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Modificação da incidência radiográfica axilar para o ombro: uma nova posição Trabalho desenvolvido no Hospital Municipal Dr. Nelson de Sá Earp, Petrópolis, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; e no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, Duque de Caxias, RJ, Brasil

RESUMO

A obtenção de radiografias em perfil axilar do ombro em situação de trauma agudo nem sempre é tarefa fácil. Os autores apresentam uma modificação inédita dessa incidência radiográfica, com o objetivo de avaliar a relação anatômica da cabeça umeral com a cavidade glenoide. A incidência é medida com o paciente sentado sobre a mesa de exames de raios X, com o membro acometido apoiado sobre ela. Os autores descrevem o caso de um paciente de 28 anos que sofreu um episódio de luxação glenoumeral anterior que foi claramente evidenciada pela radiografia modificada. A relação de concentricidade entre a cabeça umeral e a cavidade glenoide foi facilmente confirmada pela obtenção da referida incidência radiográfica obtida após a manobra de redução.

Palavras-chave:
Ombro; Luxação do ombro; Articulação do ombro; Radiografia

ABSTRACT

Obtaining axillary radiographs of the shoulder in acute trauma is not always feasible. The authors present a new modification of this radiographic view, in order to assess the anatomic relationship between the humeral head and the glenoid cavity. The incidence is performed with the patient sitting on X-ray table, with the affected limb supported thereon. The authors describe the case of a 28-year-old male who suffered an anterior glenohumeral dislocation that was clearly evidenced by this modified radiograph. The concentric relationship between the humeral head and the glenoid cavity was also easily confirmed by obtaining such radiograph after the reduction maneuver.

Keywords:
Shoulder; Shoulder dislocation; Shoulder joint; Radiography

Introdução

Existe uma recomendação geral, no atendimento ao paciente vítima de trauma ortopédico, sobre a feitura de pelo menos duas incidências radiográficas em planos ortogonais para avaliação adequada de um membro ou articulação traumatizada.11. Moghadamian ES, Bosse MJ, MacKenzie EJ. Principles of mangled extremity management. In: Bucholz RW, Heckman JD, Court- Brown CM, Tornetta P, editors. Rockwood and Green's fractures in adults. Lippincott Williams & Wilkins; 2010. p. 334. No caso da articulação do ombro, tal recomendação é especialmente valiosa, pois deixar de fazer as radiografias em planos ortogonais, principalmente deixar de fazer a radiografia axilar, é apontado como a principal causa de falta do diagnóstico correto em luxações glenoumerais.22. Rowe C, Zarins B. Chronic unreduced dislocation of the shoulder. J Bone Jt Surg Am. 1982;64(4):494-505. As radiografias em anteroposterior, perfil de escápula e axilar são conhecidas como a série trauma do ombro33. Neer CS 2nd . Displaced proximal humeral fractures. I. Classification and evaluation. J Bone Jt Surg Am . 1970;52(6):1077-89. e devem ser feitas em todos os pacientes vítimas de trauma daquela articulação. A incidência axilar foi primeiramente descrita por Lawrence, em 1915, apud Jensen e Rockwood,44. Jensen KL, Rockwood CA Jr. Radiographic evaluation of shoulder problems. In: Rockwood CA Jr, Matsen FA 3rd, Wirth MA, Lippitt SB, editors. The shoulder. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2004. p. 188. e pode ser feita com o paciente de pé ou sentado. Para sua execução, de forma ideal, é necessário que se faça a abdução de cerca de 70 a 90 graus do ombro. Em pacientes com traumas leves, é possível conseguir esse grau de abdução, mas em pacientes com traumas mais graves e, principalmente, aqueles com luxação da articulação glenoumeral existe grande dificuldade para se obter a imagem axial, pois o quadro álgico e a incongruência articular, quando presente, limitam em muito a capacidade de abdução da articulação. Por esse motivo, modificações da incidência axilar clássica têm sido propostas.55. Bloom MH, Obata WG. Diagnosis of posterior dislocation of the shoulder with use of Velpeau axillary and angle-up roentgenographic views. J Bone Jt Surg Am . 1967;49(5):943-9.and66. Cleaves EN. A new film holder for roentgen examinations of the shoulder. Am J Roentgenol. 1941;45(2):88-90. A incidência descrita por Bloom e Obata5 é, talvez, a mais conhecida e permite a radiografia axilar sem que o braço do paciente tenha de ser removido da tipoia - o que seria, em princípio, mais confortável. Na nossa experiência, entretanto, essa incidência é difícil de ser obtida, principalmente no idoso, uma vez que exige a inclinação do tronco para posterior, com o paciente em ortostatismo, o que dificulta a manutenção do equilíbrio e prejudica o posicionamento do membro. A incidência descrita por Cleaves66. Cleaves EN. A new film holder for roentgen examinations of the shoulder. Am J Roentgenol. 1941;45(2):88-90. exige o uso de um chassi curvo, não disponível no nosso meio. Diante dessas dificuldades, vimos a necessidade de desenvolver uma modificação da técnica de Lawrence, em uma posição que fosse mais confortável para o paciente e que fosse de fácil reprodução. A atitude do paciente para a feitura da radiografia foi denominada posição de Senna, em referência ao autor principal e idealizador da técnica. A incidência é descrita a seguir e tem por objetivo evidenciar, em projeção axial, a relação entre a cabeça umeral e a cavidade glenoide.

Técnica

Para a obtenção da nossa modificação da radiografia axilar, é solicitado ao paciente que se sente sobre a mesa radiográfica, com os pés pendentes. Em seguida, solicita-se que apoie a mão do lado acometido espalmada sobre a mesa. Apenas um pequeno grau de abdução é necessário. O ângulo de abdução formado entre a borda medial do braço e lateral do tórax deve medir cerca de 30 graus. Os raios X são direcionados à articulação glenoumeral, perpendicularmente à mesa, a 60 centímetros do ombro. O chassi com o filme radiográfico fica apoiado sobre a mesa, diretamente abaixo da sombra formada pelo contorno do ombro, com sua borda anterior imediatamente atrás do trocanter maior do fêmur (fig. 1). É importante observar que o tronco do paciente deve estar levemente inclinado para o lado afetado, em cerca de 10 graus. O tronco também deve estar inclinado para trás e deve-se orientar ao paciente para que tente acentuar a cifose torácica. É interessante notar que essa posição de inclinação lateral do tronco, com acentuação da cifose torácica, é naturalmente adotada pela maioria dos pacientes vítimas de luxação glenoumeral, quando estão sentados, o que torna o exame mais fácil de ser feito e menos doloroso para o paciente, por respeitar sua posição antálgica natural.

Figura 1 -
Desenho esquemático que representando a vista frontal (A) e a superior (B) do posicionamento do paciente, do chassi e do ângulo de incidência dos raios X para a radiografia axilar modificada.

Relato de caso

Um paciente do gênero masculino, pardo, com 28 anos, deu entrada na emergência do nosso hospital deambulando por meios próprios com queixas de dor, deformidade e impotência funcional no ombro esquerdo após queda de motocicleta. Segundo o próprio paciente, que se encontrava lúcido e orientado no tempo e no espaço, sem sinais de outras lesões e sem outras queixas, o acidente teria ocorrido cerca de 30 minutos antes. Ele negava qualquer episódio anterior de luxação glenoumeral ou fratura naquela região. O exame físico revelou deformidade tipo "dragona de soldado" e o paciente acusava dor, de forte intensidade, a qualquer manipulação do membro acometido. O exame neurovascular dos membros superiores se mostrou inalterado. Diante da suspeita de luxação da articulação glenoumeral, foram necessárias duas radiografias do ombro esquerdo, em planos ortogonais. Além da radiografia em anteroposterior, foi feita a radiografia axilar modificada, na posição de Senna (fig. 2). Essa evidenciou claramente uma luxação glenoumeral anterior. O paciente foi submetido à redução incruenta da luxação por meio de tração e contratração, com sucesso. Após a redução, uma nova radiografia na posição de Senna foi feita e confirmou a redução concêntrica da articulação (fig. 3). O paciente foi imobilizado com uma tipoia americana e encaminhado para acompanhamento ambulatorial.

Figura 2 -
Fotografia do paciente em anteroposterior (A) e em perfil esquerdo (B) na posição radiográfica de Senna.

Figura 3 -
Radiografias pré-redução (A) e pós-redução (B) da luxação glenoumeral do paciente da figura 2.

Comentários finais

A nossa incidência axilar modificada se mostrou de fácil execução, com mínimo desconforto para o paciente. As imagens obtidas evidenciaram, com clareza, a relação anatômica entre a cabeça umeral e a cavidade glenoide em uma visão axial e permitiram avaliar, com segurança, a luxação e a redução da luxação da articulação glenoumeral.

References

  • 1
    Moghadamian ES, Bosse MJ, MacKenzie EJ. Principles of mangled extremity management. In: Bucholz RW, Heckman JD, Court- Brown CM, Tornetta P, editors. Rockwood and Green's fractures in adults. Lippincott Williams & Wilkins; 2010. p. 334.
  • 2
    Rowe C, Zarins B. Chronic unreduced dislocation of the shoulder. J Bone Jt Surg Am. 1982;64(4):494-505.
  • 3
    Neer CS 2nd . Displaced proximal humeral fractures. I. Classification and evaluation. J Bone Jt Surg Am . 1970;52(6):1077-89.
  • 4
    Jensen KL, Rockwood CA Jr. Radiographic evaluation of shoulder problems. In: Rockwood CA Jr, Matsen FA 3rd, Wirth MA, Lippitt SB, editors. The shoulder. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2004. p. 188.
  • 5
    Bloom MH, Obata WG. Diagnosis of posterior dislocation of the shoulder with use of Velpeau axillary and angle-up roentgenographic views. J Bone Jt Surg Am . 1967;49(5):943-9.
  • 6
    Cleaves EN. A new film holder for roentgen examinations of the shoulder. Am J Roentgenol. 1941;45(2):88-90.
  • Trabalho desenvolvido no Hospital Municipal Dr. Nelson de Sá Earp, Petrópolis, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; e no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, Duque de Caxias, RJ, Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Dez 2015
  • Aceito
    28 Jan 2016
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