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Fatores associados à mortalidade em idosos hospitalizados por fraturas de fêmur Trabalho desenvolvido no Hospital Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, SC, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Analisar os fatores associados à mortalidade em idosos hospitalizados por fratura de fêmur em um hospital unicêntrico regional.

MÉTODOS:

Estudo de coorte retrospectiva. Foram selecionados, por meio do prontuário eletrônico, pacientes internados com diagnóstico de fratura de fêmur (CID S72) com 60 anos ou mais de 2008 a 2013.

RESULTADOS:

Foram avaliados 195 indivíduos com idade média de 78,5 ± 9,6 e o gênero feminino foi mais prevalente (68,2%). O principal mecanismo de queda foi o de baixa energia (87,2%), a feitura de cirurgia foi de 93,3%, o tempo de internação médio foi de 13,6 ± 7,5 dias, o tempo de espera para a cirurgia médio foi de 7,7 ± 4,2 dias. A prevalência de mortalidade foi de 14,4%, ocorreu principalmente nos indivíduos mais idosos (p = 0,029), com leucocitose (p < 0,001), com necessidade de cuidados intensivos (p < 0,001) e que não foram submetidos a cirurgia (p < 0,001). A sobrevida média foi significativamente maior nos pacientes submetidos a cirurgia e inversamente nos pacientes que necessitaram da unidade de terapia intensiva.

CONCLUSÃO:

As mulheres predominaram nas internações e o grau de leucocitose associado a idade avançada apresentou relação com a mortalidade, independentemente do tipo de lesão e procedimento cirúrgico. Ainda devem ser feitos mais estudos para avaliar outros fatores associados à mortalidade.

Palavras-chave:
Fraturas do fêmur; Idoso; Mortalidade hospitalar; Análise de sobrevida

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To analyze factors associated with mortality among elderly people hospitalized in a single-center regional hospital due to femoral fractures.

METHODS:

This was a retrospective cohort study. Patients aged 60 years or over who were hospitalized with a diagnosis of femoral fracture (ICD S72) between 2008 and 2013 were selected through the electronic medical records.

RESULTS:

The study evaluated 195 individuals of mean age 78.5 ± 9.6 years; females predominated (68.2%). The main mechanism for falls was low-energy (87.2%). Surgery was performed on 93.3% of the patients; the mean length of hospital stay was 13.6 ± 7.5 days and the mean waiting time for the surgery was 7.7 ± 4.2 days. The prevalence of mortality was 14.4%, and this occurred mostly among older individuals (p = 0.029); patients with leukocytosis (p < 0.001); those who needed intensive care (p < 0.001); and those who did not undergo surgery (p < 0.001). The mean survival was significantly longer among patients who underwent surgery and shorter among those who needed intensive care.

CONCLUSION:

Women predominated among the hospitalizations, and the degree of leukocytosis associated with advanced age presented a relationship with mortality, independent of the type of lesion or surgical procedure. More studies still need to be conducted in order to assess other factors associated with mortality.

Keywords:
Femoral fractures; Elderly; Hospital mortality; Survival analysis

Introdução

A OMS (Organização Mundial de Saúde) classifica o idoso como todo indivíduo que tenha 60 anos ou mais.11. Organização Mundial da Saúde. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana de Saúde; 2005. Essa classe populacional apresenta acentuada velocidade de crescimento e gera um aumento da prevalência de doenças crônico-degenerativas.22. Bortolon PC, Andrade CLT, Andrade CAF. O perfil das internações do SUS para fratura osteoporótica de fêmur em idosos no Brasil: uma descrição do triênio 2006-2008. Cad Saúde Pública. 2011;27(4):733-42.

De acordo com Monteiro, a queda do idoso, além de trazer injúria, acarreta danos familiares, pois cria-se uma dependência por perda de autonomia após o evento traumático, como uma importante questão de ordem social, econômica e de saúde pública.33. Monteiro CR, Faro ACM. Avaliação funcional de idoso vítima de fraturas na hospitalização e no domicílio. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(3):719-24. Calcula-se que o número de fraturas de quadril no mundo, de uma maneira geral, chegará a 4,5 milhões de casos em 2050.44. Orces CH. Epidemiology of hip fractures in Ecuador. Rev Panam Salud Publica. 2009;25(5):438-42.

Os principais fatores associados à mortalidade após a fratura são a idade, as comorbidades, o estado cognitivo, o tempo de espera entre a fratura e a cirurgia e o tipo de anestesia usada.55. Silveira VAL, Medeiros MMC, Coelho JM, Mota RS, Noleto JCS, Costa FS, et al. Incidência de fratura do quadril em área urbana do Nordeste brasileiro. Cad Saúde Pública. 2005;21:907-12.,66. Sakaki MH, Oliveira AR, Coelho FF, Leme LEG, Suzuki I, Amatuzzi MM. Estudo da mortalidade na fratura do fêmur proximal em idosos. Acta Ortop Bras. 2004;12(4):242-9.,77. Souza RC, Pinheiro RS, Coeli CM, Junior KRC, Torres TZG. Aplicação de medidas de ajuste de risco para a mortalidade após fratura proximal de fêmur. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):625-31.and88. de Rooij SE. Hip protectors to prevent femoral fracture. BMJ. 2006;332(7541):559-60. No entanto, é controverso o tempo de espera para cirurgia como risco para o óbito. A literatura revela não haver uma relação entre o tempo de espera cirúrgica e a mortalidade.99. Etxebarria- Foronda I, Mar J, Arrospide A, Ruiz de Eguino J. Cost and mortality associated to the surgical delay of patients with a hip fracture. Rev Esp Salud Publica. 2013;87(6):639-49. A alteração de exames laboratoriais, como os níveis de leucócitos, os quais podem se apresentar como fator associado ao óbito, também tem sido amplamente abordada.1010. White SM, Sanghera P, Chakladar A. Leukocytosis increases length of inpatient stay but not age-adjusted 30- day mortality, after hip fracture. Age Ageing. 2010;39(5):650-3.

Sob essa perspectiva, espera-se alcançar, com os dados obtidos, uma melhor compreensão a respeito desse problema e contribuir para um melhor manejo do paciente idoso com fratura femoral. Devido a isso, o objetivo deste estudo foi avaliar os fatores associados à mortalidade de idosos com fratura de fêmur durante a internação hospitalar.

Material e métodos

O estudo proposto tratou-se de uma coorte retrospectiva de 275 pacientes idosos internados em hospital unicêntrico de referência regional que sofreram fraturas de fêmur de janeiro de 2008 a dezembro de 2013.

Para seleção da amostra foi feito contato com a equipe de tecnologia de informação da instituição, com o objetivo de estratificar os indivíduos hospitalizados com o diagnóstico de fratura de fêmur (CID S72), com idade superior ou igual a 60 anos no período proposto.

Para os critérios de exclusão foram considerados: dados incompletos do prontuário ou erro no diagnóstico de hospitalização, transferência para outros hospitais e reinternações. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob o número 34735814.2.0000.5369.

Na coleta de dados foram estabelecidas as seguintes variáveis: gênero, idade, morbidades, tipo e lado da fratura, tipo de queda, feitura de cirurgia, tipo de cirurgia e seu tempo de espera, tempo de internação, necessidade de cuidados em terapia intensiva, hematócrito e leucócitos na primeira semana de hospitalização e desfecho, descritos por alta ou óbito.

A fim de classificar, de maneira simples, as regiões de fratura femoral usou-se uma subdivisão anatômica. A extremidade proximal conta com as formas intracapsular e extracapsular e tem como referência a cápsula articular. Já a porção intermediária é descrita como aquela abrangida pela diáfise femoral e, por fim, a fratura de extremidade distal do fêmur.1111. Faloppa F, Albertoni WM. Guia de ortopedia e traumatologia da Unifesp-EPM. São Paulo: Manole; 2008.

Os dados foram armazenados numa planilha do Excel e após transferidos para o programa SPSS 20.0 para análise. As variáveis numéricas foram apresentadas em tendência central e dispersão e as variáveis categóricas em frequências absolutas e percentuais.

As variáveis numéricas foram analisadas pelo teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Para comparação dessas variáveis entre o desfecho, foi usado o teste t de Student (p < 0,05) para os dados com distribuição normal e para as variáveis não paramétricas, o teste de Mann-Whitney (p < 0,05). Para os resultados com diferença estatística, foi analisada a acurácia por meio da área da curva ROC.

Para comparação entre gênero, hospitalização em UTI e feitura de cirurgia, foi usado o teste de qui-quadrado (p < 0,05). Foram calculados os riscos relativos para óbito, com intervalo de confiança de 95%.

A sobrevida dos pacientes que necessitaram de cuidados intensivos e não fizeram cirurgia foi analisada por meio da regressão de Cox (p < 0,05) e apresentada por meio da curva de Kaplan-Meier.

Resultados

Foram selecionados inicialmente 275 indivíduos. Desses, foram descartados 80 em virtude de apresentarem dados incompletos ou ausentes no prontuário, bem como internações sem fratura propriamente dita, com consequente alta hospitalar, transferências ou reinternações. Nesse caso foi obtida uma amostra de 195 pacientes para o estudo em questão. A tabela 1 descreve as características da amostra.

Tabela 1
Características dos idosos hospitalizados por fratura de fêmur

A tabela 2 demonstra a comparação entre o tempo de espera cirúrgico e de internação, hematócrito e leucócitos no momento da internação entre o grupo alta e óbito. Houve diferença estatística apenas na idade e contagem de leucócitos.

Tabela 2
Comparação das variáveis numéricas de acordo com o desfecho óbito

Na análise das variáveis numéricas que apresentaram diferença estatística entre alta e óbito sob a óptica da curva ROC, a acurácia para o prognóstico de óbito obtido pela área sob a curva foi de 0,761 (IC 95%: 0,664 a 0,859) com p < 0,001 para os leucócitos e 0,643 (IC 95%: 0,525 a 0,762) com p = 0,023 para a idade (fig. 1).

Figura 1
Curva ROC de idade e leucócitos e prognóstico para óbito.

Na comparação do desfecho com o gênero não houve diferença estatística, 16,2% em homens e 13,5% em mulheres (p = 0,630). No entanto, os indivíduos que necessitaram de UTI apresentaram um risco relativo de óbito de 10 (IC 95%: 4,1 a 24,4) e a não feitura de cirurgia apontou um risco relativo de 30,4 (IC 95%: 7,6 a 120,6), ambos com significância estatística (p < 0,001).

A sobrevida média dos pacientes hospitalizados em UTI foi de 28,2 dias (IC 95%: 22,1 a 34,4 dias) e para aqueles que não necessitaram de internação em UTI foi de 47 dias (IC 95%: 36,5 a 57,5 dias) com diferença estatística (p < 0,001) (fig. 2).

Figura 2
Sobrevida em pacientes hospitalizados e não hospitalizados em UTI.

A sobrevida média dos pacientes que não fizeram cirurgia foi de 11,7 dias (IC 95%: 7,9 a 15,5 dias) e para aqueles que foram submetidos ao procedimento cirúrgico foi de 45,8 dias (IC 95%: 37,9 a 53,8 dias) com diferença estatística (p < 0,001) (fig. 3).

Figura 3
Sobrevida em pacientes submetidos ou não ao procedimento cirúrgico.

Discussão

No que se refere ao gênero, este estudo revelou uma quantidade superior de mulheres que sofreram fratura femoral. Similaridade ocorreu em estudo retrospectivo na região do Lazio, com 6.896 pacientes, dos quais 78% de mulheres entre os idosos internados com fratura femoral.1212. Castronuovo E, Pezzotti P, Franzo A, Di Lallo D, Guasticchi G. Early and late mortality in elderly patients after hip fracture: a cohort study using administrative health databases in the Lazio region, Italy. BMC Geriatr. 2011;11:37.

Em relação ao tipo de fraturas, foi constatada uma incidência superior de fraturas extracapsulares em relação às intracapsulares. Esses dados podem ser corroborados por estudo retrospectivo feito com 1.911 pacientes idosos com fratura femoral, em que, à semelhança de nosso estudo, se demonstra uma prevalência similar.1313. Constantino H, Patrício PF, Pedrosa C, Pinto FG, Pereira V, Diogo N. Fratura proximal do fémur bilateral: incidência e fatores de risco de fratura contralateral. Rev. Port Ortop Traumatol. 2013;21(3):381-7.

Quanto à dinâmica do trauma, o presente estudo evidenciou uma alta prevalência de trauma de baixa energia. Esse achado é justificado pelas características de nossa amostra, que envolveu de maneira preponderante pacientes idosos. Moraes et al.1414. Moraes FB, Silva LL, Ferreira FV, Ferro AM, Rocha VL, Teixeira KS. Avaliação epidemiológica e radiológica das fraturas diafisárias do fêmur: estudo de 200 casos. Rev Bras Ortop. 2009;44(3):199-203. afirmaram que tal acometimento deve-se aos próprios mecanismos de queda da própria altura, que tem um pico de incidência entre os 60 e 70 anos com maior probabilidade de ocorrência no sexo feminino, o que explicaria a maior exposição das mulheres à fratura de fêmur.

Na análise da curva de sobrevida e na comparação dos indivíduos que receberam ou não indicação cirúrgica, foi observada uma diferença significativa entre esses grupos, de tal forma que a taxa de sobrevida foi significativamente maior nos indivíduos que foram submetidos ao procedimento. Roche et al.1515. Roche JJ, Wenn RT, Sahota O, Moran CG. Effect of comorbidities and postoperative complications on mortality after hip fracture in elderly people:prospective observational cohort study. BMJ. 2005;331(7529):1374. concluíram que o maior fator de risco para mortalidade estava diretamente relacionado com a presença de três ou mais comorbidades avaliadas no pré-operatório. Em contrapartida, outro estudo demonstrou que para os pacientes clinicamente inaptos à cirurgia a não feitura foi a melhor escolha e não houve diferença significativa no resultado funcional e na mortalidade em comparação com pacientes tratados cirurgicamente.1616. Hossain M, Neelapala V, Andrew JG. Results of non- operative treatment following hip fracture compared to surgical intervention. Injury. 2009;40(4):418-21. Apesar de não ter sido comparada em nosso estudo a mortalidade versus morbidades, pode-se deduzir que o óbito mais precoce aferido esteja relacionado com o número de comorbidades desses pacientes.

Quanto ao tipo de procedimento, a osteossíntese e as artroplastia total e parcial foram as mais feitas. Entretanto, a abordagem cirúrgica não teve relação significativa com o tempo de recuperação, muito menos com o óbito. Estudo norueguês com 4.335 pacientes idosos comparou a osteossíntese com a artroplastia para tratamento de fratura de colo femoral e não observou diferença nas taxas de mortalidade em um ano após a cirurgia. Esse mesmo estudo concluiu que os pacientes submetidos à osteossíntese referiram mais dor, maior insatisfação com o resultado da cirurgia e menor qualidade de vida do que o grupo de artroplastia.1717. Gjertsen JE, Vinje T, Engesaeter LB, Lie SA, Havelin LI, Furnes O, et al. Internal screw fixation compared with bipolar hemiarthroplasty for treatment of displaced femoral neck fractures in elderly patients. J Bone Joint Surg Am. 2010;92(3):619-28.

No que se refere ao tempo de espera para a cirurgia, não houve diferença significativa entre a alta e o óbito desses pacientes. Embora a literatura seja bastante controversa,99. Etxebarria- Foronda I, Mar J, Arrospide A, Ruiz de Eguino J. Cost and mortality associated to the surgical delay of patients with a hip fracture. Rev Esp Salud Publica. 2013;87(6):639-49. segundo Grimes et al.1818. Grimes JP, Gregory PM, Noveck H, Butler MS, Carson JL. The effects of time-to- surgery on mortality and morbidity in patients following hip fracture. Am J Med. 2002;112(9):702-9. o tempo decorrido entre a fratura e o tempo para cirurgia parece não exercer influência na mortalidade de idosos com fratura de fêmur. Após estudo com 8.383 pacientes, os doentes foram divididos em três grupos, o primeiro grupo foi operado nas primeiras 24 horas após a fratura, o segundo após 24 horas de fratura, contudo sem patologia ativa, e o terceiro grupo foi operado também após 24 horas, mas com patologia ativa. Os pacientes que apresentaram patologia ativa tiveram suas cirurgias postergadas devido à presença de enfermidade descompensada. No fim, a mortalidade do grupo nos indivíduos operados rapidamente nas primeiras 24 horas foi menor. Porém, quando os grupos foram homogeneizados para presença de doenças associadas, essa diferença desapareceu.1818. Grimes JP, Gregory PM, Noveck H, Butler MS, Carson JL. The effects of time-to- surgery on mortality and morbidity in patients following hip fracture. Am J Med. 2002;112(9):702-9.

São várias as explicações possíveis para esse achado. A primeira possibilidade pode estar ligada ao fato da ocorrência de muitas complicações pós-cirúrgicas nos enfermos que foram a óbito que podem não ter, necessariamente, uma relação com o tempo de espera. Segundo, foi observado durante a fase de coleta, embora não descrito no trabalho, um acentuado processo de postergação de procedimentos cirúrgicos, seja por falta de vaga em UTI ou condições clinicas adequadas dos pacientes, tanto para aqueles que receberam alta quanto para aqueles que foram a óbito. Todavia, um estudo observacional com 2.660 pacientes, apontou que postergar a cirurgia em até quatro dias não interferiu na mortalidade, ao passo que um atraso superior a quatro dias aumentou significativamente os índices de mortalidade.1919. Moran CG, Wenn RT, Sikand M, Taylor AM. Early mortality after hip fracture: is delay before surgery important? J Bone Joint Surg Am. 2005;87(3):483-9. Não obstante, para todas as causas de mortalidade, em 30 dias após a cirurgia, uma revisão sistemática com 257.367 pacientes inferiu que um atraso superior a 48 horas aumenta o risco de mortalidade em até 41%.2020. Shiga T, Wajima Z, Ohe Y. Is operative delay associated with increased mortality of hip fracture patients? Systematic review, meta- analysis, and meta- regression. Can J Anaesth. 2008;55(3):146-54.

A sobrevida média dos pacientes que não necessitaram de internação em UTI foi superior a dos hospitalizados nesse tipo de unidade. A principal hipótese foi que detinham um quadro clínico mais desfavorável, um maior número de comorbidades associadas e idade mais avançada em relação aos pacientes que não necessitaram de assistência intensiva. No entanto, Fuchs et al.,2121. Fuchs L, Chronaki CE, Park S, Novack V, Baumfeld Y, Scott D, et al. ICU admission characteristics and mortality rates among elderly and very elderly patients. Intensive Care Med. 2012;38(10):1654-61. com 7.265 pacientes acima de 65 anos, revelaram que a principal razão para internação em UTI são as comorbidades associadas. A idade avançada deve ser considerada como fator de risco isolado, especialmente para pacientes acima de 75 anos internados nessas unidades.

São escassos os estudos que têm buscado analisar o impacto prognóstico de células inflamatórias no âmbito das fraturas de fêmur. No presente estudo foi ratificada uma diferença significativa no que se refere à associação entre contagem total de células brancas durante internação e óbito. Nesse aspecto, de acordo com a análise da curva ROC, os leucócitos demonstraram ter uma capacidade discriminativa para identificar aqueles pacientes com fratura de fêmur que apresentaram maior risco de óbito. White et al.1010. White SM, Sanghera P, Chakladar A. Leukocytosis increases length of inpatient stay but not age-adjusted 30- day mortality, after hip fracture. Age Ageing. 2010;39(5):650-3. revelaram em seu estudo uma prevalência de leucocitose de 43,5%. Todavia, a alta nas taxas de leucócitos foi à custa do aumento do número de neutrófilos, variável essa que no presente estudo não foi avaliada. Tal achado é relativamente comum nos pacientes com fratura de fêmur, indica a possibilidade da presença de um quadro infeccioso prévio ou que tenha se desenvolvido posteriormente a fratura.1010. White SM, Sanghera P, Chakladar A. Leukocytosis increases length of inpatient stay but not age-adjusted 30- day mortality, after hip fracture. Age Ageing. 2010;39(5):650-3. Nesse sentido, é importante salientar que os elementos celulares e humorais diminuem com o aumento da idade e, nesse caso, o presente estudo foi constituído por doentes idosos com uma média de 82,1 anos no grupo de maior mortalidade, o que pode explicar a maior média da contagem total das células de linhagem branca no grupo de pacientes que foi a óbito. Além disso, ao observarmos a curva ROC, a idade também apresentou uma capacidade discriminativa de identificar os indivíduos com maior risco de óbito.

A mortalidade global de 14,4% pode ser considerada alta e bastante discrepante dos resultados encontrados em trabalhos internacionais, em que as taxas de óbito foram mais baixas. Em estudo retrospectivo feito no Canadá com 3.981 pacientes, o índice de mortalidade hospitalar foi de 6,3%.2222. Jiang HX, Majumdar SR, Dick DA, Moreau M, Raso J, Otto DD, et al. Development and initial validation of a risk score for predicting in-hospital and 1 -year mortality in patients with hip fractures. J Bone Miner Res. 2005;20(3):494-500. Ainda nesse contexto, em outro estudo retrospectivo feito na Itália com 6.629 idosos, a taxa foi ainda menor, 5,4%.2323. Franzo A, Francescutti C, Simon G. Risk factors correlated with post- operative mortality for hip fracture surgery in the elderly: a population-based approach. Eur J Epidemiol. 2005;20(12):985-91. Por outro lado, em âmbito nacional, os resultados do presente trabalho foram semelhantes ao de estudo retrospectivo que relatou uma taxa de óbito de 14,61%. A literatura demonstra que a mortalidade global em relação a esses tipos de fratura tem variado entre os serviços, a depender da complexidade hospitalar existente.2424. Muniz CF, Arnaut AC, Yoshida M, Trelha CS. Caracterização dos idosos com fratura de fêmur proximal atendidos em hospital escola público. Rev Espaço Saúde. 2007;8(2):33-8.

O presente estudo foi conduzido em hospital unicêntrico de referência regional. Nesse contexto, a literatura disserta que nos locais onde houve um alto volume para feitura de cirurgias de quadril os índices de mortalidade foram maiores, refletiu sobre o nosso trabalho a superioridade para mortalidade intra-hospitalar nesses locais em comparação com os serviços de menor fluxo.2424. Muniz CF, Arnaut AC, Yoshida M, Trelha CS. Caracterização dos idosos com fratura de fêmur proximal atendidos em hospital escola público. Rev Espaço Saúde. 2007;8(2):33-8. De maneira a generalizar esses dados, para pacientes idosos internados pelos mais diversos tipos de fratura de fêmur acreditamos que não há motivos para que isso possa ser diferente, o que justificaria nossos achados quanto às taxas de óbito. Ademais, outra possibilidade a ser aventada é a mortalidade perioperatória, que contribui igualmente para taxa global de óbito e que não está atrelada à qualidade da conduta terapêutica oferecida, e sim à condição clínica desses pacientes, que geralmente, pela idade avançada e presença de muitas comorbidades associadas, é de alto risco.

A relação do local da fratura com a mortalidade não teve significância no presente estudo. Entretanto, em uma revisão sistemática com 544.733 mil pacientes, a mortalidade foi maior nos acometidos com fratura intracapsular. Ainda, o estudo demonstrou a idade superior a 85 anos como fator associado à mortalidade. Tal achado reflete similaridade com o nosso estudo, o qual obteve média semelhante no que se refere à idade do óbito.2525. Smith T, Pelpola K, Ball M, Ong A, Myint PK. Pre- operative indicators for mortality following hip fracture surgery: a systematic review and meta- analysis. Age Ageing. 2014;43(4):464-71.

A principal limitação do nosso estudo refere-se à impossibilidade de coletar dados relacionados a determinadas variáveis, devido à falta de informações no prontuário, o que pode ter subestimado a real condição clínica do paciente. Além disso, o presente estudo foi delineado de maneira observacional, portanto as associações encontradas não podem afirmar causalidade, devem nossos achados ser confirmados por estudos posteriores.

Conclusão

Constatamos que as mulheres predominaram nas internações e o grau de leucocitose associado à idade avançada apresentou relação com a mortalidade, independentemente do tipo de lesão e do procedimento cirúrgico. Demonstrou-se, também, sobrevida média superior para os pacientes que não necessitaram de internação em UTI. Vale destacar que o tempo de espera para cirurgia e o tempo de internação não apresentaram associação com o desfecho mortalidade intra-hospitalar. Devido a esses achados, enfatizamos a importância da elaboração de protocolos para um melhor manejo desses pacientes. Ainda nesse sentido denota-se a importância de incrementar ao julgamento clínico a análise das taxas de leucócitos que obtiveram uma importante capacidade de predizer piores desfechos.

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  • Trabalho desenvolvido no Hospital Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, SC, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2015
  • Aceito
    15 Out 2015
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