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Síndrome da embolia gordurosa na fratura diafisária de fêmur: o tratamento provisório faz diferença? Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

RESUMO

Objetivo:

Identificar os fatores de risco e correlacioná-los com o tratamento inicial.

Métodos:

Estudo retrospectivo que envolveu 272 pacientes com diagnóstico de fratura diafisária de fêmur; 14% permaneceram em repouso até o tratamento cirúrgico, 52% foram submetidos a fixação externa, 10% fizeram o tratamento definitivo imediato e 23% permaneceram com tração esquelética até o tratamento definitivo.

Resultados:

Foram seis casos de síndrome da embolia gordurosa (SEG), nos quais se evidenciou que o politrauma é o principal fator de risco para seu desenvolvimento e que o tratamento inicial instituído não o influenciou.

Conclusão:

Pacientes politraumatizados apresentaram uma maior chance de desenvolver SEG e não houve influência do tratamento inicial instituído.

Palavras-chave:
Fraturas do fêmur; Fixação de fratura; Traumatismo múltiplo; Embolia gordurosa

ABSTRACT

Objective:

To identify the risk factors correlated with the initial treatment performed.

Methods:

This is a retrospective study involving a total of 272 patients diagnosed with femoral shaft fractures. Of the patients, 14% were kept at rest until the surgical treatment, 52% underwent external fixation, 10% received immediate definitive treatment, and 23% remained in skeletal traction (23%) until definitive treatment.

Results:

There were six cases of fat embolism syndrome (FES), which showed that , polytrauma is the main risk factor for its development and that initial therapy was not important.

Conclusion:

Polytrauma patients have a greater chance of developing FES and there was no influence from the initial treatment.

Keywords:
Femoral fractures; Fracture fixation; Multiple trauma; Fat embolism

Introdução

A liberação de êmbolos gordurosos na corrente sanguínea pode ocasionar lesão e disfunção de um ou mais órgãos, definidas como síndrome da embolia gordurosa (SEG), principalmente pela mobilidade no foco da fratura,11. White T, Petrisor BA, Bhandari M. Prevention of fat embolism syndrome. Injury. 2006;37 Suppl. 4:S59-67.mas, apesar de novos protocolos com tratamentos agressivos de apoio e terapia intensiva, permanece umas das preocupações nas fraturas diafisárias de ossos longos.22. Robinson CM. Current concepts of respiratory insufficiency syndromes after fracture. J Bone Joint Surg Br. 2001;83(6):781-91.

3. Filomeno LTB, Carelli CR, Silva NCLF, Barros Filho TEP, Amatuzzi MM. Embolia gordurosa: uma revisão para a prática ortopédica atual. Acta Ortop Bras. 2005;3(4):96-208.
-44. Saigal R, Mittal M, Kansal A, Singh Y, Kolar PR, Jain S. Fat embolism syndrome. J Assoc Phys India. 2008;56:245-9.Sabendo disso, a estabilização esquelética precoce é sugerida para prevenir essa síndrome.11. White T, Petrisor BA, Bhandari M. Prevention of fat embolism syndrome. Injury. 2006;37 Suppl. 4:S59-67.No entanto, a decisão de qual abordagem será feita depende do quadro clínico do paciente e da disponibilidade de recursos.55. Pape HC, Giannoudis PV, Krettek C, Trentz O. Timing of fixation of major fractures in blunt polytrauma: role of conventional indicators in clinical decision making. J Orthop Trauma. 2005;19(8):551-62.

O presente estudo busca identificar os fatores de risco para a síndrome da embolia gordurosa e correlacioná-lo com o tratamento inicial instituído.

Casuística e método

Estudo retrospectivo observacional baseado em dados de prontuários dos pacientes do Departamento de Ortopedia e Traumatologia, atendidos entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015. Foram coletadas informações que incluem dados epidemiológicos, mecanismo de trauma, classificação da fratura segundo a Classificação AO,66. Ruedi TP, Buckley R, Moran CG. AO principles of fracture management. 2nd ed. New York: Thieme- Verlag; 2007.tratamento feito, desfecho clínico quanto à presença ou não da SEG.

Foram incluídos os pacientes com diagnóstico de fratura da diáfise do fêmur de ambos os gêneros, com mínimo de 16 anos, e excluídos os pacientes com fratura em osso patológico.

Foram considerados dois grupos: politraumatizados e não politraumatizados. No primeiro eram considerados os com lesões múltiplas que excediam uma gravidade definida (ISS ≥ 17).66. Ruedi TP, Buckley R, Moran CG. AO principles of fracture management. 2nd ed. New York: Thieme- Verlag; 2007.

Em relação ao tratamento inicial, foram divididos em: repouso (pacientes que foram mantidos em repouso no leito com coxins), tração esquelética transtibial; fixação externa para controle de danos e tratamento cirúrgico definitivo, seja com haste intramedular ou fixação com placa e parafusos. Nenhum paciente foi tratado definitivamente com fixação externa (tabela 1).

Tabela 1 -
Distribuição dos pacientes por tratamento inicial

Cumpriam os critérios de inclusão 272 pacientes cujos prontuários foram revisados. Foram 43 (16%) pacientes do gênero feminino e 229 (84%) do masculino. Quanto à faixa etária, foram predominantemente entre 16-30 anos (63%) (tabela 2). Foi evidenciada SEG em seis casos (2,2%).

Tabela 2 -
Distribuição dos pacientes por faixa etária

Em relação ao mecanismo de trauma, houve uma predominância de vítimas de acidentes motociclísticos (57%), seguidos por automobilísticos (17%) e quedas (14%).

Usamos a classificação do grupo AO66. Ruedi TP, Buckley R, Moran CG. AO principles of fracture management. 2nd ed. New York: Thieme- Verlag; 2007.para as fraturas e obtivemos a seguinte distribuição conformefigura 1.

Figura 1 -
Distribuição dos pacientes pela classificação AO.

Foram considerados politraumatizados (ISS > 17) 43 pacientes (16%) e 67 (25%) apresentavam exposição no foco de fratura.

Resultados

Dos 229 pacientes do gênero masculino, cinco (2,2%) desenvolveram SEG e no grupo das 43 pacientes do gênero feminino observamos apenas um (2,3%) (p = 0,954).

Houve prevalência de SEG nos adultos, principalmente abaixo dos 30 anos (83,3%), porém sem significância estatística (p = 0,302).

Considerando como variável apenas o fato de o paciente ser politraumatizado, em 43, cinco (12%) desenvolveram SEG e no grupo de não politraumatizados somente um (p < 0,001).

Dentre os 144 casos submetidos à fixação externa como tratamento inicial, seis (4%) desenvolveram SEG, cinco politraumatizados.

No grupo dos 43 politraumatizados, 30 foram submetidos à fixação externa e desses cinco (17%) desenvolveram SEG. No restante do grupo (13 pacientes), quatro foram submetidos a repouso no leito, quatro a tratamento definitivo na urgência, cinco a tração esquelética; em nenhum desses houve casos de SEG.

Em relação à classificação AO,66. Ruedi TP, Buckley R, Moran CG. AO principles of fracture management. 2nd ed. New York: Thieme- Verlag; 2007.os pacientes com SEG distribuíram-se entre 32-B2 (50%); 32-A2 (33%) e 32-A3 (17%). Não encontramos casos de SEG entre os pacientes com fraturas classificadas como 32-C.

Discussão

A SEG é relacionada a múltiplos fatores, como energia do trauma, predisposição do paciente e ressuscitação inicial11. White T, Petrisor BA, Bhandari M. Prevention of fat embolism syndrome. Injury. 2006;37 Suppl. 4:S59-67.,77. Lasanianos NG, Kanakaris NK, Dimitriou R, Pape HC, Giannoudis PV. Second hit phenomenon: existing evidence of clinical implications. Injury . 2011;42(7):617-29.Pinneyet al.88. Pinney SJ, Keating JF, Meek RN. Fat embolism syndrome in isolated femoral fractures: does timing of nailing influence incidence? Injury . 1998;29(2):131-3.descreveram que há uma relação de SEG nos pacientes adultos jovens, pois esses são capazes de sobreviver a traumas de alta energia, o que favorece essa síndrome. Nosso estudo evidenciou que entre os seis pacientes com SEG, cinco apresentavam-se com menos de 30 anos, porém essa também foi a idade na qual essa fratura foi mais prevalente, com 172 pacientes (63%). Dessa forma, há uma predominância de SEG no grupo de adultos jovens, porém sem significância estatística (p = 0,302). O mesmo foi observado em relação ao gênero masculino, no qual as fraturas diafisárias do fêmur foram mais comuns (84%) e respondem por 83% dos pacientes com SEG.

O manejo inicial de um paciente com fratura diafisária do fêmur depende das condições clínicas de sua admissão hospitalar, levam-se em consideração os conceitos já estabelecidos na literatura, deEarly Total CareeDamage Control. Nos pacientes submetidos ao tratamento definitivo primário, não houve SEG, o que corrobora estudos de Boneet al.99. Bone LB, Johnson KD, Weigelt J, Scheinberg R. Early versus delayed stabilization of femoral fractures: a prospective randomized study, 1989. Clin Orthop Relat Res. 2004;(422):11-6.e Lasanianoset al.77. Lasanianos NG, Kanakaris NK, Dimitriou R, Pape HC, Giannoudis PV. Second hit phenomenon: existing evidence of clinical implications. Injury . 2011;42(7):617-29.Eles demonstraram que a fixação precoce da fratura diafisária de fêmur isolada nos paciente estáveis pode ser benéfica.

Já no grupo de pacientes com indicação de fixação provisória, Brianet al. demonstraram não haver diferença de desfechos clínicos nos pacientes submetidos tanto a fixação externa (FE) quanto a tração esquelética.1010. Scannell BP, Waldrop NE, Sasser HC, Sing RF, Bosse MJ. Skeletal traction versus external fixation in the initial temporization of femoral shaft fractures in severely injured patients. J Trauma. 2010;68(3):633-40.Em nosso estudo, houve uma maior prevalência de SEG nos pacientes submetidos à FE (p < 0,02) e nenhum caso de SEG nos submetidos à tração esquelética ou repouso no leito. No entanto, dentre os pacientes submetidos à FE, em 144 (seis com SEG), 30 foram politraumatizados (cinco com SEG), esse foi considerado o fator mais importante (p = 0,016).

Quanto à classificação das fraturas (classificação AO66. Ruedi TP, Buckley R, Moran CG. AO principles of fracture management. 2nd ed. New York: Thieme- Verlag; 2007.), que leva em conta a energia do trauma, era de se esperar uma prevalência maior de fraturas do tipo C nos pacientes com SEG, pois se trata de fraturas com maior instabilidade e com maior mobilidade no foco, logo, é esperada uma maior liberação de êmbolos de gordura.11. White T, Petrisor BA, Bhandari M. Prevention of fat embolism syndrome. Injury. 2006;37 Suppl. 4:S59-67.,66. Ruedi TP, Buckley R, Moran CG. AO principles of fracture management. 2nd ed. New York: Thieme- Verlag; 2007.Entretanto, em nosso estudo, as fraturas do tipo B2 foram as mais prevalentes no grupo de paciente com SEG (50%), mas dentre esses 50 pacientes com fratura classificação AO 32-B2, oito eram também politraumatizados (dois com SEG) e 42 não politraumatizados (um com SEG). Se formos medir a relação entre embolia e politrauma nesse grupo de fraturas, não houve significância estatística entre essas variáveis (p = 0,098).

Conclusão

O paciente politraumatizado tem uma maior chance de desenvolver SEG e em nossa casuística o tratamento inicial instituído não influenciou no seu desenvolvimento.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2016
  • Aceito
    30 Ago 2016
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