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Rupturas bilaterais simultâneas dos tendões patelares Trabalho feito no Hospital e Centro Universitário de Coimbra, Departamento de Ortopedia, Coimbra, Portugal

RESUMO

As rupturas bilaterais dos tendões patelares são uma entidade rara, muitas vezes associadas com doenças sistêmicas e tendinopatia patelar. Apresentamos um caso raro de um homem de 34 anos com rotura bilateral simultânea dos tendões patelares causada por trauma leve. O paciente é um jogador de basquetebol aposentado, sem queixas de dor crônica do joelho e com história de consumo de esteroides. O tratamento cirúrgico consistiu na reparação tendinosa primária de ponta a ponta, protegida temporariamente com banda de cerclage, seguida de curto tempo de imobilização e programa intensivo de reabilitação. Aos cinco meses após a cirurgia, o paciente era capaz de participar sem restrições de atividades desportivas.

Palavras-chave:
Ligamento patelar; Ruptura espontânea; Traumatismos dos tendões; Esteroides; Reabilitação

ABSTRACT

Bilateral patellar tendon rupture is a rare entity, often associated with systemic diseases and patellar tendinopathy. The authors report a rare case of a 34-year-old man with simultaneous bilateral rupture of the patellar tendon caused by minor trauma. The patient is a retired basketball player with no past complaints of chronic knee pain and a history of steroid use. Surgical management consisted in primary end-to-end tendon repair protected temporarily with cerclage wiring, followed by a short immobilization period and intensive rehabilitation program. Five months after surgery, the patient was able to fully participate in sport activities.

Keywords:
Patellar ligament; Rupture, spontaneous; Tendon injuries; Steroids; Rehabilitation

Introdução

As rupturas do mecanismo extensor do joelho são frequentes e afetam mais frequentemente a patela.11. Kellersmann R, Blattert TR, Weckbach A. Bilateral patellar tendon rupture without predisposing systemic disease or steroid use: a case report and review of the literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2005;125:127-33.and22. Enad JG. Patellar tendon ruptures. South Med J. 1999;92:563-6. Rupturas bilaterais simultâneas dos tendões patelares são eventos incomuns que só foram documentados em relatos de caso.11. Kellersmann R, Blattert TR, Weckbach A. Bilateral patellar tendon rupture without predisposing systemic disease or steroid use: a case report and review of the literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2005;125:127-33.,33. Splain SH, Ferenz C. Bilateral simultaneous infrapatellar tendon rupture: support for Davidsson's theory. Orthop Rev. 1988;17:802-5.and44. Stinner DJ, Orr JD, Hsu JR. Fluoroquinolone-associated bilateral patellar tendon rupture: a case report and review of the literature. Mil Med. 2010;175:457-9.

Relato de caso

Homem negro, de 34 anos, que, após uma parada súbita associada a um movimento torsional com ambos os joelhos em ligeira flexão, experimentou sensação de falseio e dor aguda forte em ambos os joelhos. Ele caiu no chão e foi incapaz de pisar e deambular.

No pronto-socorro ortopédico, o paciente relatou dor bilateral de joelho. Ambos os joelhos apresentavam algumas escoriações superficiais e leve derrame. À palpação, foi possível identificar uma lacuna infrapatelar bilateral com migração cefálica de ambas patelas. O teste de elevação ativa da perna reta mostrou-se negativo para ambas as extremidades e o paciente foi incapaz de fazer extensão ativa de ambos os joelhos. O exame neurovascular estava normal.

O diagnóstico clínico preliminar foi de ruptura bilateral do tendão patelar.

O paciente havia jogado basquetebol profissionalmente dos 18 aos 25 anos e praticado halterofilismo competitivo até os 30 anos. Ele admitiu ter usado alguns ciclos de esteroides orais e injetáveis durante o tempo de prática competitiva em levantamento de peso. Atualmente, é segurança e praticante recreativo de levantamento de peso. O paciente garantiu não haver tomado esteroides ou quaisquer outros suplementos nos últimos três anos. Ele relatou não ter sofrido lesões nos joelhos anteriormente e negou dor crônica no joelho. No momento do trauma, o paciente apresentava biotipo atlético, pesava 120 kg e media 192 cm de altura.

As radiografias mostraram migração cefálica da patela e pequenas calcificações avulsionadas dos polos inferiores de ambas patelas. Além disso, identificou-se uma fratura em espiral isolada e não desviada no colo da fíbula esquerda (fig. 1). O ultrassom confirmou a ruptura bilateral total dos tendões patelares. No intraoperatório, foi observada ruptura na substância de ambos tendões, perto dos polos patelares inferiores, com algumas porções avulsionados na inserção patelar. Os retináculos lateral e medial estavam rompidos bilateralmente. Foi feito reparo tendíneo primário boca a boca com a técnica de Kessler e reforçado com suturas intraósseas em ambos os joelhos. O reparo foi protegido temporariamente com banda de cerclagem, seguido de imobilização com gesso cilíndrico na perna. Optamos pelo uso de fio monofilamentar não absorvível em laço para permitir a tensão de sutura adequada em sua segunda passagem pelo meio do laço (fig. 2). A tensão dos pontos foi cuidadosamente ajustada para evitar a diminuição da altura patelar. Os retináculos rompidos foram reparados por sutura com fios Vicryl. A força do reparo foi testada por meio da flexão cuidadosa de ambos os joelhos (fig. 3). A cerclagem foi feita com banda de tensão em figura de oito ao redor do polo superior da patela, passou em frente ao tendão, fixada com um parafuso transversal pelo tuberosidade tibial e amarrada em flexão do joelho de cerca de 60° (fig. 4).

Figura 1 -
Radiografias em perfil do joelho após ruptura bilateral do tendão patelar, evidenciam migração cefálica da patela ("patela alta"), fraturas por avulsão dos polos inferiores em ambas patelas e uma fratura em espiral isolada e não desviada do colo da fíbula esquerda (lado esquerdo).

Figura 2 -
Ruptura bilateral do tendão patelar na cirurgia: sutura em laço com fio monofilamentar que permitiu, por sua passagem dentro do laço, uma tensão de sutura adequada.

Figura 3 -
Movimento de flexão do joelho para testar a integridade e resistência da sutura.

Figura 4 -
Aplicação de cerclagem em banda de tensão em figura de oito entre o tendão quadricipital distal e um parafuso transversal na tuberosidade anterior da tíbia.

O pós-operatório transcorreu sem intercorrências e o controle radiográfico foi satisfatório (fig. 5). A imobilização gessada foi removida no terceiro dia pós-operatório e o paciente começou a deambular com muletas e órteses de joelho com regulagem de extensão; permitiu-se carga de peso conforme tolerado. Na segunda semana pós-operatória, foi iniciada a retirada periódica dos imobilizadores e programa de reabilitação diário, que consistiu inicialmente em exercícios isométricos de fortalecimento muscular e flexão do joelho, restritos a 60°, complementados com massagem dos tecidos moles peripatelares. Na quarta semana, o paciente conseguia andar sem muletas, não apresentava dor e alcançou 40° de flexão ativa bilateral máxima. Na sexta semana, o paciente atingiu 60° de flexão e o uso de órteses foi interrompido. Na oitava semana pós-operatória, a banda de cerclagem foi removida e o paciente continuou o programa de fisioterapia diário, com progressão para flexão total do joelho e ênfase em exercícios de fortalecimento muscular. O uso de bicicleta estacionária foi introduzido na nona semana. Onze semanas após a cirurgia, o paciente apresentou 100° de flexão bilateral do joelho e voltou a trabalhar. No acompanhamento feito cinco meses após a cirurgia, o paciente apresentou uma amplitude de movimento satisfatória em ambos os joelhos (135° de flexão, 0° de extensão), boa força no quadríceps e nenhum sinal de atrofia muscular ou déficit de extensão (fig. 6). Ele negou qualquer sensação de instabilidade ou inchaço e, portanto, foi autorizado a retomar as atividades esportivas recreativas. O paciente relatou sentir que seus joelhos estavam tão fortes como antes das lesões e ser capaz de correr, agachar e saltar sem dificuldade.

Figura 5 -
Duas semanas após a cirurgia: controle radiográfico.

Figura 6 -
Cinco meses após a cirurgia: 135° de flexão, 0° de extensão em ambos os joelhos.

Discussão

Rupturas do tendão patelar estão geralmente associadas a tendões doentes.11. Kellersmann R, Blattert TR, Weckbach A. Bilateral patellar tendon rupture without predisposing systemic disease or steroid use: a case report and review of the literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2005;125:127-33. O presente paciente tinha histórico de consumo de esteroides anabolizantes, o que poderia ter causado alterações degenerativas que enfraquecem a integridade estrutural do tendão e levam a um maior risco de ruptura mesmo no contexto de trauma menor.11. Kellersmann R, Blattert TR, Weckbach A. Bilateral patellar tendon rupture without predisposing systemic disease or steroid use: a case report and review of the literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2005;125:127-33.,22. Enad JG. Patellar tendon ruptures. South Med J. 1999;92:563-6.,44. Stinner DJ, Orr JD, Hsu JR. Fluoroquinolone-associated bilateral patellar tendon rupture: a case report and review of the literature. Mil Med. 2010;175:457-9.,55. Carson WG Jr. Diagnosis of extensor mechanism disorders. Clin Sports Med. 1985;4:231-46.,66. Rose PS, Frassica FJ. Atraumatic bilateral patellar tendon rupture. A case report and review of the literature. J Bone Joint Surg Am. 2001;83:1382-6.,77. Van Glabbeek F, De Groof E, Boghemans J. Bilateral patellar tendon rupture: case report and literature review. J Trauma. 1992;33:790-2.and88. Kannus P, Józsa L. Histopathological changes preceding spontaneous rupture of a tendon. A controlled study of 891 patients. J Bone Joint Surg Am . 1991;73:1507-25. Além disso, o elevado peso corporal do paciente e sua prévia participação em atividades esportivas competitivas de alto nível podem ter causado alterações degenerativas crônicas nos tendões patelares, como é possível supor a partir das calcificações no polo inferior da patela, ainda que o paciente tenha negado a presença de dor crônica no joelho ou desconforto compatível com tendinopatia patelar.99. Rosenberg JM, Whitaker JH. Bilateral infrapatellar tendon rupture in a patient with jumper's knee. Am J Sports Med. 1991;19:94-5.

O reparo primário do tendão deve ser feito o mais rapidamente possível para evitar retração proximal da patela, formação de cicatriz, dificuldades no reparo e pioria da função em longo prazo.11. Kellersmann R, Blattert TR, Weckbach A. Bilateral patellar tendon rupture without predisposing systemic disease or steroid use: a case report and review of the literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2005;125:127-33.and66. Rose PS, Frassica FJ. Atraumatic bilateral patellar tendon rupture. A case report and review of the literature. J Bone Joint Surg Am. 2001;83:1382-6. O reparo local protegido por técnica de banda de tensão para neutralizar as forças geradas sobre o mecanismo extensor reduz a tensão nos locais de reparação e permite uma cicatrização sem complicações. Embora o uso de banda de cerclagem em rupturas bilaterais do tendão patelar ainda seja controverso, os autores acreditam que a prática permitiu alcançar todos os benefícios de imobilização gessada mínima e de fisioterapia precoce controlada iniciada duas semanas após a cirurgia, o que foi importante para evitar a atrofia do quadríceps. O programa de reabilitação prescrito levou ao rápido ganho de amplitude de movimento e ao retorno mais rápido ao trabalho e às atividades esportivas se comparado com os relatos na literatura.11. Kellersmann R, Blattert TR, Weckbach A. Bilateral patellar tendon rupture without predisposing systemic disease or steroid use: a case report and review of the literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2005;125:127-33.,66. Rose PS, Frassica FJ. Atraumatic bilateral patellar tendon rupture. A case report and review of the literature. J Bone Joint Surg Am. 2001;83:1382-6.,99. Rosenberg JM, Whitaker JH. Bilateral infrapatellar tendon rupture in a patient with jumper's knee. Am J Sports Med. 1991;19:94-5.and1010. Muller ME, Allgower M. Manual of internal fixation: techniques recommended by the AO- ASIF. Berlin: Springer- Verlag; 1970.

Em conclusão, os autores apresentaram um caso de ruptura bilateral do tendão patelar provavelmente associado à ingestão de esteroides anabolizantes e estresse local repetitivo. A natureza bilateral da lesão pode dificultar a reabilitação. Acredita-se que as principais razões para os excelentes e céleres resultados funcionais foram: reparo precoce do tendão, com tensão e força da sutura adequadas; uso da banda de cerclagem; tempo reduzido de imobilização gessada; programa de fisioterapia intensivo, controlado e especializado; e um paciente fortemente motivado.

References

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  • 10
    Muller ME, Allgower M. Manual of internal fixation: techniques recommended by the AO- ASIF. Berlin: Springer- Verlag; 1970.
  • Trabalho feito no Hospital e Centro Universitário de Coimbra, Departamento de Ortopedia, Coimbra, Portugal

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2016
  • Aceito
    28 Mar 2016
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