, Suzuki I, Amatuzzi MM. Estudo da Mortalidade na fratura do fêmur proximal em idosos. Acta Ortop Bras. 2004;12(4):242-9. Essa informação demonstra a capacidade de extrapolação do trabalho.

Há predominância das fraturas transtrocanterianas, previamente reconhecidas por Castro da Rocha e Ribeiro.2121. Castro da Rocha FA, Ribeiro AR. Low incidence of hip fractures in an equatorial area. Osteoporos Int. 2003;14(6):496-9. Os tratamentos típicos da fratura transtrocanteriana, com predominância das fixações, neste estudo, foram também vistos em outras pesquisas.2121. Castro da Rocha FA, Ribeiro AR. Low incidence of hip fractures in an equatorial area. Osteoporos Int. 2003;14(6):496-9. and 2222. Chirodian N, Arch B, Parker MI. Sliding hip screw fixation of trochanteric hip fractures: outcome of 1024 procedures. Injury. 2005;36(6):793-800.

Os custos médios por paciente, por tratamento, de R$ 1.993,79 (DP, R$ 686,26), são muito próximos aos encontrados por Krauss Silva em análise econômica parcial, em que somente os custos foram levados em consideração.88. Silva LK. Avaliação tecnológica em saúde: densitometria óssea e terapêuticas alternativas na osteoporose pós-menopausa. Cad Saúde Pública. 2003;19(4):987-1003.

O tempo decorrido entre o trauma e a cirurgia é alargado, conforme são alargados os tempos relatados nos trabalhos nacionais,55. Cunha U, Veado MAC. Fratura da extremidade proximal do fêmur em idosos: independência funcional e mortalidade em um ano. Rev Bras Ortop. 2006;41(6):195-9. , 66. Vidal EIO. Aspectos epidemiológicos da fratura do fêmur proximal em idosos [tese]. Campinas: Faculdade de Ciências Médicas de Campinas; 2010. and 77. Arliani GG, Astur DC, Linhares GK, Balbachevsky D, Fernandes HIA, Reis FB. Correlação entre tempo para o tratamento cirúrgico e mortalidade em pacientes idosos com fratura da extremidade proximal do fêmur. Rev Bras Ortop. 2011;46(2):189-94. diferentemente dos trabalhos internacionais, que demonstram precocidade nesse atendimento.2323. Fortes EM, Raffaelli MP, Bracco OL, Takata ETT, Reis FB, Santili C, et al. Elevada morbimortalidade e reduzida taxa de diagnóstico de osteoporose em idosos com fratura do fêmur proximal na cidade de São Paulo. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52(7):1106-14. and 2424. Hoerer D, Volpin G, Stein H. Results of early and delayed surgical fixation of hip fractures in the elderly: a comparative retrospective study. Bull Hosp It Dis. 1993;53(1):29-33.

O tempo entre o trauma e a cirurgia é associado à demora no preparo do paciente e à disponibilidade de teatro pré-operatório, nos estudos internacionais.2424. Hoerer D, Volpin G, Stein H. Results of early and delayed surgical fixation of hip fractures in the elderly: a comparative retrospective study. Bull Hosp It Dis. 1993;53(1):29-33. Neste estudo, existe um forte componente associado à demora na transferência do paciente do hospital de pronto-atendimento até aquele com complexidade para resolução do quadro, após a qual os procedimentos transcorrem mais naturalmente.

O tempo pré-operatório é maior do que o tempo pós-operatório. Apenas o tempo de transferência, ou seja, aquele entre a emissão da Autorização de Internação Hospitalar (AIH) e a chegada ao hospital de destino, foi de 3,57 dias (DP, 4,57 dias) e houve influência direta do tempo de transferência no tempo até a cirurgia e no conjunto da permanência.

O tempo pré-operatório é responsável por 64,3% do período de internação, o que confirma as dificuldades na transferência e/ou no preparo do paciente para o procedimento.

Na amostra, os óbitos intra-hospitalares mostraram-se elevados, com média de 13,04%, diferentemente da metanálise de Sakaki et al.,2020. Sakaki MH, Oliveira AR, Coelho FF, Leme LEG, Suzuki I, Amatuzzi MM. Estudo da Mortalidade na fratura do fêmur proximal em idosos. Acta Ortop Bras. 2004;12(4):242-9. que encontraram 5,5%. Esse valor mais baixo pode ser decorrente do uso de trabalhos internacionais na metanálise em questão, pois se assemelham aos resultados do grupo de cirurgia precoce, que ficaram em 7,14% de óbitos intra-hospitalares.

Supõe-se que o tratamento internacional - precoce - seja padrão-ouro em resultados e os nossos, quando se assemelham a eles, também tenham resultados parecidos.

Apesar da importância clínica, o número de óbitos não teve relação estatisticamente significativa com o tempo até a cirurgia, assim como em outros estudos já mencionados.

A permanência média da amostra, de 13,4 dias, é semelhante à permanência descrita por trabalhos nacionais e internacionais.2020. Sakaki MH, Oliveira AR, Coelho FF, Leme LEG, Suzuki I, Amatuzzi MM. Estudo da Mortalidade na fratura do fêmur proximal em idosos. Acta Ortop Bras. 2004;12(4):242-9. , 2525. Orosz GM, Magaziner I, Hannan EL, Morrison RS, Koval K, Gilbert M, et al. Association of timing of surgery for hip fracture and patient outcomes. IAMA. 2004;291(14):1738-43. and 2626. McGuire KI, Bernstein I, Polsky D, Silber IH. The 2004 Marshall Urist award: delays until surgery after hip fracture increases mortality. Clin Orthop Relat Res. 2004;(428):294-301.

O desfecho-utilidade medido pelo EQ-5D confirma os resultados pobres relacionados a esse tratamento, conforme já se sabia por meio de resultados clínicos e de qualidade de vida.2727. Guimarães FAM, Lima RR, Souza AC, Livani B, Belangero WD. Avaliação da qualidade de vida em pacientes idosos um ano após o tratamento cirúrgico de fraturas transtrocanterianas do fêmur. Rev Bras Ortop. 2011;46(Suppl 1):48-54.

O estudo passa a mostrar grande impacto quando se usa a árvore de decisão como instrumento de análise de decisão, uma vez que o desenho em questão expõe, de forma clara, os resultados em custo e utilidade para as estratégias estudadas.

O pequeno número em comparações do estudo expõe a escassez de trabalhos desse tipo na literatura e não permite sua comparação com outros trabalhos nacionais e mundiais. O foco no tempo entre o trauma e a cirurgia já sofreu inúmeras avaliações clínicas, mas não de custo-efetividade.

Reforça-se, neste ponto, o limite ético imposto a este e a outros estudos que focam o tempo decorrido entre o trauma e a cirurgia, no que diz respeito à alocação aleatória dos pacientes. Nesses casos, os estudos observacionais, como este, são os que trazem consigo a maior evidência.

Quando feita análise custo-efetividade do modelo, conseguem-se valores associados a um QALY. Neste estudo, a cirurgia precoce gerou um custo de R$ 5.129,42 por QALY contra R$ 8.444,50 por QALY da cirurgia tardia.

Conclusão

Após controle das variáveis confundidoras, idade, gênero, tipo de fratura, tipo de tratamento e risco anestésico (ASA), a razão custo-utilidade da estratégia "cirurgia precoce" (< 4 dias) mostrou-se dominante em relação à estratégia "cirurgia tardia" (> 4 dias).

A análise econômica feita ampara a determinação da "cirurgia precoce" como ideal em linhas-guia de realidade nacional e alocação de recursos na busca desse objetivo.

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  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Iuiz de Fora, MG, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2014
  • Aceito
    08 Abr 2014
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