Acessibilidade / Reportar erro

Reconstrução do ligamento cruzado anterior: comparação da analgesia com morfina intratecal, morfina intra-articular e levobupivacaína intra-articular Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia de Ribeirão Preto e no Hospital São Francisco, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Resumos

OBJETIVO:

Comparar o efeito analgésico da administração intra-articular de morfina e levobupivacaína (isoladas ou associadas) com a administração intratecal de morfina em pacientes submetidos à reconstrução do LCA com enxerto autólogo de tendão patelar.

MÉTODOS:

Análise retrospectiva dos dados coletados nos prontuários de 60 pacientes entre 20 e 50 anos, submetidos à vídeoartroscopia de joelho para reconstrução do LCA. Os pacientes encontravam-se separados em quatro grupos de 15 pessoas (A, B, C e D) de acordo com a administração intra-articular e peri-incisional de 20 mL de solução salina com 5 mg de morfina em A, 20 mL de solução a 0,5% levobupivacaína em B, 10m L de solução com 2,5 mg de morfina e 10 mL de solução a 0,5% de levobupivacaína em C e morfina intratecalmente em D.

RESULTADOS:

Todos os grupos apresentaram baixos escores de dor nas primeiras 12 horas após a cirurgia. Os grupos B e C apresentaram escores de dor significativamente maiores do que o grupo D (controle) 24 horas após a cirurgia. Não houve diferença estatística entre os escores de dor do grupo A e do grupo D.

CONCLUSÃO:

Nos pacientes do grupo A houve analgesia comparável à dos pacientes do D, ao passo que o procedimento em C não foi capaz de reproduzir o efeito analgésico observado em D quando os indivíduos foram estudados após 24 horas da cirurgia. Novos estudos são necessários para evidenciar o exato mecanismo de ação, bem como a dose e concentração ideais para aplicação articular de opioides.

Morfina; Artroscopia; Ligamento cruzado anterior; Anestesia


OBJECTIVE:

To compare the analgesic effect of intra-articular administration of morphine and levobupivacaine (separately or in combination) with intrathecal administration of morphine in patients undergoing anterior cruciate ligament (ACL) reconstruction using autologous grafts from the patellar tendon.

METHODS:

This was a retrospective analysis on data gathered from the medical files of 60 patients aged 20 to 50 years who underwent knee video arthroscopy for ACL reconstruction. The patients were divided into four groups of 15 individuals (A, B, C and D) according to the agent administered into the joint and around the incision: 20 mL of saline solution with 5 mg of morphine in A; 20 mL of 0.5% levobupivacaine solution in B; 10 mL of solution with 2.5 mg of morphine plus 10 mL of 0.5% levobupivacaine solution in C; and morphine administered intrathecally in D.

RESULTS:

All the groups presented low pain scores during the first 12 h after the surgery. Groups B and C presented significantly greater pain scores than shown by group D (control), 24 h after the surgery. There was no statistical difference in pain scores between group A and group D.

CONCLUSION:

The patients in group A presented analgesia comparable to that of the patients in group D, whereas the procedure of group C was no capable of reproducing the analgesic effect observed in group D, as observed 24 h after the surgery. Further studies are needed in order to show the exact mechanism of action, along with the ideal dose and concentration for applying opioids to joints.

Morphine; Arthroscopy; Anterior cruciate ligament; Anesthesia

Morfina; Artroscopia; Ligamento cruzado anterior; Anestesia


Introdução

O ligamento cruzado anterior (LCA) é o ligamento mais acometido nas lesões do joelho.1Camanho GL, Camanho LF, Viegas AC. Reconstruc¸ao do ligamento cruzado anterior com tendões dos músculos flexores do joelho fixos com Endobutton. Rev Bras Ortop. 2003;38(6):329-36. A maioria das lesões do LCA está relacionada à prática desportiva, principalmente nos esportes que exigem mudanças rápidas de direção associada ao contato corporal.2Cohen M, Marcondes FB. Lesões ligamentares. In:, Cohen M coord., editors. Tratado de ortopedia. Sao Paulo, Roca: Comissao de Educac¸ao Continuada da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia; 2007. p. 401-11. A reconstrução por via artroscópica do LCA é uma cirurgia ortopédica bem-sucedida e frequentemente feita. Existe uma variedade considerável de técnicas e materiais empregados.3Astur DC, Aleluia V, Santos CV, Arliani GG, Badra R, Oliveira SG, et al. Riscos e consequências do uso da técnica transportal na reconstruc¸ao do ligamento cruzado anterior: relac¸ao entre o túnel femoral, a artéria genicular lateral superior e o epicôndilo lateral do côndilo femoral. Rev Bras Ortop. 2012;47(5):606-10. Nos Estados Unidos são feitas aproximadamente 175 mil reconstruções ao ano dessa prática ortopédica, que já se tornou padrão mundial4Meuffels DE, Reijman M, Verhaar JAN. Computer-assisted surgery is not more accurate or precise than Conventional Arthroscopic ACL Reconstruction: a prospective randomized clinical trial. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(17):1438-45. e cada vez mais vem sendo feita em caráter ambulatorial. No serviço no qual se originou o presente estudo, foram feitas, por dois médicos cirurgiões de joelho, 204 cirurgias para reconstrução do LCA em 2012.

O adequado controle da dor pós-operatória, principalmente durante seu pico de intensidade nos primeiros dias após a cirurgia, é preocupação comum do cirurgião, anestesista, paciente e fisioterapeuta. O bom controle da dor permite alta hospitalar precoce, conforto e confiança para fazer apoio precoce com o membro operado e exercícios fisioterápicos que têm por objetivo o ganho de amplitude de movimento articular, a prevenção da artrofibrose, a melhoria do tônus e do trofismo muscular e melhor controle motor do membro.5Wright RW, Preston E, Fleming BC, Amendola A, Andrish JT, Bergfeld JA, et al. A systematic review of anterior cruciate ligament reconstruction rehabilitation. Part I: continuous passive motion, early weight bearing, postoperative bracing, and home-based rehabilitation. J Knee Surg. 2008;21(3):217-24. and 6Wright RW, Preston E, Fleming BC, Amendola A, Andrish JT, Bergfeld JA, et al. ACL: a systematic review of anterior cruciate ligament reconstruction rehabilitation. Part II: open versus closed kinetic chain exercises, neuromuscular electrical stimulation, accelerated rehabilitation, and miscellaneous topics. J Knee Surg. 2008;21(3):225-34. Como benefício, destacam-se a maior independência nas atividades cotidianas e a minimização do tempo de interrupção das atividades laborais.5Wright RW, Preston E, Fleming BC, Amendola A, Andrish JT, Bergfeld JA, et al. A systematic review of anterior cruciate ligament reconstruction rehabilitation. Part I: continuous passive motion, early weight bearing, postoperative bracing, and home-based rehabilitation. J Knee Surg. 2008;21(3):217-24. , 6Wright RW, Preston E, Fleming BC, Amendola A, Andrish JT, Bergfeld JA, et al. ACL: a systematic review of anterior cruciate ligament reconstruction rehabilitation. Part II: open versus closed kinetic chain exercises, neuromuscular electrical stimulation, accelerated rehabilitation, and miscellaneous topics. J Knee Surg. 2008;21(3):225-34. and 7Shaw T, Williams MT, Chipchase LS. Do early quadriceps exercises affect the outcome of ACL reconstruction? A randomised controlled trial. Aust J Physiother. 2005;51(1): 9-17.

Diversas modalidades de analgesia pós-operatória são frequentemente usadas: crioterapia,8Daniel DM, Stone ML, Arendt DL. The effect of cold therapy on pain swelling and range of motion after anterior cruciate ligament reconstructive surgery. Arthroscopy. 1994;10(5):530-3. and 9Edwards DJ, Rimmer M, Keene G. The use of cold therapy in the postoperative management of patients undergoing arthoroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Am J Sports Med. 1996;24(2):193-5. drogas analgésicas e anti-inflamatórias sistêmicas (administradas por via oral, intramuscular ou endovenosa),1010 Practice guidelines for acute pain management in the perioperative setting. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Pain Management, Acute Pain Section. Anesthesiology. 1995;82(4):1071-81. injeção intra-articular de drogas,1111 Reuben SS, Steinberg RB, Cohen MA, Kilaru PA, Gibson CS. Intrarticular morphine in the multimodal analgesic management of postoperative pain after ambulatory anterior cruciate ligament repair. Anesth Analg. 1998;86(2):374-8. , 1212 Tetzlaff JE, Dilger JA, Abate J, Parker RD. Preoperative intrarticular morphine and bupivacaine for pain control after outpatient arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Reg Anesth Pain Med. 1999;24(3):220-4. , 1313 Convery PN, Milligan KR, Quinn P, Scott K, Clarke RC. Low-dose intra-articular ketorolac for pain relief following arthroscopy of the knee joint. Anaesthesia. 1998;53(11):1125-9. , 1414 Ga? dek A, Wordliczek J, Zajaczkowska R. Evaluation of analgesic efficacy of intra-articular opioids (morphine, fentanyl) after arthroscopic knee surgery. Arthroscopy. 2012;28(7):897-8. , 1515 Koh IJ, Chang CB, Seo ES, Kim SJ, Seong SC, Kim TK. Pain management by periarticular multimodal drug injection after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized, controlled study. Arthroscopy. 2012;28(5):649-57. , 1616 Gupta A, Bodin L, Holmstrom B, Berggren L. A systematic review of the peripheral analgesic effects of intraarticular morphine. Anesth Analg. 2001;93(3):761-70. , 1717 Moiniche S, Mikkelsen S, Wetterslev J. A systematic review of intra-articular local anesthesia for postoperative pain relief after arthroscopic knee surgery. Reg Anesth Pain Med. 1999;24(5):430-7. and 1818 Shapiro MS, Safran MR, Crockett H, Finerman GA. Local anesthesia for knee arthroscopy. Efficacy and cost benefits. Am J Sports Med. 1995;23(1):50-3. bloqueio anestésico de nervos periféricos1919 Edkin BS, Spindler KP, Flanagan JF. Femoral nerve block as an alternative to parenteral narcotics for pain control after anterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 1995;11(4):404-9. and 2020 Tetzlaff JE, Andrish J, O'Hara J Jr, Dilger J, Yoon HJ. Effectiveness of bupivacaine administered via a femoral nerve catheter for pain control after anterior cruciate ligament repair. Clin Anesth. 1997;9(7):542-5. e injeção intratecal e peridural de fármacos analgésicos.2121 Duthie DJR, Nimmo WS. Adverse effects of opioid analgesic drugs. Br J Anaesth. 1987;59(1):61-77.

O tratamento ideal, além de proporcionar analgesia adequada, deve ser seguro, com baixa incidência de complicações e de efeitos colaterais. O uso intra-articular de fármacos tem como vantagem a diminuição da necessidade de drogas de ação sistêmica (endovenosas ou via oral) e de seus efeitos colaterais.2222 Butterfield NN, Schwarz SK, Ries CR, Franciosi LG, Day B, MacLeod BA. Combined pre- and post-surgical bupivacaine wound infiltrations decrease opioid requirements after knee ligament reconstruction. Can J Anaesth. 2001;48(3):245-50. É, portanto, modalidade atrativa para a prática clínica. Diversos fármacos foram propostos e testados para uso intra-articular, entre eles anti-inflamatórios não esferoidais,1111 Reuben SS, Steinberg RB, Cohen MA, Kilaru PA, Gibson CS. Intrarticular morphine in the multimodal analgesic management of postoperative pain after ambulatory anterior cruciate ligament repair. Anesth Analg. 1998;86(2):374-8. and 2121 Duthie DJR, Nimmo WS. Adverse effects of opioid analgesic drugs. Br J Anaesth. 1987;59(1):61-77. opioides1414 Ga? dek A, Wordliczek J, Zajaczkowska R. Evaluation of analgesic efficacy of intra-articular opioids (morphine, fentanyl) after arthroscopic knee surgery. Arthroscopy. 2012;28(7):897-8. and 2323 Alagol A, Calpur OU, Usar PS, Turan N, Pamukcu Z. Intrarticular analgesia after arthroscopic knee surgery: comparison of neostigmine, clonidine, tenoxicam, morphine and bupivacaine. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2005;13(8):658-63. e anestésicos locais.1717 Moiniche S, Mikkelsen S, Wetterslev J. A systematic review of intra-articular local anesthesia for postoperative pain relief after arthroscopic knee surgery. Reg Anesth Pain Med. 1999;24(5):430-7. and 2323 Alagol A, Calpur OU, Usar PS, Turan N, Pamukcu Z. Intrarticular analgesia after arthroscopic knee surgery: comparison of neostigmine, clonidine, tenoxicam, morphine and bupivacaine. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2005;13(8):658-63.

Apesar da analgesia intra-articular após reconstrução do LCA já ter sido analisada em muitos estudos, é grande o número de variáveis relacionadas com a técnica cirúrgica, o tipo de anestesia, a dose e o momento da injeção dos fármacos e os protocolos pós-operatórios.

A expectativa dos autores do presente estudo é que a aplicação intra-articular de fármacos seja capaz de substituir o uso da morfina intratecal e diminuir a necessidade de administração endovenosa de analgésicos, para evitar seus efeitos colaterais sistêmicos. Enfatiza-se também que ao se pesquisar na literatura pertinente, observou-se que na maioria dos artigos estudados foram usados a anestesia geral e o enxerto autólogo de tendões flexores. No entanto, nos serviços onde foi feito o presente estudo, as técnicas anestésicas e cirúrgicas mais usadas são raquianestesia e reconstrução artroscópica com enxerto autólogo de tendão patelar.

Este estudo tem como objetivo comparar o efeito analgésico da administração intra-articular de morfina e levobupivacaína (isoladas ou associadas) com a administração intratecal de morfina em pacientes submetidos à reconstrução do LCA com enxerto autólogo de tendão patelar.

Material e métodos

Fez-se uma análise retrospectiva dos dados coletados nos prontuários de 60 pacientes do sexo masculino, entre 20 e 50 anos, com estado físico de acordo com o padrão da American Society of Anesthesiology (ASA) de I a II, submetidos à vídeoartroscopia de joelho para reconstrução do LCA com a mesma técnica cirúrgica (uso de enxerto de tendão patelar e parafusos de interferência para fixação no fêmur e na tíbia) em 2012.

O estudo foi feito no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital São Francisco de Ribeirão Preto, São Paulo, após aprovação do Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).

Dentre todos os prontuários analisados, 15 pacientes receberam no fim da cirurgia aplicação intra-articular (15 mL) e peri-incisional (5 mL) de 5 mg de morfina em 20 mL de solução fisiológica e foram identificados como Grupo A. Quinze pacientes receberam aplicação intra-articular (15 mL) e peri-incisional (5 mL) de 20 ml de levobupivacaína 0,5% sem vasoconstritor e foram identificados como Grupo B. Quinze pacientes receberam aplicação intra-articular (15 mL) e peri-incisional (5 mL) de solução com 2,5 mg de morfina em 10 mL de solução fisiológica + 10 mL de levobupivacaína 0,5% sem vasoconstritor e foram identificados como Grupo C. Quinze pacientes receberam apenas 75 mcg de morfina intratecal adicionada na solução da raquianestesia e foram identificados como Grupo D (tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição
em grupos

O método de analgesia usado para cada paciente foi escolhido apenas em função do protocolo em vigor no momento da cirurgia. Não houve sorteio ou escolha aleatória do protocolo para cada indivíduo. Os demais pacientes operados durante o período deste estudo não foram incluídos por não se enquadrar nos critérios de inclusão descritos anteriormente ou por não ter dados referentes à escala numérica de dor.

Todos os pacientes foram submetidos à raquianestesia com 3 mL de bupivacaína hiperbárica 0,5% e foram prescritos após a cirurgia com uso de analgésicos apenas se necessário, a pedido do paciente. Foram usados preferencial e progressivamente: dipirona 1 g endovenosa, cetoprofeno 100 mg endovenoso e tramadol 100 mg endovenoso. Todos receberam dose profilática de 50 mg/kg até o máximo de 2 g de cefalotina, além de 1 g de dipirona e 30 mg de trometamina de cetorolaco, por via endovenosa, imediatamente antes do início da anestesia. Assim como todos foram submetidos à mesma técnica cirúrgica para reconstrução ligamentar com ou sem meniscectomia associada, a depender das necessidades de cada caso, por dois médicos ortopedistas cirurgiões de joelho com experiência nesse tipo de cirurgia.

A avaliação da dor e dos efeitos colaterais pós-operatórios foi registrada após seis, 12 e 24 horas por meio de escala numérica de dor e atribuíram-se valores de 1 a 5: 1 = ausência de dor, sem administração de analgésicos; 2 = dor leve, sem necessidade de uso de analgésicos; 3 = dor moderada aliviada com uma dose de analgésico; 4 = dor moderada resolvida com duas ou mais doses de analgésicos; 5 = dor intensa sem resposta a analgésicos comuns.

Os resultados foram analisados com o teste t de Student (p < 0,05) em comparação com o grupo D.

Resultados

Todos os grupos apresentaram distribuição semelhante quanto ao peso e à idade. Os resultados são apresentados na tabela 2. A última coluna mostra os valores obtidos pelo teste t de Student ao nível de 5% de significância para comparação do grupo D com os demais grupos.

Tabela 2 - Efeito
analgésico de diferentes doses administradas em pacientes submetidos à reconstrução do LCA

Quanto à avaliação da dor, todos os grupos apresentaram baixos escores nas primeiras 12 horas após a cirurgia. Os grupos B e C apresentaram escores significativamente maiores do que o grupo D (controle) 24 horas após a cirurgia. Não houve diferença estatística entre os escores do grupo A e do grupo D.

Não houve registro de reações alérgicas ou efeitos colaterais.

Discussão

Analgésicos opioides são amplamente usados para obter analgesia pós-operatória por via oral ou endovenosa, com efeitos colaterais bem conhecidos: hipotensão, depressão respiratória, retenção urinária, prurido, náuseas, constipação e alterações mentais.2424 Loper KA, Ready LB. Epidural morphine after anterior cruciate ligament repair: a comparison with patient-controlled intravenous morphine. Anesth Analg. 1989;68(3):350-2. A adição de morfina à solução usada para raquianestesia produz bom efeito analgésico e reduz a necessidade de drogas sistêmicas, porém apresenta maior incidência de efeitos colaterais do que outras vias de administração.2525 Ho ST, Wang TJ, Tang JS, Liaw WJ, Ho CM. Pain relief after arthroscopic knee surgery: intravenous morphine, epidural morphine, and intra-articular morphine. Clin J Pain. 2000;16(2):105-9. Stein et al.2626 Stein C, Millan MJ, Shippenberg TS, Peter K, Herz A. Peripheral opioid receptors mediating antinociception in inflammation. Evidence for involvement of mu, delta, and kappa receptors. J Pharmacol Exp Ther. 1989;248(3):1269-75. evidenciaram a presença de receptores opioides em tecidos periféricos que possibilitam o uso local desses fármacos. A literatura sugere que tais receptores estão presentes preferencialmente em tecidos inflamados.2626 Stein C, Millan MJ, Shippenberg TS, Peter K, Herz A. Peripheral opioid receptors mediating antinociception in inflammation. Evidence for involvement of mu, delta, and kappa receptors. J Pharmacol Exp Ther. 1989;248(3):1269-75. and 2727 Stein C. Peripheral mechanisms of opioid analgesia. Anesth Analg. 1993;76(1):182-91. Consequentemente, diversos autores têm estudado formas de uso dessas drogas com diferentes fármacos ou associações, doses e métodos de aplicação. Outras variáveis envolvem o próprio procedimento cirúrgico, técnicas de anestesia e características individuais dos pacientes (gênero, idade, tempo de lesão e condição pré-operatória da articulação etc.).

A literatura pertinente apresenta resultados contraditórios a respeito da eficácia da analgesia intra-articular com opioides. Em uma revisão sistemática de 27 artigos sobre eficácia da aplicação intra-articular de morfina, Gupta et al.1616 Gupta A, Bodin L, Holmstrom B, Berggren L. A systematic review of the peripheral analgesic effects of intraarticular morphine. Anesth Analg. 2001;93(3):761-70. puderam fazer uma metanálise de 19 trabalhos, dos quais 13 apresentaram resultados favoráveis. Esses autores1616 Gupta A, Bodin L, Holmstrom B, Berggren L. A systematic review of the peripheral analgesic effects of intraarticular morphine. Anesth Analg. 2001;93(3):761-70. concluíram que injeção de morfina no espaço articular parece produzir analgesia dose-dependente por até 24 horas, porém não foi possível determinar se o efeito é mediado por receptores periféricos ou ação sistêmica. Diante do exposto, acredita-se que variáveis como morbidade articular pré-operatória, dose das drogas, volume da solução usada e diferentes protocolos de anestesia podem contribuir para a heterogeneidade dos resultados da literatura.

O tipo de enxerto usado para reconstrução ligamentar também tem influência na dor pós-operatória. A obtenção do enxerto de tendão patelar envolve maior trauma cirúrgico em relação ao enxerto de tendões flexores e aumenta a dor gerada por estruturas extra-articulares. Koh et al.1515 Koh IJ, Chang CB, Seo ES, Kim SJ, Seong SC, Kim TK. Pain management by periarticular multimodal drug injection after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized, controlled study. Arthroscopy. 2012;28(5):649-57. não obtiveram diminuição da dor com uso intra-articular de fármacos em pacientes submetidos à reconstrução com enxerto de tendão patelar, porém com a associação de aplicações intra e periarticulares houve diminuição significativa nos escores de dor.

No presente estudo, a aplicação intra-articular e peri-incisional de 5 mg de morfina diluída em 20 mL de solução salina resultou em escores de dor e uso de analgésicos sistêmicos comparáveis ao uso de morfina intratecal. Os grupos que receberam apenas 20 mL de levobupivacaína ou 10 mL de levobupivacaína + 2,5 mg de morfina obtiveram escores de dor e uso de analgésicos sistêmicos significativamente maiores do que o grupo D (morfina intratecal), principalmente 24 horas após o procedimento. Nenhum paciente dos grupos A, B C e D apresentou reação alérgica ou efeitos colaterais registrados, porém a comparação entre os efeitos colaterais das diferentes modalidades de analgesia necessita de um número maior de pacientes e não é o objetivo deste estudo.

Este estudo apresenta algumas possíveis limitações. Não foi considerada a padronização dos grupos em relação a lesões e procedimentos associados, como meniscectomias, sinovectomias, notchplastia e lesões condrais. Por não dosar os níveis plasmáticos das drogas, não é possível afirmar se o resultado obtido no grupo A se deve apenas ao efeito da morfina em receptores locais ou também à distribuição sistêmica da droga. Apesar de haver diferença estatisticamente significativa entre os grupos B e D e entre C e D, os escores de dor e uso de analgésicos foram consideravelmente baixos em todos os indivíduos, o que indica que a analgesia adequada e o conforto pós-operatório podem ser obtidos de maneira eficiente com qualquer uma das abordagens usadas.

Conclusão

A aplicação intra-articular e peri-incisional de 5 mg de morfina em 20 mL de solução salina resultou em analgesia comparável à aplicação de 75 mcg de morfina intratecal em pacientes submetidos a reconstrução do LCA com enxerto de tendão patelar. A administração local de 20 mL de levobupivacaína ou de solução de 10 mL levobupivacaína + 10 mL de solução salina com 2,5 mg de morfina não foi capaz de reproduzir o efeito analgésico da morfina intratecal nos indivíduos estudados após 24 horas da cirurgia. Novos estudos são necessários para evidenciar o exato mecanismo de ação, bem como a dose e a concentração ideais para aplicação articular de opioides. Também são necessários estudos comparativos sobre a incidência dos efeitos colaterais e das complicações com as diferentes modalidades de analgesia.

References

  • 1
    Camanho GL, Camanho LF, Viegas AC. Reconstruc¸ao do ligamento cruzado anterior com tendões dos músculos flexores do joelho fixos com Endobutton. Rev Bras Ortop. 2003;38(6):329-36.
  • 2
    Cohen M, Marcondes FB. Lesões ligamentares. In:, Cohen M coord., editors. Tratado de ortopedia. Sao Paulo, Roca: Comissao de Educac¸ao Continuada da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia; 2007. p. 401-11.
  • 3
    Astur DC, Aleluia V, Santos CV, Arliani GG, Badra R, Oliveira SG, et al. Riscos e consequências do uso da técnica transportal na reconstruc¸ao do ligamento cruzado anterior: relac¸ao entre o túnel femoral, a artéria genicular lateral superior e o epicôndilo lateral do côndilo femoral. Rev Bras Ortop. 2012;47(5):606-10.
  • 4
    Meuffels DE, Reijman M, Verhaar JAN. Computer-assisted surgery is not more accurate or precise than Conventional Arthroscopic ACL Reconstruction: a prospective randomized clinical trial. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(17):1438-45.
  • 5
    Wright RW, Preston E, Fleming BC, Amendola A, Andrish JT, Bergfeld JA, et al. A systematic review of anterior cruciate ligament reconstruction rehabilitation. Part I: continuous passive motion, early weight bearing, postoperative bracing, and home-based rehabilitation. J Knee Surg. 2008;21(3):217-24.
  • 6
    Wright RW, Preston E, Fleming BC, Amendola A, Andrish JT, Bergfeld JA, et al. ACL: a systematic review of anterior cruciate ligament reconstruction rehabilitation. Part II: open versus closed kinetic chain exercises, neuromuscular electrical stimulation, accelerated rehabilitation, and miscellaneous topics. J Knee Surg. 2008;21(3):225-34.
  • 7
    Shaw T, Williams MT, Chipchase LS. Do early quadriceps exercises affect the outcome of ACL reconstruction? A randomised controlled trial. Aust J Physiother. 2005;51(1): 9-17.
  • 8
    Daniel DM, Stone ML, Arendt DL. The effect of cold therapy on pain swelling and range of motion after anterior cruciate ligament reconstructive surgery. Arthroscopy. 1994;10(5):530-3.
  • 9
    Edwards DJ, Rimmer M, Keene G. The use of cold therapy in the postoperative management of patients undergoing arthoroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Am J Sports Med. 1996;24(2):193-5.
  • 10
    Practice guidelines for acute pain management in the perioperative setting. A report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Pain Management, Acute Pain Section. Anesthesiology. 1995;82(4):1071-81.
  • 11
    Reuben SS, Steinberg RB, Cohen MA, Kilaru PA, Gibson CS. Intrarticular morphine in the multimodal analgesic management of postoperative pain after ambulatory anterior cruciate ligament repair. Anesth Analg. 1998;86(2):374-8.
  • 12
    Tetzlaff JE, Dilger JA, Abate J, Parker RD. Preoperative intrarticular morphine and bupivacaine for pain control after outpatient arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Reg Anesth Pain Med. 1999;24(3):220-4.
  • 13
    Convery PN, Milligan KR, Quinn P, Scott K, Clarke RC. Low-dose intra-articular ketorolac for pain relief following arthroscopy of the knee joint. Anaesthesia. 1998;53(11):1125-9.
  • 14
    Ga? dek A, Wordliczek J, Zajaczkowska R. Evaluation of analgesic efficacy of intra-articular opioids (morphine, fentanyl) after arthroscopic knee surgery. Arthroscopy. 2012;28(7):897-8.
  • 15
    Koh IJ, Chang CB, Seo ES, Kim SJ, Seong SC, Kim TK. Pain management by periarticular multimodal drug injection after anterior cruciate ligament reconstruction: a randomized, controlled study. Arthroscopy. 2012;28(5):649-57.
  • 16
    Gupta A, Bodin L, Holmstrom B, Berggren L. A systematic review of the peripheral analgesic effects of intraarticular morphine. Anesth Analg. 2001;93(3):761-70.
  • 17
    Moiniche S, Mikkelsen S, Wetterslev J. A systematic review of intra-articular local anesthesia for postoperative pain relief after arthroscopic knee surgery. Reg Anesth Pain Med. 1999;24(5):430-7.
  • 18
    Shapiro MS, Safran MR, Crockett H, Finerman GA. Local anesthesia for knee arthroscopy. Efficacy and cost benefits. Am J Sports Med. 1995;23(1):50-3.
  • 19
    Edkin BS, Spindler KP, Flanagan JF. Femoral nerve block as an alternative to parenteral narcotics for pain control after anterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 1995;11(4):404-9.
  • 20
    Tetzlaff JE, Andrish J, O'Hara J Jr, Dilger J, Yoon HJ. Effectiveness of bupivacaine administered via a femoral nerve catheter for pain control after anterior cruciate ligament repair. Clin Anesth. 1997;9(7):542-5.
  • 21
    Duthie DJR, Nimmo WS. Adverse effects of opioid analgesic drugs. Br J Anaesth. 1987;59(1):61-77.
  • 22
    Butterfield NN, Schwarz SK, Ries CR, Franciosi LG, Day B, MacLeod BA. Combined pre- and post-surgical bupivacaine wound infiltrations decrease opioid requirements after knee ligament reconstruction. Can J Anaesth. 2001;48(3):245-50.
  • 23
    Alagol A, Calpur OU, Usar PS, Turan N, Pamukcu Z. Intrarticular analgesia after arthroscopic knee surgery: comparison of neostigmine, clonidine, tenoxicam, morphine and bupivacaine. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2005;13(8):658-63.
  • 24
    Loper KA, Ready LB. Epidural morphine after anterior cruciate ligament repair: a comparison with patient-controlled intravenous morphine. Anesth Analg. 1989;68(3):350-2.
  • 25
    Ho ST, Wang TJ, Tang JS, Liaw WJ, Ho CM. Pain relief after arthroscopic knee surgery: intravenous morphine, epidural morphine, and intra-articular morphine. Clin J Pain. 2000;16(2):105-9.
  • 26
    Stein C, Millan MJ, Shippenberg TS, Peter K, Herz A. Peripheral opioid receptors mediating antinociception in inflammation. Evidence for involvement of mu, delta, and kappa receptors. J Pharmacol Exp Ther. 1989;248(3):1269-75.
  • 27
    Stein C. Peripheral mechanisms of opioid analgesia. Anesth Analg. 1993;76(1):182-91.
  • Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia de Ribeirão Preto e no Hospital São Francisco, Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2013
  • Aceito
    03 Abr 2014
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br