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Angiossarcoma primário do fêmur em um paciente com arterite de Takayasu Trabalho desenvolvido no Hospital AC Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

RESUMO

O angiossarcoma ósseo (AO) é uma patologia rara de comportamento biológico variável e com prognóstico reservado. Pouco se conhece sobre o seu tratamento oncológico e sua etiologia ainda é desconhecida. Os autores apresentam um caso de lesão lítica em fêmur proximal que se disseminou para outros ossos (tais como coluna e crânio), pulmão e sistema nervoso central. Foi instituído tratamento ortopédico, com vistas a uma melhoria da qualidade de vida e ao conforto do paciente. O diagnóstico de AO maligno de alto grau foi confirmado pelo espécime cirúrgico. Apesar disso e do tratamento oncológico feito, o paciente apresentou uma evolução rápida e agressiva com desfecho desfavorável.

Palavras-chave
Angiossarcoma primário; Neoplasia óssea; Metástase neoplásica; Arterite de Takayasu

ABSTRACT

Primary osseous angiosarcoma is a rare entity with variable biological behavior and poor prognosis. Little is known about the oncologic treatment and its etiology is still unknown. This study presents a case of lytic lesion in the right femur with dissemination to other bones, such as the vertebral column and skull, and to the lungs and central nervous system. Orthopedic surgery was performed in order to improve quality of life. Surgical specimen confirmed the diagnosis of high-grade malignant osseous angiosarcoma. Despite oncologic and orthopedic treatment, the patient had rapid and aggressive progression with a poor outcome.

Keywords
Primary angiosarcoma; Bone neoplasm; Metastatic neoplasm; Takayasu arteritis

Introdução

O angiossarcoma ósseo (AO) é uma entidade rara de etiologia desconhecida que acomete os ossos longos. O diagnóstico muitas vezes é desafiador e a doença apresenta curso clínico imprevisível, tratamento ainda controverso e prognóstico reservado. A arterite de Takayasu é uma vasculite primária de grandes vasos, como a aorta e seus ramos.

O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de AO em paciente com arterite de Takayasu.

Relato de caso

Através de revisão de prontuário, apresentamos um paciente masculino, 57 anos, branco, com dor em coxa direita. Referia as seguintes comorbidades: arterite de Takayasu com aneurisma de aorta toracoabdominal, obstrução da artéria mesentérica superior e artéria subclávia esquerda.

Em dezembro de 2014 foi submetido a radiografias simples, que evidenciaram lesões osteolíticas no fêmur proximal direito (fig. 1).

Figura 1
Radiografia simples da coxa direita nas incidências anteroposterior (AP) e perfil (P) evidencia duas lesões osteolíticas parcialmente delimitadas, na medular óssea justacortical da diáfise proximal/média do fêmur, com extensão para a cortical óssea adjacente, a superior na porção medial e a inferior na face lateral.

Dando sequência na propedêutica, foram feitas ressonância magnética da coxa direita (figs. 2 e 3), cintilografia óssea de corpo total, tomografia de tórax e PET-CT (fig. 4).

Figura 2
Ressonância magnética (RM) na sequência T1. Lesões ósseas medulares justacorticais com invasão e áreas de marcado afilamento da cortical, localizadas na cortical do terço proximal/médio do fêmur direito. Não há extensão para as partes moles extraóssea. A e B. Cortes coronais. C e D. Cortes axiais.

Figura 3
Ressonância magnética (RM) em STIR. A. Corte coronal. B, C e D. Cortes axiais evidenciam o alto sinal e a invasão e destruição da cortical óssea.

Figura 4
PET-CT com concentração do 18-FDG /atividade metabólica glicolítica anômala em projeção da medular óssea da diáfise proximal/média do fêmur, com invasão/rotura da cortical, correspondentes às lesões ósseas descritas nos estudos prévios.

Após exames de imagem, foi feita biópsia óssea de fêmur direito guiada por tomografia com agulha grossa. A microscopia revelou pequenos fragmentos de tecido com abundante material hemorrágico, composto por células neoplásicas epitelioides. Essas células mostraram forte positividade para citoqueratina AE1/ AE3 e CAM5.2 e também para marcadores vasculares (CD31 e FLI1) e permitiram o diagnóstico de angiossarcoma epitelioide de alto grau de malignidade (fig. 5).

Figura 5
A. Biópsia mostra células epitelioides e formação de espaços vasculares (hematoxilina-eosina, 400x). B. Expressão do marcador de membrana CD31. C. Expressão nuclear de FLI-1. D. Expressão citoplasmática de CAM5.2.

Após reunião clínica multidisciplinar, optou-se por quimioterapia neoadjuvante, ressecção ampla da lesão e substituição por endoprótese não convencional de fêmur proximal.

A análise do espécime cirúrgico não mostrou resposta a quimioterapia. Em novembro de 2015, o paciente apresentou progressão de doença em coluna (L2) e pulmão, também confirmada por biópsia. Iniciamos, então, quimioterapia com paclitaxel, seguida de radioterapia (RT 3 D) de L1 a L3 (10x300cGy)

Em vigência de tratamento oncológico, em maio de 2016, o paciente progrediu novamente em pulmão e ossos, foram necessário RT 3 D em região frontal (10 x 300cGy) e troca do esquema quimioterápico para epirrubicina e ifosfamida.

Devido ao risco iminente de fratura patológica, foi indicada ainda a fixação profilática do fêmur esquerdo com haste cefalomedular longa e cimentoplastia acetabular bilateral. Uma semana antes da cirurgia foi feita uma embolização das lesões acetabulares e em fêmur para evitar sangramento excessivo no intraoperatório.

Um mês após, com doença óssea e pulmonar avançadas e progressão em sistema nervoso central, ficou restrito ao leito, apresentava dores intensas e episódios de confusão mental cada vez mais frequentes.

Após discussão entre equipes de oncologia clínica e cuidados paliativos e com os parentes, optou-se por apoio de terminalidade e priorização das medidas de conforto. Paciente foi a óbito em setembro de 2016.

Discussão

O primeiro tumor vascular maligno do osso foi descrito em 1921 por Wells.11 Wells HG. Relation of multiple vascular tumors of bone to myeloma. Arch Surg. 1921;2(3):435-42. O AO representa menos do que 1% dos tumores malignos primários do osso, é originado de células endoteliais, mas sua etiologia permanece desconhecida. Dentre as classificações propostas consideramos que é um tumor maligno de alto grau primário ou secundário a radioterapia ou a infartos ósseos.22 Weiss SW, Goldblum JR. Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 5th ed. Philadelphia: Mosby; 2008. p. 703–20.44 Abdelwahab IF, Klein MJ, Hermann G, Springfield D. Angiosarcomas associated with bone infarts. Skeletal Radiol. 1998;27(10):546-51.

Pode ser multicêntrico em até 1/3 dos casos, é imperativo o diagnóstico diferencial com o carcinoma metastático.55 Mitsuhashi T, Shimizu Y, Ban S, Ogawa F, Hirose T, Tanaka J, et al. Multicentric contiguous variant of epithelioid angiosarcoma of the bone. A rare variant showing angiotropic spread. Ann Diagn Pathol. 2005;9(1):33-7.,66 Santeusanio G, Bombonati A, Tarantino U, Craboledda P, Marino B, Birbe R, et al. Multifocal epithelioïd angiosarcoma of bone: a potential pitfall in the differential diagnosis with metastatic carcinoma. Appl Immunohistochem Mol Morphol. 2003;11(4):359-63. Pode acometer qualquer faixa etária sem preferência por gênero e principalmente afeta ossos tubulares longos.77 Sakamoto A, Takahashi Y, Oda Y, Iwamoto Y. Aggressive clinical course of epithelioid angiosarcoma in the femur: a case report. World J Surg Oncol. 2014;12:281.

O AO em sua maioria tem origem em partes moles profundas das extremidades, entretanto outros sítios primários já foram descritos, tais como tireoide, adrenais e pele.77 Sakamoto A, Takahashi Y, Oda Y, Iwamoto Y. Aggressive clinical course of epithelioid angiosarcoma in the femur: a case report. World J Surg Oncol. 2014;12:281.

Diferentes trabalhos procuraram descrever lesões vasculares que surgem no osso, deram origem a diversas nomenclaturas. Ainda hoje é difícil definir se existem diferentes patologias com características similares ou se há uma patologia com apresentações clínicas diferentes.11 Wells HG. Relation of multiple vascular tumors of bone to myeloma. Arch Surg. 1921;2(3):435-42.

Muitos casos de AO descritos na literatura apresentam curso clínico agressivo e são inicialmente investigados como lesões metastáticas de sítio primário desconhecido. Os pacientes geralmente se apresentam com dor de forte intensidade no local da lesão óssea associada ou não a massa tumoral. Radiologicamente, são lesões puramente líticas e excêntricas, que rompem a cortical e podem apresentar componentes de partes moles associado. Lesões ósseas lacunares e multifocais sugerem lesões de origem vascular e devem chamar atenção para essa hipótese diagnóstica.88 Wenger DE, Wold LE. Malignant vascular lesions of bone: radiologic and pathologic features. Skeletal Radiol. 2000;29(11):619-31.

A análise imuno-histoquímica é importante para o diagnóstico, mostra positividade para as citoqueratinas AE1/ AE3 e CAM5.2 e também para marcadores vasculares (CD31, FLI1). O fator VIII, EMA (epitelial membrane antigen) e o CD 68 também podem estar positivos. Em contrapartida, o CD1a, HBMB45, CD45, desmina, actina de músculo liso e lisozima são negativos.99 Verbeke SL, Bertoni F, Bacchini P, Sciot R, Fletcher CD, Kroon HM, et al. Distinct histological features characterize primary angiosarcoma of bone. Histopathology. 2011;58(2):254-64.,1010 Chen Y, Shen D, Sun K, Bao D, Song Q, Wang G, et al. Epithelioid angiosarcoma of bone and soft tissue: a report of seven cases with emphasis on morphologic diversity, immunohistochemical features and clinical outcome. Tumori. 2011;97(5):585-9.

São poucos os estudos biomoleculares a respeito do AO. Estudos citogenéticos documentaram alterações cromossomais e amplificações diversas, sugeriram grande heterogeneidade genética.

O tratamento se assemelha ao dos sarcomas ósseos com quimioterapia neoadjuvante, cirurgia ampla, pode associar ou não radioterapia adjuvante. O prognóstico é ruim, com uma sobrevida de um ano de 55% e de cinco anos em torno de 33%.22 Weiss SW, Goldblum JR. Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 5th ed. Philadelphia: Mosby; 2008. p. 703–20.,33 Bovée JV, Rosenberg AE. WHO classification of tumours of Soft Tissue and Bone. 4th ed. Lyon, France: IARC; 2013. p. 337–8.

Acreditamos que este seja o primeiro relato de AO do osso em paciente com arterite de Takayasu. Não foi encontrada na literatura correlação entre essas patologias.

  • Trabalho desenvolvido no Hospital AC Camargo Cancer Center, São Paulo, SP, Brasil.

REFERENCES

  • 1
    Wells HG. Relation of multiple vascular tumors of bone to myeloma. Arch Surg. 1921;2(3):435-42.
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    Weiss SW, Goldblum JR. Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 5th ed. Philadelphia: Mosby; 2008. p. 703–20.
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    Bovée JV, Rosenberg AE. WHO classification of tumours of Soft Tissue and Bone. 4th ed. Lyon, France: IARC; 2013. p. 337–8.
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    Mitsuhashi T, Shimizu Y, Ban S, Ogawa F, Hirose T, Tanaka J, et al. Multicentric contiguous variant of epithelioid angiosarcoma of the bone. A rare variant showing angiotropic spread. Ann Diagn Pathol. 2005;9(1):33-7.
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    Santeusanio G, Bombonati A, Tarantino U, Craboledda P, Marino B, Birbe R, et al. Multifocal epithelioïd angiosarcoma of bone: a potential pitfall in the differential diagnosis with metastatic carcinoma. Appl Immunohistochem Mol Morphol. 2003;11(4):359-63.
  • 7
    Sakamoto A, Takahashi Y, Oda Y, Iwamoto Y. Aggressive clinical course of epithelioid angiosarcoma in the femur: a case report. World J Surg Oncol. 2014;12:281.
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    Wenger DE, Wold LE. Malignant vascular lesions of bone: radiologic and pathologic features. Skeletal Radiol. 2000;29(11):619-31.
  • 9
    Verbeke SL, Bertoni F, Bacchini P, Sciot R, Fletcher CD, Kroon HM, et al. Distinct histological features characterize primary angiosarcoma of bone. Histopathology. 2011;58(2):254-64.
  • 10
    Chen Y, Shen D, Sun K, Bao D, Song Q, Wang G, et al. Epithelioid angiosarcoma of bone and soft tissue: a report of seven cases with emphasis on morphologic diversity, immunohistochemical features and clinical outcome. Tumori. 2011;97(5):585-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Dez 2016
  • Aceito
    2 Maio 2017
  • Publicado
    05 Abr 2018
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