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Análise biomecânica da fixação tibial transversa na reconstrução do ligamento cruzado anterior ☆ Trabalho desenvolvido na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. É parte do doutorado de Edmar Stieven Filho no Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Resumos

OBJETIVO:

investigar se a fixação transversa tibial com parafuso femoral apresenta vantagens biomecânicas sobre a fixação transversa femoral com parafuso tibial na reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA).

MÉTODO:

foram usados como modelos de testes joelhos suínos e tendões extensores digitais bovinos. Foram submetidos à reconstrução do LCA 28 joelhos: 14 foram fixados com parafuso na tíbia e implante transverso no fêmur (grupo padrão) e 14 com parafuso no fêmur e fixação transversa na tíbia (grupo invertido). Os modelos foram submetidos aos testes de tração.

RESULTADOS:

não houve diferença estatisticamente significante na sobrevivência das técnicas no que tange a força, força máxima sem falha e tensão. Houve uma sobrevivência maior no grupo padrão na comparação das curvas de tensão de limite elástico (p < 0,05).

CONCLUSÃO:

não há vantagem biomecânica da fixação transversa tibial com parafuso femoral em relação à fixação transversa femoral com parafuso tibial, observada em testes com modelos animais.

Ligamento cruzado anterior; Fêmur; Dispositivos de fixação ortopédica; Mecânica; Tendões


OBJECTIVE:

To verify whether the combination of tibial cross pin fixation and femoral screw fixation presents biomechanical advantages when compared to femoral cross pin fixation and tibial screw fixation for the reconstruction of the anterior cruciate ligament (ACL).

METHODS:

Thirty-eight porcine knees and bovine extensor digitorum tendons were used as the graft materials. The tests were performed in three groups: (1) standard, used fourteen knees, and the grafts were fixated with the combination of femoral cross pin and a tibial screw; (2) inverted, used fourteen knees with an inverted combination of tibial cross pin and a femoral screw; (3) control, ten control tests performed with intact ACL. After the grafts fixation, all the knees were subjected to tensile testing to determine yield strength and ultimate strength.

RESULTS:

There was no statistically significant difference in survival techniques in regard to strength, yield load and tension. There was a higher survival compared in the standard curves of yield stress (p < 0.05).

CONCLUSION:

There is no biomechanical advantage, observed in animal models testing, in the combination of tibial cross pin fixation and femoral screw when compared to femoral cross pin fixation and tibial screw.

Anterior cruciate ligament; Femur; Orthopedic fixation devices; Mechanics; Tendons


Introdução

O tratamento de escolha para pacientes jovens, ativos e sintomáticos que apresentam lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) é a reconstrução. Esse fator é determinante para a obtenção de melhores resultados no retorno à prática esportiva.11. Cohen M, Abdalla RJ, Ejnisman B, Filardi M. Estudo comparativo no tratamento das lesões do ligamento cruzado anterior no esporte. Rev Bras Ortop. 1977;32(35):337-41.

O método de fixação do enxerto usado na reconstrução é que determina a estabilidade no pós-operatório imediato. A maioria das falhas cirúrgicas ocorre nos primeiros meses e o local da fixação é o ponto mais vulnerável.22. Noyes FR, Barber-Westin SD. Revision anterior cruciate ligament reconstruction: report of 11-year experience and results in 114 consecutive patients. Instr Course Lect. 2001;50:451-61.

Quando usado enxerto de flexores de joelho é comum que a fixação do fêmur seja a transversa ou de suspensão e a da tíbia, parafuso de interferência. As fixações transversas e de suspensão são mais resistentes do que o parafuso de interferência.33. Milano G, Mulas PD, Ziranu F, Piras S, Manunta A, Fabbriciani C. Comparison between different femoral fixation devices for ACL reconstruction with doubled hamstring tendon graft: a biomechanical analysis. Arthroscopy. 2006;22(6): 660-8. , 44. Kousa P, Järvinen TLN, Vihavainen M, Kannus P, Järvinen M. The fixation strength of six hamstring tendon graft fixation devices in anterior cruciate ligament reconstruction. Part I: Femoral site. Am J Sports Med. 2003;31(2):182-8. and 55. Scheffler SU, Südkamp NP, Göckenjan A, Hoffmann RFG, Weiler A. Biomechanical comparison of hamstring and patellar tendon graft anterior cruciate ligament reconstruction techniques: the impact of fixation level and fixation method under cyclic loading. Arthroscopy. 2002;18(3):304-15.

Além do implante, a qualidade óssea também é fator determinante da fixação.66. Rodeo SA, Arnoczky SP, Torzilli PA, Hidaka C, Warren RF. Tendon-healing in a bone tunnel. A biomechanical and histological study in the dog. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(12):1795-803. and 77. Nurmi JT, Sievänen H, Kannus P, Järvinen M, Järvinen TLN. Porcine tibia is a poor substitute for human cadaver tibia for evaluating interference screw fixation. Am J Sports Med. 2004;32(3):765-71.

A fixação femoral tem maior resistência do que a tibial por causa de dois fatores: osso esponjoso femoral tem maior densidade do que o tibial e a fixação normalmente usada no fêmur tem maior resistência do que a da tíbia.77. Nurmi JT, Sievänen H, Kannus P, Järvinen M, Järvinen TLN. Porcine tibia is a poor substitute for human cadaver tibia for evaluating interference screw fixation. Am J Sports Med. 2004;32(3):765-71. and 88. Brand JC, Pienkowski D, Steenlage E, Hamilton D, Johnson DL, Caborn DN. Interference screw fixation strength of a quadrupled hamstring tendon graft is directly related to bone mineral density and insertion torque. Am J Sports Med. 2000;28(5):705-10.

Não foi encontrado na literatura trabalho que avaliasse a possibilidade de compensar a fragilidade óssea tibial com a melhor qualidade mecânica das fixações transversais, normalmente usadas no fêmur. A maioria dos testes biomecânicos avalia isoladamente a fixação tibial ou femoral, poucos avaliam o complexo fêmur-ligamento-tíbia.99. Monaco E, Labianca L, Speranza A, Agrò AM, Camillieri G, D'Arrigo C, et al. Biomechanical evaluation of different anterior cruciate ligament fixation techniques for hamstring graft. J Orthop Sci. 2010;15(1):125-31. , 1010. Aga C, Rasmussen MT, Smith SD, Jansson KS, Laprade RF, Engebretsen L, et al. Biomechanical comparison of interference screws and combination screw and sheath devices for soft tissue anterior cruciate ligament reconstruction on the tibial side. Am J Sports Med. 2013;41(4):841-8. , 1111. Petre BM, Smith SD, Jansson KS, de Meijer P-P, Hackett TR, Laprade RF, et al. Femoral cortical suspension devices for soft tissue anterior cruciate ligament reconstruction: a comparative biomechanical study. Am J Sports Med. 2013;41(2):416-22. and 1212. Zantop T, Weimann A, Rümmler M, Hassenpflug J, Petersen W. Initial fixation strength of two bioabsorbable pins for the fixation of hamstring grafts compared to interference screw fixation: single cycle and cyclic loading. Am J Sports Med. 2004;32(3):641-9.

O objetivo deste trabalho é saber se a fixação transversa tibial com parafuso femoral apresenta vantagens biomecânicas sobre a fixação transversa femoral com parafuso tibial, em modelo animal.

Material e métodos

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética local, sob o número 064/09.

Foram adquiridos 28 tendões extensores digitais bovinos frescos. Eles foram dissecados e divididos em dois, para formar pares e simular os tendões flexores de joelho humano.1313. Donahue TL, Gregersen C, Hull MLHS. Comparison of viscoelastic, structural, and material properties of double-looped anterior cruciate ligament grafts made from bovine digital extensor and human hamstring tendons. J Biomech Eng. 2001;123(2):162-9.

As extremidades de cada tendão foram suturadas com fio cirúrgico de poliéster Ethibond(tm) Polyester2 (Johnson & Johnson, Piscataway, NJ, EUA).

Após a sutura foi adquirida a impressão alginato Jeltrade tipo II de presa normal (Dentsply, York, PA, EUA). O tendão foi envolvido por essa pasta, que após alguns segundos fica com consistência borrachosa e forma um molde.

Nesse ponto o tendão foi retirado do alginato e esse molde foi seccionado transversalmente em blocos com 10 mm de espessura.1414. Goodship AE, Birch HL. Cross sectional area measurement of tendon and ligament in vitro: a simple, rapid, non-destructive technique. J Biomech. 2005;38(3):605-8. and 1515. Stieven Filho E, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Diniz OEDS, Borges PC, Albano M, et al. Biomechanic analysis of the sewed tendons for the reconstruction of the anterior cruciate ligament. Rev Col Bras Cir. 2010;37(1):52-7.

As secções geradas pelo molde de alginato foram digitalizadas com resolução de 600 dpi por digitalizador HP J5780(r). As áreas de secção transversal dos moldes foram medidas por meio do programa Image-Pro Plus(r).

A secção transversal mais fina de cada uma das extremidades do tendão foi selecionada para cálculo da área. Como os pares de tendões são dobrados ao meio para formar o enxerto quádruplo, as quatro menores áreas de cada uma das extremidades dos tendões foram somadas.

Após a impressão da área, os tendões foram colocados lado a lado com seu respectivo par. Os pares foram dobrados ao meio e formaram o enxerto quádruplo. Os enxertos quádruplos foram solidarizados com fio de poliéster (Ethibond(tm) Polyester2) na extremidade proximal (fig. 1).1515. Stieven Filho E, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Diniz OEDS, Borges PC, Albano M, et al. Biomechanic analysis of the sewed tendons for the reconstruction of the anterior cruciate ligament. Rev Col Bras Cir. 2010;37(1):52-7.

Figura 1 -
tendões solidarizados - enxerto quádruplo.

Foram dissecadas 28 peças de joelho suíno, da raça Large White.1616. Nagarkatti DG, McKeon BP, Donahue BS, Fulkerson JP. Mechanical evaluation of a soft tissue interference screw in free tendon anterior cruciate ligament graft fixation. Am J Sports Med. 2001;29(1):67-71. Foram submetidas à reconstrução com fixação transversa no fêmur e parafuso na tíbia (grupo padrão) 14 peças e mais 14 com parafuso no fêmur e fixação transversa na tíbia (grupo invertido), conforme a figura 2.

Figura 2 -
Grupos de fixação padrão e invertida.

Foram usados parafusos de interferência metálicos de 9 mm de diâmetro e 30 mm de comprimento. O implante transversal era um pino à base de ácido polilático (Rigidfix Cross Pin System, DePuyMitek, Raynham, MA, EUA).

Todo o processo de aquisição de modelos de tendões e joelhos e os testes mecânicos foram feitos dentro de 24 horas, para que não houvesse necessidade de congelamento, o que poderia mudar o módulo de elasticidade e, consequentemente, os resultados. As amostras foram todas mantidas em refrigeração com gelo, dentro de sacos plásticos com uma pequena quantidade de soro fisiológico a 0,9%, para não haver ressecamento enquanto esperavam os testes mecânicos.1717. Viegas AC, Camanho GL. Avaliac¸ão biomecânica dos tendões dos músculos tibiais e proposta de sua utilizac¸ão como aloenxertos nas reconstruc¸ ões do ligamento cruzado anterior. Acta Ortop Bras. 2003;11(3):170-5. and 1818. Matthews LS, Ellis D. Viscoelastic properties of cat tendon: effects of time after death and preservation by freezing. J Biomech. 1968;1(2):65-71.

Os joelhos foram colocados em mesa específica para cirurgia na posição de 90°.1515. Stieven Filho E, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Diniz OEDS, Borges PC, Albano M, et al. Biomechanic analysis of the sewed tendons for the reconstruction of the anterior cruciate ligament. Rev Col Bras Cir. 2010;37(1):52-7.

Nos grupos padrão e invertido o túnel tibial foi determinado com guia convencional configurado com 55°. Todos os túneis foram perfurados com 9 mm de diâmetro.

No grupo padrão o túnel femoral foi feito com guia transtibial de 7 mm de offset. Após a perfuração foi colocado o guia em U (DePuyMitek, Raynham, MA, EUA) no fêmur para preparo da passagem dos pinos de fixação. O enxerto foi passado da tíbia para o fêmur. Primeiro fez-se a fixação proximal com os pinos transversos e depois na tíbia com parafuso. 1515. Stieven Filho E, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Diniz OEDS, Borges PC, Albano M, et al. Biomechanic analysis of the sewed tendons for the reconstruction of the anterior cruciate ligament. Rev Col Bras Cir. 2010;37(1):52-7. , 1919. Faustino CAC. Reconstruc¸ão do LCA com o uso dos tendões dos músculos flexores mediais do joelho e fixac¸ão femoral com o sistema de Rigidifix(r): relato preliminar. Acta Ortop Bras. 2004;12(4):212-6. and 2020. Jones KG. Reconstruction of the anterior cruciate ligament. A technique using the central one-third of the patellar ligament. J Bone Joint Surg Am. 1963;45:925-32.

No grupo invertido o túnel femoral foi confeccionado por guia outside-in (Phusis, Grenoble, France). 2121. Garofalo R, Mouhsine E, Chambat P, Siegrist O. Anatomic anterior cruciate ligament reconstruction: the two-incision technique. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2006;14(6):510-6. Após as perfurações o guia em U foi posicionado na tíbia para preparo da introdução do implante. A passagem do enxerto foi do fêmur para a tíbia. Primeiro foi feita a fixação transversa na tíbia e, em seguida, a fixação femoral.

Para os grupos padrão e invertido padronizaram-se 30 mm de enxerto na porção intra-articular.

Foram feitos 10 ensaios-controle, com o LCA íntegro.

Foi desenvolvido um dispositivo metálico para posicionar os joelhos na máquina de ensaio. O dispositivo garante o alinhamento e uma angulação de 30° entre o fêmur e a tíbia durante os ensaios. Esse posicionamento visa a simular uma condição crítica para o LCA (fig. 3).2222. Miyata K, Yasuda K, Kondo E, Nakano H, Kimura S, Hara N. Biomechanical comparisons of anterior cruciate ligament: reconstruction procedures with flexor tendon graft. J Orthop Sci. 2000;5(6):585-92. and 2323. Woo SL, Hollis JM, Adams DJ, Lyon RM, Takai S. Tensile properties of the human femur-anterior cruciate ligament-tibia complex. The effects of specimen age and orientation. Am J Sports Med. 1991;19(3):217-25.

Figura 3 -
Dispositivos de fixação femoral e tibial.

A estabilização foi adquirida pela fixação da diáfise da estrutura óssea no dispositivo com porca e parafuso (fig. 4).

Figura 4 -
Posicionamento das amostras na máquina de ensaio.

Os grupos foram submetidos ao estudo de tração em máquina universal de ensaios MTS 810 (Material Test System Corporation, Minneapolis, MN, EUA), com célula de carga de capacidade de 10 quilos/newtons da MTS (Material Test System Corporation, Minneapolis, MN, EUA).

As condições do teste de tração foram uma pré-tensão de 10 newtons (N) e uma velocidade de 20 mm/min, até o rompimento do tendão.

As seguintes variáveis foram determinadas: força máxima (FM); força máxima sem falha (FMSF), obtida com a carga suportada pelo material até a primeira mudança significativa da curva carga vs deslocamento; tensão (T); tensão de limite elástico (TLE), ponto em que o tendão começa a sofrer uma deformação plástica (definitiva); e rigidez (k).

Os resultados dos ensaios foram carga vs deslocamento. A partir dessa curva foram determinados as forças máximas e os seus limites sem falhas.

Com os valores de FM, FMSF e a área da secção transversal dos ligamentos determinaram-se a tensão e a tensão de limite elástico, pela razão direta das variáveis de força e área.

A rigidez do sistema fêmur-ligamento-tíbia foi determinada com o método da secante.

Para a análise estatística foram usados a análise não paramétrica de confiabilidade de Kaplan-Meier e o teste de Log-Rank, o qual compara as curvas para estimar o valor de p. As análises foram feitas com o software R 3.0.2.

Resultados

Os resultados encontrados para o grupo padrão estão descritos na tabela 1. A média da força máxima foi de 528 N, enquanto para a força máxima sem detecção de falha foi de 352 N.

Tabela 1 -
Grupo padrão: pino transverso femoral e parafuso de interferência tibial

Os resultados para o grupo invertido estão descritos na tabela 2. A média da força máxima do sistema foi de 511 N e o da força máxima sem falha de 330 N.

Tabela 2 -
Grupo invertido: parafuso de interferência femoral e pino transverso tibial

Foram consideradas falhas operacionais as relacionadas ao procedimento cirúrgico ou à acoplagem do modelo no sistema de testes. Tivemos um caso de cada grupo operado em que o fêmur fendeu durante a fixação da diáfise no dispositivo de testes. As outras quatro falhas ocorreram no grupo invertido, pela quebra do implante durante a fixação tibial. Não houve falha operacional no grupo controle.

Os resultados, para o grupo de controle, estão relacionados na tabela 3.

Tabela 3 -
Grupo Controle

Para a comparação dor-resultados aplicou-se o teste de sobrevivência de Kaplan-Meier para FM, FMSF, T e TLE.

No teste de sobrevivência com os dados de FM, em um ponto de corte de aproximadamente 450 N a sobrevivência do grupo padrão foi de 69% e a do invertido de 67% (p > 0,05).

Para FMSF, em um ponto de corte de aproximadamente 350 N a sobrevivência do grupo padrão foi de 46% e a do invertido de 33% (p > 0,05).

Nas cargas de 450 N para FM e 350 N para FMSF o grupo controle teve sobrevivência de 100%, com significância estatística se comparado com qualquer um dos dois outros grupos (p < 0,05).

Na análise da tensão, em um ponto de corte de aproximadamente dez megapascais, encontrou-se uma sobrevivência de 69% no grupo padrão e de 67% no invertido (p > 0,05).

Para TLE, em um ponto de corte de aproximadamente sete megapascais houve uma sobrevivência de 62% no grupo padrão e 22% no invertido. Esse resultado foi significativo estatisticamente (p < 0,05).

Discussão

O ensaio de tração foi feito pela deformação da amostra submetida a uma força gradativamente aplicada até a ruptura. O esforço é aplicado ao longo eixo do corpo de prova. A máquina de ensaio mede a carga instantânea aplicada e o deslocamento. O alongamento do corpo de prova é feito a uma taxa constante pelo equipamento. O teste de tração é um ensaio destrutivo.1515. Stieven Filho E, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Diniz OEDS, Borges PC, Albano M, et al. Biomechanic analysis of the sewed tendons for the reconstruction of the anterior cruciate ligament. Rev Col Bras Cir. 2010;37(1):52-7.

O número de falhas operacionais no grupo invertido (cinco) foi superior ao do grupo padrão (um). Houve um caso de falha de fixação na máquina de tração para cada grupo. As falhas cirúrgicas aconteceram no grupo invertido. Isso ocorreu porque o guia para fixação transversa tibial é adaptação do usado para o fêmur. Essas adaptações não têm o mesmo nível de reprodutibilidade que um material específico. Os guias de implantação dos pinos na tíbia ficavam instáveis, o que levou à quebra do implante no momento da introdução.

A rotura dos enxertos do grupo padrão aconteceu no parafuso. No grupo invertido houve dois casos de falha na fixação transversa. Isso mostra que o parafuso tem uma fragilidade mecânica maior do que a fixação transversa.

Quanto aos dois casos de falha da fixação transversa no grupo invertido, pode-se pensar em três hipóteses. Uma é que o parafuso no posicionamento outside-in tem uma maior resistência no plano de tração testado, por testar em uma angulação divergente. A segunda é a qualidade óssea da esponjosa do fêmur aumentar a resistência da fixação. Por último, a questão de o guia para fixação do implante transverso tibial ser adaptado pode ter sido o fator decisivo para essas duas falhas.

A fixação transversa é usada no fêmur por uma questão de técnica, para evitar as dificuldades de colocar um parafuso no fêmur e suas complicações. Esse parafuso entra pelo portal medial, atravessa o intercôndilo e muitas vezes tem de ser colocado em um túnel que tem uma angulação diferente do portal de entrada do implante.2424. Walton M. Absorbable and metal interference screws: comparison of graft security during healing. Arthroscopy. 1999;15(8):818-26. and 2525. Milankov MZ, Miljkovic N, Ninkovic S. Femoral guide breakage during the anteromedial portal technique used for ACL reconstruction. Knee. 2009;16(2):165-7. A fixação transversa, assim como as de suspensão, tornou a fixação femoral um passo cirúrgico mais simples.

Apesar de terem uma resistência maior do que o parafuso, tanto a fixação transversa como a suspensória têm suas desvantagens. Sua alta resistência mecânica só é alcançada se usada no loop do tendão quádruplo. Na outra extremidade o seu uso fica limitado. Nessas fixações temos de nos preocupar com o diâmetro do túnel, pois túneis muito largos podem diminuir a resistência mecânica e o contato enxerto-osso. 2626. Simonian PT, Erickson MS, Larson RV, O'Kane JW. Tunnel expansion after hamstring anterior cruciate ligament reconstruction with 1-incision EndoButton femoral fixation. Arthroscopy. 2000;16(7):707-14.

Na técnica outside-in, o parafuso femoral é colocado por um acesso lateral no fêmur, o que tira muitos fatores complicadores da fixação femoral com parafuso. 2121. Garofalo R, Mouhsine E, Chambat P, Siegrist O. Anatomic anterior cruciate ligament reconstruction: the two-incision technique. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2006;14(6):510-6.

A associação da facilidade técnica de fixar o fêmur com parafuso outside-in e a vantagem mecânica da fixação transversa na tíbia, para compensar a baixa qualidade do osso esponjoso, parecia promissora. O presente trabalho não mostrou essa possível vantagem mecânica em modelos animais.

Os testes de sobrevivência são ideais para de comparação de análises mecânicas de técnicas cirúrgicas.1515. Stieven Filho E, Malafaia O, Ribas-Filho JM, Diniz OEDS, Borges PC, Albano M, et al. Biomechanic analysis of the sewed tendons for the reconstruction of the anterior cruciate ligament. Rev Col Bras Cir. 2010;37(1):52-7. Eles mostram o quanto podemos confiar em determinado procedimento a cada carga aplicada. Não foi encontrada diferença estatística para os dados de FM, FMSF e T. Porém, na TLE o grupo padrão apresentou uma sobrevivência maior. O que mostra que além de não haver vantagem em usar a fixação transversa na tíbia, isso pode significar uma diminuição da capacidade de suportar a tensão. Uma hipótese para esse resultado é o uso de guias adaptados da região femoral para a tibial.

Apesar do achado negativo para a TLE, há trabalhos clínicos que mostram segurança no uso da fixação transversa na tíbia.2727. Volpi P, Marinoni L, Bait C, Galli M, de Girolamo L. Tibial fixation in anterior cruciate ligament reconstruction with bone-patellar tendon-bone and semitendinosus-gracilisautografts: a comparison between bioabsorbable screws and bioabsorbable cross-pin fixation. Am J Sports Med. 2009;37(4):808-12. Também é possível encontrar na literatura bons resultados em testes mecânicos para fixação transversa tibial, mas não há trabalhos que testem o complexo fêmur-ligamento-tíbia, todos avaliam apenas a região tibial. Outro ponto importante é que não foi encontrado trabalho que avaliasse a T ou a TLE da fixação transversa na tíbia.1212. Zantop T, Weimann A, Rümmler M, Hassenpflug J, Petersen W. Initial fixation strength of two bioabsorbable pins for the fixation of hamstring grafts compared to interference screw fixation: single cycle and cyclic loading. Am J Sports Med. 2004;32(3):641-9.

Conclusão

Não há vantagem biomecânica da fixação transversa tibial com parafuso femoral em relação à fixação transversa femoral com parafuso tibial, observada em testes de modelos animais para reconstrução do LCA. Existe a possibilidade de uma capacidade menor de suportar tensão para o grupo com fixação transversa na tíbia.

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  • ☆ Trabalho desenvolvido na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. É parte do doutorado de Edmar Stieven Filho no Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2013
  • Aceito
    06 Dez 2013
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