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Análise da reprodutibilidade das classificações de Lauge-Hansen, Danis-Weber e AO para as fraturas de tornozelo Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Municipal Odilon Behrens (HMOB), Belo Horizonte, MG, Brasil.

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a reprodutibilidade e comparatividade das três principais classificações usadas para fraturas do tornozelo mais comumente empregadas nos servicos de emergência: Lauge-Hansen, Danis-Weber e AO-OTA. Observar secundariamente se existe influência da experiência profissional sobre a concordância entre observadores para a classificação dessa patologia.

Métodos:

Foram usadas 83 imagens digitalizadas de radiografias pré-operatórias, em incidências anteroposterior e perfil, de fraturas do tornozelo de adultos diferentes, ocorridas entre janeiro e dezembro de 2013. No cálculo amostral assumiu-se precisão da estimativa de 15%, com erro amostral de 5% e com poder de amostragem de 80%. A leitura e a classificação das fraturas foram feitas por seis observadores, dois cirurgiões de pé e tornozelo, dois ortopedistas generalistas e dois residentes do segundo ano de ortopedia e traumatologia. A análise das variações foi feita pelo método estatístico de Kappa de múltiplas variâncias.

Resultados:

Com o uso da classificação de Dannis-Weber, 40% das concordâncias foram consideradas boas ou excelentes entre todos os observadores, enquanto nas classificações de Lauge Hansen e AO apenas 20% se apresentaram boas ou excelentes. O índice Kappa acumulado para cada classificação foi de 0,49 para a classificação de Dannis-Weber, 0,32 para Lauge Hansen e 0,38 para a classificação AO.

Conclusão:

A classificação de Lauge Hansen apresenta a pior concordância interobservador dentre as três classificações. A classificação da AO demonstrou concordância intermediária e a de Dannis-Weber apresentou o maior índice de concordância interobservador, independentemente da experiência do profissional.

Palavras-chave:
Traumatismos do tornozelo; Variações dependentes do observador; Fraturas do tornozelo/classificação

ABSTRACT

Objective:

This study evaluated the reproducibility of the three main classifications of ankle fractures most commonly used in emergency clinical practice: Lauge-Hansen, Danis-Weber, and AO-OTA. The secondary objective was to assess whether the level of professional experience influenced the interobserver agreement for the classification of this pathology.

Methods:

The study included 83 digitized preoperative radiographic images of ankle fractures, in anteroposterior and lateral views, of different adults that had occurred between January and December 2013. For sample calculation, the estimated accuracy was approximately 15%, with a sampling error of 5% and a sampling power of 80%. The images were analyzed and classified by six different observers: two foot and ankle surgeons, two general orthopedic surgeons, and two-second-year residents in orthopedics and traumatology. The Kappa statistical method of multiple variances was used to assess the variations.

Results:

The Danis-Weber classification indicated that 40% of the agreements among all observers were good or excellent, whereas only 20% of good and excellent agreements were obtained using the AO and Lauge Hansen classifications. The Kappa index was 0.49 for the Danis-Weber classification, 0.32 for Lauge Hansen, and 0.38 for AO.

Conclusion:

The Hansen-Lauge classification presented the poorest interobserver agreement among the three systems. The AO classification demonstrated a moderate agreement and the Danis-Weber classification presented an excellent interobserver agreement index, regardless of professional experience.

Keywords:
Ankle injuries; Observer variation; Ankle fracture/classification

Introdução

As lesões de tornozelo são responsáveis por 5 milhões de atendimentos nos departamentos de emergência nos Estados Unidos, 85% entorses e os 15% restantes fraturas. As fraturas de tornozelo estão entre as lesões mais comuns tratadas pelos cirurgiões ortopédicos, com uma incidência de 9% de todas as fraturas e 36% de todas as fraturas de membros inferiores, geram um custo anual de 10 bilhões de dólares por ano nesse país. Essas lesões tendem a ter uma distribuição bimodal, com picos em homens jovens e mulheres idosas. A incidência em idosas triplicou nos últimos 30 anos devido ao envelhecimento da população.11 Budny AM, Young BA. Analysis of radiographic classifications for rotational ankle fractures. Clin Podiatr Med Surg. 2008;25(2):139-52. O tratamento dessas fraturas depende da cuidadosa identificação da extensão da lesão óssea, bem como do dano aos tecidos moles e ligamentos. A avaliação da suspeita da fratura do tornozelo inclui história detalhada, exame físico, exame radiográfico apropriado e opções iniciais de tratamento. Uma vez bem definida, a chave para o resultado bem-sucedido está na restauração anatômica das estruturas envolvidas para reconstrução da articulação tibiotalar.22 Rockwood CA, Bucholz RW, Court- Brown CM, Heckman JD, Tornetta P, editors. Rockwood and Green's fractures in adults. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2010.

A primeira metodologia de classificação para fraturas de tornozelo foi desenvolvida por Percival Pott apud Budny e Young,11 Budny AM, Young BA. Analysis of radiographic classifications for rotational ankle fractures. Clin Podiatr Med Surg. 2008;25(2):139-52. que descrevia o número de maléolos fraturados, dividia as lesões em unimaleolar, bimaleolar e trimaleolar. Embora essa classificação seja intuitiva e de fácil reprodução, não distingue lesões estáveis e instáveis, nem direciona o tratamento a ser feito.33 Alexandropoulos C, Tsourvakas S, Papachristos J, Tselios A, Soukouli P. Ankle fracture classification: an evaluation of three classification systems: Lauge-Hansen, A.O. and Broos- Bisschop. Acta Orthop Belg. 2010;76(4):521-5.

Lauge-Hansen,44 Lauge-Hansen N. Ligamentous ankle fractures; diagnosis and treatment. Acta Chir Scand. 1949;97(6):544-50. através de experimentos cadavéricos, propôs então um sistema de classificação que correlaciona os traços das fraturas do tornozelo com determinados mecanismos de trauma. As fraturas foram classificadas em quatro grupos: supinação-adução, supinação-eversão, pronação-eversão e pronação-abdução. O primeiro termo indica a posição do pé no momento da lesão e o segundo se refere à direção da força aplicada sobre o pé no momento do trauma.44 Lauge-Hansen N. Ligamentous ankle fractures; diagnosis and treatment. Acta Chir Scand. 1949;97(6):544-50.

5 Pimenta LSM [Dissertação] Estudo experimental e radiográfico das fraturas maleolares do tornozelo baseado na classificação de Lauge-Hansen. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1991.
-66 Russo A, Reginelli A, Zappia M, Rossi C, Fabozzi G, Cerrato M, et al. Ankle fracture: radiographic approach according to the Lauge-Hansen classification. Musculoskelet Surg. 2013;97 Suppl 2:S155-60. Segundo essa classificação, o padrão de supinação-eversão seria o mais frequente nos serviços de emergência, com uma prevalência de 40 a 75%.77 Hamilton W. Traumatic disorders of the ankle. New York: Springer- Velarg; 1984.

Danis88 Danis R. Les fractures malleolaires. In: Danis R, editor. Théorie et pratique de l'ostéosynthèse. Paris: Masson; 1949. p. 133-65. e Weber99 Weber BG. Die Verletzungen des oberen Sprung -gelenkes. 2nd ed. Berne: Verlag Hans Huber; 1972. propuseram a seguir outro sistema de classificação, com base na localização do principal traço de fratura da fíbula e divisão das fraturas em três grupos: tipo A (abaixo do nível da sindesmose), tipo B (ao nível da sindesmose) e tipo C (acima da sindesmose). Apesar da simplicidade e facilidade na reprodução, essa classificação não prevê de modo consistente o grau da lesão na sindesmose tíbio-fibular, como vários estudos já demonstraram, uma vez que fraturas tipo B e C podem ser tratadas de forma similar, independentemente da localização, de acordo com a presença ou ausência de instabilidade ligamentar no local. Essa classificação também ignora o estado das estruturas no lado medial, vital estrutura osteoligamentar, não possibilita comparar o prognóstico, tratamento ou evolução dessa patologia apenas com essa classificação.1010 Broos PL, Bisschop AP. Operative treatment of ankle fractures in adults: correlation between types of fracture and final results. Injury. 1991;22(5):403-6.,1111 Nielson JH, Gardner MJ, Peterson MG, Sallis JG, Potter HG, Helfet DL, et al. Radiographic measurements do not predict syndesmotic injury in ankle fractures: an MRI study. Clin Orthop Relat Res. 2005;436:216-21.

O grupo AO-OTA expandiu o esquema de classificação de Danis-Weber, desenvolveu uma classificação que se baseia na localização das linhas de fratura e no grau de cominuição. Dessa maneira, permite descrever a gravidade e o grau de instabilidade associadas com o padrão específico da fratura.1212 Fracture and dislocation compendium. Orthopaedic Trauma Association Committee for Coding and Classification. J Orthop Trauma. 1996;10 Suppl 1, v-ix, 1-154.,1313 Muller M. In: Bern M, editor. Comprehensive classification of fractures. New York: Muller Foundation; 1996. Apesar de ser mais abrangente, considera-se que a classificação da AO-OTA ainda apresenta limitada confiabilidade inter e intraobservadores.1414 Craig WL 3rd, Dirschl DR. Effects of binary decision making on the classification of fractures of the ankle. J Orthop Trauma. 1998;12(4):280-3.,1515 Thomsen NO, Overgaard S, Olsen LH, Hansen H, Nielsen ST. Observer variation in the radiographic classification of ankle fractures. J Bone Joint Surg Br. 1991;73(4):676-8.

Apesar de existirem publicações que comparam as vantagens e desvantagens das diversas classificações, acreditamos ser necessária uma análise da reprodutibilidade dessas três classificações simultaneamente: Lauge Hansen (LH), Danis-Weber (DW) e AO-OTA (AO), por serem as classificações mais comumente usadas na prática clínica dos serviços de emergência do nosso meio, de fundamental importância para a comunicação entre médicos e serviços de emergência, especialmente em serviços de treinamento de residentes, e de certa forma colaborar no direcionamento do tratamento dessas lesões.

O presente estudo tem a finalidade de determinar quantitativamente o nível de concordância interobservador das classificações citadas para fraturas do tornozelo, através da leitura de imagens digitalizadas de fraturas de tornozelo, feita por seis observadores com diferentes níveis de especialização, dois cirurgiões de pé e tornozelo, dois ortopedistas generalistas e dois residentes do segundo ano de ortopedia e traumatologia.

Secundariamente, observamos a concordância de cada uma das três classificações entre os observadores, de modo a verificar se o grau de especialização ou o grau de experiência dos observadores poderia influenciar na concordância entre os observadores.

Material e métodos

Para o cálculo amostral assumiu-se precisão da estimativa de 15%, com erro amostral de 5% e com poder de amostragem de 80%, determinou-se o número de 80 imagens a serem analisadas.

Foram obtidas 83 imagens digitalizadas de radiografias pré-operatórias, em incidências anteroposterior e perfil, padronizadas segundo técnica radiográfica padrão de aquisição de imagens.1111 Nielson JH, Gardner MJ, Peterson MG, Sallis JG, Potter HG, Helfet DL, et al. Radiographic measurements do not predict syndesmotic injury in ankle fractures: an MRI study. Clin Orthop Relat Res. 2005;436:216-21.

As imagens das fraturas do tornozelo foram obtidas dos primeiros 100 pacientes atendidos, no serviço de emergência entre janeiro e dezembro de 2013, com diagnóstico de fratura do tornozelo.

Os critérios de inclusão foram: fraturas isoladas do tornozelo observadas após duas incidências radiográficas (anteroposterior e perfil), de pacientes adultos, de ambos os gêneros e que concordaram em ceder as imagens ao experimento. Pacientes politraumatizados, com mais de uma lesão, abaixo de 18 anos. Os que não concordaram em ceder suas imagens foram excluídos do experimento.

As imagens radiográficas padrão foram digitalizadas com máquina fotográfica de 12 megapixels e a seguir as imagens digitalizadas foram analisadas pelos examinadores de maneira independente, mas em condições idênticas por todos os observadores.

Foram convidados seis observadores com três tipos de especialização dentro da área de ortopedia e traumatologia, dois cirurgiões de pé e tornozelo (identificados pelos números 1 e 2), dois ortopedistas generalistas que atuam em setor de pronto-socorro diariamente (identificados pelos números 3 e 4) e dois médicos residentes do segundo ano do Programa de Ortopedia e Traumatologia do Hospital (identificados pelos números 5 e 6).

Foi solicitado a cada observador determinar a qual categoria cada uma das fraturas pertenceria de acordo com as seguintes classificações:

- Lauge-Hansen: SA (supinação-adução), SER (supinação- rotação externa), PA (pronação-abdução), PRE (pronação-rotação externa). - Danis-Weber: A (abaixo da sindesmose), B (ao nível da sindesmose) e C (acima da sindesmose). - AO-OTA: A1 (fratura isolada da fíbula infrassindesmótica), A2 (fratura da fíbula infrassindesmótica com fratura maleolar medial), A3 (fratura da fíbula infrassindesmótica com fratura posteromedial), B1 (fratura da fíbula isolada transindesmótica), B2 (fratura da fíbula transindesmótica com lesão medial, fratura do maléolo medial ou ligamento deltoide), B3 (fratura da fíbula transindesmótica com lesão medial e de maléolo posterior), C1 (fratura suprassindesmótica simples da fíbula), C2 (fratura suprassindesmótica da fíbula multifragmentar), C3 (fratura da fíbula proximal - fratura de Maisonneuve).

A análise das variações interobservadores foi feita pelo método estatístico de Kappa,1616 Fleiss JL. Statistical methods for rates and proportions. 2nd ed. New York: John Wiley and Sons; 1981. que avalia a concordância entre observadores através de análise pareada, compara a proporção observada de concordância entre os observadores (Po) com a percentagem de concordância esperada ao acaso (Pe). Seus valores podem variar de -1,0 (discordância completa) a + 1,0 (concordância completa). Nessa escalar o valor zero representa a concordância esperada ao acaso (tabela 1).

Tabela 1
Classificação da força de concordância segundo o coeficiente Kappa

Resultado

Foram analisados os dados obtidos pela classificação das 83 imagens digitalizadas de radiografias de fraturas de tornozelo pelos seis examinadores. Em relação á classificação de Danis-Weber, a maioria das fraturas foi classificada como do tipo B (67,62%), seguidas pelo tipo C (23,81%) e finalmente pelo tipo A (8,57%).

A classificação da AO apresentou uma predominância total semelhante à de Danis-Weber, com 67,85% para aquelas fraturas classificadas nas subdivisões do tipo B (B1 = 26,90%, B2 = 27,38% e B3 = 13,57%). Enquanto que para as subdivisões do tipo C corresponderam a 23,56% (C1 = 6,90%, C2 = 11,90% e C3 = 4,76%) e para as subdivisões do tipo A 8,57% (A1 = 2,86%, A2 = 4,76% e A3 = 0,95%).

Já em relação à classificação de Lauge-Hansen houve uma predominância da supinação-eversão (60,48% dos casos), seguida pela pronação-eversão (20,95%), da pronação-abdução (12,86%) e finalmente pela supinação-adução (5,71%).

Das 83 imagens digitalizadas, 70 (84,33%) apresentavam fratura do maléolo lateral (unimaleolar, bimaleolar ou trimaleolar), seis (7,2%) fratura isolada do maléolo medial e uma (1,2%) fratura isolada do maléolo posterior.

Foram consideradas inclassificáveis 13 imagens por pelo menos um observador. Tratava-se das fraturas isoladas do maléolo medial e fratura do maléolo posterior e assim foram consideradas somente pelos examinadores 5 e 6, quando usaram a classificação AO.

Com os critérios de classificação para o coeficiente Kappa, conforme proposto por Landis e Kock1717 Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1): 159-74. (tabela 1), avaliou-se a percentagem de concordância e o índice de Kappa para as leituras dos seis observadores.

A classificação de Dannis-Weber obteve 40% de concordância, entre todos os observadores, consideradas boas ou excelentes, enquanto nas classificações de Lauge Hansen e AO apenas 20% se apresentaram boas ou excelentes. O índice Kappa acumulado foi de 0,49 para a classificação de Dannis-Weber, 0,32 para Lauge-Hansen e 0,38 para a classificação AO, como demonstrado na figura 1. As tabelas 2-4 demonstram, respectivamente, o grau de concordância das classificações Danis-Weber, Lauge-Hansen e AO com o resultado de todos os observadores envolvidos de forma combinada.

Figura 1
Grau de concordância entre os observadores com cada uma das classificações: AO, Lauge-Hansen e Danis-Weber.

Tabela 2
Valor do Kappa - Classificação de Weber

Tabela 3
Valor do Kappa - Classificação de Lauge-Hansen

Tabela 4
Valor do Kappa - Classificação da AO

Nas tabelas 5-7 estão demonstrados os índices de Kappa pareados entre os diferentes observadores com o uso das classificações de Danis-Weber, Lauge-Hansen e AO, respectivamente.

Tabela 5
Apresentação do índice Kappa entre as leituras feitas pelos seis observadores para a classificação de Danis-Weber

Tabela 6
Apresentação do índice Kappa entre as leituras feitas pelos seis observadores para a classificação de Lauge-Hansen

Tabela 7
Apresentação do índice Kappa entre as leituras feitas pelos seis observadores para a classificação da AO

Discussão

Este estudo avaliou a reprodutibilidade interobservadores das três classificações mais usadas no nosso meio para as fraturas do tornozelo.

Na comparação das avaliações interobservadores, com o uso da classificação de Danis-Weber, foi encontrada boa concordância, demonstrou-se, assim, boa reprodutibilidade, especialmente nos casos em que linha principal de fratura se encontra acima do nível da sindesmose. Esse achado foi consistente entre a maioria dos profissionais, especialmente entre os residentes e ortopedistas que atuam diariamente em setor de emergência hospitalar.

Quando se trata da classificação de Danis-Weber, a presença de critérios mais objetivos e facilmente identificáveis para seu uso no exame radiográfico comum, uma vez que leva em conta apenas o nível do traço de fratura na fíbula, permite uma maior facilidade na aplicação e maior concordância entre os examinadores.

Nas classificações de Lauge-Hansen e da AO há maior complexidade nos critérios de avaliação. Elas requerem algum grau de subjetividade. A de Lauge-Hansen necessita da reconstituição, pelo examinador, do mecanismo de trauma, através da história clínica e da análise das radiografias. Nessa classificação, imagens radiográficas semelhantes podem se originar a partir de mecanismos de trauma completamente distintos, como é o caso dos estágios iniciais das fraturas em pronação-abdução e em pronação-eversão, o que pode originar uma maior imprecisão diagnóstica.1818 Tenório RB, Mattos CA, Araújo LHC, Belangero WD. Análise da reprodutibilidade das classificações de Lauge-Hansen e Danis- Weber para fraturas de tornozelo. Rev Bras Ortop. 2001;36(11/12):434-7. Pudemos observar em nosso estudo uma baixa concordância entre a maior parte dos examinadores, como já demonstrado em estudos anteriores de Budny e Young11 Budny AM, Young BA. Analysis of radiographic classifications for rotational ankle fractures. Clin Podiatr Med Surg. 2008;25(2):139-52. com uma correlação interobservador que varia entre 61% e 64%.1818 Tenório RB, Mattos CA, Araújo LHC, Belangero WD. Análise da reprodutibilidade das classificações de Lauge-Hansen e Danis- Weber para fraturas de tornozelo. Rev Bras Ortop. 2001;36(11/12):434-7. Entretanto, encontramos alta concordância entre os residentes (K = 1,00). Acreditamos que a concordância entre esses profissionais em treinamento se deva a uma maior homogeneidade do conhecimento em relação aos demais profissionais.

Na classificação desenvolvida pela AO, apesar de levar em consideração o traço de fratura da fíbula, de forma análoga à de Danis-Weber, a presença de fraturas do maléolo posterior ou a presença de cominuição do foco de fratura pode necessitar de maior atenção do examinador e maior experiência no tratamento dessas patologias. Em nosso estudo encontramos moderada concordância entre os examinadores de modo geral, independentemente da experiência do profissional. Vale ressaltar que as fraturas isoladas do maléolo medial ou posterior não apresentaram representatividade nessa classificação quando usada pelos residentes. Isso demonstra que a experiência profissional pode influenciar na aplicação da classificação AO em fraturas do tornozelo.

Dados obtidos no nosso trabalho podem vislumbrar uma grande concordância entre os residentes nas três classificações, pode-se inferir que o conhecimento passado pelo serviço segue uma linha homogênea de pensamento.

Quanto ao nível de concordância entre os especialistas, a média foi baixa e pudemos supor que isso possa ter ocorrido devido à formação em serviços diferentes, ao seguimento de linhas de pensamento e propedêutica diversas, muitas vezes afastam-se do atendimento de emergência.

Quando foram avaliados os ortopedistas considerados generalistas, pudemos observar uma concordância mediana entre os residentes e os especialistas. Diante disso supomos que esses dois examinadores, apesar de ter sido formados em serviços diferentes, obtiveram ou uma formação mais homogênea durante a formação ou a prática diária em serviços de emergência requer uma comunicação mais uniformizada dessas classificações.

Diante disso, pudemos constatar que dentre as classificações observadas, a de Lauge-Hansen foi a em que obtivemos a pior correlação interobservador e esses dados podem ser corroborados pelos estudos de Tenório et al.1818 Tenório RB, Mattos CA, Araújo LHC, Belangero WD. Análise da reprodutibilidade das classificações de Lauge-Hansen e Danis- Weber para fraturas de tornozelo. Rev Bras Ortop. 2001;36(11/12):434-7. e Alexandropoulos et al.33 Alexandropoulos C, Tsourvakas S, Papachristos J, Tselios A, Soukouli P. Ankle fracture classification: an evaluation of three classification systems: Lauge-Hansen, A.O. and Broos- Bisschop. Acta Orthop Belg. 2010;76(4):521-5. Tenório et al.1818 Tenório RB, Mattos CA, Araújo LHC, Belangero WD. Análise da reprodutibilidade das classificações de Lauge-Hansen e Danis- Weber para fraturas de tornozelo. Rev Bras Ortop. 2001;36(11/12):434-7. consideram a classificação de Weber mais reprodutível para uso nos serviços de emergência, assim como em nosso estudo também pudemos constatar uma boa correlação interobservador nessa classificação, chegamos a um índice Kappa de 0.81 quando avaliado entre os residentes e de 0,93 quando avaliado um residente com um dos especialistas de pé e tornozelo.

Da mesma forma, o estudo de Thonsen et al.1515 Thomsen NO, Overgaard S, Olsen LH, Hansen H, Nielsen ST. Observer variation in the radiographic classification of ankle fractures. J Bone Joint Surg Br. 1991;73(4):676-8. sugere que a classificação de Lauge-Hansen apresenta a pior correlação interobservador, especialmente quando é solicitado determinar o estágio em que a fratura se encontra dentro da classificação escolhido pelo examinador.

Diversos outros estudos demonstraram existir concordância insatisfatória interobservadores para classificações que envolvem outras fraturas. Foi o que mostraram os estudos de Siebenrock e Gerber,1919 Siebenrock KA, Gerber C. The reproducibility of classification of fractures of the proximal end of the humerus. J Bone Joint Surg Am. 1993;75(12):1751-5. que avaliaram a classificação de Neer para as fraturas do úmero proximal, e de Frandsen et al.,2020 Frandsen PA, Andersen E, Madsen F, Skjødt T. Garden's classification of femoral neck fractures. An assessment of inter- observer variation. J Bone Joint Surg Br. 1988;70(4):588-90. que avaliaram a classificação de Garden para as fraturas do colo do fêmur. Portanto, a reprodutibilidade insatisfatória não é um problema exclusivo das classificações adotadas para as fraturas dos tornozelos.

Podemos perceber nos dados obtidos que a classificação de Lauge-Hansen apresenta a pior concordância interobservador dentre as três escolhidas, a da AO obteve dados intermediários e a de Dannis-Weber teve maior índice de concordância interobservador.

Sabemos que a menor familiaridade com algumas classificações pode interferir na interpretação da radiografia, o que pode ter influenciado os resultados obtidos neste estudo. Pudemos constatar que as 13 imagens de fraturas de tornozelo que não puderam ser adequadamente classificadas referiam-se a fratura isolada do maléolo medial ou do maléolo posterior com o uso da classificação AO pelos residentes. Avaliamos, dessa forma, que esse tipo de fratura não apresenta boa representatividade na classificação AO, especialmente quando se considera que a dificuldade na categorização dessas imagens ocorreu exclusivamente entre os ortopedistas com menor experiência profissional.

Conclusão

As fraturas dos tornozelos são variadas e complexas e os esquemas de classificação atuais são limitados em sua capacidade de categorizar completamente algumas lesões. Conforme nossa compreensão sobre as fraturas do tornozelo evolui, fica evidente que as decisões do tratamento devem se basear menos rigidamente em um sistema de classificação e que esse deve servir como uma fonte de informação para uma avaliação abrangente da fratura.

Concluímos com base no presente estudo que existe uma baixa concordância interobservador das classificações de Lauge-Hansen, Dannis-Webber e AO. Dentre essas, aquela que apresenta maior taxa de reprodutibilidade é a de Dannis-Webber, enquanto as de Lauge-Hansen e AO demonstraram reprodutibilidade consideravelmente menor, independentemente da experiência profissional do observador.

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  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Hospital Municipal Odilon Behrens (HMOB), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2016
  • Aceito
    03 Mar 2017
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