Acessibilidade / Reportar erro

Variante sólida do cisto ósseo aneurismático na extremidade distal do rádio em uma criança Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.

RESUMO

A variante sólida do cisto ósseo aneurismático (COA) é considerada lesão rara, ocorre com maior frequência nos pacientes pediátricos e nos ossos da tíbia, fêmur, pelve e úmero. Apresentamos o caso de uma lesão lítica metafisária na extremidade distal do rádio de uma criança em que, ao exame radiográfico feito devido a um trauma de baixa energia, foi aventada a hipótese de fratura em um osso patológico secundária a um cisto ósseo aneurismático. Após a biópsia, a criança foi submetida a ressecção intralesional sem interposição de enxerto e o exame histopatológico foi condizente com a variante sólida do cisto ósseo aneurismático.

Palavras-chave:
Cistos ósseos aneurismáticos; Neoplasias ósseas; Fraturas do rádio; Criança

ABSTRACT

The solid variant of aneurismal bone cysts (ABC) is considered rare. It occurs with greater frequency in pediatric patients and in the tibia, femur, pelvis and humerus. We present a case of a metaphyseal lytic lesion on the distal extremity of the radius in a child whose radiograph was requested after low-energy trauma. The hypothesis of a pathological bone fracture secondary to an aneurysmal bone cyst was suggested. After biopsy, the child underwent intralesional excision without bone grafting and the histopathological findings were compatible with the solid variant of aneurysmal bone cyst.

Keywords:
Aneurysmal bone cysts; Bone tumor; Radius fractures; Child

Introdução

O cisto ósseo aneurismático (COA) é uma lesão expansiva, pseudotumoral de etiologia desconhecida, geralmente encontrada na tíbia, fêmur, pelve e úmero.11. Mankin HJ, Hornicek FJ, Ortiz-Cruz E, Villafuerte J, Gebhardt MC. Aneurysmal bone cyst: a review of 150 patients. J Clin Oncol. 2005;23(27):6756-62. A variante sólida do COA foi descrita em 1983 por Sanerkin et al.22. Sanerkin NG, Mott MG, Roylance J. An unusual intraosseous lesion with fibroblastic, osteoclastic, osteoblastic, aneurysmal and fibromyxoid elements. Solid variant of aneurysmal bone cyst. Cancer. 1983;51(12):2278-86. devido à predominância histológica de material sólido do cisto ósseo aneurismático. É considerada lesão rara, ocorrendo entre 3,4 e 7,5% de todos os cistos ósseos aneurismáticos, sendo mais comum nos pacientes pediátricos.33. Karampalis C, Lenthall R, Boszczyk B. Solid variant of aneurysmal bone cyst on the cervical spine of a child: case report, differential diagnosis and treatment rationale. Eur Spine J. 2013;22(3):523-31. A dor é o sintoma mais frequente, acompanhada por edema discreto que pode anteceder o diagnóstico definitivo em até 12 meses.33. Karampalis C, Lenthall R, Boszczyk B. Solid variant of aneurysmal bone cyst on the cervical spine of a child: case report, differential diagnosis and treatment rationale. Eur Spine J. 2013;22(3):523-31. As imagens radiográficas e tomográficas revelam lesão osteolítica expansiva que se torna indistinguível do COA.44. Al- Shamy G, Relyea K, Adesina A, Whitehead WE, Curry DJ, Luerssen TG, et al. Solid variant of aneurysmal bone cyst of the thoracic spine: a case report. J Med Case Rep. 2011;5:261.

A variante sólida do cisto ósseo aneurismático é caracterizada por proliferação fibroblástica sem qualquer pleomorfismo celular ou nuclear, áreas ricas de células gigantes semelhantes a osteoclastos, sinusoides aneurismáticos, osteoclastos diferenciados com produção de osteoide e focos ocasionais de tecido fibromixoide calcificante degenerado.22. Sanerkin NG, Mott MG, Roylance J. An unusual intraosseous lesion with fibroblastic, osteoclastic, osteoblastic, aneurysmal and fibromyxoid elements. Solid variant of aneurysmal bone cyst. Cancer. 1983;51(12):2278-86.

Os diagnósticos diferenciais incluem o cisto ósseo simples, granuloma reparativo de células gigantes, tumor marrom do hiperparatireoidismo, tumor de células gigantes, tumores primários malignos, como condrossarcoma, osteossarcoma e sarcoma de Ewing.55. Garcia J, Bianchi S. Diagnostic imaging of tumors of the hand and wrist. Eur Radiol. 2001;11(8):1470-82.

Neste relato apresentamos o caso de uma paciente portadora da variante sólida do cisto ósseo aneurismático diagnosticada após fratura da extremidade distal do rádio secundária a trauma de baixa energia.

Caso clínico

Paciente de dois anos de idade, do sexo feminino levada ao pronto atendimento com história de dor ao nível do punho havia dois dias, após queda ao solo, segundo informações dos familiares. Pais negavam história de febre.

Ao exame físico apresentava dor à palpação da extremidade distal do rádio direito, edema, limitação álgica aos movimentos passivos de rotação e flexo-extensão do punho, ausência de bloqueio articular e de sinais flogísticos.

Foram feitas radiografias simples nas incidências anteroposterior e perfil (fig. 1a-b) nas quais foi visualizada lesão lítica metafisária, que respeitava os limites da fise distal do rádio, predominantemente homogênea, adelgaçando as corticais, associada à descontinuidade cortical dorsal e volar da extremidade distal do rádio. Após a avaliação inicial, foi solicitada a tomografia computadorizada (fig. 2a-e) que demonstrou com melhor clareza as características da lesão. A cintilografia óssea evidenciou uma lesão monostótica com hipercaptação focal do fármaco. Após os exames de estadiamento, foi aventada a hipótese de fratura da extremidade distal do rádio em um osso patológico, provavelmente tendo como lesão primária o COA e, como diagnósticos diferenciais, o cisto ósseo unicameral e o osteossarcoma telangectásico.

Figura 1
Radiografias nas incidências anteroposterior (a) e perfil (b) que demonstram a lesão lítica metafisária da extremidade distal do rádio.

Figura 2
Tomografia computadorizada que demonstra nos cortes axiais (a e b) a lesão lítica expansiva e a fratura associada; no corte coronal (c) a extensão metafisária da lesão. Nos cortes axiais (d e e) com janela para partes moles nota-se atenuação das partes moles dentro da lesão intraóssea que pode representar componente sólido ou conteúdo líquido espesso.

A criança foi submetida à biópsia da lesão, cujo resultado apresentado foi ausência de neoplasia, porém sem definição diagnóstica. Optamos pelo tratamento cirúrgico por meio da ressecção intralesional (curetagem), associada à adjuvância com eletrocautério, sem interposição de enxerto ósseo e/ou cimento ortopédico. O material coletado foi enviado para o exame histopatológico e, após o fechamento da ferida, a criança foi imobilizada com tala gessada antebraquiopalmar que permaneceu por seis semanas.

O exame de histopatologia demonstrou a presença de células gigantes multinucleadas dispersas, entremeadas a trabéculas de osso imaturo em parte com calcificação, ausência de necrose, de figuras de mitose e de espaços aneurismáticos; não houve evidência histopatológica de cisto ósseo simples. O aspecto histopatológico é suspeito para cisto ósseo aneurismático sólido, apesar da falta de espaços vasculares aneurismáticos, conforme as imagens das lâminas abaixo (fig. 3a-h).

Figura 3
Imagens da histopatologia: tecido conjuntivo fibroso denso moderadamente hipercelular contendo células gigantes multinucleadas dispersas, com sangue recentemente extravasado e entremeado a trabéculas de osso imaturo do tipo entrelaçado (woven) em parte com calcificação, em parte, sem calcificação (a-b). Em volta das trabéculas ósseas frequentemente há abundantes osteoblastos (c-d). Há focos no tecido conjuntivo onde predomina osso imaturo (e). Região com trabéculas de osso imaturo esponjoso com medula de tecido conjuntivo mixóide (f-h).

Após oito semanas novas radiografias foram feitas (fig. 4a-b) e no quarto mês de pós-operatório as imagens radiográficas demonstravam esclerose marginal reacional, distanciamento da lesão inicial da fise distal do rádio e espessamento das corticais, alterações essas condizentes com lesão inativa (fig. 5a-b).

Figura 4
Radiografias nas incidências anteroposterior (a) e perfil (b) após seis semanas de pós-operatório que demonstram a consolidação da fratura.

Figura 5
Radiografias nas incidências anteroposterior (a) e perfil (b) após quatro meses de pós-operatório que demonstram lesão inativa na extremidade distal do rádio.

Discussão

A variante sólida do cisto ósseo aneurismático e o granuloma reparativo de células gigantes foram primariamente descritos nos ossos craniofaciais e pequenos ossos tubulares da mão e do pé.22. Sanerkin NG, Mott MG, Roylance J. An unusual intraosseous lesion with fibroblastic, osteoclastic, osteoblastic, aneurysmal and fibromyxoid elements. Solid variant of aneurysmal bone cyst. Cancer. 1983;51(12):2278-86. São consideradas lesões reativas e não neoplásicas, embora possam levar ao erro diagnóstico de tumor de células gigantes, tumor marrom do hiperparatireoidismo e osteossarcoma, normalmente fibroblástico, ou variante de baixo grau.66. Bertoni F, Bacchini P, Capanna R, Ruggieri P, Biagini R, Ferruzzi A, et al. Solid variant of aneurysmal bone cyst. Cancer. 1993;71(3):729-34.

Clinicamente a paciente apresentava dor à palpação da extremidade distal do rádio, edema discreto após trauma de baixa energia, o que nos levou à hipótese diagnóstica de contusão no nível do punho ou até uma possível fratura (subperiosteal ou em torus) da extremidade distal do rádio, subtipos frequentemente encontrados nessa faixa etária. A observação radiográfica de lesão expansiva metafisária com adelgaçamento das corticais da extremidade distal do rádio que respeitava a fise de crescimento e ausência de reação periosteal sugeria fratura em um osso patológico, provavelmente tendo como cisto ósseo aneurismático a lesão primária. Embora não específico, a detecção de nível líquido pela tomografia computadorizada e/ou ressonância nuclear magnética sugere o diagnóstico de COA. 77. Sullivan RJ, Meyer JS, Dormans JP, Davidson RS. Diagnosing aneurysmal and unicameral bone cysts with magnetic resonance imaging. Clin Orthop Relat Res. 1999;(366):186-90. A presença de material sólido no interior da lesão intraóssea foi identificada pelos autores após a visualização das imagens tomográficas com janela para partes moles, porém a confirmação diagnóstica da variante sólida do cisto ósseo aneurismático foi realizada somente pelo exame histopatológico cujo laudo do patologista foi discriminado como "aspecto histopatológico é suspeito para cisto ósseo aneurismático sólido, apesar da falta de espaços vasculares aneurismáticos. O osso esponjoso imaturo com medula de tecido mixoide é suspeito para calo de fratura óssea".

Relatos recentes da ocorrência da variante sólida do cisto ósseo aneurismático incluem a do osso hamato por Mavrogenis et al.,88. Mavrogenis AF, Skarpidi E, Papagelopoulos PJ. Solid variant of aneurysmal bone cyst of the hamate. Musculoskelet Surg. 2010;94(3):145-50. a da coluna cervical por Karampalis et al.33. Karampalis C, Lenthall R, Boszczyk B. Solid variant of aneurysmal bone cyst on the cervical spine of a child: case report, differential diagnosis and treatment rationale. Eur Spine J. 2013;22(3):523-31. e a da tíbia por Takechi et al.99. Takechi R, Yanagawa T, Shinozaki T, Fukuda T, Takagishi K. Solid variant of aneurysmal bone cyst in the tibia treated with simple curettage without bone graft: a case report. World J Surg Oncol. 2012;10:45. Por não haver relatos suficientes na literatura sobre o diagnóstico da variante sólida do COA na extremidade distal do rádio, em uma criança, consideramos relevante a publicação deste caso.

O tratamento preconizado para o COA inclui a curetagem associada à enxertia óssea. Devido ao fato de essas lesões apresentarem alta recorrência quando tratadas somente com a curetagem simples, muitos cirurgiões utilizam a adjuvância com fenol ou etanol. No presente caso, considerando a hipótese inicial de cisto ósseo aneurismático, e devido à proximidade da fise distal do rádio, optamos somente pela curetagem intralesional associada à adjuvância com eletrocautério, sem interposição de enxerto, com satisfatória evolução, como demonstram as imagens atuais com a formação de esclerose marginal, distanciamento da lesão da fise distal do rádio e espessamento das corticais, condizentes com inatividade da lesão.

References

  • 1
    Mankin HJ, Hornicek FJ, Ortiz-Cruz E, Villafuerte J, Gebhardt MC. Aneurysmal bone cyst: a review of 150 patients. J Clin Oncol. 2005;23(27):6756-62.
  • 2
    Sanerkin NG, Mott MG, Roylance J. An unusual intraosseous lesion with fibroblastic, osteoclastic, osteoblastic, aneurysmal and fibromyxoid elements. Solid variant of aneurysmal bone cyst. Cancer. 1983;51(12):2278-86.
  • 3
    Karampalis C, Lenthall R, Boszczyk B. Solid variant of aneurysmal bone cyst on the cervical spine of a child: case report, differential diagnosis and treatment rationale. Eur Spine J. 2013;22(3):523-31.
  • 4
    Al- Shamy G, Relyea K, Adesina A, Whitehead WE, Curry DJ, Luerssen TG, et al. Solid variant of aneurysmal bone cyst of the thoracic spine: a case report. J Med Case Rep. 2011;5:261.
  • 5
    Garcia J, Bianchi S. Diagnostic imaging of tumors of the hand and wrist. Eur Radiol. 2001;11(8):1470-82.
  • 6
    Bertoni F, Bacchini P, Capanna R, Ruggieri P, Biagini R, Ferruzzi A, et al. Solid variant of aneurysmal bone cyst. Cancer. 1993;71(3):729-34.
  • 7
    Sullivan RJ, Meyer JS, Dormans JP, Davidson RS. Diagnosing aneurysmal and unicameral bone cysts with magnetic resonance imaging. Clin Orthop Relat Res. 1999;(366):186-90.
  • 8
    Mavrogenis AF, Skarpidi E, Papagelopoulos PJ. Solid variant of aneurysmal bone cyst of the hamate. Musculoskelet Surg. 2010;94(3):145-50.
  • 9
    Takechi R, Yanagawa T, Shinozaki T, Fukuda T, Takagishi K. Solid variant of aneurysmal bone cyst in the tibia treated with simple curettage without bone graft: a case report. World J Surg Oncol. 2012;10:45.
  • Trabalho desenvolvido no Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2015
  • Aceito
    28 Maio 2015
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br