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Avaliação funcional da reconstrução do ligamento patelofemoral medial em atletas* * Trabalho desenvolvido no Centro de Traumatologia do Esporte (CETE), Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Publicado originalmente por Elsevier Ltda.

Resumo

Objetivo

Avaliar os resultados clínicos e funcionais da reconstrução anatômica do ligamento patelofemoral medial com tendões flexores em atletas.

Métodos

Estudo tipo série de casos, prospectivo, que analisou a reconstrução do ligamento patelofemoralmedial em32 pacientes (34 joelhos). A avaliação funcional foi feita pelos escores Lysholm e Kujala nos períodos pré e pós-operatórios e os fatores de risco envolvidos foram avaliados.

Resultados

Dos 32 pacientes analisados, todos obtiveram melhoria dos escores funcionais comparativamente ao período pré-operatório. Pacientes com menos de cinco episódios de luxação prévios obtiveram melhores resultados funcionais. O valor médio de Lysholm no pré-operatório foi de 62,8 e no pós-operatório de 94,3, quanto ao escore de Kujala a média pré-operatório foi de 63,0 e pós-operatória de 94,0.

Conclusão

A reconstrução do ligamento patelofemoral medial com enxerto de tendão flexor do joelho em atletas propiciou melhoria dos escores clínicos e funcionais nos pacientes com instabilidade patelofemoral. A perfuração óssea da patela e o posicionamento do túnel femoral devem ocorrer de forma judiciosa.

Palavras-chave:
instabilidade articular; ligamentos articulares; luxação patelar; articulação patelofemoral; atletas

Abstract

Objective

The aim of the present study was to evaluate the clinical results, functional outcomes, and risk factors after anatomic reconstructions using knee flexor grafts in athletes.

Methods

The authors followed-up 32 patients and 34 knees for 1 year in a prospective design case series evaluating pre- and postoperative functional scores (Kujala and Lysholm) and associated risk factors.

Results

All of the 32 patients had a significant increase of the Lysholm and Kujala scores. Patients with < 5 preoperative dislocations had a better score on the Lysholm and Kujala scales. The mean preoperative Lysholm score was 62.8, and the mean postoperative score was 94.3. The mean preoperative Kujala score was 63.0, and the mean postoperative score was 94.0.

Conclusion

Medial patellofemoral ligament reconstruction with hamstring graft in athletes with patellar instability improved clinical and functional scores. The bone drilling through the patella and the positioning of the femoral tunnel should be judiciously performed.

Keywords:
joint instability; joint ligaments; patellar dislocation; patellofemoral joint; athletes

Introdução

O ligamento patelofemoral medial (LPFM) é o principal restritor estático contra a translação lateral da patela entre 0 e 30 graus de flexão do joelho.11 Amis AA, Firer P, Mountney J, Senavongse W, Thomas NP. Anatomy and biomechanics of the medial patellofemoral ligament. Knee 2003;10(03):215-220 Tem sua origem no terço proximal da faceta medial da patela e insere-se no fêmur, como uma sela, entre o epicôndilo medial (EM) (10 mm proximal e 2 mm posterior) e o tubérculo adutor (TA) (4 mm distal e 2 mm anterior), corre por baixo do músculo vasto medial e do tendão quadricipital.22 Nomura E, Horiuchi Y, Kihara M. Medial patellofemoral ligament restraint in lateral patellar translation and reconstruction. Knee 2000;7(02):121-127 Biomecanicamente, tem resistência de 62 Newtons (N), é responsável por 60% da contenção dos tecidos moles mediais contra as forças que atuam para lateralizar a patela. Apresenta um comportamento isométrico entre 0 e 70 graus, quando começa a encurtar.11 Amis AA, Firer P, Mountney J, Senavongse W, Thomas NP. Anatomy and biomechanics of the medial patellofemoral ligament. Knee 2003;10(03):215-220 33 Higuchi T, Arai Y, Takamiya H, MiyamotoT, Tokunaga D, KuboT. An analysis of the medial patellofemoral ligament length change pattern using open-MRI. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2010;18(11):1470-1475 44 Steensen RN, Dopirak RM, McDonald WG III. The anatomy and isometry of the medial patellofemoral ligament: implications for reconstruction. Am J Sports Med 2004;32(06):1509-1513 A lesão completa do LPFM pode ocasionar alterações na cinemática femoropatelar, com deterioração da função e da mecânica articular, levar ao quadro de instabilidade patelar lateral recidivante (IPLR).11 Amis AA, Firer P, Mountney J, Senavongse W, Thomas NP. Anatomy and biomechanics of the medial patellofemoral ligament. Knee 2003;10(03):215-220 22 Nomura E, Horiuchi Y, Kihara M. Medial patellofemoral ligament restraint in lateral patellar translation and reconstruction. Knee 2000;7(02):121-127 55 Amis AA. Current concepts on anatomy and biomechanics of patellar stability. Sports Med Arthrosc Rev 2007;15(02):48-56

Atualmente, a incidência das IPLR sintomáticas tem aumentado, principalmente em atletas.66 Mitchell J, Magnussen RA, Collins CL, Currie DW, Best TM, Comstock RD, et al. Epidemiology of patellofemoral instability injuries among high school athletes in the United States. Am J Sports Med 2015;43(07):1676-1682 Dentre as características da população mais acometida pela IPLR destacam-se: gênero feminino, aumento do índice de massa corporal, imaturidade do esqueleto, idade em que ocorreu o primeiro episódio (quanto mais jovem, maior a chance da recorrência), tipo de mecanismo de lesão (traumático apresenta pior prognóstico), tipo de modalidade desportiva praticada e nível de competitividade.66 Mitchell J, Magnussen RA, Collins CL, Currie DW, Best TM, Comstock RD, et al. Epidemiology of patellofemoral instability injuries among high school athletes in the United States. Am J Sports Med 2015;43(07):1676-1682 77 Swenson DM, Collins CL, Best TM, Flanigan DC, Fields SK, Comstock RD. Epidemiology of knee injuries among U.S. high school athletes, 2005/2006-2010/2011. Med Sci Sports Exerc 2013;45 (03):462-469 88 Fithian DC, Paxton EW, Stone ML, Silva P, Davis DK, Elias DA, et al. Epidemiology and natural history of acute patellar dislocation. Am J Sports Med 2004;32(05):1114-1121 Nos atletas sintomáticos com IPLR, o tratamento cirúrgico depende de fatores como: altura patelar, distância tróclea/tuberosidade da tíbia (TAGT) e displasia da tróclea. Reconstrução isolada do LPFM é a melhor opção terapêutica para pacientes sem alterações anatômicas (altura patelar normal, TAGT menor do que 2,0 cm e ausências de displasia acentuada da tróclea) que apresentam instabilidade patelofemoral, possibilitam o retorno ao esporte e a melhoria funcional, na maioria dos casos.99 Lippacher S, Dreyhaupt J, Williams SR, Reichel H, Nelitz M. Reconstruction of the medial patellofemoral ligament: clinical outcomes and return to sports. Am J Sports Med 2014;42(07):1661-1668 1010 Yeung M, Leblanc MC, Ayeni OR, Khan M, Hiemstra LA, Kerslake S, et al. Indications for medial patellofemoral ligament reconstruction: a systematic review. J Knee Surg 2016;29(07):543-554

Dentre os tipos de técnicas para a reconstrução do LPFM, distinguem-se as funcionais e as anatômicas.1010 Yeung M, Leblanc MC, Ayeni OR, Khan M, Hiemstra LA, Kerslake S, et al. Indications for medial patellofemoral ligament reconstruction: a systematic review. J Knee Surg 2016;29(07):543-554 No primeiro tipo, o enxerto não é posicionado nos pontos anatômicos originais do LPFM; enquanto que na segunda o enxerto é fixado nos sítios primários da origem e inserção.1111 Mackay ND, Smith NA, Parsons N, Spalding T, Thompson P, Sprowson AP. Medial patellofemoral ligament reconstruction for patellar dislocation: a systematic review. Orthop J Sports Med 2014;2(08):2325967114544021 O posicionamento adequado do enxerto nos locais de inserção nativos, obtido nas reconstruções anatômicas, é um dos fatores que contribuem para o sucesso desse procedimento.1111 Mackay ND, Smith NA, Parsons N, Spalding T, Thompson P, Sprowson AP. Medial patellofemoral ligament reconstruction for patellar dislocation: a systematic review. Orthop J Sports Med 2014;2(08):2325967114544021 Não existem relatos na literatura nacional que tenham analisado os resultados dessa cirurgia em atletas. O objetivo deste estudo prospectivo foi avaliar os resultados clínicos e funcionais da reconstrução anatômica do LPFM com tendões flexores e analisar os fatores de risco envolvidos no prognóstico.

Materiais e métodos

Descrição da amostra

Trabalho submetido ao e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da nossa universidade e com consentimento livre e esclarecido por parte dos pacientes analisados.

De janeiro de 2011 e dezembro de 2014, 32 pacientes foram submetidos à cirurgia para reconstrução do LPFM com tendão flexor do joelho. Desses, dois tiveram ambos os lados operados, foram 34 joelhos tratados cirurgicamente. Esses pacientes foram avaliados por dois examinadores experientes em cirurgia do joelho e responderam aos questionários Lysholm e Kujala (versão validada em português) antes e 24 meses após a cirurgia (após termino da reabilitação) e os resultados foram comparados e submetidos à análise estatística.

Como critério de inclusão: pelo menos um episódio de luxação patelofemoral, feitura de tratamento conservador com fisioterapia por pelo menos três meses sem melhoria dos sintomas, exame físico compatível com instabilidade patelofemoral (teste da apreensão positivo), queixa de dor e sensação de instabilidade com prejuízo funcional e aceitação das condições definidas no termo de consentimento livre esclarecido.

Como critério de exclusão: pacientes discordantes do termo de consentimento livre esclarecido, pacientes já submetidos a tratamento cirúrgico prévio, restrição de arco de movimento, pacientes com critérios de hiperfrouxidão ligamentar, presença de displasia da tróclea tipo C e D conforme critérios de Dejour,1212 Dejour D, Reynaud P, Lecoultre B. Douleurs et instabilité rotulienne. Essai de classification. Med Hyg (Geneve) 1998;56:1466-1471 TAGT maior do que 20 mm, presenc¸a de patela alta e detecção de lesão condral da superfície articular da patela e ou tróclea que acometa osso subcondral.

Técnica cirúrgica

Todos os pacientes foram operados pela mesma equipe (E.G e R.T.C.) com a técnica preconizada por Schock e Burks.1313 Schock EJ, Burks RT. Medial patellofemoral ligament reconstruction using a hamstring graft. Oper Tech Sports Med 2001;9(03): 169-175 Usado enxerto livre de um dos tendões flexores (tendão do grácil ou tendão do semitendíneo) com túnel femoral na região de inserção anatômica – entre o epicôndilo medial (10 mm proximal e 2 mm posterior) e o tubérculo adutor (4 mm distal e 2 mm anterior) através de um acesso único longitudinal para facilitar a identificação dos parâmetros ósseos.22 Nomura E, Horiuchi Y, Kihara M. Medial patellofemoral ligament restraint in lateral patellar translation and reconstruction. Knee 2000;7(02):121-127 O túnel patelar foi feito através de uma perfuração óssea entre o 1/3 superior e o 1/3 médio da faceta medial da patela, com profundidade até metade da patela. A fluoroscopia intraoperatória na confecção do túnel patelar foi aplicada quando necessário para monitorar a entrada do fio-guia, a angulação da broca e o tombo do botão patelar. A fixação do enxerto no fêmur foi feita com um parafuso de interferência metálico (7 × 20 mm) e fixação na patela com um botão de suspensão apoiado na cortical lateral. A fixação final do enxerto foi feita com o joelho fletido em 30 graus, após testar a isometria e com mínima tensão no enxerto, apenas manteve-se a patela centralizada sobre a tróclea. Não foi feita a liberação retinacular lateral. Todos os pacientes foram submetidos à mesma reabilitação pós-operatória.

Resultados

Foram avaliados 32 pacientes, 20 do sexo feminino (62,5%) e 12 do masculino (37,5%). Os pacientes apresentaram entre 13 e 38 anos, média de 22,7, com desvio-padrão de 6,9. Na Tabela 1 encontra-se a análise descritiva dos dados observados na amostra de 32 pacientes e 34 lados operados quanto ao lado e número de luxações prévias ao procedimento cirúrgico. Foram calculadas as diferenças das avaliações pós em relação aos escores pré-operatórios nos questionários de Lysholm e de Kujala, foram observados valores positivos para todas as 34 comparações, o que indica melhoria em todos os joelhos operados (p < 0,001) (Tabela 2).

Tabela 1
Lado operado e número de luxações prévias (n = 34)

Tabela 2
Escores das escalas de Lisholm e de Kujala nas avaliações pré e pós (n = 34)

No escore de Lysholm, as diferenças variaram entre dois e 83, com mediana de 28,5 (IIQ: 17 a 40); no escore de Kujala as diferenças variaram entre sete e 88, com mediana de 25 (IIQ: 14 a 38).

Não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os sexos quanto à distribuição das variações dos escores de Lysholm (p = 0,073) e de Kujala (p = 0,572) (Tabela 3).

Tabela 3
Variação nos escores de Lysholm e de Kujala, segundo o sexo do paciente

Foi avaliada a associação entre o número de luxações prévias e as variações observadas nos escores de Lysholm e de Kujala e os resultados encontram-se na Tabela 4. O número de luxações foi categorizado em até cinco e mais do que cinco para possibilitar essa análise de associação. Os valores acima de 10 episódios não podem ser analisados por desconhecimento do número exato de luxações. Foi encontrada diferença significante entre os grupos com até cinco luxações prévias e mais do que cinco luxações prévias quanto à distribuição das variações no escore de Lysholm (p = 0,008), o grupo com maior número de lesões apresentou maior mediana de variação do escore do que o grupo com menor número de lesões. Não foi encontrada diferença significante entre os grupos com até cinco luxações prévias e mais do que cinco luxações prévias quanto à distribuição das variações do escore de Kujala (p = 0,111).

Tabela 4
Variação nos escores de Lysholm e de Kujala, segundo o número de luxações prévias

Não foram encontradas correlações significantes entre a idade e as variações dos escores de Lysholm (rs = 0,14; p = 0,441) e de Kujala (rs = 0,01; p = 0,974).

Dentre os 32 casos, tivemos quatro complicações: duas fraturas de patela (tratadas cirurgicamente com redução e osteossíntese interna com cerclagem) e dois casos de artrofibrose (submetidos a uma nova artroscopia para artrolise e manipulação) que evoluíram de modo satisfatório, porém com maior tempo para recuperação funcional em torno de sete meses.

Discussão

O achado mais relevante do estudo foi a melhoria clínica e funcional verificada nos atletas submetidos à reconstrução anatômica do LFPM com enxerto autólogo de um tendão flexor (grácil ou semitendinoso) do joelho. Isso foi constatado pelo aumento da pontuação nos questionários aplicados após a cirurgia (avaliação subjetiva), assim como não ocorreram novos episódios de luxação no período subsequente ao procedimento operatório (melhoria objetiva). Nossos resultados são similares aos observados em outros estudos.1414 Schöttle PB, Romero J, Schmeling A, Weiler A. Technical note: anatomical reconstruction of the medial patellofemoral ligament using a free gracilis autograft. Arch Orthop Trauma Surg 2008;128 (05):479-484 1515 Gonçaives MB, Júnior LH, Soares LF, Gonçaives TJ, Dos Santos RL, Pereira ML. Reconstrução do ligamento patelofemoral medial para tratamento da luxação recidivante da patela. Rev Bras Ortop 2015;46(02):160-164 1616 Lind M, Jakobsen BW, Lund B, Christiansen SE. Reconstruction of the medial patellofemoral ligament for treatment of patellar instability. Acta Orthop 2008;79(03):354-360

O número de episódios de luxações foi relevante quanto à avaliação funcional, favoreceu os indivíduos submetidos precocemente à reconstrução do LPFM. O efeito deletério da IPLR em atletas e a demora para efetuar o tratamento cirúrgico podem prejudicar o retorno ao esporte.99 Lippacher S, Dreyhaupt J, Williams SR, Reichel H, Nelitz M. Reconstruction of the medial patellofemoral ligament: clinical outcomes and return to sports. Am J Sports Med 2014;42(07):1661-1668 1010 Yeung M, Leblanc MC, Ayeni OR, Khan M, Hiemstra LA, Kerslake S, et al. Indications for medial patellofemoral ligament reconstruction: a systematic review. J Knee Surg 2016;29(07):543-554 Nossa amostra apresentou uma predominância de mulheres jovens com IPLR semelhante a outras séries.66 Mitchell J, Magnussen RA, Collins CL, Currie DW, Best TM, Comstock RD, et al. Epidemiology of patellofemoral instability injuries among high school athletes in the United States. Am J Sports Med 2015;43(07):1676-1682 77 Swenson DM, Collins CL, Best TM, Flanigan DC, Fields SK, Comstock RD. Epidemiology of knee injuries among U.S. high school athletes, 2005/2006-2010/2011. Med Sci Sports Exerc 2013;45 (03):462-469 88 Fithian DC, Paxton EW, Stone ML, Silva P, Davis DK, Elias DA, et al. Epidemiology and natural history of acute patellar dislocation. Am J Sports Med 2004;32(05):1114-1121 A reconstrução anatômica do LPFM, com o posicionamento correto do túnel femoral, pode impactar na recuperação funcional.1717 Yiding-Xia HA, Zhang K, Liu Y. Effects of femoral tunnel position on knee function after medial patellofemoral ligament reconstruction. Zhongguo Xiu Fu Chong Jian Wai Ke Za Zhi 2015;29 (08):951-954 A colocação do túnel femoral 5 mm proximal ou 3 mm mais curto altera o comprimento e a isometria do enxerto, acarreta uma sobrecarga na cartilagem articular medial da patela superior a 50% em comparação com o joelho normal.1818 Elias JJ, Cosgarea AJ. Technical errors during medial patellofemoral ligament reconstruction could overload medial patellofemoral cartilage: a computational analysis. Am J SportsMed 2006; 34(09):1478-1485 Na amostra analisada, a técnica cirúrgica usada para confeccionar o túnel femoral foi baseada em parâmetros ósseos (EM e TA) de acordo com Nomura et al,22 Nomura E, Horiuchi Y, Kihara M. Medial patellofemoral ligament restraint in lateral patellar translation and reconstruction. Knee 2000;7(02):121-127 através uma via de acesso longitudinal mais ampla entre essas duas referências e o uso da fluoroscopia em alguns casos. A fluoroscopia intraoperatória (FIA) ou radiografia isoladas na incidência lateral do joelho pode propiciar erros de rotação e contribuir para a colocação inadequada do túnel femoral.1919 Ziegler CG, Fulkerson JP, Edgar C. Radiographic reference points are inaccurate with and without a true lateral radiograph: the importance of anatomy in medial patellofemoral ligament reconstruction. Am J Sports Med 2016;44(01):133-142 Neste estudo, a FIA foi empregada em 55% dos casos e não foi observada perda da amplitude articular. Também não foi observado erro grosseiro referente aos túneis no fêmur e na patela, nos casos em que não foi usada a FIA. Nossos achados conferem com uma pesquisa feita com cirurgiões de joelho no âmbito nacional.2020 Arliani GG, Silva AV, Ueda LR, Astur DC, Yazigi Júnior JA, Cohen M. Reconstruction of the medial patellofemoral ligament in cases of acute traumatic dislocation of the patella: current perspectives and trends in Brazil. Rev Bras Ortop 2014;49(05):499-506 Os autores enfatizam a necessidade do conhecimento dessa anatomia para aprimorar o tempo cirúrgico, facilitar a marcação do ponto de entrada dos túneis ósseos e minimizar a exposição a radiação à equipe cirúrgica e ao paciente.

O túnel patelar foi feito através de uma perfuração no sentido medial-lateral com profundidade de 1/3 até no máximo a metade e fixação com botão lateral até a extremidade oposta.1313 Schock EJ, Burks RT. Medial patellofemoral ligament reconstruction using a hamstring graft. Oper Tech Sports Med 2001;9(03): 169-175 Alguns autores evitam efetuar esse orifício devido à chance de violação da cortical anterior da patela ou transfixação da cartilagem posterior e também ao introduzir uma broca de diâmetro exacerbado (> 4,5 mm) eleva-se o risco de fratura da patela.2121 Parikh SN, Wall EJ. Patellar fracture after medial patellofemoral ligament surgery: a report of five cases. J Bone Joint Surg Am 2011;93(17):e97, (1-8) Uma das opções para reduzir essa complicação consiste em usar um enxerto mais fino, como o grácil.1616 Lind M, Jakobsen BW, Lund B, Christiansen SE. Reconstruction of the medial patellofemoral ligament for treatment of patellar instability. Acta Orthop 2008;79(03):354-360 Outra opção seria usar a fixação com âncora(s) na patela que pode reduzir o risco de fratura, porém o tipo de material, a quantidade e o tamanho ainda não são bem estabelecidos.2222 Song SY, Kim IS, Chang HG, Shin JH, Kim HJ, Seo YJ. Anatomic medial patellofemoral ligament reconstruction using patellar suture anchor fixation for recurrent patellar instability. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2014;22(10):2431-2437 Dentre as desvantagens vale ressaltar o custo elevado de alguns implantes e a dificuldade de remoção, caso haja necessidade. Preferimos usar essa fixação na patela devido ao maior contato biológico na interface enxerto-osso, sem prejudicar a resistência e a rigidez mecânica da construção implante-enxerto-implante,2323 Mountney J, SenavongseW, Amis AA, Thomas NP. Tensile strength of the medial patellofemoral ligament before and after repair or reconstruction. J Bone Joint Surg Br 2005;87(01):36-40 e assim permitir uma mobilização articular precoce.

Em procedimentos cirúrgicos não anatômicos, como os realinhamentos proximais, não é necessário usar enxerto. No entanto, os resultados clínicos apresentam maior incidência para recorrência da IPLR e baixo índice de satisfação dos pacientes operados.2424 Efe T, Seibold J, Geßlein M, Schüttler K, Schmitt J, Schofer MD, et al. Non-anatomic proximal realignment for recurrent patellar dislocation does not sufficiently prevent redislocation. Open Orthop J 2012;6:114-117 O enxerto autólogo apresenta menor índice de falhas e maior pontuação nos questionários funcionais, quando comparado com enxertos homólogos.2525 Weinberger JM, Fabricant PD, Taylor SA, Mei JY, Jones KJ. Influence of graft source and configuration on revision rate and patientreported outcomes after MPFL reconstruction: a systematic review and meta-analysis. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc2017;25(08):2511-2519 Além disso, existem várias opções para enxertos autólogos para a reconstrução do LPFM como: 1/3 medial do tendão patelar, fita do tendão quadricipital e um dos tendões flexores do joelho (grácil ou semitendíneo).1111 Mackay ND, Smith NA, Parsons N, Spalding T, Thompson P, Sprowson AP. Medial patellofemoral ligament reconstruction for patellar dislocation: a systematic review. Orthop J Sports Med 2014;2(08):2325967114544021 1818 Elias JJ, Cosgarea AJ. Technical errors during medial patellofemoral ligament reconstruction could overload medial patellofemoral cartilage: a computational analysis. Am J SportsMed 2006; 34(09):1478-1485 A configuração do enxerto com dois feixes separados na patela é mais anatômica, diminui o risco de fratura da patela, apresenta menor incidência de novas luxações e adiciona mais pontos nos questionários funcionais em comparação com o feixe único.2525 Weinberger JM, Fabricant PD, Taylor SA, Mei JY, Jones KJ. Influence of graft source and configuration on revision rate and patientreported outcomes after MPFL reconstruction: a systematic review and meta-analysis. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc2017;25(08):2511-2519 2626 Placella G, Speziali A, Sebastiani E, Morello S, Tei MM, Cerulli G. Biomechanical evaluation of medial patello-femoral ligament reconstruction: comparison between a double-bundle converging tunnels technique versus a single-bundle technique. Musculoskelet Surg 2016;100(02):103-107 Optamos pela reconstrução com túnel único na patela e enxerto livre dos tendões flexores para não lesionar o aparelho extensor do joelho e também para reproduzir o trajeto anatômico do enxerto profundamente a fáscia muscular do vasto medial. Outro aspecto desfavorável que ressaltamos está relacionado à localização da origem do tendão patelar na face anterior e inferior da patela, que é um ponto não anatômico do LPFM, além da inclinação lateral das fibras colágenas na tuberosidade da tíbia, o que dificultaria a ação original do vetor de forças para contenção medial da patela, no caso da reconstrução cirúrgica com esse enxerto reposicionado para o lado medial do joelho. Os resultados clínicos obtidos com enxerto livre na amostra analisada foram satisfatórios e semelhantes a outros estudos.1515 Gonçaives MB, Júnior LH, Soares LF, Gonçaives TJ, Dos Santos RL, Pereira ML. Reconstrução do ligamento patelofemoral medial para tratamento da luxação recidivante da patela. Rev Bras Ortop 2015;46(02):160-164 1616 Lind M, Jakobsen BW, Lund B, Christiansen SE. Reconstruction of the medial patellofemoral ligament for treatment of patellar instability. Acta Orthop 2008;79(03):354-360 2222 Song SY, Kim IS, Chang HG, Shin JH, Kim HJ, Seo YJ. Anatomic medial patellofemoral ligament reconstruction using patellar suture anchor fixation for recurrent patellar instability. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc 2014;22(10):2431-2437

Os pontos fracos do estudo são: a falta de grupo controle para comparação dos resultados com outra técnica cirúrgica ou outra modalidade de tratamento; tempo de seguimento curto; falta de uso de parâmetros objetivos para avaliar a recuperação da força muscular (teste isocinético) e carência da avaliação do nível de retorno à prática desportiva.

Conclusão

A reconstrução anatômica do LPFM com tendão flexor propicia melhoria clínica e funcional em atletas. A perfuração óssea da patela e o posicionamento do túnel femoral devem ocorrer de forma judiciosa.

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    Trabalho desenvolvido no Centro de Traumatologia do Esporte (CETE), Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Publicado originalmente por Elsevier Ltda.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2017
  • Aceito
    19 Out 2017
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