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Fraturas da diáfise da clavícula ainda são tratadas tradicionalmente, de forma não cirúrgica? Trabalho desenvolvido no Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Avaliar a decisão de cirurgiões ortopédicos sobre em que casos indicariam a cirurgia ou tratariam não cirurgicamente.

MÉTODOS:

Foram analisadas 20 imagens de radiografias com fratura do terço médio da clavícula (AO/OTA 15-B) em incidência anteroposterior, que foram divididas em quatro grupos: 1 - fratura do tipo AO/OTA 15-B1 sem desvio; 2 - fratura do tipo AO/OTA 15-B1 com desvio; 3 - fratura do tipo AO/OTA 15-B2; 4 - fratura do tipo AO/OTA 15-B3. Ao avaliador, foi solicitado que indicasse o tipo de tratamento: cirúrgico ou não cirúrgico.

RESULTADOS:

Não houve correlação forte entre a quantidade de indicações cirúrgicas e o tempo de atuação do médico avaliador ou sua idade. Verificou-se que a média de indicação de cirurgias no total da amostra foi de 52%. Quando estudadas as indicações por diferentes regiões do Brasil, não houve diferença significativa. Não foi verificado qualquer padrão para as regiões brasileiras na análise por caso. Mesmo dentro de um grupo (casos de mesma complexidade), não foi verificado um padrão específico de indicação cirúrgica.

CONCLUSÃO:

Não foi verificada associação entre a indicação cirúrgica e o tempo de atuação do profissional. As regiões Sul e Sudeste são as que mais recomendam a cirurgia dos grupos 2, 3 e 4. Verificou-se que em nenhuma região foi mantido o mesmo nível de indicação de cirurgias para casos do mesmo grau de complexidade.

Palavras-chave:
Fraturas ósseas/cirurgia; Fraturas ósseas/radiografia; Clavícula/cirurgia; Clavícula/radiografia; Placas ósseas

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To evaluate the decision of orthopedics surgeons regarding which cases they would indicate surgery or non-surgical treatment.

METHODS:

20 images of radiographs with fracture in the middle third of the collar bone (AO/OTA 15-B) in anteroposterior view were analyzed, and divided into four groups: group 1 - fracture type AO/OTA 15-B1 without displacement; group 2 - fracture type AO/OTA 15-B1 with displacement; group 3 - fracture type AO/OTA 15-B2; group 4 - fracture type AO/OTA 15-B3. The evaluator was requested to indicate the choice of treatment, surgical or non-surgical.

RESULTS:

There was no strong correlation between the amount of surgical indications and the working experience or age of the medical evaluator. It was observed that the average of surgical indications in the total sample was 52%. When indications were studied in different areas of Brazil, there was no significant difference among them. No pattern for the Brazilian regions studied was observed in the case analysis. Even within a group (cases of the same complexity), no specific pattern of surgical indication was observed.

CONCLUSION:

No association between surgical indication and the length of professional experience was found. The Southern and Southeastern regions were those that most recommended surgeries in groups 2, 3, and 4. In no region the same level of surgical indication for cases of the same complexity rate was kept.

Keywords:
Fractures, bone surgery; Fractures, bone radiography; Clavicule/surgery; Clavicule/radiography; Bone plates

Introdução

As fraturas da clavícula são lesões comuns e ocorrem entre 2,6 e 4% dos adultos. São responsáveis por 44% das fraturas da cintura escapular.11 Robinson CM. Fractures of the clavicle in the adult. Epidemiology and classification. J Bone Joint Surg Br. 1998;80(3):476-84.

2 Nordqvist A, Petersson C. The incidence of fractures of the clavicle. Clin Orthop Relat Res. 1994;(300):127-32.
-33 Postacchini F, Gumina S, De Santis P, Albo F. Epidemiology of clavicle fractures. J Shoulder Elbow Surg. 2002;11(5):452-6. Isso ocorre pelo fato de ser essa região a mais delgada da clavícula e por não estar protegida por tecido muscular. O tratamento conservador tem sido recomendado, demostra baixas taxas de pseudartrose, em menos de 1% dos casos.44 Neer CS 2nd. Nonunion of the clavicle. J Am Med Assoc. 1960;172:1006-11.,55 Rowe CR. An atlas of anatomy and treatment of midclavicular fractures. Clin Orthop Relat Res. 1968;58:29-42. Entretanto, a literatura recente tem mostrado taxas de pseudartrose superiores a 15% e resultados insatisfatórios entre 23% e 31%.66 Canadian Orthopaedic Trauma Society. Nonoperative treatment compared with plate fixation of displaced midshaft clavicular fractures. A multicenter, randomized clinical trial. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(1):1-10.

7 Hill JM, McGuire MH, Crosby LA. Closed treatment of displaced middle- third fractures of the clavicle gives poor results. J Bone Joint Surg Br. 1997;79(4):537-9.

8 McKee MD, Pedersen EM, Jones C, Stephen DJ, Kreder HJ, Schemitsch EH, et al. Deficits following nonoperative treatment of displaced midshaft clavicular fractures. J Bone Joint Surg Am. 2006;88(1):35-40.
-99 Zlowodzki M, Zelle BA, Cole PA, Jeray K, McKee MD, Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. Treatment of acute midshaft clavicle fractures: systematic review of 2144 fractures: on behalf of the Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. J Orthop Trauma. 2005;19(7):504-7. Esses resultados podem ser explicados pela mudança do seguimento, melhoria das técnicas de diagnóstico, pelas modificações dos critérios de resultados e pelo aumento da gravidade das fraturas.1010 Heuer HJ, Boykin RE, Petit CJ, Hardt J, Millett PJ. Decision-making in the treatment of diaphyseal clavicle fractures: is there agreement among surgeons? Results of a survey on surgeons' treatment preferences. J Shoulder Elbow Surg. 2014;23(2):e23-33.

O tratamento cirúrgico tem sido recomendado em certas ocasiões, tais como elevados graus de deslocamento e encurtamento maiores do que 20 mm.1111 McKee MD. Clavicle fractures in 2010: sling/swathe or open reduction and internal fixation? Orthop Clin North Am. 2010;41(2):225-31. Com o tratamento cirúrgico, as taxas de pseudartrose variam entre 2% e 3% com o uso de placas e 0% a 10% com hastes intramedulares. Porém, resultados insatisfatórios ainda variam de 5% a 36% dos casos.1212 Kettler M, Schieker M, Braunstein V, König M, Mutschler W. Flexible intramedullary nailing for stabilization of displaced midshaft clavicle fractures: technique and results in 87 patients. Acta Orthop. 2007;78(3):424-9.

13 Millett PJ, Hurst JM, Horan MP, Hawkins RJ. Complications of clavicle fractures treated with intramedullary fixation. J Shoulder Elbow Surg. 2011;20(1):86-91.
-1414 Mueller M, Rangger C, Striepens N, Burger C. Minimally invasive intramedullary nailing of midshaft clavicular fractures using titanium elastic nails. J Trauma. 2008;64(6):1528-34.

Numerosos estudos randomizados compararam o tratamento conservador com o cirúrgico.88 McKee MD, Pedersen EM, Jones C, Stephen DJ, Kreder HJ, Schemitsch EH, et al. Deficits following nonoperative treatment of displaced midshaft clavicular fractures. J Bone Joint Surg Am. 2006;88(1):35-40.,1515 Nowak J, Holgersson M, Larsson S. Sequelae from clavicular fractures are common: a prospective study of 222 patients. Acta Orthop. 2005;76(4):496-502.

16 Rehn CH, Kirkegaard M, Viberg B, Larsen MS. Operative versus nonoperative treatment of displaced midshaft clavicle fractures in adults: a systematic review. Eur J Orthop Surg Traumatol. 2014;24(7):1047-53.

17 Robinson CM, Goudie EB, Murray IR, Jenkins PJ, Ahktar MA, Read EO, et al. Open reduction and plate fixation versus nonoperative treatment for displaced midshaft clavicular fractures: a multicenter, randomized, controlled trial. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(17):1576-84.

18 Virtanen KJ, Remes V, Pajarinen J, Savolainen V, Björkenheim JM, Paavola M. Sling compared with plate osteosynthesis for treatment of displaced midshaft clavicular fractures: a randomized clinical trial. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(17):1546-53.
-1919 Xu CP, Li X, Cui Z, Diao XC, Yu B. Should displaced midshaft clavicular fractures be treated surgically? A meta- analysis based on current evidence. Eur J Orthop Surg Traumatol. 2013;23(6):621-9. Xu et al.1919 Xu CP, Li X, Cui Z, Diao XC, Yu B. Should displaced midshaft clavicular fractures be treated surgically? A meta- analysis based on current evidence. Eur J Orthop Surg Traumatol. 2013;23(6):621-9. e Mckee et al.2020 McKee RC, Whelan DB, Schemitsch EH, McKee MD. Operative versus nonoperative care of displaced midshaft clavicular fractures: a meta- analysis of randomized clinical trials. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(8):675-84. fizeram uma metanálise para determinar o tratamento preferido. Esses autores encontraram altas taxas de pseudartrose e consolidação viciosa após o tratamento conservador.

O propósito deste estudo foi avaliar a decisão entre os cirurgiões ortopédicos sobre em que casos indicariam a cirurgia ou tratariam conservadoramente. As hipóteses foram: Hipótese 1 - Avaliar se cirurgiões com menos tempo de experiência indicam as cirurgias com mais frequência. Hipótese 2 - Avaliar se em diferentes regiões do país existe diferença de indicação de tratamento. Hipótese 3 - Avaliar se diferentes tipos de fratura interferem na indicação de tratamento.

Material e métodos

Foi desenvolvido um programa de computador que continha 20 imagens de radiografias com fratura do terço médio da clavícula (AO/OTA 15-B). Todas as imagens eram de fraturas agudas, somente na incidência em anteroposterior, e divididas em quatro grupos: 1 - fratura do tipo AO/OTA 15-B1 sem desvio; 2 - fratura do tipo AO/OTA 15-B1 com desvio; 3 - fratura do tipo AO/OTA 15-B2; 4 - fratura do tipo AO/OTA 15-B3. Cada grupo continha cinco imagens distribuídas aleatoriamente. Ao avaliador, foi solicitado que indicasse o tipo de tratamento, conservador ou cirúrgico. Somente foram incluídas imagens de fraturas do terço médio da clavícula em pacientes acima de 18 anos e abaixo de 60. Foram excluídas imagens de pacientes com fratura prévia, exposta, patológica e pacientes com morbidade prévia que afetava a extremidade superior (incluindo a cintura escapular e a presença de comprometimento neurovascular). Foram classificados como médicos experientes os avaliadores ≥ 20 anos de atuação na profissão e como médicos novos os avaliadores < de 20 anos de atuação.

Como este estudo teve o objetivo de analisar a conduta do avaliador, não foram mencionados idade, gênero ou causa do acidente, para que o avaliador indicasse o tratamento somente com critérios radiográficos.

As tabelas 1-3 demonstram a descrição dos 193 avaliadores, média de idade, média do tempo de atuação profissional e percentual geral de indicações cirúrgicas, por região do Brasil.

Tabela 1
Número de participantes, média de idade, média do tempo de atuação profissional e percentual geral de indicações cirúrgicas, por região do Brasil
Tabela 2
Percentual de profissionais que indicam a cirurgia em cada faixa de classificação do tempo de atuação dos avaliadores
Tabela 3
Percentual de profissionais que indicam a cirurgia em cada faixa etária dos avaliadores

Resultados

Verificação das hipóteses

Foi investigada a possibilidade de existir uma relação entre a resposta do avaliador e a idade e entre a resposta do avaliador e o seu tempo de atuação na profissão. A investigação se deu por duas metodologias: 1) por análise de correlação de Spearman entre a quantidade de respostas que indicaram cirurgia do avaliador e sua idade e entre a quantidade de respostas que indicaram cirurgia do avaliador e o tempo que ele tem de atuação na profissão; 2) teste qui-quadrado que avaliou a associação significativa entre a classe etária e a resposta de cada questão. A tabela 4 mostra o resultado da análise de correlação. Como pode ser visto, não há correlação forte entre a quantidade de indicações cirúrgicas e o tempo de atuação do médico avaliador ou sua idade. As análises por teste qui-quadrado também não mostraram associações significativas entre a resposta e o grupo etário nas 20 avaliações.

Tabela 4
Índice de correlação de Spearman entre quantidade de indicações cirúrgicas e o tempo de atuação e entre a quantidade de indicações cirúrgicas e a idade

A figura 1 demonstra os resultados dos avaliadores. Verificou-se que a média de indicação de cirurgia no total da amostra foi de 52%. Quando estudadas as indicações por diferentes regiões do Brasil, não se observaram diferenças significativas entre as regiões.

Figura 1
Percentual geral de indicações cirúrgicas, por região do Brasil.

As figuras 2-5 demonstram a incidência de indicação de cirurgia para os diferentes grupos de fratura.

Figura 2
Percentual geral de indicações cirúrgicas, para o grupo 1 - fratura do tipo AO/OTA 15-B1 sem desvio, por região do Brasil. Radiografia que representa o grupo.

Figura 3
Percentual geral de indicações cirúrgicas, para o grupo 2 - fratura do tipo AO/OTA 15-B1 com desvio, por região do Brasil. Radiografia que representa o grupo.

Figura 4
Percentual geral de indicações cirúrgicas, para o grupo 3 - fratura do tipo AO/OTA 15-B2, por região do Brasil. Radiografia que representa o grupo.

Figura 5
Percentual geral de indicações cirúrgicas, para o grupo 4 - fratura do tipo AO/OTA 15-B3, por região do Brasil. Radiografia que representa o grupo.

Conforme demonstrado na figura 6, tanto para a análise global quanto entre as regiões, a proporção de recomendação cirúrgica é muito menor, como esperado, no grupo 1. Os casos do grupo 2 receberam mais indicações cirúrgicas do que os do grupo 3 em todas as regiões e só não superaram o percentual de indicações cirúrgicas do grupo 4 (de mais alta complexidade) nas regiões Centro Oeste e Norte.

Figura 6
Percentual de cirurgiões que indicariam a cirurgia no Brasil e por região do Brasil, para cada grupo de imagens, definido segundo a complexidade.

A figura 7 mostra que, em uma análise global, em todos as radiografias dos grupos 2, 3 e 4, os médicos da região Sul e Sudeste apresentam maiores percentuais de indicação cirúrgica.

Figura 7
Percentual de cirurgiões que indicariam a cirurgia e para cada grupo de imagens definido segundo a complexidade, no Brasil e por região do Brasil.

Não foi verificado um padrão para as regiões brasileiras na análise por caso. Mesmo dentro de um grupo (casos de mesma complexidade), não foi verificado um padrão específico de indicação nas regiões do Brasil.

Discussão

Neste estudo, pretendemos responder à pergunta: Fraturas do terço médio da clavícula ainda são tratadas tradicionalmente, de forma não cirúrgica?

Por meio de três hipóteses, demonstramos que tanto os avaliadores menos experientes quanto os mais experientes apresentaram uma uniformidade ao indicar o tratamento cirúrgico. Diferentes regiões do país, mesmo com grandes diferenças socioeconômicas, mantiveram um padrão para a indicação de tratamento. Não foi possível determinar, por meio das características radiográficas da fratura, como o tamanho do desvio, as angulações e a gravidade, podem definir tratamento.

A literatura em geral sugere que todas as fraturas da clavícula apresentam bons resultados com o tratamento conservador.44 Neer CS 2nd. Nonunion of the clavicle. J Am Med Assoc. 1960;172:1006-11.,55 Rowe CR. An atlas of anatomy and treatment of midclavicular fractures. Clin Orthop Relat Res. 1968;58:29-42. Relatos anteriores a Hipócrates já observavam que “quando a fratura da clavícula é simples e transversa, o tratamento é mais fácil; por outro lado, quando é oblíqua, o tratamento se torna mais difícil”.2121 Hippocrates on the articulations. 400 B.C.E. Open Orthop J. 2013;7 Suppl. 3 M6:329-33. Available at: http://classics.mit.edu/Hippocrates/artic.14.14.html.
http://classics.mit.edu/Hippocrates/arti...
Recentemente, estudos demonstram que o tratamento cirúrgico é preferido para casos específicos (especialmente fraturas desviadas).66 Canadian Orthopaedic Trauma Society. Nonoperative treatment compared with plate fixation of displaced midshaft clavicular fractures. A multicenter, randomized clinical trial. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(1):1-10.,99 Zlowodzki M, Zelle BA, Cole PA, Jeray K, McKee MD, Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. Treatment of acute midshaft clavicle fractures: systematic review of 2144 fractures: on behalf of the Evidence-Based Orthopaedic Trauma Working Group. J Orthop Trauma. 2005;19(7):504-7. A literatura atual, ao comparar os tratamentos, tem relatado que o tratamento cirúrgico reduz as taxas de pseudartrose e consolidação viciosa sintomática e oferece melhores resultados funcionais, assim como retorno precoce à atividade.1717 Robinson CM, Goudie EB, Murray IR, Jenkins PJ, Ahktar MA, Read EO, et al. Open reduction and plate fixation versus nonoperative treatment for displaced midshaft clavicular fractures: a multicenter, randomized, controlled trial. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(17):1576-84.,2020 McKee RC, Whelan DB, Schemitsch EH, McKee MD. Operative versus nonoperative care of displaced midshaft clavicular fractures: a meta- analysis of randomized clinical trials. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(8):675-84.,2222 Sohn HS, Kim WJ, Shon MS. Comparison between open plating versus minimally invasive plate osteosynthesis for acute displaced clavicular shaft fractures. Injury. 2015;46(8):1577-84. Pieske et al.2323 Pieske O, Dang M, Zaspel J, Beyer B, Löffler T, Piltz S. Midshaft clavicle fractures - classification and therapy. Results of a survey at German trauma departments. Unfallchirurg. 2008;111(6):387-94. publicaram os resultados sobre a preferência do tratamento para as fraturas do terço médio da clavícula em uma pesquisa com 142 pacientes da Alemanha e observaram uma média de 26% de fraturas tratadas cirurgicamente por ano. Infelizmente, os autores não classificaram o tipo de fratura. Heuer et al.1010 Heuer HJ, Boykin RE, Petit CJ, Hardt J, Millett PJ. Decision-making in the treatment of diaphyseal clavicle fractures: is there agreement among surgeons? Results of a survey on surgeons' treatment preferences. J Shoulder Elbow Surg. 2014;23(2):e23-33. demonstraram que o tratamento cirúrgico foi recomendado em 56% e escolhido em 60% dos casos, provavelmente devido à seleção dos casos, que apresentava uma grande proporção de fraturas desviadas. Entretanto, esse estudo demonstrou uma grande tendência de que o tratamento cirúrgico se torna mais usado.

A hipótese levantada era se avaliadores experientes indicariam mais o tratamento conservador do que os menos experientes, pois havia um consenso, tanto nos livros-texto como nos artigos, sobre a ideia de que “tradicionalmente as fraturas da clavícula são tratadas de forma não cirúrgica”. Já os avaliadores menos experientes, em tese, indicariam mais as cirurgias, devido, entre outras causas, ao desenvolvimento de novas tecnologias. Neste estudo, a hipótese de existir relação entre a resposta do avaliador e a idade e a resposta do avaliador e o tempo de atuação na profissão foi rejeitada. Como demonstrado nos resultados, não foi observada qualquer tendência ou associação significativa entre os avaliadores mais experientes e os mais novos (em relação à idade), ou menos experientes (em relação ao tempo de atuação na profissão). A indicação para o tratamento cirúrgico neste estudo ficou em 52%, o que está de acordo com Heuer et al.1010 Heuer HJ, Boykin RE, Petit CJ, Hardt J, Millett PJ. Decision-making in the treatment of diaphyseal clavicle fractures: is there agreement among surgeons? Results of a survey on surgeons' treatment preferences. J Shoulder Elbow Surg. 2014;23(2):e23-33. O percentual de profissionais que indicam a cirurgia, o tempo de atuação dos avaliadores e a faixa etária dos avaliadores estão demonstrados nas tabelas 2 e 3.

Outra hipótese levantada foi se em determinadas regiões do país, com mais dificuldades socioeconômicas, a indicação de cirurgia poderia variar. Essa hipótese também foi rejeitada. Observou-se que, na análise global, mesmo dentro de um mesmo grupo (casos de mesma complexidade), não foi verificado um padrão específico de indicação nas regiões do Brasil. Os avaliadores das regiões Sul e Sudeste destacaram-se por indicar mais cirurgias. Entretanto, para os casos de fratura simples, a região Centro-Oeste apresentou o maior percentual de indicações cirúrgicas (11%), enquanto as regiões Nordeste e Norte apresentaram percentuais de 3% e 2%, respectivamente, de indicações cirúrgicas para as imagens de fraturas simples. As regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste apresentaram percentuais de indicações cirúrgicas abaixo da proporção global, exceto nos casos do grupo 1, em que a recomendação cirúrgica foi mais comum para o Centro-Oeste (11%), maior do que o índice global, que é de 7%. Um fator relevante foi a observação da ausência de um padrão para as regiões brasileiras na análise por caso de mesma complexidade. Esperava-se que cada grupo regional de avaliadores tivesse percentuais de indicações cirúrgicas sem muita variabilidade dentro de um mesmo grupo, uma vez que as imagens de um mesmo grupo apresentavam o mesmo grau de complexidade. Contudo, foi observada alta variabilidade das indicações de cirurgias dentro de um mesmo grupo de complexidade.

A hipótese seguinte foi observar se diferentes tipos de fratura modificariam a indicação de tratamento, se o grau de complexidade orienta o tipo de tratamento; ou seja, se quanto mais complexa a fratura, maior o índice de indicação de cirurgia.

Tanto na amostra geral como para as regiões do Brasil estudadas, a hipótese de que quanto mais complexo o caso mais indicações cirúrgicas ocorrem tampouco se confirmou. Tanto na análise global quanto nas regiões estudadas, a proporção de recomendação cirúrgica foi muito menor, como esperado no grupo 1. Os casos do grupo 2 (fraturas simples desviadas) receberam mais indicações cirúrgicas do que os casos do grupo 3 em todas as regiões e só não superaram o percentual de indicações cirúrgicas do grupo 4 (de maior complexidade) nas regiões Centro-Oeste e Norte.

Existem algumas limitações neste estudo, entre elas a seleção dos avaliadores. Foram analisadas as informações de cirurgiões ortopédicos gerais, e não específicos da área de trauma ou de cirurgia do ombro. Outra limitação foi a falta de informação sobre gênero, idade e causa da fratura, o que poderia, de alguma forma, mudar a indicação. Entretanto, essa falta de informação foi proposital, pois o objetivo do estudo foi avaliar radiograficamente as indicações de tratamento. Há que se considerar também, o baixo número de avaliadores do Centro-Oeste e Norte do país.

Conclusão

Não foi verificada associação entre a indicação cirúrgica e o tempo de atuação do profissional.

As regiões Sul e Sudeste são as que mais recomendam a cirurgia dos grupos 2, 3 e 4. Dentre as cirurgias do grupo 1, os avaliadores da região Centro-Oeste se destacam como os que mais recomendam a cirurgia. Também não foi verificado qualquer padrão característico para as regiões brasileiras na análise por caso.

Mesmo dentro de um grupo (casos de mesma complexidade), não foi verificado padrão específico de indicação nas regiões do Brasil.

Verificou-se que em nenhuma região é mantido o mesmo nível de indicação para as cirurgias do mesmo grau de complexidade.

Na opinião dos autores, as fraturas do terço médio da clavícula devem ser tratadas segundo os critérios clínicos e radiográficos para conseguir os melhores resultados, e não meramente, como citado na maioria dos artigos e livros texto, que fraturas do terço médio da clavícula são tratadas tradicionalmente de forma não cirúrgica.

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  • Trabalho desenvolvido no Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2015
  • Aceito
    24 Mar 2016
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