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Fratura da extremidade proximal da tíbia após reconstrução do ligamento cruzado anterior: relato de caso Trabalho desenvolvido no Hospital de Base, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Resumos

Relatamos uma condição rara, pouco descrita na literatura, que é a fratura da extremidade proximal da tíbia após reconstrução do ligamento cruzado anterior com enxerto autólogo osso-tendão patelar-osso. Neste relato, discutiremos fatores predisponentes ao episódio, tratamento e evolução do caso após tratamento cirúrgico.

Fraturas da tíbia; Reconstrução do ligamento cruzado anterior; Transplante autólogo


We report a rare condition that has been little described in the literature: a fracture of the proximal extremity of the tibia after anterior cruciate ligament reconstruction using an autologous patellar bone-tendon graft. In this report, we discuss the factors that predisposed toward this episode, the treatment and the evolution of the case after the surgical treatment.

Tibial fractures; Anterior cruciate ligament reconstruction; Autologous transplantation


Introdução

A cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior feita por via artroscópica apresenta uma elevada taxa de bons resultados.1Anderson AF, Snyder RB, Lipscomb AB Jr. Anterior cruciate ligament reconstruction. A prospective randomized study of three surgical methods. Am J Sports Med. 2001;29(3):272-9. Mais de 100.000 novos casos a cada ano são feitos nos Estados Unidos da América.2Owings MF, Kozak LJ. Ambulatory and inpatient procedures in the United States, 1996. Vital Health Stat 13. 1998;(139):1-119. No entanto, esse procedimento não é isento de complicações.3Graf B, Uhr F. Complications of intra-articular anterior cruciate reconstruction. Clin Sports Med. 1988;7(4):835-48. com uma taxa de incidência entre 1,8% a 24%.4Wiener DF, Siliski JM. Distal femoral shaft fracture: a complication of endoscopic anterior cruciate ligament reconstruction. A case report. Am J Sports Med. 1996;24(2):244-7.

As complicações descritas são: artrofibrose, fratura patelar, lesão tipo "ciclope", sinovite, tendinite patelar, dor área doadora do enxerto e osteólise,3Graf B, Uhr F. Complications of intra-articular anterior cruciate reconstruction. Clin Sports Med. 1988;7(4):835-48. entre outras. A mais comum é a rigidez articular.4Wiener DF, Siliski JM. Distal femoral shaft fracture: a complication of endoscopic anterior cruciate ligament reconstruction. A case report. Am J Sports Med. 1996;24(2):244-7. A fratura da tíbia proximal é uma séria complicação com apenas alguns casos descrito na literatura5Sundaram RO, Cohen D, Barton-Hanson N. Tibial plateau fracture following gracilis-semitendinosus anterior cruciate ligament reconstruction: the tibial tunnel stress-riser. Knee. 2006;13(3):238-40. and 6Delcogliano A, Chiossi S, Caporaso A, Franzese S, Menghi A. Tibial plateau fracture after arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2001;17(4):E16. e neste relato de caso descreveremos tal complicação.

Trata-se de uma fratura da extremidade proximal da tíbia ocorrida em um paciente com quatro meses e meio de pós-operatório de reconstrução de ligamento cruzado anterior (LCA) por via artroscópica.

Relato de caso

O projeto deste estudo foi aprovado pelo comitê de ética e pesquisa da instituição sob o número de protocolo 5985/2011.

Paciente masculino, 17 anos, atendido em nosso hospital, com história de entorse do joelho esquerdo após pisar em um buraco no asfalto enquanto atravessava a rua. Deu entrada no pronto-socorro com quadro de dor no joelho e na perna esquerda, acompanhado de limitação funcional e incapacidade de apoiar o membro afetado no chão. Referiu cirurgia para reconstrução do LCA havia quatro meses com uso do enxerto do tendão patelar ipsilateral. Foram feitas radiografias do joelho nas incidências frente e perfil nas quais foi diagnosticada fratura de tíbia proximal extra-articular. O traço da fratura atingia a região da tuberosidade anterior da tíbia (TAT), local de onde foi retirado o tarugo ósseo do enxerto osso-tendão patelar-osso (Figura 1 and Figura 2). O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico, no qual foi feita redução aberta e fixação interna com placa e parafusos (Figura 3 and Figura 4). Não foi evidenciada soltura do parafuso de interferência tibial usado na reconstrução do LCA. O paciente apresentou boa evolução com o tratamento proposto e não apresentou alterações funcionais e nos testes específicos para avaliação do LCA reconstruído. A consolidação da fratura ocorreu após quatro meses de pós-operatório. Retornou a suas atividades esportivas recreativas e gerou excelente grau de satisfação. Após um ano da cirurgia, o implante foi retirado por causa de incômodo local referido pelo paciente (fig. 5).

Figura 1 - Radiografia
de frente de joelho fratura da tíbia proximal.

Figura 2 - Radiografia
de perfil de joelho fratura da tíbia proximal.

Figura 3 - Radiografia
de frente pós-operatório.

Figura 4 - Radiografia
de perfil pós-operatório.

Figura 5 - Doze
meses de pós-operatório após retirada de síntese.

Discussão

A fratura do platô tibial no local do túnel tibial pós-reconstrução do LCA foi descrita poucas vezes na literatura.5Sundaram RO, Cohen D, Barton-Hanson N. Tibial plateau fracture following gracilis-semitendinosus anterior cruciate ligament reconstruction: the tibial tunnel stress-riser. Knee. 2006;13(3):238-40. and 6Delcogliano A, Chiossi S, Caporaso A, Franzese S, Menghi A. Tibial plateau fracture after arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2001;17(4):E16. Alguns trabalhos publicados relatam fraturas do planalto tibial após reconstrução de LCA com autoenxerto grácil e semitendíneo.4Wiener DF, Siliski JM. Distal femoral shaft fracture: a complication of endoscopic anterior cruciate ligament reconstruction. A case report. Am J Sports Med. 1996;24(2):244-7. and 5Sundaram RO, Cohen D, Barton-Hanson N. Tibial plateau fracture following gracilis-semitendinosus anterior cruciate ligament reconstruction: the tibial tunnel stress-riser. Knee. 2006;13(3):238-40. Outros usam enxerto osso-patelar-osso6Delcogliano A, Chiossi S, Caporaso A, Franzese S, Menghi A. Tibial plateau fracture after arthroscopic anterior cruciate ligament reconstruction. Arthroscopy. 2001;17(4):E16. and 7Mithöfer K, Gill TJ, Vrahas MS. Tibial plateau fracture following anterior cruciate ligament reconstruction. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2004;12(4):325-8. e aloenxerto do tendão de Aquiles.8El-Hage ZM, Mohammed A, Griffiths D, Richardson JB. Tibial plateau fracture following allograft anterior cruciate ligament (ACL) reconstruction. Injury. 1998;29(1):73-4. O fato provavelmente independe do enxerto usado, mas existem teorias nas quais o osso submetido a perfuração para confecção do túnel tibial estaria sujeito a um estresse que levaria a fadiga quando submetido a forças torcionais em flexão.8El-Hage ZM, Mohammed A, Griffiths D, Richardson JB. Tibial plateau fracture following allograft anterior cruciate ligament (ACL) reconstruction. Injury. 1998;29(1):73-4. A presença de um túnel tibial atuaria como um defeito cortical, fator predisponente à fratura.5Sundaram RO, Cohen D, Barton-Hanson N. Tibial plateau fracture following gracilis-semitendinosus anterior cruciate ligament reconstruction: the tibial tunnel stress-riser. Knee. 2006;13(3):238-40. and 7Mithöfer K, Gill TJ, Vrahas MS. Tibial plateau fracture following anterior cruciate ligament reconstruction. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2004;12(4):325-8. Nesse sentido, quando se usa o enxerto patelar a retirada do tarugo ósseo aumentaria a suscetibilidade para fratura da tíbia proximal. Isso foi bem documentado, como um defeito cortical diminui a resistência óssea em forças torcionais.9Johnson BA, Fallat LM. The effect of screw holes on bone strength. J Foot Ankle Surg. 1997;36(6):446-51.

No caso em questão o centro da fratura iniciou-se na área doadora do tarugo ósseo da tíbia. Esse defeito ósseo associado à perfuração para o túnel tibial atuou sinergicamente, aumentou a zona de fragilidade e permitiu que houvesse uma fratura tibial por trauma de baixa energia.7Mithöfer K, Gill TJ, Vrahas MS. Tibial plateau fracture following anterior cruciate ligament reconstruction. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2004;12(4):325-8. , 1010 Morgan E, Steensen RN. Traumatic proximal tibial fracture following anterior cruciate ligament reconstruction. Am J Knee Surg. 1998;11(3):193-4. and 1111 Moen KY, Boynton MD, Raasch WG. Fracture of the proximal tibia after anterior cruciate ligament reconstruction: a case report. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 1998;27(9):629-30.

A concentração de um ponto anterior de estresse na tíbia proximal causado por parafusos de fixação que alteram a biomecânica óssea também seria um fator predisponente.7Mithöfer K, Gill TJ, Vrahas MS. Tibial plateau fracture following anterior cruciate ligament reconstruction. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2004;12(4):325-8. Apesar de não haver um estudo específico, Brooks et al., em um estudo biomecânico, identificaram que furos com diâmetro maior do que 20% do osso diminuiriam a capacidade torcional em 55%.1212 Brooks DB, Burstein AH, Frankel VH. The biomechanics of torsional fractures. The stress concentration effect of a drill hole. J Bone Joint Surg Am. 1970;52(3):507-14. Um fator adicional que pode desempenhar um papel no desenvolvimento de uma fratura após reconstrução do LCA é o alargamento do túnel ósseo, fato que pode ocorrer em até 68%.1313 Webster KE, Feller JA, Hameister KA. Bone tunnel enlargement following anterior cruciate ligament reconstruction: a randomised comparison of hamstring and patellar tendon grafts with 2-year follow-up. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2001;9(2):86-91. O fator causador ainda é desconhecido, mas acredita-se em um fenômeno autoimune mesmo que as pesquisas não confirmem a hipótese.

A maioria dos autores optou por tratamento cirúrgico da fratura, com redução aberta e fixação com placas de diversos modelos, apesar de ser uma cirurgia difícil, secundária a uma complicação cirúrgica. A maioria dos casos descritos evoluiu bem ao tratamento.

No caso relatado também se optou pelo tratamento cirúrgico com acesso medial na tíbia proximal com posicionamento de placa de suporte tipo em L. Paciente evoluiu sem complicações imediatas e tardias e apresentou amplitude de movimento plena e consolidação de fratura após quatro meses de tratamento.

A fratura do platô tibial após a reconstrução do LCA por via artroscópica é uma complicação rara e ainda pouco descrita na literatura. Estudos mostraram boa evolução dessa complicação após tratamento cirúrgico mesmo sendo de dificuldade técnica elevada. No caso relatado o paciente evolui satisfatoriamente após o pós-operatório, apresentou consolidação de fratura do platô tibial esquerdo, amplitude de movimento da articulação do joelho plena e retorno às suas atividades laborais, inclusive a prática de futebol recreativo.

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  • Trabalho desenvolvido no Hospital de Base, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2014
  • Aceito
    27 Jun 2014
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