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O uso do ácido tranexâmico em pacientes submetidos a artroplastia total primária do quadril: uma avaliação do seu impacto em diferentes protocolos de administração Trabalho desenvolvido na Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Resumo

Objetivos

Ainda não há consenso sobre qual a melhor forma e quais as dosagens de uso do ácido tranexâmico (ATX). O objetivo do estudo foi avaliar o uso do ATX na artroplastia total do quadril (ATQ) quanto à redução da perda sanguínea e queda de hemoglobina. Levaram-se em consideração diferentes protocolos de administração.

Métodos

Foram divididos em três grupos 42 pacientes submetidos à ATQ. O estudo foi prospectivo e randomizado. O grupo 1 recebeu uma dose venosa de ATX de 15 mg/kg 20 minutos antes de incisão, em bólus. O grupo 2 recebeu uma dose endovenosa de 15 mg/kg em bólus, 20 minutos antes da incisão, e uma dose extra de 10 mg/kg através de bomba de infusão durante a duração do procedimento cirúrgico. Os pacientes do grupo 3 - controle - não receberam ATX. Foram feitas dosagens de hemoglobina pré e pós-operatoriamente e foi medida a perda sanguínea em 24 horas após a cirurgia através do uso de dreno portovac.

Resultados

Houve uma redução significativa na quantidade de sangramento através do dreno portovac e redução na queda da hemoglobina pós-operatória nos pacientes que usaram ATX. Não houve diferença significativa na queda de hemoglobina entre os grupos 1 e 2, assim como não houve necessidade de hemotransfusão. Dois pacientes do grupo 3 necessitaram de hemotransfusão.

Conclusões

Os achados demonstraram que o uso do ácido tranexâmico por via endovenosa na ATQ reduziu as taxas de sangramento no pós-operatório e queda da hemoglobina sérica de forma significativa, sem aumentar os efeitos tromboembólicos. Os métodos bólus e bólus + bomba de infusão demonstraram ter uma influência semelhante quanto à hemoglobina, perda sanguínea através dos drenos e necessidade de hemotransfusão.

Palavras-chave:
Artroplastia de quadril; Ácido tranexâmico; Hemotransfusão

Abstract

Objectives

There is still no consensus as to the best form and dosages of use of tranexamic acid. The aim of this study was to evaluate the use of tranexamic acid in total hip arthroplasty, in order to reduce blood loss and decrease hemoglobin, taking into account different administration protocols.

Methods

42 patients submitted to total hip arthroplasty were divided into three groups. The study was prospective and randomized. Group 1 received a venous dose of tranexamic acid of 15 mg/kg, 20 min prior to bolus incision. Group 2 received an intravenous dose of 15 mg/kg bolus, 20 min before the incision, and an extra dose of 10 mg/kg by infusion pump during the duration of the surgical procedure. Patients in group 3 did not receive tranexamic acid, being the control group. Pre- and post-operative hemoglobin levels were measured and blood loss was measured 24 h after surgery using a Portovac drain.

Results

There was a significant reduction in the amount of bleeding through the Portovac drain and reduction in postoperative hemoglobin drop in patients who used tranexamic acid. There was neither significant difference in hemoglobin drop between groups 1 and 2, nor was there a need for hemotransfusion. Two patients in group 3 required blood transfusion.

Conclusions

The findings demonstrated that the use of intravenous tranexamic acid in total hip arthroplasty reduced postoperative bleeding rates and significantly reduced serum hemoglobin without increasing thromboembolic effects. The bolus and bolus + infusion pump methods were shown to have a similar influence on hemoglobin and need for blood transfusion.

Keywords:
Hip arthroplasty; Tranexamic acid; Hemotransfusion

Introdução

A artroplastia total do quadril tornou-se excelente método de tratamento no alívio da dor e melhoria funcional dos pacientes com doença degenerativa da articulação coxofemoral. Inicialmente sua indicação estava restrita a pacientes mais idosos e com demanda funcional menor; no entanto, o aperfeiçoamento da técnica cirúrgica e a evolução dos implantes e das superfícies de atrito, que proporcionam menor desgaste, fizeram ampliar o universo dos pacientes que puderam se beneficiar desse procedimento.11 Rabello BT, Cabral FP, Freitas E, Penedo J, Cury MB, Rinaldi ER, et al. Artroplastia total do quadril não cimentada em pacientes com artrite reumatoide. Rev Bras Ortop. 2008;43(8):336-42.

A perda de sangue perioperatória é uma causa frequente de complicações em artroplastia total do quadril.22 Clavé A, Fazilleau F, Dumser D, Lacroix J. Efficacy of tranexamic acid on blood loss after primary cementless total hip replacement with rivaroxaban thromboprophylaxis: a case-control study in 70 patients. Orthop Traumatol Surg Res. 2012;98(5):484-90. Complicações por sangramento podem impedir o sucesso de qualquer cirurgia.33 Moreira Neto FF (Dissertação) Uso profilático do acido tranexamico em cirurgia cardíaca feita com auxílio da circulação extracorpórea. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2000. Durante os últimos anos, vários autores relataram a administração perioperatória de ácido tranexâmico e o seu efeito benéfico na redução da perda de sangue.44 de Jonge T. Pharmacological reduction of bleeding during hip endoprosthetic replacement. Orv Hetil. 2012;153(41):1607-12.

O ácido tranexâmico tem sido usado para reduzir a perda de sangue e necessidade de transfusão de prótese total do quadril e artroplastia de joelho, com resultados variáveis.55 Ho KM, Ismail H. Uso de ácido tranexâmico por via intravenosa para reduzir a transfusão de sangue alogênico em total de quadril e artroplastia do joelho: uma metanálise. Anaesth Intensive Care. 2003;31(5):529-37.

O ácido tranexâmico (ATX) é uma droga antifibrinolítica sintética cujo efeito resulta da formação de um complexo reversível com o plasminogênio e a plasmina, inibe a fibrinólise e previne a lise do coágulo de fibrina, além de atuar também no bloqueio parcial da agregação plaquetária induzida pela plasmina.66 Rocha VM, Barros AGC, Gomes NL, Silva LEC, Schettino LCV, Lobo JC, et al. Uso do ácido tranexâmico no controle do sangramento de cirurgias de escoliose toracolombar com instrumentação posterior. Rev Bras Ortop. 2015;50(2):226-31. O ATX pode prover um benefício hemostático em hemorragias excessivas ou recorrentes devido à estabilização das estruturas de fibrina e prevenção da dissolução do coágulo, especialmente quando a formação da fibrina é defeituosa. Seu efeito na preservação da matriz de fibrina pode, ainda, intensificar a síntese de colágeno e aumentar a força elástica do tecido.77 Prado TD, Ribeiro RG, Damasceno AD, Nardi AB. Hemostasia e procedimentos anti-hemorrágicos. Agrarian academy - centro cientifico conhecer, vol. 1(1); 2014. p. 214. Available from: http://www.conhecer.org.br/agrarian%20academy/2014a/Hemostasis.pdf http://www.conhecer.org.br/agrarian%20academy/2014a/Hemostasis.pdf [accessed 01.2016].
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O ATX apresenta absorção rápida. Aproximadamente 90% de uma dose EV é excretada pela urina em 24 horas, meia-vida plasmática de aproximadamente duas horas, mantém níveis terapêuticos por seis a oito horas. Sua ação preserva o coágulo e torna o mecanismo hemostático mais eficiente, reduz a intensidade e os riscos do sangramento e pode ser administrado de maneira EV ou tópica.88 Sadigurski D, Andion D, Boureau P, Ferreira MC, Carneiro RJF, Colavolpe PO. Effect of tranexamic acid on bleeding control in total knee arthroplasty. Acta Ortop Bras. 2016;24(3):131-6.

Atualmente, existem evidências clínicas suficientes para recomendar ácido tranexâmico para reduzir a perda sangüínea pós-operatória na artroplastia total de joelho e quadril. No entanto, sua dose ótima e seus regimes de administração são desconhecidos.99 Castro-Menéndez M, Pena-Paz S, Rocha-García F, Rodríguez-Casas N, Huici-Izco R, Montero-Viéites A. Efficacy of 2 grammes of intravenous transexamic acid in the reduction of post-surgical bleeding after total hip and knee replacement. Rev Esp Cir Ortop Traumatol. 2016;60(5):315-24. Em altas concentrações, o ATX pode ser um inibidor direto não competitivo de plasmina. Os níveis plasmáticos máximos são alcançados de cinco a 15 minutos após a administração intravenosa.77 Prado TD, Ribeiro RG, Damasceno AD, Nardi AB. Hemostasia e procedimentos anti-hemorrágicos. Agrarian academy - centro cientifico conhecer, vol. 1(1); 2014. p. 214. Available from: http://www.conhecer.org.br/agrarian%20academy/2014a/Hemostasis.pdf http://www.conhecer.org.br/agrarian%20academy/2014a/Hemostasis.pdf [accessed 01.2016].
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Pelo seu baixo custo e por seus efeitos colaterais pequenos, pesquisas em diferentes partes do mundo têm sido feitas na tentativa de avaliar sua eficácia no controle do sangramento perioperatório em cirurgias de grande porte.66 Rocha VM, Barros AGC, Gomes NL, Silva LEC, Schettino LCV, Lobo JC, et al. Uso do ácido tranexâmico no controle do sangramento de cirurgias de escoliose toracolombar com instrumentação posterior. Rev Bras Ortop. 2015;50(2):226-31.

As estratégias para redução de sangramento têm sido usadas para diminuir a necessidade de transfusão de sangue e hemoderivados devido aos riscos que apresentam. Não só a transmissão de doenças virais e bacterianas, mas a imunomodulação relacionada à transfusão homóloga tem sido uma preocupação crescente, principalmente quando evidenciamos uma elevação na prevalência de infecções de próteses implantadas, imunossupressão e a relação já evidenciada do surgimento de neoplasias em pacientes que receberam esse tipo de transfusão.1010 Volquind D, Zardo RA, Winkler BC, Londero BB, Zanelatto N, Leichtweis GP. Uso do ácido tranexâmico em artroplastia total primária de joelho: repercussões na perda sanguínea perioperatória. Rev Bras Anestesiol. 2015;66:254-8.

O sangramento perioperatório pode requerer transfusões de sangue, que às vezes não são sem complicações e riscos, com o subsequente aumento nos custos dos cuidados de saúde. Entre outros métodos de prevenção, o tratamento com ácido tranexâmico (ATX) mostrou ser eficaz na redução da perda cirúrgica de sangue, especialmente no pós-operatório imediato.1111 Aguilera-Roig X, Jordán-Sales M, Natera-Cisneros L, Monllau-García JC, Martínez-Zapata MJ. Tranexamic acid in orthopedic surgery. Rev Esp Cir Ortop Traumatol. 2014;58(1):52-6.

Assim, o objetivo deste trabalho é comprovar a eficácia do acido tranexâmico nas artroplastias totais do quadril em relação ao grupo controle, tentar identificar possíveis complicações e tentar estabelecer um critério sobre a forma ideal para o uso do ATX.

Material e métodos

Foram estudados 42 pacientes submetidos à artroplastia primária total de quadril, operados pela mesma equipe de cirurgiões, de fevereiro a novembro de 2016. O estudo foi prospectivo e randomizado, os pacientes foram divididos em três grupos. Os do grupo 1 receberam uma dose venosa do acido tranexâmico de 15 mg/kg 20 minutos antes de incisão, em bólus, respeitou-se a dose máxima de 2 g da droga. O grupo 2 recebeu uma dose endovenosa de 15 mg/kg em bólus, 20 minutos antes da incisão, e dose extra de 10 mg/kg através de bomba de infusão durante o período de duração do procedimento cirúrgico. O grupo 3 não recebeu ácido tranexâmico e foi o controle. Foram feitas dosagens de hemoglobina pré e pós-operatória e foi medida a perda sanguínea em 24 horas após a cirurgia através do uso de dreno portovac. Foram comparadas as médias de sangramento per e pós-operatório, a queda de hemoglobina e a necessidade de hemotransfusão entre os três grupos. Os critérios de inclusão e exclusão estão listados na tabela 1.

Tabela 1
Critérios de seleção da amostra

Análise estatística

Os resultados foram expressos em média ± DP (desvio padrão). Para as comparações das médias, foi usado a one-way Anova, por se tratar de comparação de três grupos independentes. Foram verificadas as suposições de normalidade com o teste Shapiro-Wilk e homogeneidade das variâncias através do teste Levene Statistic. Por fim, o teste Tukey foi usado para avaliar quais diferenças foram estatisticamente significantes. Os resultados estatisticamente significativos foram aceitos com p < 0,05. As análises estatísticas foram feitas com o programa IBM Statistics SPSS 19.

Resultados

De acordo com os critérios de inclusão pré-operatórios (tabela 1), os pacientes do grupo 1 (bólus), grupo 2 (bólus e bomba) e grupo 3 (controle) apresentaram níveis de hemoglobina acima da 10 g/dL, em média, respectivamente, 14,33 mL/dL [IC de 95%, 13,05 a 15,55], 13,73 mL/dL [IC de 95%, 11,97 a 15,49] e 13,96 mL/dL [IC de 95%, 12,47 a 15,44], (p = 0,575), ou seja, grupos com resultado de hemoglobina pré-operatória homogênea, com diferença não estatisticamente significativa, o que diminui a chance de interferência por resultados discrepantes de hemoglobina pré-operatória (fig. 1).

Figura 1
Comparação hemoglobina pré-operatória por grupo.

Após 24 horas do procedimento cirúrgico de artroplastia primária total do quadril (ATQ), houve queda na hemoglobina dos três grupos, a maior foi no grupo 3 (fig. 2). Os grupos apresentaram as seguintes médias: bólus 11,60 mL/dL [IC de 95%, 10,18 a 13,02], bólus e bomba 11,11 mL/dL [IC de 95%, 9,53 a 12,70] e grupo controle de 10,37 mL/dL [IC de 95%, 8,67 a 12,07], (p = 0,130). Esses dados demonstram valores de queda de hemoglobina estatisticamente relevantes do grupo 3 em relação aos grupos 1 e 2, demonstram um efeito benéfico do acido tranexâmico em relação à queda dos níveis de hemoglobina nas primeiras 24 horas do procedimento cirúrgico.

Figura 2
Comparação hemoglobina 24 horas por grupo.

Já após 48 horas do procedimento cirúrgico de artroplastia primária total do quadril (ATQ), também houve queda na hemoglobina dos três grupos, a maior também no grupo 3. Os grupos apresentaram as seguintes médias: bólus 10,92 mL/dL [IC de 95%, 9,53 a 12,30], bólus e bomba 10,89 mL/dL [IC de 95%, 9,44 a 12,33] e 9,70 mL/dL [IC de 95%, 8,45 a 10,95], (p = 0,053). Esses dados demostram valores de queda de hemoglobina estatisticamente relevantes do grupo controle em relação aos grupos 1 e 2 e um efeito benéfico do ácido tranexâmico em relação à queda dos níveis de hemoglobina nas primeiras 48 horas do procedimento cirúrgico (fig. 3).

Figura 3
Comparação hemoglobina 48 horas por grupo.

Quando analisadas as perdas sanguíneas através dos drenos portovac, os grupos apresentaram as seguintes médias: bólus 289,69 mL [IC de 95%, 146,90 a 432,48], bólus e bomba 250,00 mL [IC de 95%, 113,73 a 386,27] e controle 437,92 mL [IC de 95%, 218,40 a 657,44], (p = 0,017).

O grupo 3 apresentou uma perda sanguínea através do dreno portovac superior aos grupo 1 (bólus) e grupo 2 (bólus e bomba), como pode ser observado na figura 4, valor estatisticamente relevante. Concluímos, portanto, que há um aumento importante na quantidade de sangramento contabilizado através dos drenos dos pacientes do grupo 3 em relação aos grupos 1 e 2, valor esse significativamente estatístico. Sugere novamente um efeito benéfico do ácido tranexâmico em relação à diminuição de sangramento. Entre os grupos 1 e 2 não houve uma diferença estatística relevante.

Figura 4
Dreno total por grupo.

Discussão

Estudos que avaliam ATX em cirurgia ortopédica mostram que é eficaz e seguro quando administrado por via intravenosa ou intra-articular.1111 Aguilera-Roig X, Jordán-Sales M, Natera-Cisneros L, Monllau-García JC, Martínez-Zapata MJ. Tranexamic acid in orthopedic surgery. Rev Esp Cir Ortop Traumatol. 2014;58(1):52-6. Em seus estudos, Yamasaki et al.1212 Yamasaki S, Masuhara K, Fuji T. Tranexamic acid reduces blood loss after cementless total hip arthroplasty-prospective randomized study in 40 cases. Int Orthop. 2004;28(2):69-73. investigaram os efeitos do ácido tranexâmico em 40 pacientes submetidos à artroplastia total de quadril não cimentada. Foram administrados em 20 doentes 1.000 mg de ácido tranexâmico via intravenosa, cinco minutos antes do início da operação. Os outros 20 pacientes serviram de grupo controle e foram operados sem ácido tranexâmico. A perda de sangue perioperatória foi semelhante entre os grupos. A perda de sangue pós-operatória do grupo de ácido tranexâmico foi significativamente menor do que a do grupo de controle em 2, 4, 6, 8, 10 e 12 horas. Quanto ao tempo de mudanças relacionadas à perda de sangue pós-operatório, foi observada redução significativa durante as primeiras 2 h após a cirurgia no grupo ácido tranexâmico (p < 0,001). Após duas horas, não houve diferença significativa entre o grupo ácido tranexâmico e o grupo de controle. Administração pré-operatória de ácido tranexâmico diminuiu a perda de sangue pós-operatório até 12 horas e o total de sangramento em ATQ cimentada pela redução da perda de sangue durante as primeiras 2 h após a cirurgia.

Zhou et al.1313 Zhou XD, Tao LJ, Li J, Wu LD. Do we really need tranexamic acid in total hip arthroplasty? A meta-analysis of nineteen randomized controlled trials. Arch Orthop Trauma Surg. 2013;133(7):1017-27. demostraram em seus estudos que o ácido tranexâmico reduziu a perda de sangue e necessidade de hemotransfusão em pacientes submetidos à artroplastia total do quadril. O uso do ácido tranexâmico reduziu significativamente a perda de sangue total, em média de 305,27 mL [intervalo de confiança de 95% (CI), -397,66 a -212,89, p < 0,001], a perda de sangue intraoperatória por uma média de 86,33 mL (IC 95%, -152,29 a -20,37, p = 0,01), a perda de sangue pós-operatória de uma média de 176,79 mL (IC 95%, -236,78 a -116,39, p < 0,001) e a perda oculta de sangue por uma média de 152,70 mL (IC 95%, -187,98 a -117,42, p < 0,001), o que resulta numa redução significativa na proporção de pacientes que necessitam de transfusões de sangue (odds ratio de 0,28, IC 95%, 0,19-0,42, p < 0,001). Não houve diferença significativa na ocorrência de trombose venosa profunda, embolia pulmonar ou outras complicações entre os grupos de estudo, ou o custo ou duração de hospitalização.

Rocha et al.66 Rocha VM, Barros AGC, Gomes NL, Silva LEC, Schettino LCV, Lobo JC, et al. Uso do ácido tranexâmico no controle do sangramento de cirurgias de escoliose toracolombar com instrumentação posterior. Rev Bras Ortop. 2015;50(2):226-31. relatam em seus estudos um protocolo em que o ácido tranexâmico é usado na dose de ataque de 10 mg/kg de peso corporal, administrada ao longo de 30 minutos antes de fazer a incisão na pele. A dose máxima de 2 g da droga é observada. Após a incisão, foi feita infusão contínua de ATX e mantida a uma taxa de 30 mg/kg/h até ao fim do processo, isto é, quando a pele foi fechada. Relatam também que esse protocolo já foi usado de forma segura em outros centros.

McConnell et al.1414 McConnell JS, Shewale S, Munro NA, Shah K, Deakin AH, Kinninmonth AW. Reduction of blood loss in primary hip arthroplasty with tranexamic acid or fibrin spray. Acta Orthop. 2011;82(6):660-3. usaram em um estudo randomizado controlado que comparou o efeito do ácido tranexâmico e spray de fibrina sobre a perda de sangue na artroplastia total do quadril cimentada, uma única dose/kg de bólus de 10 mg de ácido tranexâmico por via intravenosa, na indução da anestesia. Segundo tais estudiosos, o fabricante não especificou uma dose recomendada para essa cirurgia, por isso a dose e horário foram escolhidos por eles, com base em estudos anteriores, que têm encontrado a eficácia com o uso em bólus de 10 mg/kg na artroplastia do quadril, quando administrada a indução. Foi feito um estudo randomizado, duplo-cego sobre o efeito do ácido tranexâmico na perda de sangue e hemotransfusões em 40 artroplastias totais do quadril primárias. O ácido tranexâmico na dose de 10 m/kg de peso corporal, ou placebo, foi administrado por via intravenosa, pouco antes da cirurgia. A perda de sangue durante a operação e no pós-operatório pelos drenos foi registrada, assim como as concentrações de hemoglobina sérica. Foi feito exame ultrassonográfico em uma semana de pós-operatório para estimar a perda de sangue devido a hematomas remanescentes. Total perda de sangue (cirurgia + drenagem) foi de 0,76 (IC 95%, 0,63-0,89) no grupo ácido tranexâmico, em comparação com 1,0 (IC 95%, 0,81-1,2) no grupo placebo (p = 0,03). O número de hemotransfusões no dia da cirurgia foi de dois vs. 10 (p = 0,07) e o número total durante o período de internação foi de cinco vs. 13 (p = 0,2). Um paciente em cada grupo teve embolia pulmonar.1515 Benoni G, Fredin H, Knebel R, Nilsson P. Blood conservation with tranexamic acid in total hip arthroplasty: a randomized, double-blind study in 40 primary operations. Acta Orthop Scand. 2001;72(5):442-8.

Em um estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego Husted et al.1616 Husted H, Blønd L, Sonne-Holm S, Holm G, Jacobsen TW, Gebuhr P. Tranexamic acid reduces blood loss and blood transfusions in primary total hip arthroplasty: a prospective randomized double-blind study in 40 patients. Acta Orthop Scand. 2003;74(6):665-9. lançaram mão de 40 pacientes agendados para artroplastia total do quadril primária para determinar o efeito do ácido tranexâmico em perdas sanguíneas peri e pós-operatório e número de transfusões sanguíneas necessárias. Esses pacientes foram distribuídos aleatoriamente para receber o ácido tranexâmico (10 mg/kg dados como uma injeção intravenosa em bólus, seguida de uma infusão contínua de 1 mg/kg/hora durante 10 horas) ou placebo (20 mL de soro fisiológico por via intravenosa) 15 minutos antes da incisão. Foram registrados as perdas de sangue peri e pós-operatória na retirada do dreno de 24 horas após a operação e o número de transfusões de sangue. Os pacientes que receberam ácido tranexâmico tiveram uma perda média perioperatória sanguínea de 480 mL contra 622 mL em pacientes que receberam placebo (p = 0,3), a perda sanguínea pós-operatória de 334 mL contra 609 mL (p = 0,001), a perda de sangue total de 814 mL contra 1,231 mL (p = 0,001) e uma necessidade total de quatro transfusões de sangue versus 25 (p = 0,04). Nenhum doente em qualquer grupo tinha sintomas de trombose venosa profunda, embolia pulmonar ou drenagem da ferida prolongada.

Em cirurgia eletiva, o ATX diminui em cerca de 30% a necessidade de transfusão sanguínea, sem afetar a mortalidade nem aumentar as complicações pós-operatórias. No trauma, o ATX recentemente foi associado com uma redução da taxa de mortalidade em um grande número de pacientes traumatizados com sangramento.1717 Luz L, Sankarankutty A, Passos E, Rizoli S, Fraga GP, Nascimento B. Tranexamic acid for traumatic hemorrhage. Rev Col Bras Cir. 2012;39(1):77-80. O ATX diminui significativamente a perda de sangue pós-operatória, com notável variação (50-460 mL). A perda de sangue perioperatória total reduz, em média, 440 mL.1818 Ramos MFW, Morais AC, Santana JA, Chaves RA, Seiberlich E. Antifibrinolítico em cirurgia cardíaca: como e quando usar? Rev Med Minas Gerais. 2011;21(2 Suppl. 3):S3-8. Drogas como ácidos tranexâmico e aminocaproico têm sido usadas em cirurgias eletivas de grande porte para prevenir fibrinólise com redução do número de hemotransfusões. Entretanto, apesar de seu uso parecer muito atrativo para a coagulopatia do trauma, atualmente não existem dados de estudos em humanos que apoiem a sua aplicação rotineira no trauma.1919 Nascimento B, Scarpelini S, Rizoli S. Coagulopatia no trauma. Medicina (Ribeirão Preto). 2007;40(4):509-17. O ácido tranexâmico intravenoso pode reduzir a perda de sangue1313 Zhou XD, Tao LJ, Li J, Wu LD. Do we really need tranexamic acid in total hip arthroplasty? A meta-analysis of nineteen randomized controlled trials. Arch Orthop Trauma Surg. 2013;133(7):1017-27.,2020 Tsutsumimoto T, Shimogata M, Ohta H, Yui M, Yoda I, Misawa H. Tranexamic acid reduces perioperative blood loss in cervical laminoplasty: a prospective randomized study. Spine (Phila Pa 1976). 2011;36(23):1913-8. e a necessidade de transfusão em pacientes submetidos à artroplastia total do quadril, sem aumentar o risco de complicações.1313 Zhou XD, Tao LJ, Li J, Wu LD. Do we really need tranexamic acid in total hip arthroplasty? A meta-analysis of nineteen randomized controlled trials. Arch Orthop Trauma Surg. 2013;133(7):1017-27. Há poucos dados com relação aos efeitos adversos desse fármaco. Raramente provoca hipotensão e alteração retiniana. Seu uso sistêmico prolongado eleva o risco de fenômenos tromboembólicos, é contraindicado em trombopatias agudas e usado com cautela em pacientes com tendência conhecida para trombose.2121 Albuquerque GC, Carvalho CRS, Oliveira CR, Terra DP, Quinete SS. Telangiectasia hemorrágica hereditária: ácido tranexâmico no tratamento de úlcera plantar. An Bras Dermatol. 2005;80(Suppl. 3):S373-5. Estudos sobre o uso de ácido tranexâmico mostraram resultados interessantes, mas seus benefícios na artroplastia total do quadril ainda não foram resolvidos.2222 Johansson T, Pettersson LG, Lisander B. Tranexamic acid in total hip arthroplasty saves blood and money: a randomized, double-blind study in 100 patients. Acta Orthop. 2005;76(3):314-9.

Conclusão

Os achados deste estudo demonstraram que o uso do acido tranexâmico por via endovenosa na artroplastia total do quadril reduziu as taxas de sangramento no pós-operatório e consequentemente a queda da hemoglobina sérica de forma significativa nos grupos 1 (bólus) e 2 (bólus e bomba de infusão) em relação ao 3 (controle: não recebeu ácido tranexâmico). Consequentemente, houve redução da necessidade de hemotransfusão, foi necessária em dois pacientes do grupo controle. Os pacientes do grupo 1 e 2 não necessitaram de hemotransfusão. Quanto aos diferentes protocolos de administração, o uso dos métodos bólus e bólus e bomba de infusão demonstraram ter uma influência bastante semelhante quanto à hemoglobina sérica e à quantidade de perdas sanguíneas através dos drenos portovac, as diferenças entre eles não têm relevância estatística.

Não há diferença estatística em termos de queda de hemoglobina e quantidade de sangramento através dos drenos entre os pacientes dos grupos 1 e 2. Portanto, sugerimos que talvez seja mais vantajoso o uso do protocolo de administração do ácido tranexâmico em bólus na dose de 15mg\kg, 30 minutos antes da incisão de pele nos pacientes submetidos à artroplastia total primaria do quadril (ATQ), já que usa menor dose da droga e consequentemente diminui as chances de efeitos colaterais e reduz os custos e a complexidade da administração.

Não foram observados efeitos tromboembólicos nos pacientes deste estudo.

  • Trabalho desenvolvido na Rede Mater Dei de Saúde, Belo Horizonte, MG, Brasil.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2016
  • Aceito
    26 Jan 2017
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