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Osteotomia femoral dupla fixada com placa Puddu e haste intramedular retrógrada para tratamento de deformidade femoral biapical Trabalho desenvolvido no Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clinicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (HC-FM-USP), São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

O tratamento das deformidades femorais biapicais é desafiador. Para a correção das deformidades metafisárias e diafisárias concomitantes do fêmur, os autores propõem uma osteotomia dupla femoral controlada com uma fixação interna combinada com uma placa de Puddu e uma haste intramedular. O método foi demonstrado em dois pacientes. Os resultados foram analisados com escala visual analógica (EVA) e os escores Lysholm e SF-36. Não foram encontradas complicações. A consolidação total das osteotomias e a correção do alinhamento radiográfico foram alcançadas. Os resultados foram obtidos com um seguimento mínimo de 66 meses. Ambos os pacientes apresentaram melhoria na dor (EVA de 60 a 40 e de 50 para 20), função (Lysholm de 78 a 93 e 55 a 73) e qualidade de vida (SF36, ambos mentais – de 40,7 a 57,1 no caso um e 24,7 a 59,7 no caso dois – e físico – de 27,7 para 45,6 e de 28,2 para 46,8). Os autores concluíram que essa técnica é uma solução confiável, precisa e reprodutível para deformidades biapicais do fêmur.

Palavras-chave
Osteotomia; Deformidades articulares adquiridas; Pinos ortopédicos; Fixadores externos; Fixação intramedular de fraturas

ABSTRACT

Biapical femoral deformities are challenging to treat. In order to correct concomitant metaphyseal and diaphyseal deformities of the femur, the authors propose a double femoral controlled osteotomy with combined internal fixation, consisting of a Puddu plate and an intramedullary nail. The method was described in two patients. Results were analyzed using a visual analog scale (VAS), the Lysholm score, and SF-36. No complications were found. Complete consolidation of the osteotomies and radiographic alignment correction were achieved. Results were obtained with a minimum follow-up of 66 months. Both patients had improved for pain (VAS from 60 to 40 and from 50 to 20 at reassessment), function (Lysholm score from 78 to 93 and from 55 to 73) and quality of life (SF-36, both mental – from 40.7 to 57.1 in case one and from 24.7 to 59.7 in case two – and physical – from 27.7 to 45.6 and from 28.2 to 46.8). The authors have found that this technique is a reliable, accurate, and reproducible solution for biapical deformities of the femur.

Keywords
Osteotomy; Acquired joint deformities; Intramedullary nails; External fixators; Intramedullary fractures fixation

Introdução

Deformidades femorais biapicais (DFB) são de difícil tratamento, especialmente se considerarmos as dificuldades de fixação interna de múltiplos fragmentos ósseos após osteotomias ou as complicações da fixação externa (FE),11 Kocaoglu M, Bilen FE, Sen C, Eralp L, Balci HI. Combined technique for the correction of lower-limb deformities resulting from metabolic bone disease. J Bone Joint Surg Br. 2011;93(1):52-6.33 Pavolini B, Maritato M, Turelli L, D’Arienzo M. The Ilizarov fixator in trauma: a 10-year experience. J Orthop Sci. 2000;5(2):108-13. como aderência dos tecidos moles, restrição de amplitude de movimento (ADM) e infecção do trajeto dos pinos.33 Pavolini B, Maritato M, Turelli L, D’Arienzo M. The Ilizarov fixator in trauma: a 10-year experience. J Orthop Sci. 2000;5(2):108-13. Fixação interna minimamente invasiva associada a osteotomia femoral controlada é uma opção atrativa com vistas a uma recuperação funcional mais rápida.

Para a correção das deformidades metafisárias e diafisárias concomitantes do fêmur, os autores relatam uma osteotomia dupla femoral controlada com uma fixação interna, combinada com uma placa de Puddu (PP) e uma haste intramedular retrógrada (HIM).

Casos clínicos

Paciente 1

Homem, 27 anos, com raquitismo hipofosfatêmico e genu valgo bilateral. A radiografia do fêmur esquerdo revela DFB com dois centros de rotação da angulação (CORAs) – um metafisário e um diafisário. A deformidade diafisária está em um plano oblíquo, projetado na visão frontal como uma angulação de 24° valgo e na vista lateral como uma deformidade de 36° antecurvato. A deformidade distal (metafisária) tem uma deformidade de 12° valgo (fig. 1A-C), dada pelo ângulo em que o eixo anatômico distal atinge a linha de orientação da articulação, o ângulo femoral lateral distal anatômico (aFLDA), que foi de 69° (aFLDA normal = 81°). Se projetarmos esse ângulo de correção na metáfise distal, pode-se calcular o comprimento da cunha de abertura, que corresponde a 1,8 cm. O fêmur esquerdo apresentava também retroversão, detectada no exame clínico. Paciente apresentava também outras deformidades: fêmur direito em recurvato e rotação externa, tratada com HIM; tíbias direita e esquerda apresentavam deformidades em valgo, tratadas com FE.

Figura 1
Caso clínico 1: Radiografias pré-operatórias mostram as deformidades no plano frontal (A), lateral (B), imagem clínica (C).

Paciente 2

Mulher, 26 anos, com pseudoartrose congênita da tíbia direita. A tíbia foi tratada com um enxerto de fíbula vascularizada na infância e as deformidades residuais da perna foram corrigidas com FE circular. Durante o crescimento, a paciente desenvolveu deformidade compensatória do fêmur direito (fig. 2A e B). O fêmur apresentava um antecurvato de 23° e uma deformidade de 4° de valgo (fig. 3A) na diáfise. O aFLDA era 61°, o que representa uma deformidade de 20° de valgo (fig. 3B), o que corresponde a uma cunha de abertura de 2,0 cm. Essa paciente não apresentava deformidade rotacional. Por recomendação da equipe de microcirurgia, a paciente usa uma órtese na perna direita para proteção do enxerto.

Figura 2
Caso clínico 2: Imagem clínica (A) e radiografia ortostática (B).

Figura 3
Caso clínico 2: Radiografias demonstram as deformidades no plano frontal (A) e lateral (B).

Técnica cirúrgica

O paciente foi posicionado em posição supina e um torniquete estéril foi colocado na coxa proximal. Uma incisão lateral de 15 cm foi feita na parte distal da coxa e dissecção romba posterior ao vasto lateral. Sob visão fluoroscópica, um fio guia foi posicionado de lateral para medial no fêmur distal para marcar o local de osteotomia. O fio foi colocado inclinado, de modo que a osteotomia começaria na metáfise lateral, mas seria direcionada distal e medialmente. A osteotomia foi feita com um osteótomo, seguiu o fio guia sob fluoroscopia, preservou o córtex medial. A cunha de abertura foi obtida com um dilatador até a medida predeterminada, foi fixada com a PP. Idealmente, deve-se usar uma placa de bloqueio e parafusos unicorticais, já que eles são bloqueados, estáveis e não vão interferir na entrada da HIM (paciente 1). Alternativamente, parafusos não bloqueados podem ser inseridos longe do centro do canal (paciente 2). O fechamento de planos profundos e superficiais é muito importante para conter o enxerto ósseo proveniente do fresamento do canal femoral.

O torniquete foi retirado e uma incisão transpatelar foi feita no joelho. Um fio guia foi introduzido no canal femoral. O canal foi fresado, evitaram-se os parafusos da placa. Enxerto ósseo proveniente da fresagem foi mantido no interior do fêmur para preencher o foco metafisário. Uma HIM retrógrada foi inserida até o nível da deformidade femoral. A osteotomia percutânea foi feita com técnica de furos múltiplos e completada com osteótomo. A HIM foi introduzida e fixada proximal e distalmente.

Os pacientes foram mantidos sem carga durante três semanas, foi liberada carga parcial conforme tolerada após. A fisioterapia (para ganho de ADM) foi iniciada na segunda semana pós-operatória.

Resultados

Não houve complicações. Os pacientes obtiveram ADM completa após o procedimento.

Paciente 1

O aFLDA foi corrigido de 69° para 81°. A HIM retrógrada corrigiu a deformidade angular (antecurvato e valgo) e também a retroversão (figs. 4A e B e 5 C), com a derrotação interna do fêmur. Escores pré e pós: escala visual de dor (EVA): 60 para 40; Lysholm: 78 para 93; SF36 mental: 40,7 para 57,1; SF36 físico: 27,7 para 45,6.

Figura 4
Caso clínico 1: Radiografias pós-operatórias mostram as deformidades no plano frontal (A), lateral (B); imagem clínica (C).

Figura 5
Caso clínico 2: Radiografias no plano frontal (A) e lateral (B) e imagem clínica (C) demonstram a correção da deformidade femoral.

Paciente 2

O aFLDA foi corrigido de 61° para 81°. A HIM retrógrada corrigiu a deformidade angular diafisária (fig. 5A-C). Escores pré e pós: EVA: 50 para 20; Lysholm: 55 para 73; SF36 mental: 24,7 para 59,7; SF36 físico: 28,2 para 46,8.

Discussão

As deformidades diafisárias e metafisárias combinadas do fêmur não são comuns na população geral, mas têm uma maior incidência em pacientes com doenças metabólicas.11 Kocaoglu M, Bilen FE, Sen C, Eralp L, Balci HI. Combined technique for the correction of lower-limb deformities resulting from metabolic bone disease. J Bone Joint Surg Br. 2011;93(1):52-6.,44 Saldanha KA, Saleh M, Bell MJ, Fernandes JA. Limb lengthening and correction of deformity in the lower limbs of children with osteogenesis imperfecta. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(2):259-65.,55 Naqui SZ, Thiryayi W, Foster A, Tselentakis G, Evans M, Day JB. Correction of simple and complex pediatric deformities using the Taylor-Spatial Frame. J Pediatr Orthop. 2008;28(6):640-7. Essas deformidades devem ser corrigidas,66 Sternheim A, Garbedian S, Backstein D. Distal femoral varus osteotomy: unloading the lateral compartment: long-term follow-up of 45 medial closing wedge osteotomies. Orthopedics. 2011;34(9):e488-90. pois podem levar à sobrecarga das articulações e causar osteoartrite precoce. As DFB são de difícil tratamento com osteotomias, pela dificuldade de fixação interna dos múltiplos fragmentos ósseos, além da maior morbidade pela lesão de partes moles. O uso dos FE circulares é possivelmente o método mais versátil para tratar esses tipos de deformidades, com resultados muito bons, mas apresentam suas desvantagens. No fêmur, os pinos passam através do tecido muscular, podem causar dor, desconforto, infecção e fibrose no seu trajeto. Isso pode levar à perda de ADM. Dificuldades de lidar com o FE também podem ser um problema.22 Ferreira N, Marais LC. Prevention and management of external fixator pin track sepsis. Strategies Trauma Limb Reconstr. 2012;7(2):67-72.,44 Saldanha KA, Saleh M, Bell MJ, Fernandes JA. Limb lengthening and correction of deformity in the lower limbs of children with osteogenesis imperfecta. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(2):259-65.,55 Naqui SZ, Thiryayi W, Foster A, Tselentakis G, Evans M, Day JB. Correction of simple and complex pediatric deformities using the Taylor-Spatial Frame. J Pediatr Orthop. 2008;28(6):640-7.,77 Seah KT, Shafi R, Fragomen AT, Rozbruch SR. Distal femoral osteotomy: is internal fixation better than external? Clin Orthop Relat Res. 2011;469(7):2003-11. A paciente 2 recusou o FE e sua melhoria na qualidade de vida foi mais significativamente mental do que física.

Os pacientes tiveram todas as deformidades corrigidas e significativa melhoria clínica, especialmente na qualidade de vida. O uso da PP associada à HIM retrógrada foi uma solução técnica eficaz para corrigir DFB com bom resultado radiográfico e rápida recuperação funcional.

Conclusão

A técnica descrita é uma opção confiável, precisa e reprodutível para as deformidades metafisárias e diafisárias combinadas do fêmur.

  • Trabalho desenvolvido no Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital das Clinicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (HC-FM-USP), São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Kocaoglu M, Bilen FE, Sen C, Eralp L, Balci HI. Combined technique for the correction of lower-limb deformities resulting from metabolic bone disease. J Bone Joint Surg Br. 2011;93(1):52-6.
  • 2
    Ferreira N, Marais LC. Prevention and management of external fixator pin track sepsis. Strategies Trauma Limb Reconstr. 2012;7(2):67-72.
  • 3
    Pavolini B, Maritato M, Turelli L, D’Arienzo M. The Ilizarov fixator in trauma: a 10-year experience. J Orthop Sci. 2000;5(2):108-13.
  • 4
    Saldanha KA, Saleh M, Bell MJ, Fernandes JA. Limb lengthening and correction of deformity in the lower limbs of children with osteogenesis imperfecta. J Bone Joint Surg Br. 2004;86(2):259-65.
  • 5
    Naqui SZ, Thiryayi W, Foster A, Tselentakis G, Evans M, Day JB. Correction of simple and complex pediatric deformities using the Taylor-Spatial Frame. J Pediatr Orthop. 2008;28(6):640-7.
  • 6
    Sternheim A, Garbedian S, Backstein D. Distal femoral varus osteotomy: unloading the lateral compartment: long-term follow-up of 45 medial closing wedge osteotomies. Orthopedics. 2011;34(9):e488-90.
  • 7
    Seah KT, Shafi R, Fragomen AT, Rozbruch SR. Distal femoral osteotomy: is internal fixation better than external? Clin Orthop Relat Res. 2011;469(7):2003-11.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    8 Fev 2017
  • Aceito
    2 Maio 2017
  • Publicado
    05 Abr 2018
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