Acessibilidade / Reportar erro

Profilaxia do tromboembolismo venoso após artroplastia total de joelho: aspirina vs. rivaroxabana Trabalho desenvolvido no Hospital Mario Covas, Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil.

RESUMO

Objetivos:

Comparar a eficácia e a segurança da aspirina e rivaroxabana na prevenção de tromboembolismo venoso (TEV) após a artroplastia total de joelho (ATJ).

Métodos:

Foram selecionados 32 pacientes com osteoartrite do joelho e indicação de artroplastia do joelho. Os pacientes operados foram randomizados em dois grupos (A e B). Os pacientes do grupo A receberam 300 mg de ácido acetilsalicílico (aspirina) e os do grupo B receberam 10 mg de rivaroxabana diários durante 14 dias. O acompanhamento foi feito semanalmente durante quatro semanas e avaliaram-se a presença de sinais e sintomas de TVP, a cicatrização da ferida cirúrgica e possíveis complicações locais, como hematomas e infecção superficial ou profunda que necessitasse de abordagem cirúrgica.

Resultados:

Foi verificado que não houve diferenças entre grupos (rivaroxabana e aspirina) quanto a gênero, idade e lateralidade (p > 0,05). Após a aplicação do teste General Linear Model (GLM), verificou-se uma queda dos níveis de Hb e Ht pré-operatórios e a um, três, sete e 14 dias (Hb: p = 1,334 × 10-30; Ht: p = 1,362 × 10-28). Entretanto, não se observaram diferenças quanto ao tipo de medicação (Hb: p = 0,152; Ht: p = 0,661). Não foram identificadas diferenças entre os grupos (rivaroxabana e aspirina) quanto a complicações locais, complicações sistêmicas, TVP, reinternação, reoperação e óbito (p > 0,05).

Conclusões:

Tanto a aspirina como a rivaroxabana podem ser considerados úteis dentro das medicações disponíveis para a prevenção de TEV após ATJ.

Palavras-chave:
Joelho; Artroplastia; Ostoartrose

ABSTRACT

Objectives:

To compare the efficacy and safety of aspirin and rivaroxaban in preventing venous thromboembolism (VTE) after total knee arthroplasty (TKA).

Methods:

Thirty-two patients with osteoarthritis of the knee and knee arthroplasty indication were selected. The operated patients were randomized into two groups (A and B). Group A received 300 mg of acetylsalicylic acid (aspirin) and Group B received 10 mg of rivaroxaban daily for 14 days. Follow-up was performed weekly for four weeks and evaluated the presence of signs and symptoms of DVT, the healing of the surgical wound, and possible local complications such as hematoma, and superficial or deep infection that required surgical approach.

Results:

It was verified that there were no differences between groups (rivaroxaban and aspirin) regarding gender, age, and (p > 0.05). After using the general linear model (GLM) test, it was found that there was a decrease in Hb and Ht levels, preoperatively and at one, three, seven, and 14 days (Hb: p = 1.334 × 10-30; Ht: p = 1.362 × 10-28). However, they did not differ as to the type of medication (Hb: p = 0.152; Ht: p = 0.661). There were no identifiable differences in local complications, systemic complications, deep vein thrombosis (DVT), readmission to hospital, reoperation, or death (p > 0.05) between groups (rivaroxaban and aspirin).

Conclusions:

Both aspirin and rivaroxaban can be considered useful among drugs available VTE the prevention after TKA.

Keywords:
Knee; Arthroplasty; Osteoarthritis

Introdução

A artroplastia total de joelho (ATJ) é um procedimento bastante seguro.11 Zhan C, Kaczmarek R, Loyo-Berrios N, Sangl J, Bright RA. Incidence and short-term outcomes of primary and revision hip replacement in the United States. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(3):526-33. No entanto, pacientes submetidos a esse procedimento são considerados sob risco de tromboembolismo venoso (TEV), a trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar são as formas mais comuns de manifestação.22 Falck-Ytter Y, Francis CW, Johanson NA, Curley C, Dahl OE, Schulman S, et al. Prevention of VTE in orthopedic surgery patients: antithrombotic therapy and prevention of thrombosis, 9th ed., American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141 2 Suppl:e278S-325S. Quando medidas preventivas não são usadas, a incidência de TVP pode chegar a 60% até 90 dias após a cirurgia33 Quinlan DJ, Eikelboom JW, Dahl OE, Eriksson BI, Sidhu PS, Hirsh J. Association between asymptomatic deep vein thrombosis detected by venography and symptomatic venous thromboembolism in patients undergoing elective hip or knee surgery. J Thromb Haemost. 2007;5(7):1438-43. e a incidência de embolia pulmonar fatal pode chegar a 1,5%.44 Howie C, Hughes H, Watts AC. Venous thromboembolism associated with hip and knee replacement over a ten- year period: a population-based study. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(12):1675-80.

Os guidelines da American Association of Orthopaedic Surgeons (AAOS) e do American College of Chest Physicians (ACCP) recomendam amplamente o uso de anticoagulantes após ATJ e artroplastia total de quadril (ATQ). Enquanto o guideline da AAOS não recomenda especificamente a aspirina, o do ACCP endossa fortemente (grau 1 B - evidência de qualidade moderada) o seu uso como um agente efetivo na profilaxia de TEV após as artroplastias totais.22 Falck-Ytter Y, Francis CW, Johanson NA, Curley C, Dahl OE, Schulman S, et al. Prevention of VTE in orthopedic surgery patients: antithrombotic therapy and prevention of thrombosis, 9th ed., American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141 2 Suppl:e278S-325S.

Atualmente, não existe um consenso sobre qual a melhor forma de prevenção farmacológica, as drogas mais comumente usadas têm sido a enoxaparina, uma heparina de baixo peso molecular (HBPM), e a rivaroxabana, um inibidor do fator Xa. No entanto, a efetiva profilaxia do TEV alcançada está associada a uma incidência aumentada de complicações pós-operatórias locais (hematomas, infecção superficial e profunda) e sistêmicas (sangramento nasal, gengival e intracraniano).55 Burnett RS, Clohisy JC, Wright RW, McDonald DJ, Shively RA, Givens SA, et al. Failure of the American College of Chest Physicians-1A protocol for lovenox in clinical outcomes for thromboembolic prophylaxis. J Arthroplasty. 2007;22(3):317-24.

6 Jameson SS, Rymaszewska M, Hui AC, James P, Serrano- Pedraza I, Muller SD. Wound complications following rivaroxaban administration: a multicenter comparison with low-molecular- weight heparins for thromboprophylaxis in lower limb arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(17):1554-8.
-77 Gómez-Outes A, Terleira- Fernández AI, Suárez-Gea ML, Vargas-Castrillón E. Dabigatran, rivaroxaban, or apixaban versus enoxaparin for thromboprophylaxis after total hip or knee replacement: systematic review, meta- analysis, and indirect treatment comparisons. BMJ. 2012;344:e3675.

O uso da aspirina como prevenção efetiva de TEV após ATJ e ATQ tem sido amplamente relatado, porém seu uso rotineiro como medicação de escolha permanece controverso.88 Bozic KJ, Vail TP, Pekow PS, Maselli JH, Lindenauer PK, Auerbach AD. Does aspirin have a role in venous thromboembolism prophylaxis in total knee arthroplasty patients? J Arthroplasty. 2010;25(7):1053-60. Estudos recentes têm demonstrando que a aspirina é um agente efetivo na prevenção do TEV com menor risco de complicações do que outros anticoagulantes mais agressivos podem causar como saída de secreção na ferida cirúrgica, sangramento, alto índice de reinternação, reoperação, infecção periprotética e até da mortalidade.99 Parvizi J, Ghanem E, Joshi A, Sharkey PF, Hozack WJ, Rothman RH. Does excessive anticoagulation predispose to periprosthetic infection? J Arthroplasty. 2007;22 6 Suppl 2:24-8.

10 Sachs RA, Smith JH, Kuney M, Paxton L. Does anticoagulation do more harm than good?: A comparison of patients treated without prophylaxis and patients treated with low-dose warfarin after total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 2003;18(4):389-95.
-1111 Lotke PA, Lonner JH. The benefit of aspirin chemoprophylaxis for thromboembolism after total knee arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 2006;452:175-80. Outro benefício da aspirina citado em alguns estudos recentes está relacionado ao custo-efetividade quando comparada com as HBPMs.1212 Schousboe JT, Brown GA. Cost- effectiveness of low-molecular- weight heparin compared with aspirin for prophylaxis against venous thromboembolism after total joint arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(14): 1256-64. Portanto, o presente estudo foi desenvolvido para comparar a eficácia e a segurança da aspirina e rivaroxana na prevenção de TEV após a ATJ.

Métodos

O estudo foi feito após aprovação do comitê de ética em pesquisa da nossa instituição. Todos os pacientes receberam e assinaram o TCLE.

O estudo foi feito de maneira prospectiva. Foram selecionados 32 pacientes com osteoartrite do joelho e com indicação de ATJ por osteoartrose primária. Foram excluídos os pacientes com alergia a uma das medicações, com distúrbios de coagulação ou hepatopatias, com antecedentes de hemorragias, em uso de outros anticoagulantes e pacientes com risco alto ou muito alto de desenvolver eventos tromboembólicos, como obesidade, deambulação muito limitada antes da cirurgia, antecedente de trombose venosa profunda (TVP) ou tromboembolismo pulmonar (TEP), estados de hipercoagulação conhecidos como uso de estrógeno e antecedente de neoplasia maligna recente.

Os pacientes foram submetidos a cirurgia de ATJ por cirurgiões diferentes após bloqueio anestésico em espaço raquidiano, com uso de garrote, via de acesso mediana no joelho com artrotomia parapatelar medial, corte femoral com uso de guia intramedular e corte tibial com guia extramedular, fixação da prótese através de técnica de cimentação convencional. Após a cirurgia foi instalado um dreno aspirativo e o fechamento dos planos e da pele feito antes da retirada do garrote.

Após a cirurgia os pacientes foram randomizados em dois grupos através de uma tabela gerada por um computador (Microsoft Office Excel 2010; Microsoft Corp, Redmond, Washington, USA). Após 12 h do bloqueio anestésico foi iniciada a profilaxia medicamentosa com anticoagulantes. No grupo A os pacientes receberam 300 mg de ácido acetil salicílico (AAS) divididos em duas doses diárias de 150 mg cada e no grupo B os pacientes receberam 10 mg de rivaroxabana em uma dose diária. Em ambos os grupos os pacientes usaram a mesma medicação após completar 14 dias de uso contados desde a primeira dose.

Todos os pacientes seguiram o mesmo protocolo de reabilitação pós-operatório. No primeiro dia de pós-operatório foram estimulados e orientados a fazer movimentação ativa dos tornozelos e joelho. No segundo dia, após a retirada do dreno aspirativo foram orientados a deambular com auxílio de andador e no terceiro dia receberam alta hospitalar nos casos que não ocorreu complicação clínica ou relacionada à cirurgia.

Os pacientes foram monitorados periodicamente com o intuito de detectar a presença de complicações decorrentes do uso de anticoagulantes e/ou sinais e sintomas de eventos tromboembólicos.

Exames laboratoriais de rotina foram feitos um dia, três dias, sete dias e 14 dias após a cirurgia. Anotaram-se os valores de hemoglobina (Hb) e hematócrito (Ht). O volume de débito do dreno aspirativo foi registrado com 24 e 48 horas após a cirurgia, quando foi retirado. A perda sanguínea dos dois grupos foi calculada baseada na Fórmula de Gross conforme preconizado por Sehat et al.1313 Sehat KR, Evans RL, Newman JH. Hidden blood loss following hip and knee arthroplasty. Correct management of blood loss should take hidden loss into account. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(4):561-5. e Nadler et al.1414 Nadler SB, Hidalgo JH, Bloch T. Prediction of blood volume in normal human adults. Surgery. 1962;51(2):224-32.

Todos os pacientes foram acompanhados semanalmente, após a alta hospitalar, e durante quatro semanas avaliou-se a presença de sinais e sintomas de TVP, a cicatrização da ferida cirúrgica e possíveis complicações locais como hematomas, infecção superficial ou profunda que necessitasse de abordagem cirúrgica. Portanto, qualquer evidência de saída de secreção, hiperemia ou celulite ao redor da ferida cirúrgica identificada pela equipe médica foi considerada como uma complicação da cicatrização.

Os pacientes com suspeita clínica de TVP foram submetidos à ultrassonografia com doppler para confirmação diagnóstica e tratamento adequado nos casos nos quais foi confirmada a presença de trombos em veias profundas.

Todos os parâmetros analisados foram submetidos à análise estatística com o intuito de avaliar a segurança de cada medicação em relação à prevenção de eventos tromboembólicos, bem como os riscos de complicações relacionadas ao uso delas.

Resultados

A amostra selecionada foi composta por 32 pacientes, cinco homens 15,62% e 27 mulheres (84,37%). Os pacientes foram divididos em dois grupos. Um usou aspirina (A) e o outro rivaroxabana (B). O grupo A foi constituído por um homem (7,1%) e 13 mulheres (92,9%) e o grupo B foi constituído por quatro homens (22,2%) e 14 mulheres (77,8%). A idade média dos pacientes no grupo A foi de 71,21 ± 6,35 anos e 67,11 ± 7,65 anos no grupo B. A lateralidade no grupo A foi composta por seis joelhos direitos (42,9%) e oito esquerdos (57,1%). No grupo B foram oito joelhos esquerdos (44,4%) e 10 direitos (55,6%) (tabela 1).

Tabela 1
Distribuição conforme gênero e lateralidade

Foi verificado que se não existem diferenças entre grupos (rivaroxabana e aspirina) quanto a gênero, idade e lateralidade, usamos os testes exato de Fisher para as variáveis categóricas (gênero e lateralidade) e de Mann-Whitney para as contínuas (idade). Os grupos não foram estatisticamente diferentes quanto a essas variáveis (p > 0,05).

O grupo A apresentou um caso de infecção profunda (7,1%), uma de deiscência (7,1%) e em 12 casos não ocorreram complicações locais (85,8%). O grupo B apresentou um caso de infecção profunda (5,5%), três de deiscência (16,7%) e em 14 não ocorreram complicações sistêmicas (77,8%). No grupo A ocorreu um caso de complicação sistêmica (7,1%). O grupo B não apresentou caso de complicações sistêmicas (tabela 2).

Tabela 2
Complicações pós-operatórias

A ocorrência de TVP foi de um caso no grupo A (7,1%) e de dois no grupo B (11%). No grupo A ocorreram dois casos de reinternação e um de reoperação (14,3% e 7,1%, respectivamente) e no grupo B ocorreram dois casos de reinternação e dois de reoperação, (11,1% e 11,1%, respectivamente). Um caso de óbito ocorreu no grupo B (5,6%) o mesmo não se repetiu no grupo A (tabela 2).

Com o teste exato de Fisher não foram identificadas diferenças entre os grupos (rivaroxabana e aspirina) quanto a complicações locais, complicações sistêmicas, TVP, reinternação, reoperação e óbito (p > 0,05).

O tempo de garrote (média ± DP) no grupo A foi de 119,00 ± 5,59 e no B de 122,72 ± 8,44. O débito do dreno com 24 h (média ± DP) no grupo A foi de 305,71 ± 196,10 e no B de 354,44 ± 276,72. O débito do dreno com 48 h (média ± DP) no grupo A foi de 124,21 ± 92,33 e no B de 104,78 ± 75,69. Os valores de HB pré-operatórios (média ± DP) foram de 3,30 ± 1,13 no grupo A e no B de 2,98 ± 1,48. Os valores de HB com 14 dias de pós-operatório (média ± DP) foram de 2,71 ± 1,19 e no grupo A e de 2,38 ± 1,24 no B. Os valores de HT pré-operatórios (média ± DP) foram de 10,18 ± 4,48 no grupo A e no B de 9,47 ± 4,75. Os valores de HT com 14 dias de pós-operatório (média ± DP) foram de 8,04 ± 5,55 no grupo A e 6,89 ± 3,55 no B. Foi usado o teste de Mann-Whitney e não foi encontrada diferença estatística entre os dois grupos quanto a essas variáveis (p > 0,05) (tabela 3).

Tabela 3
Resultados perioperatórios

Após o uso do teste General Linear Model (GLM) para medidas repetidas, foi verificado que houve uma queda dos níveis de HB e HT pós-operatórios, 1, 3, 7 e 14 dias (HB: p = 1,334 × 10-30; HT: p = 1,362 × 10-28). Entretanto isso não difere quanto ao tipo de medicação (HB: p = 0,152; HT: p = 0,661) (figs. 1 e 2).

Figura 1
Análise de alteração do nível de hemoglobina (HB).

Figura 2
Analise de alteração do nível de hematócrito (HT).

Discussão

É de extrema importância a preocupação da comunidade ortopédica com os casos de tromboembolismo venoso (TEV) após procedimentos ortopédicos.1515 Dalury D, Lonner J, Parvizi J. Prevention of venous thromboembolism after total joint arthroplasty: aspirin is enough for most patients. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 2015;44(2):59-60. A incidência de TVP pode chegar a 60% e a de embolia pulmonar fatal a 1,5% em até 90 dias após ATJ se medidas preventivas não forem usadas.33 Quinlan DJ, Eikelboom JW, Dahl OE, Eriksson BI, Sidhu PS, Hirsh J. Association between asymptomatic deep vein thrombosis detected by venography and symptomatic venous thromboembolism in patients undergoing elective hip or knee surgery. J Thromb Haemost. 2007;5(7):1438-43.,44 Howie C, Hughes H, Watts AC. Venous thromboembolism associated with hip and knee replacement over a ten- year period: a population-based study. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(12):1675-80. Atualmente, não há consenso sobre a melhor estratégia para a prevenção de TEV após artroplastia de joelho e quadril.1515 Dalury D, Lonner J, Parvizi J. Prevention of venous thromboembolism after total joint arthroplasty: aspirin is enough for most patients. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 2015;44(2):59-60. Este estudo foi feito com intuito de comparar a aspirina e a rivaroxabana na prevenção de TEV e em relação à incidência de complicações após a ATJ.

Em nosso estudo, quando avaliamos a incidência de TEV, não encontramos diferença estatística significante entre os grupos (p = 1,000), assim como Drescher et al.,1616 Drescher FS, Sirovich BE, Lee A, Morrison DH, Chiang WH, Larson RJ. Aspirin versus anticoagulation for prevention of venous thromboembolism major lower extremity orthopedic surgery: a systematic review and meta- analysis. J Hosp Med. 2014;9(9):579-85. que em metanálise recente avaliaram apenas estudos randomizados que comparavam a aspirina com um ou mais anticoagulantes, concluíram que a eficácia da aspirina é a mesma quando comparada com outros anticoagulantes no controle de sangramento e incidência de TEV.

Alguns estudos afirmam que a aspirina é eficaz para a prevenção de TEV e tem um menor risco de complicações quando comparada com outros anticoagulantes mais agressivos.1515 Dalury D, Lonner J, Parvizi J. Prevention of venous thromboembolism after total joint arthroplasty: aspirin is enough for most patients. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 2015;44(2):59-60. Vulcano et al.,1717 Vulcano E, Gesell M, Esposito A, Ma Y, Memtsoudis SG, Gonzalez Della Valle A. Aspirin for elective hip and knee arthroplasty: a multimodal thromboprophylaxis protocol. Int Orthop. 2012;36(10):1995-2002. em estudo com 1.947 pacientes submetidos à ATJ e artroplastia total de quadril (ATQ), compararam o uso da aspirina em relação à warfarina para a incidência de TEV e sangramento e encontraram, respectivamente, 1,2% e 0,3% com uso de aspirina e 1,4% e 1,6% com uso da warfarina (n = 1947).

Portanto, a incidência aumentada de sangramento local ou sistêmico trata-se de outra preocupação quando usamos anticoagulantes e alguns estudos têm demonstrado uma possível tendência de menor risco de sangramento com aspirina.1616 Drescher FS, Sirovich BE, Lee A, Morrison DH, Chiang WH, Larson RJ. Aspirin versus anticoagulation for prevention of venous thromboembolism major lower extremity orthopedic surgery: a systematic review and meta- analysis. J Hosp Med. 2014;9(9):579-85. Em nossa série de 32 pacientes, não tivemos complicações relacionadas a sangramentos sistêmicos e na avaliação do sangramento local através de controle de Hb, Ht e do débito do dreno no pós-operatório, não encontramos diferenças estatisticamente significantes entre os grupos A e B (p= 0,717; p = 0,372 e p = 0,985, respectivamente) (tabela 3).

Diversos estudos concluíram que o uso de rivaroxabana quando comparado com outros anticoagulantes aumenta o risco de complicações relacionadas à cicatrização da ferida operatória.66 Jameson SS, Rymaszewska M, Hui AC, James P, Serrano- Pedraza I, Muller SD. Wound complications following rivaroxaban administration: a multicenter comparison with low-molecular- weight heparins for thromboprophylaxis in lower limb arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(17):1554-8.,77 Gómez-Outes A, Terleira- Fernández AI, Suárez-Gea ML, Vargas-Castrillón E. Dabigatran, rivaroxaban, or apixaban versus enoxaparin for thromboprophylaxis after total hip or knee replacement: systematic review, meta- analysis, and indirect treatment comparisons. BMJ. 2012;344:e3675.,1818 Zou Y, Tian S, Wang Y, Sun K. Administering aspirin, rivaroxaban and low-molecular- weight heparin to prevent deep venous thrombosis after total knee arthroplasty. Blood Coagul Fibrinolysis. 2014;25(7):660-4. No entanto, em nosso trabalho, encontramos um número maior de pacientes com complicações locais no grupo que fez uso de rivaroxabana (n = 3) em relação ao grupo que fez uso de aspirina (n = 1), porém sem diferença estatística significante entre os grupos (p = 0,803).

A presença de alterações relacionadas à cicatrização e ao aumento do sangramento pode evoluir para infecção profunda. Em nosso estudo, dois pacientes apresentaram deiscência de ferida operatória com evolução para infecção profunda com necessidade de reinternação e intervenção cirúrgica para limpeza, desbridamento e troca do polietileno, um paciente em cada grupo. No entanto, o paciente do grupo B (rivaroxabana) permaneceu com sinais infecciosos, necessitou de uma segunda cirurgia para remoção da prótese e colocação de espaçador e evoluiu para septicemia e óbito.

A aspirina já é considerada uma droga efetiva na prevenção de doenças isquêmicas cardiovasculares e cerebrais.1818 Zou Y, Tian S, Wang Y, Sun K. Administering aspirin, rivaroxaban and low-molecular- weight heparin to prevent deep venous thrombosis after total knee arthroplasty. Blood Coagul Fibrinolysis. 2014;25(7):660-4. O guideline da ACCP (American College of Chest Physicians) de 2008 recomenda o uso da aspirina após artroplastias totais. No entanto, o de 2012 traz a aspirina como pouco recomendada (Grau 2 C), porém diversos estudos têm demonstrado que quando usada em pacientes considerados de baixo risco para TEV, pode ser efetiva e segura após artroplastias totais.1818 Zou Y, Tian S, Wang Y, Sun K. Administering aspirin, rivaroxaban and low-molecular- weight heparin to prevent deep venous thrombosis after total knee arthroplasty. Blood Coagul Fibrinolysis. 2014;25(7):660-4.,1919 Butt AJ, McCarthy T, Kelly IP, Glynn T, McCoy G. Sciatic nerve palsy secondary to postoperative haematoma in primary total hip replacement. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(11): 1465-7. Portanto, a incidência semelhante de complicações locais e sistêmicas entre a aspirina e a rivaroxabana encontrada em nossa série de pacientes pode colaborar na comprovação de que a aspirina trata-se de droga segura para uso na prevenção de TEV em pacientes submetidos à ATJ.

Este estudo prospectivo e randomizado tem como fatores limitantes um número limitado de pacientes, pois a amostra insuficiente provavelmente influenciou no grau de significância estatística com valores de p > 0,05. O tempo de acompanhamento menor do que 30 dias de pós-operatório pode ser considerado curto se tivermos em vista que o TEV pode ocorrer em até 90 dias de pós-operatório se não for feita terapia antitrombótica.33 Quinlan DJ, Eikelboom JW, Dahl OE, Eriksson BI, Sidhu PS, Hirsh J. Association between asymptomatic deep vein thrombosis detected by venography and symptomatic venous thromboembolism in patients undergoing elective hip or knee surgery. J Thromb Haemost. 2007;5(7):1438-43.,44 Howie C, Hughes H, Watts AC. Venous thromboembolism associated with hip and knee replacement over a ten- year period: a population-based study. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(12):1675-80. Por isso alguns estudos que avaliam os métodos de profilaxia antitrombótica pós-ATJ fazem o acompanhamento dos pacientes por pelo menos 90 dias, o que constitui um fator limitante para fazer comparações dos resultados.

Conclusão

Tanto a aspirina como a rivaroxabana podem ser consideradas drogas úteis dentro das medicações disponíveis para a prevenção de TEV após ATJ.

References

  • 1
    Zhan C, Kaczmarek R, Loyo-Berrios N, Sangl J, Bright RA. Incidence and short-term outcomes of primary and revision hip replacement in the United States. J Bone Joint Surg Am. 2007;89(3):526-33.
  • 2
    Falck-Ytter Y, Francis CW, Johanson NA, Curley C, Dahl OE, Schulman S, et al. Prevention of VTE in orthopedic surgery patients: antithrombotic therapy and prevention of thrombosis, 9th ed., American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141 2 Suppl:e278S-325S.
  • 3
    Quinlan DJ, Eikelboom JW, Dahl OE, Eriksson BI, Sidhu PS, Hirsh J. Association between asymptomatic deep vein thrombosis detected by venography and symptomatic venous thromboembolism in patients undergoing elective hip or knee surgery. J Thromb Haemost. 2007;5(7):1438-43.
  • 4
    Howie C, Hughes H, Watts AC. Venous thromboembolism associated with hip and knee replacement over a ten- year period: a population-based study. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(12):1675-80.
  • 5
    Burnett RS, Clohisy JC, Wright RW, McDonald DJ, Shively RA, Givens SA, et al. Failure of the American College of Chest Physicians-1A protocol for lovenox in clinical outcomes for thromboembolic prophylaxis. J Arthroplasty. 2007;22(3):317-24.
  • 6
    Jameson SS, Rymaszewska M, Hui AC, James P, Serrano- Pedraza I, Muller SD. Wound complications following rivaroxaban administration: a multicenter comparison with low-molecular- weight heparins for thromboprophylaxis in lower limb arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2012;94(17):1554-8.
  • 7
    Gómez-Outes A, Terleira- Fernández AI, Suárez-Gea ML, Vargas-Castrillón E. Dabigatran, rivaroxaban, or apixaban versus enoxaparin for thromboprophylaxis after total hip or knee replacement: systematic review, meta- analysis, and indirect treatment comparisons. BMJ. 2012;344:e3675.
  • 8
    Bozic KJ, Vail TP, Pekow PS, Maselli JH, Lindenauer PK, Auerbach AD. Does aspirin have a role in venous thromboembolism prophylaxis in total knee arthroplasty patients? J Arthroplasty. 2010;25(7):1053-60.
  • 9
    Parvizi J, Ghanem E, Joshi A, Sharkey PF, Hozack WJ, Rothman RH. Does excessive anticoagulation predispose to periprosthetic infection? J Arthroplasty. 2007;22 6 Suppl 2:24-8.
  • 10
    Sachs RA, Smith JH, Kuney M, Paxton L. Does anticoagulation do more harm than good?: A comparison of patients treated without prophylaxis and patients treated with low-dose warfarin after total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 2003;18(4):389-95.
  • 11
    Lotke PA, Lonner JH. The benefit of aspirin chemoprophylaxis for thromboembolism after total knee arthroplasty. Clin Orthop Relat Res. 2006;452:175-80.
  • 12
    Schousboe JT, Brown GA. Cost- effectiveness of low-molecular- weight heparin compared with aspirin for prophylaxis against venous thromboembolism after total joint arthroplasty. J Bone Joint Surg Am. 2013;95(14): 1256-64.
  • 13
    Sehat KR, Evans RL, Newman JH. Hidden blood loss following hip and knee arthroplasty. Correct management of blood loss should take hidden loss into account. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(4):561-5.
  • 14
    Nadler SB, Hidalgo JH, Bloch T. Prediction of blood volume in normal human adults. Surgery. 1962;51(2):224-32.
  • 15
    Dalury D, Lonner J, Parvizi J. Prevention of venous thromboembolism after total joint arthroplasty: aspirin is enough for most patients. Am J Orthop (Belle Mead NJ). 2015;44(2):59-60.
  • 16
    Drescher FS, Sirovich BE, Lee A, Morrison DH, Chiang WH, Larson RJ. Aspirin versus anticoagulation for prevention of venous thromboembolism major lower extremity orthopedic surgery: a systematic review and meta- analysis. J Hosp Med. 2014;9(9):579-85.
  • 17
    Vulcano E, Gesell M, Esposito A, Ma Y, Memtsoudis SG, Gonzalez Della Valle A. Aspirin for elective hip and knee arthroplasty: a multimodal thromboprophylaxis protocol. Int Orthop. 2012;36(10):1995-2002.
  • 18
    Zou Y, Tian S, Wang Y, Sun K. Administering aspirin, rivaroxaban and low-molecular- weight heparin to prevent deep venous thrombosis after total knee arthroplasty. Blood Coagul Fibrinolysis. 2014;25(7):660-4.
  • 19
    Butt AJ, McCarthy T, Kelly IP, Glynn T, McCoy G. Sciatic nerve palsy secondary to postoperative haematoma in primary total hip replacement. J Bone Joint Surg Br. 2005;87(11): 1465-7.
  • Trabalho desenvolvido no Hospital Mario Covas, Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2016
  • Aceito
    15 Dez 2016
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br