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Tumor de Triton maligno: uma causa rara de dor ciática e pé pendente Trabalho desenvolvido no Hospital da Senhora da Oliveira, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Guimarães, Portugal.

RESUMO

Os tumores malignos da bainha dos nervos periféricos (TMBNP) são muito raros e localizam-se mais frequentemente na região nadegueira, paraespinal, coxa ou braço; uma variante é o tumor de Triton maligno, com uma diferenciação rabdomiosarcomatosa. Apresentamos um diagnóstico diferencial desafiante de dor ciática e pé pendente em uma paciente com antecedentes de hérnia discal lombar, que se descobriu que era causada por um tumor de Triton do nervo ciático. A paciente foi submetida a excisão cirúrgica, seguida de radio e quimioterapia. Poucos casos de tumores de Triton malignos foram descritos e relatados na literatura. O tratamento recomendado é a excisão radical, seguida de radioterapia em alta dose e quimioterapia. O prognóstico, embora mau, depende da localização, do grau e das margens cirúrgicas da exérese.

Palavras-chave:
Tumor de Triton; Neoplasias da bainha neural; Nervo ciático

ABSTRACT

Malignant peripheral nerve sheath tumors (MPNST) are very rare and are frequently localized in the buttocks, thigh, arm, or paraspinal region; one variant is the malignant Triton tumor, with rhabdomyosarcomatous differentiation. The authors present a challenging differential diagnosis of a sciatic pain and foot drop in a woman with history of lumbar disk herniation, which was found to be caused by a Triton tumor of the sciatic nerve. She underwent surgical excision, followed by radiation and chemotherapy. Malignant Triton tumor cases have rarely been described and reported in the literature. The recommended treatment is radical excision followed by high-dose radiotherapy and chemotherapy. The prognosis, although poor, depends on the location, grade, and completeness of surgical margins.

Keywords:
Triton tumor; Nerve sheath tumors; Sciatic nerve

Introdução

Os tumores malignos que se originam ou diferenciam das várias linhagens das bainhas nervosas são coletivamente denominados tumores malignos da bainha dos nervos periféricos (TMBNP); correspondem a uma pequena percentagem dos sarcomas de tecidos moles, podem ser esporádicos ou associados à neurofibromatose tipo 1.11 Fanburg-Smith JC. Nerve sheath and neuroectodermal tumors. In: Folpe AL, Inwards CY, editors. Bone and soft tissue pathology. Philadelphia: Saunders; 2010, 193-23.8.,22 Goldblum JR, Weiss SW, Folpe AL. Malignant peripheral nerve sheath tumors. In: Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. p. 855-79.

São frequentemente localizados na região nadegueira, coxas, braços ou na região paraespinal. A maioria são sarcomas de alto grau, que metastizam frequentemente para os pulmões ou o osso; uma variante desse raro tipo é o tumor de Triton maligno, que tem uma diferenciação rabdomiosarcomatosa.11 Fanburg-Smith JC. Nerve sheath and neuroectodermal tumors. In: Folpe AL, Inwards CY, editors. Bone and soft tissue pathology. Philadelphia: Saunders; 2010, 193-23.8.,33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.

Relato de caso

Paciente do sexo feminino, 45 anos. Com antecedentes de lombalgia e dor ciática com agravamento progressivo nos últimos seis meses. Apresentava uma tomografia axial computorizada (TAC) com evidência de hérnia discal L5-S1 esquerda (fig.&nbsp1). O seu médico assistente referenciou-a a uma consulta de ortopedia, estava a aguardar marcação, e prescreveu anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) por via intramuscular.

Figura 1
Corte sagital de RMN da coluna lombar ponderada em T2 com evidência de hérnia discal L5-S1.

Contudo, nas duas semanas anteriores, a paciente notou uma tumefação dolorosa na nádega esquerda, que pensou estar relacionada com as injeções de AINEs, pelo que se dirigiu ao Serviço de Urgência de Ortopedia.

Ao exame físico evidenciava uma tumefação dura na nádega esquerda, hipostesia da perna esquerda sem território específico, um sinal de Lasègue positivo, marcha com pé pendente e abolição do reflexo de Aquiles.

Fez ecografia da nádega, que revelou uma massa vascularizada na região glútea esquerda. A ressonância magnética nuclear (RMN) confirmou uma lesão heterogênea de 10,5 × 4,5 cm, profundamente aos músculos glúteos e que entrava na cavidade pélvica através da incisura isquiática maior (figs. 2 e 3).

Figura 2
Corte coronal de RMN da bacia ponderada em T2 que identifica a lesão na região glútea esquerda.

Figura 3
Corte axial de RMN da bacia ponderada em T2 que identifica a lesão na região glútea esquerda.

A doente foi submetida a uma biópsia tru-cut, que identificou um tumor de Triton maligno e, um mês depois, foi submetida a resseção em bloco do tumor e das raízes do nervo ciático. Dois meses após a cirurgia, foi submetida a radioterapia (RT) e quimioterapia (doxorrubicina) adjuvantes.

De acordo com os resultados da anatomia patológica, a resseção cirúrgica foi completa e, juntamente com os dados da imagiologia, a lesão foi estadiada como um tumor pT2bN0M0, Grau III.

Quatro meses após a cirurgia, a paciente mantinha hipostesia e pé pendente, a eletromiografia confirmou neurotemese do nervo ciático. Foi referenciada à medicina física e de reabilitação, cumpriu plano de fisioterapia e marcha com ortótese antiequina.

Aos oito meses pós-operatório apresentava disestesias e queixas álgicas no nível da bacia com irradiação para o membro inferior esquerdo, renitentes à analgesia. Apresentava também febre, dispneia, obstipação e retenção urinária. Foi internada e pedida nova RMN da coluna lombar e bacia e TAC torácica.

A RMN identificou alterações estruturais no nível do sacro e dos ossos ilíacos, podiam ser sequelares à RT, mas não foi possível excluir lesões metastáticas; no entanto, não foram observadas imagens compatíveis com recidiva local (fig.&nbsp4). A TAC torácica revelou quadro compatível com síndrome de dificuldade respiratória aguda, assim como lesões nodulares, não foi possível excluir patologia metastática (fig. 5). Foi pedida cintilografia óssea, que não chegou a fazer pelo agravamento do quadro de insuficiência respiratória na sequência de uma hemorragia alveolar, com necessidade de admissão na Unidade de Cuidados Intensivos.

Figura 4
Corte axial de RMN da bacia ponderada em T2 no período pós-operatório.

Figura 5
Corte axial de TAC torácica no período pós-operatório.

Aos nove meses de pós-operatório faleceu na sequência de insuficiência respiratória progressiva e choque refratário a aminas.

Discussão

O diagnóstico dos TMBNP tem sido tradicionalmente difícil entre os tumores de tecidos moles, devido à falta de critérios diagnósticos e histológicos padronizados. Mesmo atualmente, não existem biomarcadores específicos que possam ajudar a estabelecer o diagnóstico. A divergência dos critérios diagnósticos também tem contribuído para a variabilidade descrita na literatura da incidência dessas lesões.33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.

Os TMBNP ocorrem maioritariamente entre os 20 e os 50 anos, atingem igualmente ambos os gêneros. Nos doentes com neurofibromatose tipo 1 tendem a ocorrer em indivíduos do sexo masculino, em idades mais precoces, e a ter maiores dimensões.11 Fanburg-Smith JC. Nerve sheath and neuroectodermal tumors. In: Folpe AL, Inwards CY, editors. Bone and soft tissue pathology. Philadelphia: Saunders; 2010, 193-23.8.

2 Goldblum JR, Weiss SW, Folpe AL. Malignant peripheral nerve sheath tumors. In: Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. p. 855-79.
-33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.

Apresentam-se como tumefações de crescimento progressivo, com vários meses de evolução antes do diagnóstico. A dor é um achado inconsistente. As lesões que se originam dos principais nervos tipicamente originam dor irradiada, défices motores e sensitivos, que raramente precedem a detecção da tumefação. A associação dos TMBNP com os principais troncos nervosos explica a sua maior incidência nas regiões proximais dos membros e o tronco (nervo ciático, plexo braquial e sagrado).33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.

Histologicamente são compostos por células fusiformes hipercromáticas dispostas num padrão fasciculado. Os tumores de alto grau normalmente contêm áreas de necrose e aumento da atividade mitótica.22 Goldblum JR, Weiss SW, Folpe AL. Malignant peripheral nerve sheath tumors. In: Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. p. 855-79.,33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.

A capacidade de os TMBNP sofrerem diferenciação mesenquimatosa é bem conhecida. O tumor de Triton maligno é uma variante rara com diferenciação rabdomiosarcomatosa, foi descrito pela primeira vez em 1938 por Masson e Martin; é composto por um estroma típico dos TMBNP, com rabdomioblastos adicionais, que normalmente surgem esféricos e com citoplasma eosinofílico.22 Goldblum JR, Weiss SW, Folpe AL. Malignant peripheral nerve sheath tumors. In: Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. p. 855-79.,33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.

Existem poucos casos de tumores de Triton maligno descritos na literatura. Por serem lesões com elevada probabilidade de recidiva local e a distância, o tratamento recomendado é a excisão radical, seguida de radioterapia em alta dose, embora os estudos mais recentes sugiram que a quimioterapia pode erradicar as micrometástases e prolongar a sobrevida.11 Fanburg-Smith JC. Nerve sheath and neuroectodermal tumors. In: Folpe AL, Inwards CY, editors. Bone and soft tissue pathology. Philadelphia: Saunders; 2010, 193-23.8.,33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81. A TAC e a tomografia de emissão de positrões são a melhor escolha para o seguimento para avaliação de recidivas.22 Goldblum JR, Weiss SW, Folpe AL. Malignant peripheral nerve sheath tumors. In: Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. p. 855-79.,33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81. O prognóstico, embora mau, depende da localização, do grau e das margens cirúrgicas da exérese; a taxa de sobrevida aos cinco anos é de 10%.11 Fanburg-Smith JC. Nerve sheath and neuroectodermal tumors. In: Folpe AL, Inwards CY, editors. Bone and soft tissue pathology. Philadelphia: Saunders; 2010, 193-23.8.

2 Goldblum JR, Weiss SW, Folpe AL. Malignant peripheral nerve sheath tumors. In: Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. p. 855-79.
-33 Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.

O presente caso tem algumas particularidades que podem ter causado um atraso no diagnóstico e o tornaram ainda mais desafiante. Os antecedentes de lombalgia com uma hérnia discal L5-S1 esquerda documentada poderiam perfeitamente explicar os sintomas e levar o seu médico assistente a referenciá-la a uma consulta de ortopedia.

As caraterísticas distintivas deste caso clínico são a tumefação na nádega esquerda, que pode ter levantado a suspeição clínica de outra causa para a apresentação clínica.

A resseção em bloco do tumor, do nervo ciático e das suas raízes contribuiu para os défices motores e sensitivos no pós-operatório, mas foi um procedimento necessário, dado que o tumor invadia o nervo ciático. A resseção cirúrgica completa e a inexistência de metástases nodulares ou a distância seriam fatores de bom prognóstico. Contudo, esse tipo de tumor tem um prognóstico geralmente mau, o que se veio a verificar neste caso.

References

  • 1
    Fanburg-Smith JC. Nerve sheath and neuroectodermal tumors. In: Folpe AL, Inwards CY, editors. Bone and soft tissue pathology. Philadelphia: Saunders; 2010, 193-23.8.
  • 2
    Goldblum JR, Weiss SW, Folpe AL. Malignant peripheral nerve sheath tumors. In: Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. p. 855-79.
  • 3
    Stasik CJ, Tawfik O. Malignant peripheral nerve sheath tumor with rhabdomyosarcomatous differentiation (malignant triton tumor). Arch Pathol Lab Med. 2006;130(12):1878-81.
  • Trabalho desenvolvido no Hospital da Senhora da Oliveira, Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Guimarães, Portugal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2016
  • Aceito
    21 Jul 2016
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