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Reparo do manguito rotador no Sistema Único de Saúde: tendência brasileira de 2003 a 2015 Trabalho desenvolvido na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Grupo de Ombro e Cotovelo, São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

OBJETIVO:

Avaliar a tendência histórica de reparos do manguito rotador no Brasil, entre 2003 e 2015, com o uso do banco de dados do Departamento de Informática do SUS (DataSUS).

MÉTODOS:

Série histórica com o uso do DataSUS. Foram incluídas cirurgias feitas entre 2003 e 2015 e coletados os dados referentes ao reparo de rotura do manguito, incluindo procedimentos descompressivos. Usamos como numerador o total de reparos do manguito rotador e como denominador a população total da localidade avaliada. Dados populacionais foram baseados nas informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As taxas foram apresentadas por grupo de 100.000 habitantes.

RESULTADOS:

Durante o período, foram registradas 50.207 cirurgias. A taxa aumentou de 0,83 para 2,81, um acréscimo de 238%. Em 2015, a Região Sul apresentou a maior taxa, 6,32, seguida da Sudeste, 3,62, enquanto a Norte apresentou a menor taxa, 0,13. A tendência crescente pode ser observada nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, enquanto o índice é estável nas regiões Norte e Nordeste.

CONCLUSÃO:

A taxa de reparos do manguito rotador no Brasil feitos pelo Sistema Único de Saúde aumentou de 0,83 para 2,81 entre 2003 e 2015, um aumento de 238%, mas permanece inferior à dos países desenvolvidos. Uma tendência crescente pode ser observada nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, enquanto a taxa é estável nas regiões Norte e Nordeste.

Palavras-chave:
Manguito rotador; Ombro; Saúde pública; Política de saúde

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To assess the historical trend of rotator cuff repairs in Brazil between 2003 and 2015, using the database of the Brazilian Unified Health System's (Sistema Único de Saúde [SUS]) Department of Informatics (DataSUS).

METHODS:

Historical series using DataSUS. Surgeries performed between 2003 and 2015 were included and data relating to cuff tear repair were assessed, including decompression procedures were included. The numerator was the total number of rotator cuff repair and the denominator, the total population of the assessed locality. Population data were based on information from the Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

RESULTS:

During the period, 50,207 surgeries were performed. The rate was presented as number of procedures per 100,000 inhabitants, and increased from 0.83 to 2.81, a growth of 238%. In 2015, the South region had the highest rate, 6.32, followed by the Southeast, 3.62, while the North had the lowest rate, 0.13. The growing trend can be observed in the Southeast, South, and Midwest, while the rate is stable in the North and Northeast.

CONCLUSION:

The rate of rotator cuff repairs in Brazil performed through the SUS increased from 0.83 to 2.81 between 2003 and 2015, representing a growth of 238%, but remains lower than that of developed countries. A trend of growth can be observed in the Southeast, South, and Midwest, while the rate is stable in the North and Northeast.

Keywords:
Rotator cuff; Shoulder; Public health; Health policy

Introdução

A dor no ombro apresenta alta prevalência na população, variação de 7% a 26%.11 Luime JJ, Koes BW, Hendriksen IJM, Burdorf A, Verhagen AP, Miedema HS, et al. Prevalence and incidence of shoulder pain in the general population; a systematic review. Scand J Rheumatol. 2004;33(2):73-81. As afecções do manguito rotador, principal causa de dor na cintura escapular, acometem 20% da população geral e até 50% dos indivíduos acima de 80 anos.22 Yamamoto A, Takagishi K, Osawa T, Yanagawa T, Nakajima D, Shitara H, et al. Prevalence and risk factors of a rotator cuff tear in the general population. J Shoulder Elb Surg. 2010;19(1):116-20. O reparo do manguito rotador é o principal motivo de cirurgia no ombro.33 Jain NB, Higgins LD, Losina E, Collins J, Blazar PE, Katz JN. Epidemiology of musculoskeletal upper extremity ambulatory surgery in the United States. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:4.

Essa cirurgia proporciona resultados clínicos satisfatórios em mais de 85% dos pacientes.44 Malavolta EA, Gracitelli MEC, Ferreira Neto AA, Assunção JH, Bordalo-Rodrigues M, de Camargo OP. Platelet- rich plasma in rotator cuff repair: a prospective randomized study. Am J Sports Med. 2014;42(10):2446-54.

5 Checchia SL, Doneux Santos P, Miyazaki AN, Fregoneze M, Silva LA, Ishi M, et al. Avaliac¸ ão dos resultados obtidos na reparação artroscópica das lesões do manguito rotador. Rev Bras Ortop. 2005;40(5):229-38.

6 Veado MA, Almeida Filho IA, Duarte RG, Leitão I. Avaliação funcional do reparo artroscópico das lesões completas do manguito rotador associado a acromioplastia. Rev Bras Ortop. 2008;43(11/12):505-12.

7 Godinho GG, França FO, Freitas JMA, Watanabe FN, Nobre LO, Almeida Neto MA, et al. Avaliação da integridade anatômica por exame de ultrassom e funcional pelo índice de Constant & Murley do manguito rotador após reparo artroscópico. Rev Bras Ortop. 2010;45(2):174-80.
-88 Ramos CH, Sallum JS, Sobania RL, Borges LG, Sola Junior WC, Ribeiro LYP. Resultados do tratamento artroscópico das rupturas do manguito rotador. Acta Ortop Bras. 2010;18(1):15-8. Entretanto, a tendência crescente do número de reparos do manguito rotador, com acréscimo de 31 a 238% nas séries históricas publicadas,99 Colvin AC, Egorova N, Harrison AK, Moskowitz A, Flatow EL. National trends in rotator cuff repair. J Bone Jt Surg. 2012;94(3):227-33.

10 Paloneva J, Lepola V, Äärimaa V, Joukainen A, Ylinen J, Mattila VM. Increasing incidence of rotator cuff repairs - a nation wide registry study in Finland. BMC Musculoskelet Disord. 2015;16:189.

11 Judge A, Murphy RJ, Maxwell R, Arden NK, Carr AJ. Temporal trends and geographical variation in the use of subacromial decompression and rotator cuff repair of the shoulder in England. Bone Jt J. 2014;96-B(1):70-4.

12 Zhang AL, Montgomery SR, Ngo SS, Hame SL, Wang JC, Gamradt SC. Analysis of rotator cuff repair trends in a large private insurance population. Arthroscopy. 2013;29(4):623-9.

13 Ensor KL, Kwon YW, Dibeneditto MR, Zuckerman JD, Rokito AS. The rising incidence of rotator cuff repairs. J Shoulder Elb Surg. 2013;22(12):1628-32.
-1414 Iyengar JJ, Samagh SP, Schairer W, Singh G, Valone FH 3rd, Feeley BT. Current trends in rotator cuff repair: surgical technique, setting, and cost. Arthroscopy. 2014;30(3):284-8. aumenta os gastos do sistema de saúde.1414 Iyengar JJ, Samagh SP, Schairer W, Singh G, Valone FH 3rd, Feeley BT. Current trends in rotator cuff repair: surgical technique, setting, and cost. Arthroscopy. 2014;30(3):284-8. Traçar um panorama brasileiro é necessário para determinar políticas públicas que atendam melhor à nossa população. Não existe, no Brasil, uma avaliação do número de cirurgias feitas para o reparo de roturas do manguito rotador.

O objetivo primário desse estudo é avaliar a tendência histórica de reparos do manguito rotador feitos pelo Sistema Único de Saúde no Brasil, entre 2003 e 2015, com o uso do banco de dados do Departamento de Informática do SUS (DataSUS). O objetivo secundário é descrever a taxa de serviços credenciados e membros associados da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC) por região em 2015 e correlacionar esses dados com os das taxas de cirurgias.

Métodos

Foi feita uma série histórica com o uso do banco de dados do Departamento de Informática do SUS (DataSUS). O DataSUS é um órgão da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde com a responsabilidade de coletar, processar e disseminar informações sobre saúde. Todos os dados coletados estão presentes no sítio do DataSUS, de livre acesso.1515 Sistema Único de Saúde. Departamento de Informática. Dados consolidados de AIH (RD), por local de internação. Available in http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202&id=11633 [access on 20.03.16].
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
Cirurgias feitas entre 2003 e 2015 foram incluídas e coletados os dados referentes ao procedimento reparo de rotura do manguito, incluindo procedimentos descompressivos. Este trabalho foi submetido ao Comitê de Ética de nossa instituição e aprovado sob o número 1193.

O objetivo primário do estudo foi descrever a incidência de reparos do manguito rotador por grupo de 100.000 habitantes/ano, em termos nacionais e também estratificada por região e estado da federação. Os dados foram expostos por ano, de 2003 a 2015. Para calcular a incidência foi usado como numerador o total de reparos do manguito rotador e como denominador a população total nacional, da região ou do estado pelo período estudado. Os dados populacionais foram obtidos no Censo Nacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), localizado no sítio desse instituto para 2010,1616 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Available in http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default_atlas.shtm [access on 20.03.16].
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
e as projeções populacionais para os demais anos.1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Available in http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/ [access on 20.03.16].
http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/pr...
A taxa de serviços credenciados e membros associados da SBCOC se baseou em informações contidas no sítio da Sociedade1818 Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC). Membros associados e serviços credenciados. Available in http://www.sbcoc.org.br/index.cfm?ver=sociedade [access on 06.04.16].
http://www.sbcoc.org.br/index.cfm?ver=so...
e confirmadas com o setor responsável. Para essa análise, o denominador usado foi a população em 2015 e as taxas foram expostas por grupo de 10.000.000 de habitantes.

Análise estatística

O número de reparos do manguito rotador foi exposto em valor absoluto e percentual, para todo o Brasil e de acordo com as diferentes regiões e estados da federação e pelo ano de feitura. A taxa das cirurgias foi apresentada por grupo de 100.000 habitantes. A taxa de serviços credenciados e de membros associados da SBCOC foi apresentada por grupo de 10.000.000 habitantes. A incidência foi baseada na análise de toda a população brasileira, não foi necessário o cálculo do intervalo de confiança.

Resultados

Durante os 13 anos englobados pelo estudo, foram registrados 50.207 reparos de roturas do manguito rotador no Brasil feitos pelo Sistema Único de Saúde. A taxa de procedimentos por grupo de 100.000 habitantes aumentou de 0,83 para 2,81 no período, um acréscimo de 238% (fig. 1).

Figura 1
Taxa de reparos do manguito rotador feitos pelo Sistema Único de Saúde no Brasil de 2003 a 2015 (por 100.000 habitantes).

Em 2015, a Região Sul apresentou a maior taxa de cirurgias, 6,32 procedimentos por 100.000 habitantes, seguida da Sudeste, com 3,62. A Região Norte, por sua vez, apresentou a menor taxa, 0,13. A tendência crescente pode ser observada nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, enquanto a taxa é estável nas regiões Norte e Nordeste (fig. 2).

Figura 2
Taxa de reparos do manguito rotador feitos pelo Sistema Único de Saúde por regiões do Brasil de 2003 a 2015 (por 100.000 habitantes).

Os dados históricos referentes às taxas de reparo do manguito rotador por estado da federação em 2003-2015 podem ser vistos na tabela 1. A apresentação completa dos dados, incluindo o número absoluto de cirurgias e a população do estado e região em cada ano, pode ser vista na Tabela Suplementar, disponível na versão online. Os estados com maiores taxas reparos do manguito rotador em 2015 foram Espírito Santo (11,96), Rio Grande do Sul (8,95), Paraná (4,87) e Santa Catarina (4,36). Todos os estados da Região Nordeste, exceto Piauí, e todos da região Norte registraram taxas inferiores a uma cirurgia por 100.000 habitantes em 2015.

Tabela 1
Taxa de reparos do manguito rotador feitos pelo Sistema Único de Saúde por estado da federação de 2003 a 2015 (por 100.000 habitantes)

A taxa de serviços credenciados e de membros associados da SBCOC em 2015 por grupo de 10.000.000 de habitantes pode ser observada na tabela 2.

Tabela 2
Taxa de serviços credenciados e membros associados da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC), por regiões do Brasil, em 2015 (por 10.000.000 habitantes)

Discussão

A análise do banco de dados nacional mostrou que, assim como nos outros países, existe uma tendência crescente no número de reparos do manguito rotador feitos no Brasil, com aumento de 238% no período estudado. Esse percentual é similar ao reportado por Ensor et al.1313 Ensor KL, Kwon YW, Dibeneditto MR, Zuckerman JD, Rokito AS. The rising incidence of rotator cuff repairs. J Shoulder Elb Surg. 2013;22(12):1628-32. no Estado de Nova York entre 1995 e 2009 e superior aos demais estudos avaliados, que reportam entre 31 e 204%.99 Colvin AC, Egorova N, Harrison AK, Moskowitz A, Flatow EL. National trends in rotator cuff repair. J Bone Jt Surg. 2012;94(3):227-33.,1010 Paloneva J, Lepola V, Äärimaa V, Joukainen A, Ylinen J, Mattila VM. Increasing incidence of rotator cuff repairs - a nation wide registry study in Finland. BMC Musculoskelet Disord. 2015;16:189.,1212 Zhang AL, Montgomery SR, Ngo SS, Hame SL, Wang JC, Gamradt SC. Analysis of rotator cuff repair trends in a large private insurance population. Arthroscopy. 2013;29(4):623-9.,1414 Iyengar JJ, Samagh SP, Schairer W, Singh G, Valone FH 3rd, Feeley BT. Current trends in rotator cuff repair: surgical technique, setting, and cost. Arthroscopy. 2014;30(3):284-8. Entretanto, a taxa de procedimentos feitos pelo Sistema Único de Saúde no Brasil é inferior à dos demais países. Observamos que a taxa de cirurgias por 100.000 habitantes passou de 0,83 em 2002 para 2,81 em 2015. Colvin et al.1919 Colvin AC, Egorova N, Harrison AK, Moskowitz A, Flatow EL. National trends in rotator cuff repair. J Bone Jt Surg Am. 2012;94(3):227-33. mostram que taxa nos Estados Unidos da América (EUA) aumentou de 41 para 98 por grupo de 100.000 habitantes entre 1996 e 2006. Judge et al.1111 Judge A, Murphy RJ, Maxwell R, Arden NK, Carr AJ. Temporal trends and geographical variation in the use of subacromial decompression and rotator cuff repair of the shoulder in England. Bone Jt J. 2014;96-B(1):70-4. relatam na Inglaterra 16,3 procedimentos por 100.000 habitantes no biênio 2009-2010. Paloneva et al.1010 Paloneva J, Lepola V, Äärimaa V, Joukainen A, Ylinen J, Mattila VM. Increasing incidence of rotator cuff repairs - a nation wide registry study in Finland. BMC Musculoskelet Disord. 2015;16:189. reportam uma evolução das taxas na Finlândia de 44 para 131 por 100.000 habitantes entre 1998 e 2011, porém apenas com a população acima de 18 anos como denominador. Estudos feitos nos EUA com bases de dados estaduais,1313 Ensor KL, Kwon YW, Dibeneditto MR, Zuckerman JD, Rokito AS. The rising incidence of rotator cuff repairs. J Shoulder Elb Surg. 2013;22(12):1628-32.,1414 Iyengar JJ, Samagh SP, Schairer W, Singh G, Valone FH 3rd, Feeley BT. Current trends in rotator cuff repair: surgical technique, setting, and cost. Arthroscopy. 2014;30(3):284-8. pacientes submetidos a cirurgias ambulatoriais33 Jain NB, Higgins LD, Losina E, Collins J, Blazar PE, Katz JN. Epidemiology of musculoskeletal upper extremity ambulatory surgery in the United States. BMC Musculoskelet Disord. 2014;15:4. ou subgrupos de pacientes com seguro saúde1212 Zhang AL, Montgomery SR, Ngo SS, Hame SL, Wang JC, Gamradt SC. Analysis of rotator cuff repair trends in a large private insurance population. Arthroscopy. 2013;29(4):623-9. também mostram tendências crescentes, porém com taxas de reparos do manguito rotador superiores às do Sistema Único de Saúde brasileiro. Infelizmente, não localizamos estudos com ampla amostra populacional feitos em países em desenvolvimento, para que possamos comparar nossos dados com uma realidade econômica e social semelhante à nossa.

Acreditamos que o baixo índice de cirurgias registrado no nosso país, quando comparado com o dos países desenvolvidos, é decorrente a uma série de fatores. A subnotificação provavelmente ocorre, uma vez que em determinados anos alguns estados não registraram cirurgia de reparo do manguito rotador. Além disso, a população brasileira vive um processo de envelhecimento, fato já ocorrido nos países desenvolvidos.2020 Carvalho JAM de, Garcia RA. O envelhecimento da população brasileira: um enfoque demográfico. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):725-33. Devido ao fato de as afecções do manguito rotador estarem relacionadas com a idade,22 Yamamoto A, Takagishi K, Osawa T, Yanagawa T, Nakajima D, Shitara H, et al. Prevalence and risk factors of a rotator cuff tear in the general population. J Shoulder Elb Surg. 2010;19(1):116-20. espera-se que uma população com menor proporção de idosos tenha uma menor incidência de cirurgias para reparo do manguito rotador. Nosso país também apresenta áreas remotas e com carência de assistência médica, além de situação econômica típica de países em desenvolvimento, o que sugere que alguns pacientes podem não receber todo o tratamento recomendado.

As regiões brasileiras que não apresentaram um aumento significativo nas taxas de cirurgia, Norte e Nordeste, têm as menores taxas de serviços credenciados e membros associados, quando levada em conta sua população em 2015.1717 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Available in http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/ [access on 20.03.16].
http://www.ibge.gov.br/apps/populacao/pr...
,1818 Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC). Membros associados e serviços credenciados. Available in http://www.sbcoc.org.br/index.cfm?ver=sociedade [access on 06.04.16].
http://www.sbcoc.org.br/index.cfm?ver=so...
Consideramos que melhorar a distribuição dos cirurgiões de ombro no país e aumentar o número de serviços credenciados nas regiões com menores taxas cirúrgicas pode levar a uma melhor assistência da população.

Algumas ressalvas devem ser feitas sobre o estudo. Optamos por excluir o período inicial disponível no banco de dados, de 1992 a 2002. O número de cirurgias feitas no Brasil, de acordo com o DataSUS, variou anualmente de 76 a 251 no período excluído. A partir de então, números mais condizentes com a realidade são expostos. Consideramos que isso se deva a um possível viés de coleta. Reforçamos que a análise feita levou em conta o local de feitura da cirurgia, e não o de residência do paciente. Nosso intuito com esse procedimento foi avaliar a importância de cada estado no volume cirúrgico.

O DataSUS não computa em sua base de dados pacientes atendidos pela saúde suplementar. Cerca de 25% da população brasileira têm acesso a algum tipo de convênio médico, conforme dados presentes no sítio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).2121 Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dados Consolidados da Saúde Suplementar (.ppt). Available in http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor [access on 20.03.16].
http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/da...
Essa entidade não possui um banco de dados disponível para consulta pública referente ao número de reparos do manguito rotador. Como apenas 75% da população brasileira depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde, esse é um viés de coleta que subestima as taxas dos procedimentos cirúrgicos feitos no Brasil. Entretanto, acreditamos que mesmo com a adição desses dados as taxas brasileiras permaneceriam significantemente inferiores às dos países desenvolvidos. Uma outra limitação do banco de dados é não permitir diferenciar entre procedimentos abertos e artroscópicos, como exposto por alguns autores,99 Colvin AC, Egorova N, Harrison AK, Moskowitz A, Flatow EL. National trends in rotator cuff repair. J Bone Jt Surg. 2012;94(3):227-33.,1010 Paloneva J, Lepola V, Äärimaa V, Joukainen A, Ylinen J, Mattila VM. Increasing incidence of rotator cuff repairs - a nation wide registry study in Finland. BMC Musculoskelet Disord. 2015;16:189.,1212 Zhang AL, Montgomery SR, Ngo SS, Hame SL, Wang JC, Gamradt SC. Analysis of rotator cuff repair trends in a large private insurance population. Arthroscopy. 2013;29(4):623-9.,1414 Iyengar JJ, Samagh SP, Schairer W, Singh G, Valone FH 3rd, Feeley BT. Current trends in rotator cuff repair: surgical technique, setting, and cost. Arthroscopy. 2014;30(3):284-8. além de roturas traumáticas ou não, e espessura completa ou parcial. Procedimentos referentes ao tendão da cabeça longa do bíceps também não foram investigados, uma vez que o banco de dados não contempla especificamente esse tendão. Uma coleta e processamento de dados mais detalhado pelo DataSUS poderia melhorar os indicadores de saúde e permitir estudos mais aprofundados.

Como pontos favoráveis, podemos citar que este é o primeiro estudo populacional brasileiro que avalia a incidência de reparos do manguito rotador e o primeiro a usar o banco de dados do DataSUS na ortopedia, no nosso conhecimento. Além disso, evidenciou que a taxa de cirurgias em nossa população é inferior à de países desenvolvidos. Dessa maneira, apesar dos possíveis vieses de coleta, acreditamos que uma grande parcela da população permanece desassistida no que diz respeito a essa prevalente condição clínica. Acreditamos que este levantamento possa pautar ações do SUS no que diz respeito a programas de educação médica continuada e melhor distribuição dos recursos.

Conclusões

A taxa de reparos do manguito rotador feitos pelo Sistema Único de Saúde por grupo de 100.000 habitantes aumentou de 0,83 para 2,81 no Brasil entre 2003 e 2015, um acréscimo de 238%. A Região Sul apresentou a maior taxa de cirurgias, 6,32, seguida da Sudeste, com 3,62. A Região Norte, por sua vez, apresentou o menor índice, 0,13. A tendência crescente pode ser observada nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, enquanto a taxa é estável nas regiões Norte e Nordeste. As regiões com menores taxas de reparos do manguito rotador, Norte e Nordeste, têm as menores taxas de serviços credenciados e membros associados da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo.

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  • Trabalho desenvolvido na Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas, Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Grupo de Ombro e Cotovelo, São Paulo, SP, Brasil.

Apêndice. Material adicional

Pode-se consultar o material adicional para este artigo na suaversão eletrônica disponível em doi:10.1016/j.rbo.2016.07.005.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2016
  • Aceito
    07 Jul 2016
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