Acessibilidade / Reportar erro

Osteotomia artroscópica de realinhamento subcapital no tratamento da epifisiólise proximal do fêmur crônica e estável: resultados precoces Trabalho desenvolvido na Cirurgia do Quadril, Hospital Ortopédico de Passo Fundo (HOPF), Passo Fundo, RS, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Avaliar os resultados clínicos e radiográficos, bem como as complicações da osteotomia de realinhamento subcapital por via artroscópica para tratamento da epifisiólise proximal do fêmur (EPF) crônica e estável, relativos a uma série inicial de pacientes. Conforme análise da literatura, o estudo apresenta a primeira descrição de técnica artroscópica desse tipo de osteotomia.

MÉTODOS:

Entre junho de 2012 a dezembro de 2014, sete pacientes foram submetidos à osteotomia de realinhamento subcapital por via artroscópica para tratamento da EPF crônica e estável. A idade média dos pacientes foi de 11 anos e quatro meses. O seguimento mínimo foi de seis a 36 meses (média de 16,5 meses). Os pacientes foram avaliados clinicamente de acordo com o Harris Hip Score modificado por Byrd e radiograficamente conforme a classificação quantitativa de Southwick e o ângulo epifisio-diafisário. Complicações pós-operatórias foram analisadas.

RESULTADOS:

Com relação à avaliação do escore clínico Harris Hip Score Modificado por Byrd, observou-se média pré-operatória de 35,8 pontos e pós-operatória de 97,5 pontos (p < 0,05). Radiograficamente, cinco pacientes foram classificados como grau II e dois como grau III de Southwick. Observou-se correção média do ângulo epifisio-diafisário de 40o. Não houve complicações pós-operatórias imediatas. Um paciente evoluiu com necrose avascular da cabeça femoral, sem colapso ou condrólise no último seguimento (22 meses) .

CONCLUSÃO:

A técnica artroscópica apresentada pelos autores para tratamento da EPF crônica e estável resultou em melhoria clínica e radiográfica dos pacientes nesta série inicial.

Palavras-chave:
Epífise deslocada; Quadril; Cabeça do fêmur; Artroscopia; Criança

ABSTRACT

OBJECTIVE:

This study aimed to evaluate the clinical and radiographic outcomes, as well as the complications of arthroscopic subcapital realignment osteotomy in chronic and stable slipped capital femoral epiphysis (SCFE). As indicated by the literature review, this is the first time this type of arthroscopic osteotomy was described.

METHODS:

Between June 2012 and December 2014, seven patients were submitted to arthroscopic subcapital realignment osteotomy in chronic and stable SCFE. The mean age was 11 years and 4 months, and the mean follow-up period was 16.5 months (6-36). Clinical results were evaluated using the Modified Harris Hip Score (MHHS), which was measured pre- and postoperatively. Radiographs were evaluated using the Southwick quantitative classification and the epiphysis-diaphysis angle (pre- and postoperatively). Complications were assessed.

RESULTS:

The mean preoperative MHHS was 35.8 points, and 97.5 points post-operatively (p < 0.05). Radiographically, five patients were classified as Southwick classification grade II and two as grade III. The mean correction of the epiphysis-diaphysis angle was 40°. No immediate postoperatively complications were observed. One patient presented femoral head avascular necrosis, without collapse or chondrolysis at the most recent follow-up (22 months).

CONCLUSION:

The arthroscopic technique presented for subcapital realignment osteotomy in chronic and stable SCFE showed satisfactory clinical and radiographic outcomes in a 16.5 months follow-up period.

Keywords:
Epiphyses, slipped; Hip; Femur head; Arthroscopy; Child

Introdução

A epifisiólise proximal do fêmur (EPF) é a doença mais comum no quadril do adolescente, com frequência estimada em 10,8 a cada 100.000 indivíduos.11. Lehmann CL, Arons RR, Loder RT, Vitale MG. The epidemiology of slipped capital femoral epiphysis: an update. J Pediatr Orthop. 2006;26(3):286-90. Estudos recentes da biomecânica do impacto femoroacetabular (IFA) indicam que pequenas deformidades anatômicas que podem decorrer da EPF são potenciais causadoras de danos condrais acetabulares permanentes22. Leunig M, Casillas MM, Hamlet M, Hersche O, Notzli H, Slongo T, et al. Slipped capital femoral epiphysis: early mechanical damage to the acetabular cartilage by a prominent femoral metaphysis. Acta Orthop Scand. 2000;71(4):370-5.and33. Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(8):1134-40. e levam à osteoartrose precoce.

Não há consenso com relação à melhor opção de tratamento da EPF, especialmente se considerarmos escorregamentos de alto grau (grau II e III da Classificação de Southwick).44. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35. Alguns autores indicam o tratamento com fixação in situ nesses casos por tratar-se de procedimento com baixo índice de complicações. Acreditam que o remodelamento da deformidade residual do quadril durante o crescimento permita função adequada. 55. Bellemans J, Fabry G, Molenaers G, Lammens J, Moens P. Slipped capital femoral epiphysis: a long-term follow- up, with special emphasis on the capacities for remodeling. J Pediatr Orthop B. 1996;5(3):151-7.and66. Jones JR, Paterson DC, Hillier TM, Foster BK. Remodelling after pinning for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br. 1990;72(4):56873. Outros, como os presentes, indicam correção no foco da deformidade (osteotomia de realinhamento subcapital) para redução anatômica da epífise e diminuição do risco de degeneração condral subsequente.77. Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim Y. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res. 2009;467:704-16.

As principais críticas dos autores contrários ao uso da técnica de osteotomia de realinhamento subcapital são o risco de complicações, como necrose avascular da cabeça femoral (NACF) e condrólise, que podem variar a até 28% dos casos.88. Sucato DJ, De La Rocha A. High grade SCFE: the role of surgical hip dislocation and reduction. J Pediatr Orthop . 2014;34(1):18-24. Porém, o crescente número de estudos nessa área tem permitido reduzir as complicações, é fundamental a observação de detalhes técnicos de preservação do suprimento vascular da epífise durante o procedimento.77. Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim Y. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res. 2009;467:704-16.

O objetivo do presente trabalho é avaliar os resultados clínicos e radiográficos e as complicações da osteotomia de realinhamento subcapital por via artroscópica para tratamento da EPF crônica e estável relativos a uma série inicial de pacientes.

Conforme análise da literatura existente, esta é a primeira descrição da osteotomia de realinhamento subcapital por via artroscópica para tratamento da EPF crônica e estável.

Material e métodos

Estudo retrospectivo de pacientes que foram submetidos a osteotomia de realinhamento subcapital por via artroscópica para tratamento da EPF, operados entre junho de 2012 a dezembro de 2014. Foram incluídos pacientes com EPF crônica (mais de três semanas de evolução, sem agudização dos sintomas), estável,33. Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(8):1134-40. de grau II ou III de Southwick, sem tratamento prévio, sem sinais pré-operatórios de necrose ou condrólise e com placa epifisária aberta. Nesse período, submeteram-se a esse tratamento sete pacientes, seis do sexo masculino (e um do feminino) e com predomínio do lado esquerdo em cinco. A idade variou de 11 a 12 anos e três meses (DP = 6,9, média de 11 anos e quatro meses). O seguimento mínimo foi de seis e o máximo de 36 meses (DP = 10,3, média de 16,5 meses). Todas as cirurgias foram feitas pelo mesmo cirurgião (BDR). Todos os pacientes foram convocados e reavaliados. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Quanto aos aspectos clínicos, os pacientes foram avaliados pré e pós-operatoriamente de acordo com o Harris Hip Score modificado por Byrd (MHHS) apud Guimarães et al. 99. Guimarães RP, Alves DPL, Azuaga TL, Ono NK, Honda E, Polesello GC, et al. Tradução e adaptação transcultural do Harris Hip Score modificado por Byrd. Acta Ortop Bras. 2010;18(6):339-43.

Radiograficamente avaliaram-se os casos nas incidências anteroposterior de pelve e batráquio. Para determinar o grau de escorregamento pré-operatório, os critérios de Southwick44. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35. foram usados e os casos foram classificados em grau I (até 30o), grau II (30o a 60o) e grau III (acima de 60o). O grau de correção do escorregamento também foi aferido, compararam-se as medidas do ângulo epifisio-diafisário44. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35. (ÂED) pré e pós-operatoriamente na incidência batráquio. Durante o seguimento, a presença de necrose avascular da cabeça femoral e/ou condrólise foi analisada.

O método estatístico empregado para análise das variáveis pareadas (MHHS, ÂED) foi o teste de Wilcoxon, considerado estatisticamente significativo quando p < 0,05.

Técnica cirúrgica

Nesses casos, anestesia geral com bloqueio do nervo femoral é usada. O exame físico do quadril com o paciente sob anestesia é feito para avaliar passivamente o arco de movimento bilateralmente.

O paciente é colocado na posição supina em mesa radiotransparente. Não usamos mesa de tração ortopédica devido à necessidade de maior mobilidade do quadril para as múltiplas manobras transoperatórias. A pelve é levemente inclinada para o lado contralateral e usa-se um coxim radiotransparente sob a hemipelve a ser operada.

As referências anatômicas são demarcadas com caneta apropriada. Uma linha vertical a partir da espinha ilíaca anterossuperior é delimitada em direção ao centro da patela. Demarca-se a borda anterior, posterior e proximal do trocanter maior do fêmur. Os portais são posicionados com assistência de fluoroscopia. O primeiro portal estabelecido é o médio-anterior (MAP), que é o da câmera. Subsequentemente, o médio-anterior proximal (PMAP), que é o de trabalho, é estabelecido em localização que permita acesso paralelo à fise proximal do fêmur.

A abordagem artroscópica que usamos para o realinhamento subcapital é a extracapsular,1010. Roos BD, Roos MV, Camisa Júnior A, Lima EMU, Gyboski DP, Martins LS. Abordagem extracapsular para tratamento do impacto femoroacetabular: resultados clínicos, radiográficos e complicações. Rev Bras Ortop. 2015;50(4):430-7. que segue o acesso ao compartimento articular periférico descrito por Sampson.1111. Sampson TG. Arthroscopic treatment of femoroacetabular impingement. Tech Orthop. 2005;20(1):56-62.

Com o membro a ser operado em posição neutra e após o estabelecimento dos portais artroscópicos, faz-se a dissecção da cápsula articular anterior e do músculo iliocapsular, com radiofrequência e shaver até obtenção de exposição adequada. Faz-se então a capsulotomia em T no colo femoral, que pode ser estendida conforme a necessidade. A seguir, faz-se a capsulectomia até que se obtenha exposição adequada da região anterior da metáfise e epífise do fêmur proximal, em sua extensão médio-lateral. Com a radiofrequência procede-se à abertura longitudinal do periósteo e a seu descolamento junto ao colo femoral, o que permite formar um flap retinacular em conjunto com a epífise ( fig. 1).

Figura 1 -
A, imagem transoperatória de artroscopia de quadril para realinhamento subcapital no tratamento da EPF crônica e estável que evidencia a exposição do labrum (L), da cabeça femoral (C) e do colo femoral (CF). B, caracterização de corte axial do quadril esquerdo que evidencia a cabeça femoral (C), o colo femoral (CF) e a deformidade tipo CAME do colo femoral (D) decorrente da cronicidade da EPF.

Após exposição adequada faz-se a osteocondroplastia femoral da transição colo-cabeça, que permite ressecção da deformidade tipo CAME formada pela cronificação da EPF e melhor identificação da fise (fig. 2). Em graus mais severos de escorregamento, pode ser necessária a rotação externa e a extensão do membro para exposição da placa epifisária. A osteotomia é feita 2 mm distais à fise (para facilitar posterior encurtamento do colo) com osteótomo curvo específico em diferentes locais da placa epifisária até completa separação da epífise e da metáfise. Todos os pacientes apresentavam placa epifisária aberta, não houve dificuldades durante esse momento cirúrgico (fig. 3).

Figura 2 -
A,imagem transoperatória de quadril esquerdo após osteocondroplastia do colo femoral para correção da deformidade tipo CAME que evidencia a cabeça femoral (C) e o colo femoral (CF). B, caracterização de corte axial do quadril esquerdo que evidencia a cabeça femoral (C) e o colo femoral (CF) após osteocondroplastia do colo femoral para correção da deformidade tipo CAME.

Figura 3 -
A, imagem transoperatória de quadril esquerdo que evidencia o colo femoral (CF) e o osteótomo curvo (OC) durante osteotomia do colo no nível da fise de crescimento. B, caracterização de corte axial do quadril esquerdo que evidencia a cabeça femoral (C), o colo femoral (CF), a fise de crescimento (FC) e o osteótomo curvo (OC) posicionado para osteotomia do colo.

Com a metáfise femoral separada da epífise faz-se rotação externa do quadril e leve tração, para permitir o encurtamento do colo e a ressecção da fise com o uso de cureta artroscópica (fig. 4). A seguir, aplica-se adução do quadril para remoção do tecido ósseo neoformado na região posteromedial do colo femoral, que pode ser obstáculo à redução subsequente.

Figura 4 -
A,imagem transoperatória de quadril esquerdo que evidencia o colo femoral (CF) e a cureta artroscópica (CA) durante curetagem do colo femoral para encurtamento dele e ressecção da neoformação óssea posteroinferior. B, caracterização de corte axial do quadril esquerdo que evidencia a cabeça femoral (C), o colo femoral (CF) e a cureta artroscópica (CA).

Por fim, faz-se a manobra de abdução e rotação interna do quadril para redução da osteotomia (fig. 5). Um parafuso 6.5 esponjoso de rosca parcial é usado para fixação percutânea (Figura 6, Figura 7 and Figura 8).

Figura 5 -
Caracterização de corte axial do quadril esquerdo que evidencia a cabeça femoral (C) e o colo femoral (CF) após redução da osteotomia.

Figura 6 -
Paciente masculino 11 anos. Dor no quadril direito havia dois meses, deambulava sem muletas. RI quadril bloqueada, flexão 80o. A e B, radiografias pré-operatórias que evidenciam EPF à direita grau II de Southwick, ÂED 54o. C e D, radiografias pós-operatórias com 20 meses de seguimento, que evidenciam correção da deformidade, ÂED 8o.

Figura 7 -
Paciente feminina, 12 anos e dois meses. Dor no quadril esquerdo havia um mês, deambulava sem muletas. RI quadril bloqueada, flexão 90o. A e B, radiografias pré-operatórias que evidenciam EPF à esquerda, grau II de Southwick, ÂED 45o. C e D, radiografias pós-operatórias com seis meses de seguimento que evidenciam correção da deformidade, ÂED 6o.

Figura 8 -
Aspecto das incisões feitas que evidencia os portais artroscópicos (X) e a incisão para fixação percutânea do colo femoral (*).

Para reduzir o risco de necrose avascular da epífise proximal do fêmur é fundamental, no momento da osteotomia do colo, que se evite o direcionamento do osteótomo para o retináculo posterossuperior (que contém os ramos terminais da artéria circunflexa medial) e a artéria retinacular inferior (que se direciona à epífise por fora do tecido retinacular do colo do fêmur no ligamento medial de Weitbrecht), que não são visualizados durante a artroscopia. Da mesma forma, o encurtamento do colo femoral e a ressecção adequada da neoformação óssea posteromedial são fundamentais para evitar tensionamento excessivo dos vasos durante a manobra de redução da osteotomia.

Pós-operatoriamente, mantemos o paciente internado durante 24 horas para observação de sua evolução clínica. Usamos Naproxeno durante 30 dias para prevenção de ossificação heterotópica e orientamos o uso de muletas sem apoio do membro inferior operado pelo mesmo período, sem restrições ao arco de movimento do quadril. Aos 30 dias de pós-operatório fazemos exames radiográficos de controle, quando apoio total do membro inferior é permitido.

Resultados

Com relação à avaliação do escore clínico MHHS, observou-se média pré-operatória de 35,8 pontos (DP = 4,1, variação de 30,8 a 41,8) e pós-operatória de 97,5 (DP = 2,9, variação de 93,5 a 100), com aumento pós-operatório médio de 61,7. Observou-se diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) na comparação das aferições clínicas pré e pós-operatória do escore clínico MHHS.9

Quanto à avaliação radiográfica, classificaram-se pré-operatoriamente conforme Southwick4 cinco pacientes como grau II e dois como grau III. Observou-se ÂED4 pré-operatório médio de 51,2o(DP = 12,4, variação de 32o a 68o) e pós-operatório médio de 11,2o (DP = 5,1, variação de 6o a 18o), com correção pós-operatória média de 40o. Observou-se diferença estatisticamente significativa (p < 0,05) na comparação das aferições radiográficas pré e pós-operatória do ÂED4 (tabela 1).

Tabela 1-
Representação dos casos operados, descrição e média das aferições

Não se observaram complicações pós-operatórias imediatas. Um paciente (caso 2) evoluiu com NACF aos 60 dias após a cirurgia, sem colapso ou condrólise até o último seguimento (22 meses). Esse caso apresentava uma grande neoformação óssea posteromedial no colo femoral, que julgamos ter sido ressecada insuficientemente.

Discussão

A EPF é a doença mais comum no quadril do adolescente, com frequência estimada em 10,8 a cada 100.000 indivíduos.11. Lehmann CL, Arons RR, Loder RT, Vitale MG. The epidemiology of slipped capital femoral epiphysis: an update. J Pediatr Orthop. 2006;26(3):286-90. Estudos recentes da biomecânica do IFA indicam que pequenas deformidades anatômicas do quadril decorrentes da EPF são potenciais causadoras de danos condrais acetabulares permanentes22. Leunig M, Casillas MM, Hamlet M, Hersche O, Notzli H, Slongo T, et al. Slipped capital femoral epiphysis: early mechanical damage to the acetabular cartilage by a prominent femoral metaphysis. Acta Orthop Scand. 2000;71(4):370-5. e levam à osteoartrose precoce.

O deslocamento anterossuperior da metáfise femoral ocasionado pelo escorregamento leve ou moderado (classificação de Southwick)44. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35. leva à IFA tipo CAME e gera lesão progressiva da junção condrolabral devido à força de cisalhamento excessiva sobre essa estrutura. Já na EPF severa, o mecanismo biomecânico degenerativo é de IFA tipo PINCER, visto que a grande deformidade gera compressão e falha primária do lábio acetabular, além de lesão em contragolpe da cartilagem posteroinferior do acetábulo.88. Sucato DJ, De La Rocha A. High grade SCFE: the role of surgical hip dislocation and reduction. J Pediatr Orthop . 2014;34(1):18-24.

Leunig et al. 22. Leunig M, Casillas MM, Hamlet M, Hersche O, Notzli H, Slongo T, et al. Slipped capital femoral epiphysis: early mechanical damage to the acetabular cartilage by a prominent femoral metaphysis. Acta Orthop Scand. 2000;71(4):370-5. evidenciaram lesões labiais e condrais acetabulares em 14 pacientes com EPF instável3 durante o tratamento cirúrgico com a técnica de luxação cirúrgica do quadril e observaram que essas lesões ocorriam quando a metáfise femoral estava ao nível ou ultrapassava a linha da epífise. Da mesma forma, Sink et al., 1212. Sink EL, Zaltz I, Heare T, Dayton M. Acetabular cartilage and labral damage observed during surgical hip dislocation for stable slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop . 2010;30(1):26-30. com a mesma técnica, demonstraram a presença de lesões intra-articulares em 39 pacientes com EPF, 34 labiais e 33 condrais.

O procedimento original de Dunn para tratamento da EPF, descrito em 1964, consistia em osteotomia trapezoidal proximal do colo femoral para posterior redução e fixação do escorregamento.13Seus resultados foram publicados pela primeira vez em 1978, com 78 quadris tratados (25 agudos e 48 crônicos) e evolução de nove casos para NACF (duas necroses completas da epífise).1414. Dunn DM, Angel JC. Replacement of the femoral head by open operation in severe adolescent slipping of the proximal femoral epiphysis. J Bone Joint Surg. 1978;60(3):394-403.

Ganz et al. 1515. Ganz R, Gill TJ, Gautier E, Ganz K, Krugel N, Berlemann U. Surgical dislocation of the adult hip. A technique with full access to the femoral head and acetabulum without the risk of avascular necrosis. J Bone Joint Surg Br . 2001;83(8):1119-24. descreveram o uso da técnica de luxação cirúrgica do quadril na osteotomia de Dunn modificada (osteotomia de realinhamento subcapital) no tratamento das EPF de alto grau.44. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35.Conforme os autores, a abordagem permite acesso ao quadril e preserva o suprimento vascular epifisário e a adequada ressecção da neoformação óssea posteromedial do colo femoral, além de redução satisfatória da epífise. Com isso, e alcançado o objetivo de restauração da anatomia do fêmur proximal com técnica que diminua o risco de NACF.1515. Ganz R, Gill TJ, Gautier E, Ganz K, Krugel N, Berlemann U. Surgical dislocation of the adult hip. A technique with full access to the femoral head and acetabulum without the risk of avascular necrosis. J Bone Joint Surg Br . 2001;83(8):1119-24.

Leunig et al. 1616. Leunig M, Slongo T, Kleinschmidt M, Ganz R. Subcapital correction osteotomy in slipped capital femoral epiphysis by means of surgical hip dislocation. Oper Orthop Traumatol. 2007;19(4):389-410. publicaram os primeiros resultados dessa técnica em 2007, com 30 quadris tratados em média de seguimento de 55 meses. Desses, 24 casos foram considerados escorregamentos crônicos e não foi observada evolução para NACF. Dois casos (6,66%) foram reoperados por falha da fixação com parafusos. Ziebarth et al. 77. Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim Y. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res. 2009;467:704-16. também avaliaram retrospectivamente essa técnica em 40 pacientes, divididos em duas coortes de centros distintos com seguimento médio de 5,4 e 2,2 anos. Houve normalização do ângulo alfa e do ângulo de escorregamento em todos os casos e não se observou-se NACF ou condrólise.77. Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim Y. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res. 2009;467:704-16.

Outros autores publicaram os resultados do uso da técnica descrita por Ganz e apresentaram um maior número de complicações. Sankar et al.,1717. Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicentric perspective. J Bone Joint Surg Am . 2013;95(7):585-91. em estudo multicêntrico que avaliou 27 pacientes com EPF instável33. Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(8):1134-40. em seguimento médio de 22,3 meses, observaram quatro pacientes (15%) com necessidade de reoperação por falha da fixação e sete casos (26%) de NACF. A média de evolução pós-operatória para osteonecrose foi de 21,4 semanas, os pacientes que não evoluíram para tal complicação apresentaram escore clínico de dor significativamente menor e maior satisfação pós-operatória.1717. Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicentric perspective. J Bone Joint Surg Am . 2013;95(7):585-91. Upasani et al. 1818. Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MD, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pedriatr Orthop. 2014;34(7):661-7. apresentaram os resultados de 43 pacientes tratados com essa técnica, 60% dos casos eram portadores de EPF instável,33. Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(8):1134-40. 40% considerados agudos e 86% classificados como escorregamento severo.44. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35. Observaram-se 22 complicações em 16 pacientes, com 15 reoperações por NACF, falha da fixação e luxação pós-operatória do quadril. Em dois pacientes houve necessidade de indicação de artroplastia total do quadril.

Dois autores nacionais relataram o tratamento artroscópico da EPF crônica-agudizada (instável).33. Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(8):1134-40. Akkari et al. 1919. Akkari M, Santili C, Braga SR, Polessello GC. Trapezoidal bony correction of the femoral neck in the treatment of severe acute-on- chronic slipped capital femoral epiphysis. Arthroscopy. 2010;26(11):1485-95. apresentaram os resultados de cinco casos artroscópicos tratados com osteotomia trapezoidal, com média pré-operatória do ângulo epifisio-diafisário44. Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35. de 82o e pós-operatória de 14o e com um caso que evoluiu para NACF.1919. Akkari M, Santili C, Braga SR, Polessello GC. Trapezoidal bony correction of the femoral neck in the treatment of severe acute-on- chronic slipped capital femoral epiphysis. Arthroscopy. 2010;26(11):1485-95. Dobashi et al. 2020. Dobashi ET, Blumetti FC, Pinto JP, Milani C, Ishida A. Artroscopia do quadril na epifisiólise grave. Rev Bras Ortop . 2010;45 Suppl.:59-62. apresentaram um relato de caso de um paciente de 12 anos em que foi feito tratamento artroscópico de osteotomia do colo femoral descrita como tipo Dunn e obteve-se correção do escorregamento de 70o para 30o.

Os autores do presente trabalho apresentam uma opção às técnicas clássicas de realinhamento subcapital para tratamento da EPF crônica e estável3 que permite acesso adequado à articulação do quadril e redução adequada do escorregamento, além da vantagem teórica de rápida reabilitação do paciente. O tempo de evolução do escorregamento não é fator limitante para a aplicação dessa técnica, porém a indicamos somente em casos com placa epifisária aberta.

Conforme análise da literatura, esta é a primeira descrição de osteotomia de realinhamento subcapital por via artroscópica para tratamento da EPF crônica e estável. Reiteramos que, previamente à técnica artroscópica descrita, é fundamental que o cirurgião tenha adequado treinamento em artroscopia de quadril, além de experiência na osteotomia subcapital aberta, devido às múltiplas dificuldades técnicas do tratamento proposto.

Conclusão

A técnica artroscópica apresentada pelos autores para tratamento da epifisiólise proximal do fêmur crônica e estável resultou em melhoria clínica e radiográfica dos pacientes nesta série inicial, com seguimento médio de 16,5 meses. Observou-se um caso de NACF, sem colapso ou condrólise aos 22 meses de seguimento.

References

  • 1
    Lehmann CL, Arons RR, Loder RT, Vitale MG. The epidemiology of slipped capital femoral epiphysis: an update. J Pediatr Orthop. 2006;26(3):286-90.
  • 2
    Leunig M, Casillas MM, Hamlet M, Hersche O, Notzli H, Slongo T, et al. Slipped capital femoral epiphysis: early mechanical damage to the acetabular cartilage by a prominent femoral metaphysis. Acta Orthop Scand. 2000;71(4):370-5.
  • 3
    Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(8):1134-40.
  • 4
    Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am . 1967;49(5):807-35.
  • 5
    Bellemans J, Fabry G, Molenaers G, Lammens J, Moens P. Slipped capital femoral epiphysis: a long-term follow- up, with special emphasis on the capacities for remodeling. J Pediatr Orthop B. 1996;5(3):151-7.
  • 6
    Jones JR, Paterson DC, Hillier TM, Foster BK. Remodelling after pinning for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br. 1990;72(4):56873.
  • 7
    Ziebarth K, Zilkens C, Spencer S, Leunig M, Ganz R, Kim Y. Capital realignment for moderate and severe SCFE using a modified Dunn procedure. Clin Orthop Relat Res. 2009;467:704-16.
  • 8
    Sucato DJ, De La Rocha A. High grade SCFE: the role of surgical hip dislocation and reduction. J Pediatr Orthop . 2014;34(1):18-24.
  • 9
    Guimarães RP, Alves DPL, Azuaga TL, Ono NK, Honda E, Polesello GC, et al. Tradução e adaptação transcultural do Harris Hip Score modificado por Byrd. Acta Ortop Bras. 2010;18(6):339-43.
  • 10
    Roos BD, Roos MV, Camisa Júnior A, Lima EMU, Gyboski DP, Martins LS. Abordagem extracapsular para tratamento do impacto femoroacetabular: resultados clínicos, radiográficos e complicações. Rev Bras Ortop. 2015;50(4):430-7.
  • 11
    Sampson TG. Arthroscopic treatment of femoroacetabular impingement. Tech Orthop. 2005;20(1):56-62.
  • 12
    Sink EL, Zaltz I, Heare T, Dayton M. Acetabular cartilage and labral damage observed during surgical hip dislocation for stable slipped capital femoral epiphysis. J Pediatr Orthop . 2010;30(1):26-30.
  • 13
    Dunn DM. The treatment of adolescent slipping of the upper femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Br . 1964;46:621-9.
  • 14
    Dunn DM, Angel JC. Replacement of the femoral head by open operation in severe adolescent slipping of the proximal femoral epiphysis. J Bone Joint Surg. 1978;60(3):394-403.
  • 15
    Ganz R, Gill TJ, Gautier E, Ganz K, Krugel N, Berlemann U. Surgical dislocation of the adult hip. A technique with full access to the femoral head and acetabulum without the risk of avascular necrosis. J Bone Joint Surg Br . 2001;83(8):1119-24.
  • 16
    Leunig M, Slongo T, Kleinschmidt M, Ganz R. Subcapital correction osteotomy in slipped capital femoral epiphysis by means of surgical hip dislocation. Oper Orthop Traumatol. 2007;19(4):389-410.
  • 17
    Sankar WN, Vanderhave KL, Matheney T, Herrera-Soto JA, Karlen JW. The modified Dunn procedure for unstable slipped capital femoral epiphysis: a multicentric perspective. J Bone Joint Surg Am . 2013;95(7):585-91.
  • 18
    Upasani VV, Matheney TH, Spencer SA, Kim YJ, Millis MD, Kasser JR. Complications after modified Dunn osteotomy for the treatment of adolescent slipped capital femoral epiphysis. J Pedriatr Orthop. 2014;34(7):661-7.
  • 19
    Akkari M, Santili C, Braga SR, Polessello GC. Trapezoidal bony correction of the femoral neck in the treatment of severe acute-on- chronic slipped capital femoral epiphysis. Arthroscopy. 2010;26(11):1485-95.
  • 20
    Dobashi ET, Blumetti FC, Pinto JP, Milani C, Ishida A. Artroscopia do quadril na epifisiólise grave. Rev Bras Ortop . 2010;45 Suppl.:59-62.
  • Trabalho desenvolvido na Cirurgia do Quadril, Hospital Ortopédico de Passo Fundo (HOPF), Passo Fundo, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2016
  • Aceito
    29 Mar 2016
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br