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Lesão do manguito rotador: tratamento e reabilitação. Perspectivas e tendências atuais Trabalho feito no Grupo de Traumatologia do Esporte, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Mapear as condutas dos ortopedistas brasileiros no tratamento das lesões completas do manguito rotador.

MÉTODOS:

Um questionário de múltiplas escolhas foi entregue a 232 ortopedistas no 45° Congresso Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia. Foram devolvidos 207 questionários, mas cinco estavam incompletos e foram excluídos. Total final de 202 questionários.

RESULTADOS:

Dos ortopedistas que responderam os questionários, cerca de 60% foram da Região Sudeste, 46% eram cirurgiões de ombro e cotovelo. Houve associação significativa (p < 0,05) entre tempo de experiência e número de reparos do manguito rotador feitos anualmente. Também houve associação significativa (p < 0,05) entre especialidade de ombro e as seguintes variáveis: técnica artroscópica, uso de âncoras na configuração de fileira simples, tempo médio para indicação de cirurgia em lesões traumáticas e degenerativas, uso de protocolo específico para reabilitação pós-cirúrgica, retorno ao esporte e indicação de lesões irreparáveis.

CONCLUSÕES:

Os cirurgiões de ombro do Brasil têm condutas bem estabelecidas em relação ao tratamento das lesões do manguito rotador que diferem, em sua maioria, significativamente, das condutas dos cirurgiões de outras especialidades. Isso mostra a importância da valorização do treinamento na formação dos especialistas de ombro em nosso país.

Palavras-chave:
Manguito rotador; Terapêutica; Reabilitação

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To map out the approaches used by Brazilian orthopedists in treating complete tears of the rotator cuff.

METHODS:

A multiple-choice questionnaire was handed out to 232 orthopedists at the 45th Brazilian Congress of Orthopedics and Traumatology. Of these, 207 were returned but five were incomplete and were excluded. Thus, 202 questionnaires were used.

RESULTS:

Among the orthopedists who answered the questionnaires, around 60% were from the southeastern region and 46% were shoulder and elbow surgeons. There was a significant association ( p < 0.05) between length of experience and number of rotator cuff repairs performed per year. There was also a significant association ( p < 0.05) between shoulder specialty and the following variables: arthroscopic technique, use of anchors in a single-row configuration, mean time taken for an indication for surgery to be made in cases of traumatic and degenerative lesions, use of a specific protocol for postsurgical rehabilitation, return to sport and indication of irreparable injuries.

CONCLUSIONS:

Brazilian shoulder surgeons have well-established approaches toward treating rotator cuff injuries. Most of these approaches differ significantly from those of other specialties. This shows the importance of placing value on training in preparing shoulder specialists in this country.

Keywords:
Rotator cuff; Therapeutics; Rehabilitation

Introdução

As lesões do manguito rotador (LMR) são uma fonte significativa de dor e disfunção do ombro. 11. Dias D, Matos M, Daltro C, Guimarães A. Clinical and functional profile of patients with the Painful Shoulder Syndrome (PSS). Ortop Traumatol Rehabil. 2008;10(6):547-53.Ocorrem principalmente em pacientes ao redor dos 40-60 anos e podem ser de origem traumática ou degenerativa.

Apesar da vasta quantidade de publicações sobre esse tema, não encontramos, na literatura nacional, um consenso sobre o assunto. 22. Ejnisman B, Andreoli CV, Soares BG, Fallopa F, Peccin MS, Abdalla RJ, et al. Interventions for tears of the rotator cuff in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2004;1:CD002758.

A elevada incidência dessa lesão e a grande importância dos aspectos sociais e econômicos relacionados, associadas à divergência existente na literatura sobre o assunto, tornam de extrema relevância a avaliação das condutas e tendências existentes no país sobre o tema.

O objetivo deste estudo é avaliar as condutas e os procedimentos feitos pelos cirurgiões ortopédicos do Brasil no tratamento e na reabilitação das lesões do manguito rotador do ombro. A partir dos resultados deste estudo poderemos delimitar as tendências nacionais sobre o assunto, bem como orientar futuros estudos de qualidade.

Materiais e métodos

Estudo do tipo descritivo com aplicação de questionário a uma amostra de cirurgiões ortopédicos do Brasil. O questionário foi elaborado e aprovado pelos autores de maneira que estivesse bastante compreensivo e simples. Consistia de 16 questões fechadas que abordavam tópicos como os anos de experiência e número anual de procedimentos cirúrgicos feitos pelos cirurgiões e diversos aspectos relacionados ao tratamento e à reabilitação das lesões do manguito rotador do ombro (anexo 1). O questionário foi aplicado a cirurgiões ortopédicos durante os três dias do 45° Congresso Brasileiro de Ortopedia e Traumatologia de 2013. Somente ortopedistas que faziam cirurgias preencheram o questionário. Foram preenchidos 207 questionários, mas cinco estavam incompletos e foram excluídos. Total de 202 questionários. Para resolver eventuais dúvidas durante o preenchimento, dois pesquisadores estiveram presentes durante todo o período de aplicação dos questionários.

A partir dos dados retirados do questionário foi feita estatística descritiva das variáveis envolvidas para caracterização da amostra.

Os dados foram analisados no programa SPSS for Windows versão 16.0 e uma significância de 5% foi adotada.

Resultados

A distribuição dos cirurgiões em função da região de origem e anos de experiência encontra-se na tabela 1, aproximadamente 62% dos cirurgiões eram da Região Sudeste, 38,7% eram especialistas em cirurgia do ombro e cotovelo. Com relação ao número de reparos anuais do manguito rotador, 21% dos cirurgiões fazem mais de 60. Nesse caso nota-se uma relação direta e estatisticamente relevante entre número de reparos e o tempo de experiência em ortopedia e especialidade em cirurgia do ombro e cotovelo (p < 0,001) ( tabela 1).

Tabela 1 -
Descrição do número de reparos segundo a especialidade

Quando perguntados sobre o tipo de reparo feito, 50% usam âncoras em configuração de fileira simples e 26% em fileira dupla. Encontramos relação estatisticamente significativa entre configuração do reparo (fileira simples) e tipo de técnica (artroscópica) com a especialidade em cirurgia do ombro e cotovelo (p < 0,05) ( tabela 2).

Tabela 2 -
Descrição do tipo de reparo segundo a especialidade

Os cirurgiões de ombro concordam com relação ao tempo de imobilização pós-operatória (três a seis semanas) e com tempo de retorno ao esporte (> seis meses). Ambos com diferença significativa quando comparados com as outras especialidades ( tabela 3).

Tabela 3 -
Descrição do tempo de imobilização recomendado segundo a especialidade

Na definição de lesões irreparáveis, os especialistas em ombro usam com maior frequência o grau de infiltração gordurosa do que as outras especialidades (p < 0,01) ( tabela 4).

Tabela 4 -
Descrição dos critérios de lesão irreparável segundo a especialidade

Por fim, os cirurgiões de ombro indicam o tratamento cirúrgico mais precocemente, tanto em lesões traumáticas quanto em lesões degenerativas, do que os especialistas de outras áreas (p < 0,01) ( Tabela 5and Tabela 6).

Tabela 5 -
Descrição do tempo de tratamento na lesão traumática antes do procedimento segundo a especialidade

Tabela 6 -
Descrição do tempo de tratamento na lesão degenerativa segundo a especialidade

Os resultados quanto ao material das âncoras usadas ( tabela 7) e aos tipos de complicações mais frequentes não foram estatisticamente significativos. ( tabela 8).

Tabela 7 -
Descrição do tipo de ancora segundo a especialidade

Tabela 8 -
Descrição da principal complicação observada segundo a especialidade

Discussão

A incidência de lesões completas do manguito rotador varia entre 5% e 40%. Estudos epidemiológicos relacionam o aumento da frequência das lesões com o avançar da idade. As lesões sintomáticas do manguito rotador são comuns durante a prática clínica diária. De acordo com Dias et al., 11. Dias D, Matos M, Daltro C, Guimarães A. Clinical and functional profile of patients with the Painful Shoulder Syndrome (PSS). Ortop Traumatol Rehabil. 2008;10(6):547-53.é a afecção mais frequente causadora de dor durante as atividades cotidianas e tem maior prevalência em mulheres e no lado dominante. Conforme revisão sistemática publicada em 2004 por Ejnisman et al.,22. Ejnisman B, Andreoli CV, Soares BG, Fallopa F, Peccin MS, Abdalla RJ, et al. Interventions for tears of the rotator cuff in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2004;1:CD002758.não existem estudos com alto nível de evidência que demonstrem qual a melhor conduta a ser tomada nas lesões do manguito rotador.

Da mesma maneira, não existe um padrão de abordagem usado pelos ortopedistas brasileiros. Esse estudo, de maneira inédita, propõe-se a mostrar como é a conduta dos ortopedistas membros da Sbot frente a essa lesão. A amostra é representada em sua maior parte de ortopedistas que atuam na Região Sudeste, o que demonstra o retrato de nosso país, em que não faltam profissionais, mas no qual há uma má distribuição de médicos entre as diversas regiões.

Conforme os dados obtidos, pode-se perceber que quanto mais especializado na área (cirurgia do ombro e cotovelo) e quanto mais experiente é o cirurgião, maior é o número de reparos feitos. Os especialistas na área indicam o tratamento cirúrgico de maneira mais precoce independentemente da etiologia da lesão (traumática ou degenerativa). Esse fato pode ser explicado porque em nossa amostra os cirurgiões definem como lesão irreparável conforme o grau de infiltração gordurosa, e não devido ao tamanho da lesão, o que demonstra a preocupação com o caráter evolutivo da lesão.

Atualmente não existem estudos com alto nível de evidência em que se comprove a superioridade da dupla fileira em relação à fileira única, principalmente por meio de avaliações clínicas feitas por escalas funcionais (Ucla, Dash, Constant, Ases). 33. Kirkwood BR, Sterne JA. Essential medical statistics. 2 ed. Massachusetts: Blackwell Science; 2006.,44. Franceschi F, Ruzzini L, Longo UG, Martina FM, Zobel BB, Maffulli N, et al. Equivalent clinical results of arthroscopic single-row and double- row suture anchor repair forrotator cuff tears: a randomized controlled trial. Am J Sports Med. 2007;35(8):1254-60.,55. Grasso A, Milano G, Salvatore M, Falcone G, Deriu L, Fabbriciani C. Single-row versus double- row arthroscopic rotator cuff repair: a prospective randomized clinical study. Arthroscopy. 2009;25(1):4-12.,66. Burks RT, Crim J, Brown N, Fink B, Greis PE. A prospective randomized clinical trial comparing arthroscopic single- and double- row rotator cuff repair: magnetic resonance imaging and early clinical evaluation. Am J Sports Med. 2009;37(4):674-82.,77. Trappey GJ 4th, Gartsman GM. A systematic review of the clinical outcomes of single row versus double row rotator cuff repairs. J Shoulder Elbow Surg. 2011;20 Suppl 2:S14-9.,88. Ma HL, Chiang ER, Wu HT, Hung SC, Wang ST, Liu CL, et al. Clinical outcome and imaging of arthroscopic single-row and double- row rotator cuff repair: a prospective randomized trial. Arthroscopy. 2012;28(1):16-24.and99. Millett PJ, Warth RJ, Dornan GJ, Lee JT, Spiegl UJ. Clinical and structural outcomes after arthroscopic single-row versus double- row rotator cuff repair: a systematic review and meta- analysis of level I randomized clinical trials. J Shoulder Elbow Surg. 2014;23(4):586-97.Entretanto, os dois últimos artigos descrevem uma vantagem biomecânica da fixação e melhor restabelecimento da força muscular nos pacientes submetidos ao reparo por meio da dupla fileira em relação à fileira simples, respectivamente. Embora não exista uma superioridade funcional da dupla fileira em relação à fileira única, o primeiro procedimento requer uma maior habilidade e experiência do cirurgião para fazê-lo. Entretanto, não houve em nossa amostra correlação estatística entre o tipo de reparo feito e o grau de experiência ou nível de especialização do cirurgião, porém demonstra a preferência atual do especialista em cirurgia do ombro pela técnica em fileira simples. Este estudo tem como ponto forte demonstrar um retrato atual da conduta dos ortopedistas brasileiros em relação ao tratamento das lesões do manguito rotador, bem como fornecer dados para nortear a formação de residentes em cirurgia do ombro e cotovelo em serviços credenciados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo.

Conclusão

Os especialistas em cirurgia do ombro no Brasil têm uma tendência maior a indicar o tratamento cirúrgico mais precocemente nas lesões do manguito rotador do que os não especialistas. Existe, atualmente, uma preferência do cirurgião de ombro brasileiro pela feitura de reparo com fileira única de âncoras.

References

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  • Trabalho feito no Grupo de Traumatologia do Esporte, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    16 Jul 2014
  • Aceito
    21 Ago 2014
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