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Avaliação da flexão do cotovelo após transferência muscular livre do gastrocnêmio medial ou transferência do latíssimo do dorso na lesão traumática do plexo braquial Trabalho feito no Serviço de Mão e Microcirurgia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Comparar o ganho de flexão do cotovelo em pacientes com lesão traumática do plexo braquial após transferência muscular do latíssimo dorsal (TMLD) com a transferência muscular livre do ventre medial do gastrocnêmio (TMLGM).

METÓDOS:

Estudo retrospectivo, revisão de prontuários, amostra de conveniência, com 13 pacientes operados, entre 2000 e 2010. Grupo 1 (TMLGM) com sete pacientes e grupo 2 ou controle (TMLD) com seis. Função avaliada: 1) amplitude de movimento (ADM) em graus da flexão do cotovelo, goniometria manual; 2) grau de força de flexão do cotovelo, por escala de força muscular. Satisfatórios: 1) ADM: flexão do cotovelo ≥ 80°; 2) Força: flexão do cotovelo ≥ M3. Testes exato de Fisher e Kruskal-Wallis (p < 0,05).

RESULTADOS:

Média de idade foi de 32 anos (17 a 56). Acidente de moto em 72%. Força de flexão do cotovelo ≥ M3 no grupo 1 em sete pacientes (100%) e o grupo 2 em cinco (83,3%) (p = 0,462). Não tivemos M5 e o grupo 2 apresentou um paciente (16,7%) com resultado ruim M2. ADM na flexão do cotovelo com ganho ≥ 80° (funções diárias) foram encontrados no grupo 1 em seis pacientes (86%) e no grupo 2 em três (50%) (p = 0,1).

CONCLUSÃO:

Pacientes do grupo 1 tiveram um ganho maior de força e ADM, quando comparados com os do grupo 2, sem significado estatístico. Assim, TMLGM se torna uma nova opção cirúrgica, caso não possam ser aplicadas outras técnicas.

Palavras-chave:
Plexo braquial/cirurgia; Músculo/transplante; Procedimentos cirúrgicos reconstrutivos

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To compare the gain in elbow flexion in patients with traumatic injury of the brachial plexus following muscle transfer from latissimus dorsi with the gain following free muscle transfer from the medial belly of the gastrocnemius.

METHODS:

This was a retrospective study in which the medical files of a convenience sample of 13 patients operated between 2000 and 2010 were reviewed. Group 1 comprised seven patients who underwent transfers from the gastrocnemius and group 2 (controls) comprised six patients who underwent transfers from the latissimus dorsi. The following functions were evaluated: (1) range of motion (ROM) of elbow flexion, in degrees, using manual goniometry and (2) grade of elbow flexion strength, using a muscle strength scale. Satisfactory results were defined as: (1) elbow flexion ROM ≥ 80° and (2) elbow flexion strength ≥ M3. The Fisher exact and Kruskal-Wallis tests were used (p < 0.05).

RESULTS:

The patients' mean age was 32 years (range: 17-56) and 72% had been involved in motorcycle accidents. Elbow flexion strength ≥ M3 was observed in seven patients (100%) in group 1 and in five patients (83.3%) in group 2 (p = 0.462). None of the patients presented M5, and one patient (16.7%) in group 2 had a poor result (M2). Elbow flexion ROM with a gain ≥ 80° (daily functions) was found in six patients (86%) in group 1 and in three patients (50%) in group 2 ( p = 0.1).

CONCLUSION:

The patients in group 1 had greater gains in strength and ROM than did those in group 2, but without statistical significance. Thus, transfers from the gastrocnemius become a new surgical option, if other techniques cannot be used.

Keywords:
Brachial plexus/surgery; Muscle/transplant; Reconstructive surgical procedures

Introdução

As lesões traumáticas do plexo braquial (LTPB) podem comprometer a função de flexão do cotovelo e com isso alterar a qualidade de vida do indivíduo de forma dramática. Muitas vezes a microneurocirurgia inicial não consegue restabelecer o movimento adequado dessa articulação. Nas lesões antigas, as cirurgias de reparo nervoso não são indicadas porque já existe atrofia definitiva e as transferências musculares (TM) clássicas são possíveis apenas nas lesões parciais. Assim, alguns pacientes necessitam de intervenções complementares para o ganho funcional de flexão do cotovelo. Esses procedimentos são relacionados com TM ou transferência muscular livre (TML). 11. Vekris MD, Beris AE, Lykissas MG, Korompilias AV, Vekris AD, Soucacos PN. Restoration of elbow function in severe brachial plexus paralysis via muscletransfers. Injury. 2008;39 Suppl 3:S15-22.

As TM foram as primeiras técnicas descritas. Destacam-se a flexoplastia de Steindler e o uso do grande dorsal, do peitoral maior e do tríceps braquial.22. Bengtson KA, Spinner RJ, Bishop AT, Kaufman KR, Coleman- Wood K, Kircher MF, et al. Measuring outocomes in adult brachial plexus reconstruction. Hand Clin. 2008;24(4):401-15.Já as TML são mais recentes e apresentam dificuldade técnica maior, pela necessidade de se fazer a microanastomose neurovascular entre o pedículo do músculo transplantado e os vasos e nervos do sítio da lesão. No membro superior, e mais especificamente para ganhar flexão do cotovelo, as técnicas usadas são as de TML do latíssimo do dorso (LD) contralateral, do reto femoral e do grácil. 11. Vekris MD, Beris AE, Lykissas MG, Korompilias AV, Vekris AD, Soucacos PN. Restoration of elbow function in severe brachial plexus paralysis via muscletransfers. Injury. 2008;39 Suppl 3:S15-22.and33. Barrie KA, Steinmann SP, Shin AY, Spinner RJ, Bishop AT. Gracilis free muscle transfer for restoration of function after complete brachial plexus avulsion. Neurosurg Focus. 2004;16(5):E8.

A literatura traz apenas três trabalhos em relação ao gastrocnêmio medial (GM) usado no membro superior para TML, com o intuito de recobrar a função de um grupo muscular lesionado. Liu et al. 44. Liu XY, Ge BF, Win YM, Jing H. Free medial gastrocnemius myocutaneous flap transfer with neurovascular anastomosis to treat Volkmann&apos;s contracture of the forearm. Br J Plast Surg. 1992;45(1):6-8.usaram para contratura isquêmica de Volkmann no antebraço, com bons resultados funcionais. Serafin 55. Serafin D. The gastrocnemius flap. In: Serafin D, editor. Atlas of microsurgical composite tissue transplantation. Philadelphia: Saunders; 1996. p. 303-10.propôs que o GM teria potencial significativo para restabelecer a flexão ou extensão do cotovelo. Kwae et al. 66. Kuwae MY, Moraes FB, Paranahyba RM, Oliveira E. Transferência muscular livre funcional do gastrocnêmio medial em lesão do plexo braquial: relato de dois casos. Rev Bras Ortop. 2007;42(1):37-40.descreveram a TML do GM para ganho de flexão do cotovelo em pacientes com LTPB.

O objetivo deste trabalho foi comparar o ganho de flexão do cotovelo em pacientes com LTPB após procedimento cirúrgico padrão de TM do LD (controle) com a TML do GM (estudo).

Metodologia

Estudo retrospectivo, por revisão de prontuários, amostra de conveniência, composta por 13 pacientes com LTPB que foram operados consecutivamente de dezembro de 2000 a dezembro de 2010 no Serviço de Mão e Microcirurgia. Esses pacientes foram divididos em dois grupos. O grupo 1 ou estudo foi constituído de sete pacientes que foram submetidos a TML do GM e o grupo 2 ou controle por seis pacientes operados por TM do LD.

Foram incluídos nos dois grupos pacientes com força igual a M0 (sem força) e grau de flexão do cotovelo entre 0 e 10° (sem movimento), que já tinham sido operados com outras técnicas mas sem sucesso, ou então que apresentavam a lesão do plexo havia aproximadamente um ano e não tinham sido tratados cirurgicamente, sem possibilidade de uma cirurgia neural prévia. Ainda como critérios de inclusão foram escolhidos para o grupo controle do LD pacientes com atividade muscular pré-operatória do LD ≥ M4. Enquanto que para o grupo estudo do GM, pacientes com força do LD ≤ M3, pois estaria contraindicada a transferência do LD nessa situação.

Foram excluídos pacientes que apresentavam dados incompletos nos prontuários, ou com força pré-operatória ≥ M1 e flexão do cotovelo acima de 10°.

Os dados coletados dos prontuários eram constituídos da idade, tempo de lesão em meses, nível da lesão neural, tipo da lesão neural, tipo de transferência muscular, tipo de cirurgia prévia, força e amplitude de movimento do cotovelo para flexão tanto pré como pós-operatória.

O nível e o tipo da lesão neurológica foram diagnosticados por eletroneuromiografia pré-operatória. Quanto à flexão do cotovelo, o grau de força muscular foi mensurado pela escala do British Medical Council (M0 = sem movimento; M1 = fasciculação muscular; M2 = força não vence a gravidade; M3 = vence a gravidade, mas não uma resistência; M4 = vence a resistência, mas não é normal; M5 = força normal) e para amplitude de movimento foi usado um goniômetro manual, partindo de zero grau na extensão total do cotovelo até ao ângulo máximo conseguido e sustentado pelo paciente, após um ano da cirurgia de transferência muscular.

No grupo 1 a TML do GM foi feita com os seguintes passos: 1) incisão longitudinal mediana curvilínea, que inicia 8 cm proximal à prega poplítea, estende-se distalmente até 10 cm proximal ao maléolo medial; 2) dissecção do septo intermuscular entre os dois ventres do gastrocnêmio, afasta-se lateralmente a veia safena parva e o nervo sural, individualizam-se as estruturas musculares e neurovasculares da fossa poplítea; 3) a origem do GM é então seccionada do côndilo medial femoral e o feixe vasculonervoso sural medial é dissecado e clampeado para ressecção, na sua maior extensão, 1 cm proximal à articulação; 4) identificação do nervo isquiático, poplíteo medial e tibial (provenientes das raízes de L4-L5/S1-S3 do plexo lombossacro), de onde provém o ramo para o GM, denominado de nervo sural medial (NSM), segundo modelo anatômico descrito por Moraes et al.; 77. Moraes FB, Oliveira E, Paranahyba RM, Kwae MY, Rocha VL. Estudo anatômico do músculo gastrocnêmio medial visando transferência muscular livre. Rev Bras Ortop. 2007;42(1/2):37-40.5) identificação do número de ramos arteriais e venosos que chegam junto ao pedículo do GM, bem como o cruzamento da veia safena parva por sobre o NSM, o que pode dificultar a sua dissecção; 6) incisão deltopeitoral e dissecção subcutânea no membro superior para onde se pretende transferir o GM para função de bíceps, com dissecação da artéria, da veia toracodorsal e da veia cefálica; 7) TML do GM para flexão do cotovelo, com fixação da região proximal do ventre na extremidade proximal do úmero através de janela óssea e fixação com parafusos corticais da região distal do coto distal do tendão do bíceps braquial; 8) microanastomose do ramo arterial do GM na artéria toracodorsal; as veias foram tributadas uma na veia toracodorsal e outra na cefálica; 9) a microanastomose do NSM do GM foi feita em diferentes ramos periféricos, com neurotizações para o musculocutâneo a partir do ulnar, intercostal ou acessório. 11. Vekris MD, Beris AE, Lykissas MG, Korompilias AV, Vekris AD, Soucacos PN. Restoration of elbow function in severe brachial plexus paralysis via muscletransfers. Injury. 2008;39 Suppl 3:S15-22.,88. Hattori Y, Doi K, Baliarsing AS. A part of the ulnar nerve as an alternative donor nerve for functioning free muscle transfer: a case report. J Hand Surg Am. 2002;27(1):150-3.and99. Akasaka Y, Hara T, Takahashi M. Free muscle transplantation combined withintercostal nerve crossing for reconstruction of elbow flexion and wristextension in brachial plexus injuries. Microsurgery. 1991;12(5):346-51.

Um dos princípios da reconstrução cirúrgica das LTPB é a recuperação da flexão do cotovelo. São considerados satisfatórios então os seguintes parâmetros: 1) ADM: flexão do cotovelo ≥ 80°; 2) Força: flexão do cotovelo ≥ M3. O grupo 2 foi constituído dos pacientes submetidos a transferência do latíssimo do dorsoipsilateral que foi feita conforme já descrito na literatura. 11. Vekris MD, Beris AE, Lykissas MG, Korompilias AV, Vekris AD, Soucacos PN. Restoration of elbow function in severe brachial plexus paralysis via muscletransfers. Injury. 2008;39 Suppl 3:S15-22.and22. Bengtson KA, Spinner RJ, Bishop AT, Kaufman KR, Coleman- Wood K, Kircher MF, et al. Measuring outocomes in adult brachial plexus reconstruction. Hand Clin. 2008;24(4):401-15.

Os dados foram coletados e armazenados em programa Excel para Windows e analisados em um programa estatístico (SPSS versão 13.0 para Windows). Todas as amostras foram avaliadas pelo teste exato de Fisher para os dados paramétricos e pelo teste de Kruskal-Wallis para os dados não paramétricos. Foi considerado p ≤ 0,05 como nível significativo.

Resultados

Dos 13 pacientes avaliados para melhorar a função de flexão do cotovelo após LTPB, sete (54%) eram do grupo 1 (transferência muscular livre do gastrocnêmio medial), com tempo médio de lesão de 18,4 meses (10 a 30), e seis (46%) do grupo 2 ou controle (transferência do latíssimo do dorso), com tempo médio de 22,3 meses (12 a 36). Todos do sexo masculino.

A média de idade foi de 32 anos (17 a 56). O lado direito foi acometido em sete (54%) casos e o esquerdo em seis (46%). Sete (54%) eram procedentes de Goiânia e seis (46%) do interior do Estado de Goiás. Com relação ao trabalho, dois (15%) estavam desempregados, cinco (39%) eram trabalhadores braçais e seis (46%) atuavam em trabalhos administrativos.

O tipo de acidente que mais ocorreu foi o motociclístico em nove pacientes (70%) (p < 0,05), além de um (7,5%) caso para acidente automobilístico, um (7,5%) para atropelamento, um (7,5%) para acidente de trabalho e um (7,5%) para lesão com arma de fogo.

As características clínicas dos pacientes do grupo 1 (GM) relacionadas ao tipo de lesão do plexo braquial e à sua evolução após tratamento estão descritas natabela 1e as do grupo 2 (GD) na tabela 2.

Tabela 1 -
Características clínicas dos pacientes submetidos à transferência muscular livre do gastrocnêmio medial para ganho de flexão do cotovelo (Grupo 1)

Tabela 2 -
Características clínicas dos pacientes submetidos a transferência muscular do latíssimo do dorso para ganho de flexão do cotovelo (Grupo 2)

Com relação ao ganho de força na flexão do cotovelo, observamos que ambos os grupos apresentaram resultados satisfatórios com ganho igual ou acima de M3, o grupo 1 com sete pacientes (100%) e o grupo 2 com cinco (83,3%), mas sem diferença significativa (p = 0,462). Não tivemos resultado com ganho M5 e o grupo 2 apresentou um paciente (16,7%) com resultado ruim em termos de ganho de força que atingiu apenas M2 ( fig. 1).

Figura 1 -
Avaliação do ganho de força de flexão do cotovelo entre os grupos estudados.

Com relação ao ganho de amplitude de movimento em graus na flexão do cotovelo, observamos que resultados satisfatórios com ganho acima de 80° nas funções diárias foram encontrados no grupo 1 em seis pacientes (86%) e no grupo 2 em três (50%), mas sem diferença significativa (p = 0,1). Não tivemos resultado com ganho acima de 150°. Quanto aos resultados nos quais só se atingiu flexão até 60°, temos no grupo 1 apenas um paciente (14,3%) e no grupo 2 três pacientes (50%) ( fig. 2).

Figura 2 -
Avaliação do ganho de amplitude de movimento em flexão do cotovelo entre os grupos estudados.

Discussão

A melhoria da flexão do cotovelo no paciente com LTPB proporciona um ganho importante na função do membro lesado, é considerado um cotovelo adequado aquele com força acima ou igual a M3, o ideal acima ou igual a M4 e com mais de 80 graus de flexão ativa. 22. Bengtson KA, Spinner RJ, Bishop AT, Kaufman KR, Coleman- Wood K, Kircher MF, et al. Measuring outocomes in adult brachial plexus reconstruction. Hand Clin. 2008;24(4):401-15.As TM são indicadas principalmente em casos nos quais o paciente tenha tido uma lesão parcial ou apenas do tronco superior (C5C6) ou apresente boa função de mão e punho. Já as TML têm uma gama maior de possibilidades, mas com dificuldades técnicas bem maiores. Para que a mão funcione bem o ombro deve estar estável e o cotovelo com atividade de flexoextensão adequada, para posicioná-la no espaço.99. Akasaka Y, Hara T, Takahashi M. Free muscle transplantation combined withintercostal nerve crossing for reconstruction of elbow flexion and wristextension in brachial plexus injuries. Microsurgery. 1991;12(5):346-51.Caso contrário o membro ficará balante e sem função. Tanto na TM ou TML para reanimação do cotovelo, independentemente da técnica escolhida, a articulação do cotovelo não pode estar anquilozada ou contraturada e o músculo escolhido deve ter força M4 ou M5.

A TM do tríceps para bíceps é considerada por Steindler 1010. Steindler A. Muscle and Tendon transplantation at the elbow. In: Arbor A, Edwards JW, editors. Instructional course lectures on reconstructive surgery. Ann Arbor: JW Edwards; 1944. p. 276-83.como insatisfatória, pois prejudica a extensão do cotovelo. O tríceps tem uma função importante no membro superior e por isso a TM só deve ser usada em último caso. Segundo alguns autores, como Pardiniet al.,1111. Pardini AG, Freitas AL, Freitas AD, Tavares KE. Transferências tendinosas para flexão do cotovelo. Rev Bras Ortop. 1996;31(3):211-6.eles a usam por sua facilidade técnica, além de essa TM ser capaz de permitir ao paciente levar a mão à cabeça e à boca, com flexão satisfatória em torno de 120 graus e força para carregar até três quilos e meio. A TM do peitoral maior para bíceps pode ser usada na forma unipolar parcial, bipolar parcial ou bipolar completa, em que se usam as porções esternocostal, clavicular e umeral. Sua principal contraindicação em relação às outras TM é a lesão da artéria axilar que compromete a artéria toracoacromial. Porém, também não é a primeira opção, pois o grande peitoral participa da cintura escapular e poderá ser usado para reanimação do ombro, além de seus resultados não serem satisfatórios para a maioria dos pacientes, que acabam conseguindo apenas 60 graus de flexão do cotovelo em média e com pouca força. 1212. Hierner R, Berger A. Pectoralis major muscle transfer for reconstruction ofelbow flexion in posttraumatic brachial plexus lesions. Oper Orthop Traumatol. 2009;21(2): 126-40.

A flexoplastia de Steindler 1010. Steindler A. Muscle and Tendon transplantation at the elbow. In: Arbor A, Edwards JW, editors. Instructional course lectures on reconstructive surgery. Ann Arbor: JW Edwards; 1944. p. 276-83.foi o primeiro procedimento usado para a reanimação do cotovelo paralisado. Foi aplicada inicialmente em pacientes com sequelas de poliomielite, paralisia obstétrica e artrogripótica e somente depois nas LTPB. Nessa TM é feita a desinserção do epicôndilo medial do cotovelo juntamente com a musculatura flexopronadora do antebraço (pronador redondo, flexor radial do carpo, palmar longo, flexor superficial dos dedos e flexor ulnar do carpo) e posteriormente sua fixação em um ponto mais proximal do úmero. É um dos procedimentos mais usados ainda hoje, pois é de fácil execução técnica, pode atingir mais de 100 graus de flexão do cotovelo em 70% dos pacientes. Porém suas desvantagens são a diminuição de força na flexão da mão e do punho, consegue-se levantar objetos somente até dois quilos, e a contratura da articulação do cotovelo. 1313. Al-Qattan MM. Elbow flexion reconstruction by Steindler flexorplasty inobstetric brachial plexus palsy. J Hand Surg Br. 2005;30(4):424-7.Contudo, é a principal TM usada para reanimação do cotovelo e a do grande dorsal ipsilateral para bíceps, onde os resultados podem chegar a mais de 100 graus de flexão ativa do cotovelo e com força M4. O grande dorsal pode ser transferido em sua forma uni ou bipolar e a principal contraindicação é a não existência de um programa de reabilitação adequado no pós-operatório. 1414. Kawamura K, Yajima H, Tomita Y, Kobata Y, Shigematsu K, Takakura Y. Restoration of elbow function with pedicled latissimus dorsi myocutaneous flap transfer. J Shoulder Elbow Surg. 2007;16(1):84-90.

Com relação à TML, o músculo mais usado é o grande dorsal contralateral 1515. Hovnanian AP. Latissimusdorsi transplantation for loss of flexion orextension at the elbow; a preliminary report on technic. Ann Surg. 1956;143(4):493-9.,1616. Oberlin C. Brachial plexus palsy in adults with radicular lesions, generalconcepts, diagnostic approach, and results. Chir Main. 2003;22(6):273-84.and1717. Terzis JK, Kostopoulos VK. The surgical treatment of brachial plexus injuriesin adults. Plast Reconstr Surg. 2007;119(4):73e-92e.e em seguida o grácil, proveniente do membro inferior, e raramente o reto femoral. 11. Vekris MD, Beris AE, Lykissas MG, Korompilias AV, Vekris AD, Soucacos PN. Restoration of elbow function in severe brachial plexus paralysis via muscletransfers. Injury. 2008;39 Suppl 3:S15-22.A indicação para uso de uma TML vem da necessidade de restaurar a função de flexão do cotovelo nas LTBP, mesmo após procedimentos neurocirúrgicos no plexo, ou em casos que já chegam após um ano para tratamento. As TML não serão mais necessárias quando a ciência puder manter a morfologia e a ultraestrutura do músculo desnervado, fazer enxertos neurais diretos na medula espinhal e acelerar a velocidade de regeneração neuronal. 1818. Bishop AT. Functioning free- muscle transfer for brachial plexus injury. Hand Clin. 2005;21(1):91-102.A TML do grácil pode ser feita de forma única para ganho de flexão do cotovelo ou de forma dupla para flexão do cotovelo e ao mesmo tempo melhorar a função da mão e a estabilidade do ombro. Quando é usada apenas para ganho de flexão do cotovelo, cerca de 80% dos pacientes atingem M4 de força, mas quando usada na forma de dupla função, esse índice cai para 60%. 1919. Doi K, Muramatsu K, Hattori Y, Otsuka K, Tan SH, Nanda V, et al. Restoration of prehension with the double free muscle technique followingcomplete avulsion of the brachial plexus. Indications and long-term results. J Bone Joint Surg Am. 2000;82(5):652-66.,2020. Chung DC, Carver N, Wei FC. Results of functioning free muscletransplantation for elbow flexion. J Hand Surg Am. 1996;21(6):1071-7.and2121. Salibian AH, Rogers FR, Lamb RC. Microvascular gastrocnemius muscle transfer to the distal leg using saphenous vein grafts. Plast Reconstr Surg. 1984;73(2): 302-7.

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A TML do GM para bíceps não havia sido até então feita com esse propósito. Assim, Kuwae et al. 66. Kuwae MY, Moraes FB, Paranahyba RM, Oliveira E. Transferência muscular livre funcional do gastrocnêmio medial em lesão do plexo braquial: relato de dois casos. Rev Bras Ortop. 2007;42(1):37-40.descreveram em dois casos a TML do GM para recuperação da função de flexão do cotovelo em pacientes com LTPB. Em nosso trabalho observamos resultados bons acima ou iguais a M3 em 100% das TML do GM e 85,6% em TM do GD e resultados ótimos com M4 em 57% nas TML do GM e em 29% nas TM do GD, mas sem diferença significativa. Com relação à amplitude de movimento do cotovelo, tivemos que a flexão ultrapassou os 80 graus em 85,6% dos pacientes submetidos à TML do GM e em 57% dos pacientes das TM do GD. Essa diferença não se mostrou significativa entre os grupos.

Comparando os resultados dos dois grupos, não houve diferença no ganho de flexão do cotovelo. Os pacientes submetidos a transferência muscular livre do gastrocnêmio medial tiveram um ganho maior de força e ADM, quando comparados com os do grupo controle de transferência do grande dorsal, mas sem significado estatístico. Assim, a TML do GM pode ser considerada uma técnica com resultados não inferiores à técnica padrão de TM do LD e se torna uma opção viável, caso não possam ser aplicadas outras técnicas.

Conclusão

Os pacientes submetidos a transferência muscular livre do gastrocnêmio medial tiveram um ganho maior de força e ADM, quando comparados com os do grupo controle de transferência do latíssimo do dorso, mas sem significado estatístico. Assim, a transferência muscular livre do gastrocnêmio se torna uma nova opção cirúrgica, caso não possam ser aplicadas outras técnicas.

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  • Trabalho feito no Serviço de Mão e Microcirurgia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2014
  • Aceito
    21 Out 2014
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