Acessibilidade / Reportar erro

Fatores preditivos de morte após cirurgia para tratamento de fratura proximal do fêmur* * Trabalho feito na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil.

Resumo

Objetivo

Avaliar fatores preditivos de morte em pacientes de idade igual ou superior a 70 anos com fratura proximal do fêmur submetidos a tratamento cirúrgico.

Métodos

Análise de prontuários médicos criando-se uma coorte retrospectiva com seguimento de 6meses. Foramanalisados 124 prontuários após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão. Todos os pacientes foram tratados por um único cirurgião ortopédico em condições de uniformidade.

Resultados

Taxa de mortalidade de 34.7%, sendo o perfil mais comum de paciente o indivíduo do gênero feminino, com 85 anos e ao menos 1 comorbidade. Os pacientes com idade superior a 85 anos, internação hospitalar por mais de 7 dias, ao menos 1 comorbidade presente e internação em centro de terapia intensiva (CTI) apresentaram maior risco de óbito (respectivamente 2; 2,5; 4 e 4 vezes maior).

Conclusão

Em relação ao desfecho óbito, apesar de não encontramos diferença estatisticamente significativa no que se refere à topografia da lesão e como essas se comportamnomomento em que coexistemjunto a internação em CTI, acreditamos na necessidade de maiores investigações sob essa ótica na população com o perfil estudado.

Palavras-chave:
fraturas do quadril; mortalidade; idoso

Abstract

Objective

To evaluate predictive factors of death in patients aged ≥ 70 years old with proximal femoral fracture (PFF) submitted to surgical treatment.

Methods

An analysis of medical records by creating a retrospective cohort with a 6- month follow-up. A total of 124 charts were analyzed after applying the inclusion and exclusion criteria. All of the patients were treated by a single orthopedic surgeon under uniform conditions.

Results

The mortality rate was of 34.7%, and the most common profile was female, 85 years old, and with at least 1 comorbidity. Patients > 85 years old, hospitalized for > 7 days, with at least 1 comorbidity, and staying at the intensive care unit (ICU) had a higher risk of death (2, 2.5, 4, and 4 times higher, respectively).

Conclusion

Regarding the death outcome, although we did not find a statistically significant difference in the topography of the lesion and in its behavior in its coexistence with ICU hospitalization, we believe that further investigations under this perspective are required in a population with the studied profile.

Keywords:
hip fractures; mortality; elderly

Introdução

O envelhecimento propicia modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que levam à dificuldade de adaptação de um indivíduo ao ambiente no qual está inserido, ocasionando maior vulnerabilidade e incidência de processos patológicos que interferem diretamente na qualidade de vida e mortalidade de indivíduos idosos.11 Cunha U, Veado MAC. Fratura da extremidade proximal do fêmur em idosos: independência funcional e mortalidade em um ano. Rev Bras Ortop 2006;41(06):195-199 As fraturas proximais do fêmur (FPFs) representam, nesta população, eventos de grande significância, tanto pela frequência quanto pela gravidade, uma vez que induzem à perda da independência e estão associadas à redução da expectativa de vida.11 Cunha U, Veado MAC. Fratura da extremidade proximal do fêmur em idosos: independência funcional e mortalidade em um ano. Rev Bras Ortop 2006;41(06):195-199

Sabe-se que o trauma que resulta em FPFs em idosos é na maioria das vezes de baixa energia e está relacionado também a características desta população, como osteoporose, desnutrição, diminuição da acuidade visual, prejuízo nas funções cognitivas e sarcopenia.22 United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population, Population Division. World Population Prospects: The 2010 Revision, Volume I: Comprehensive Tables. New York: DESA; 2011 Quando presente em idosos, FPFs são correlacionadas a mortalidade de cerca de 30% desses pacientes no primeiro ano após a lesão, sendo essa a principal causa de morte por trauma em pessoas com mais de 75 anos de idade.33 Verbeek DO, Ponsen KJ, Goslings JC, Heetveld MJ. Effect of surgical delay on outcome in hip fracture patients: a retrospective multivariate analysis of 192 patients. Int Orthop 2008;32(01):13-18 Alguns fatores apresentam clara correlação com o aumento da mortalidade em pacientes com FPFs, tais como idade, declínio cognitivo, tempo despendido entre a ocorrência do evento desencadeante e a abordagem cirúrgica, capacidade de mobilidade anterior à fratura e comorbidades prévias.44 Moja L, Piatti A, Pecoraro V, Ricci C, Virgili G, Salanti G, et al. Timing matters in hip fracture surgery: patients operated within 48 hours have better outcomes. A meta-analysis and metaregression of over 190,000 patients. PLoS One 2012;7(10):e46175 55 Norring-Agerskov D, Laulund AS, Lauritzen JB, Duus BR, van der Mark S, MosfeldtM, et al. Metaanalysis of risk factors formortality in patients with hip fracture. Dan Med J 2013;60(08):A4675 A identificação precoce de pacientes com maior predisposição tanto à ocorrência do evento traumático quanto às suas complicações pode auxiliar no declive das incidências de mortalidade neste cenário.66 Gunasekera N, Boulton C, Morris C, Moran C. Hip fracture audit: the Nottingham experience. Osteoporos Int 2010;21(Suppl 4): S647-S653

Dados referentes à população dos Estados Unidos da América deram a dimensão para a problemática dessas fraturas, já que na década de 1990 a média anual de ocorrências destas foi de 250.000 casos, esperando-se um aumento de 2 a 3 vezes da incidência deste agravo até o ano de 2040.77 Brauer CA, Coca-Perraillon M, Cutler DM, Rosen AB. Incidence and mortality of hip fractures in the United States. JAMA 2009;302 (14):1573-1579 Acredita-se que este incremento exponencial tenha íntima relação com o aumento da expectativa de vida, uma vez que os fatores de risco associados tornam-se mais prevalentes ao decorrer do envelhecimento do indivíduo.88 Vestergaard P, Rejnmark L, Mosekilde L. Increased mortality in patients with a hip fracture-effect of pre-morbid conditions and post-fracture complications.Osteoporos Int 2007;18(12):1583-1593 No Brasil, Loures et al99 Loures F, Chaoubah A, Maciel V, Paiva E, Salgado P, Netto A. Costeffectiveness of surgical treatment for hip fractures among the elderly in Brazil. Rev Bras Ortop 2015;50(01):38-42 encontrou custo médio total de R$ 1.933,79 para os pacientes submetidos a tratamento cirúrgico para correção de FPFs na rede pública, tendo como base os anos de 2011 e 2012. No biênio 2007/2008, também no Brasil, o número de fraturas intertrocanterianas do fêmur foi de 34.284, sendo o gasto público total no ano de 2008 para custeio do tratamento dessas fraturas de aproximadamente R$ 30,8 milhões.1010 Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de Saúde (TABNET). Assistência à Saúde [Internet]. Datasus. 2008 [acessed in Sep 10, 2017]. Available at: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/ index.php/index.php?area=0202&id=11633
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/ inde...

O presente estudo tem como objetivo avaliar os fatores relacionados ao óbito dos pacientes com FPFs e idade igual ou superior a 70 anos, sendo estes tratados cirurgicamente e acompanhados por 6 meses.

Material e Métodos

Trata-se de um estudo observacional do tipo coorte retrospectiva. Foram analisados os prontuários de 141 pacientes com FPFs submetidos a tratamento cirúrgico no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2015 pelo mesmo cirurgião sênior. Considerou-se como FPFs as fraturas transtrocanterianas/intertrocanterianas (FITs) com ou sem traço subtrocantérico e fraturas do colo femoral (FCFs). Para o tratamento de FITs utilizou-se haste intramedular (HIM) ou dynamic hip screw (DHS), enquanto que para o tratamento de FCFs utilizou-se artroplastia de quadril (AQ) ou parafusos de compressão em pirâmide invertida (PCPs), não sendo valorizado para fins estatísticos o tipo de método e implante selecionado para o tratamento de cada caso.

Para o levantamento amostral, o critério de inclusão foi a existência de prontuário médico de pacientes com FPFs submetidos a tratamento cirúrgico em hospital de rede particular pertencente à cidade de Juiz de Fora e em condições de uniformidade pelo mesmo cirurgião-pesquisador, com destaque para a premissa de abordagem cirúrgica nas primeiras 48 horas após o trauma, conforme preconizado na literatura.1111 Bucholz R, Court-Brow C, Heckman J, Tornetta P III, eds. Fraturas em Adultos de Rockwood & Green. 7th ed. Barueri, SP: Manole; 2013 Interpretam-se condições de uniformidade como conjunturas semelhantes no que diz respeito à estrutura, classificação, conduta, técnica, material e suporte. Os critérios de exclusão foram: fraturas patológicas por neoplasia, fratura não classificada como FITs ou FCFs, pacientes com idade inferior a 70 anos e documentos hospitalares que não contivessem informações acerca das variáveis estudadas. Prontuários de pacientes que não apresentaram seguimento mínimo por 6 meses também foram excluídos.

O desfecho primário analisado foi óbito nos primeiros 6 meses pós-operatórios. Como desfechos secundários foram avaliados gênero, idade, total de dias de internação hospitalar, número de comorbidades prévias, topografia da lesão (fratura) e necessidade de internação em centro de tratamento intensivo (CTI). No que diz respeito à variável comorbidades, fez-se opção por uma avaliação quantitativa em detrimento da avaliação qualitativa. A variável internação em CTI se deu unicamente por indicação da equipe de anestesiologia, não se entrando no mérito da justificativa utilizada para tanto.

O comitê de ética e pesquisa envolvendo seres humanos (CEP) da nossa instituição aprovou a elaboração deste estudo, sendo 69173717.6.0000.5133 o número corresponde ao Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) na plataforma Brasil e o título original Fatores preditivos de morte após cirurgia para fixação de fratura de fêmur proximal.

Análise estatística

A análise estatística foi desenvolvida em três etapas: univariada, bivariada e multivariada. Na análise univariada foi realizada a estatística descritiva para caracterização da amostra através da média, do desvio-padrão, da mediana, da amplitude interquartil e das frequências absolutas e relativas. Na análise bivariada, utilizou-se o teste do Qui-Quadrado (χ2) ou o teste exato de Fisher, quando apropriado, para testar a associação entre cada uma das variáveis independentes (fatores de risco) com a variável dependente (desfecho: óbito), sendo calculado o risco de ocorrência de óbito sob a forma de razão de chances (RC) com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Na análise multivariada, utilizou-se a regressão logística binária. Na construção do modelo, utilizou-se o método enter com entrada em blocos. A avaliação do ajuste do modelo logístico foi realizada por meio do likelihood value (-2LL), pseudo R2 de Nagelkerke e teste de Hosmer e Lemeshow. A significância estatística de cada coeficiente foi analisada com base no teste Wald. Para avaliar a capacidade de previsão do modelo, utilizou-se a matriz de classificação, usando o valor de 0,3 como ponto de corte. Os dados foram analisados através do software estatístico SPSS versão 20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA), sendo adotado o valor de p< 0,05 para a significância estatística.

Resultados

A Tabela 1 apresenta as características gerais dos pacientes. A amostra apresentou idade média 84,4 anos (±6,8 anos), com idade variando entre 70 e 100 anos, sendo a maioria dos pacientes do gênero feminino (70,2%) e com ao menos alguma comorbidade associada (81,4%). Em relação à topografia da lesão, a maioria dos pacientes apresentou FITs (62,9%), sendo a ocorrência de óbito na amostra total de 34,7% ao final do período de seguimento de 6 meses.

Tabela 1
Características dos pacientes do estudo

A Tabela 2 mostra a associação das variáveis categóricas e o desfecho (óbito) com a utilização da RC como medida de risco. Observou-se que os pacientes com mais de 85 anos de idade apresentam risco 2 vezes maior de óbito quando comparado aos pacientes com menos de 85 anos. O risco de óbito também é 2,5 vezes maior em pacientes que ficam mais de 7 dias internados. Em pacientes com algum tipo de comorbidade, quando comparados aos pacientes que não apresentam nenhum tipo de comorbidade, o risco de óbito foi quatro vezes maior. Além disso, os pacientes que foram internados no CTI apresentaram risco quatro vezes maior de óbito do que os que não foram. O risco de óbito foi similar entre homens e mulheres e independente da topografia da lesão (p> 0,05). A análise dos dados mostrou ainda que os pacientes com FCFs que foram a óbito eram mais velhos, quando comparados aos demais pacientes (p= 0,027) (Fig. 1).

Fig. 1
Comparação de pacientes com fratura intertrocanteriana (FIT) ou fratura do colo femoral (FCF) e seu desfecho em relação à idade *diferença estatisticamente significante, p= 0,027.

Tabela 2
Razão de chances para o risco de óbito em pacientes de idade igual ou superior a 70 anos submetidos a cirurgia para tratamento de fratura proximal do fêmur

A Tabela 3 resume os coeficientes da regressão logística e sua significância no modelo. O modelo mostrou-se válido para a classificação do status de mortalidade. Cerca de 20% da variabilidade no status de mortalidade pode ser explicado pelo modelo. O modelo apresentou acurácia de 70,2% na classificação dos óbitos, sendo que a sensibilidade (acerto dos óbitos) foi de 81,4% e a especificidade (acerto dos não óbitos) foi de 64,2%. Observou-se que uma probabilidade maior de óbito ocorre nos pacientes mais velhos, com tempo de internação hospitalar (IH) superior a 7 dias, internação em CTI e que apresentavam FCFs. Importante destacar que internação hospitalar maior que 7 dias e a presença de FCFs não apresentaram significância estatística, mas foram mantidas no modelo em razão da plausibilidade biológica e por melhorarem o ajuste final do modelo. O poder discriminatório do modelo pode ser considerado aceitável. Foi observada uma área sobre a curva de 0,75 (IC 95% = 0,63–0,82; p= 0,19) (Fig. 2).

Fig. 2
Curva característica de operação do receptor (ROC) da capacidade diagnóstica do modelo logístico em discriminar o desfecho de óbito em pacientes de idade igual ou superior a 70 anos submetidos a cirurgia para tratamento de fratura proximal do fêmur.

Tabela 3
Modelo logístico para o cálculo da probabilidade de óbito em pacientes de idade igual ou superior a 70 anos submetidos a cirurgia para tratamento de fratura proximal do fêmur (n = 124)

Discussão

O seguimento da amostra por 6 meses foi proposto com o intuito de estabelecer comparação entre a taxa de mortalidade da mesma com amostras de seguimento similar e amostras com seguimento de um ano. Encontramos resultados satisfatórios quando comparamos nossos achados aos de Forster e Calthorpe,1212 Forster MC, Calthorpe D.Mortality following surgery for proximal femoral fractures in centenarians. Injury 2000;31(07):537-539 em que obtivemos taxa de mortalidade de 34,7% transcorridos 6 meses de pós-operatório, em detrimento de 50% após 6 meses e 56% após 1 ano de seguimento do referido autor. Cabe aqui a ressalva de que os supraditos autores têm seu trabalho embasado em população com idade superior a 100 anos (média de 101 anos) e tempo de internação hospitalar médio de 14 dias, dados esses com valor superior aos dados utilizados para avaliação estatística do nosso estudo. Por esta razão, julgamos que as características da amostra de Forster e Calthorpe1212 Forster MC, Calthorpe D.Mortality following surgery for proximal femoral fractures in centenarians. Injury 2000;31(07):537-539 podem justificar a manifestação de taxas de mortalidade mais elevadas em seu estudo, uma vez que, assim como encontrado em nossa investigação, a idade avançada e um maior número de dias de internação hospitalar são fatores que incrementam a taxa de mortalidade.1313 Guerra M, Viana R, Feil L, Feron E, Maboni J, Vargas A. One-year mortality of elderly patientswith hip fracture surgically treated at a hospital in Southern Brazil. Rev Bras Ortop 2017;52(01):17-23 1414 Lustosa LP, Bastos EO. Proximal fracture of the femur on the elderly: what's the best treatment? Acta Ortop Bras 2009;17(05): 309-312 1515 Silveira VA, Medeiros MM, Coelho-Filho JM, Mota RS, Noleto JC, Costa FS, et al. [Hip fracture incidence in an urban area in Northeast Brazil]. Cad Saude Publica 2005;21(03):907-912 1616 Sakaki M, Oliveira A, Coelho F, Leme LE, Suzuki I, Amatuzzi M. Study of the proximal femoral fractures mortality in elderly patients. [in Portuguese]. Acta Ortop Bras 2004;12(04):242-249 1717 Souza RC, Pinheiro RS, Coeli CM, Camargo KR Jr, Torres TZ. [Risk adjustment measures for mortality after hip fracture]. Rev Saude Publica 2007;41(04):625-631 1818 Pugely AJ, Martin CT, Gao Y, Klocke NF, Callaghan JJ, Marsh JL. A risk calculator for short-term morbidity and mortality after hip fracture surgery. J Orthop Trauma 2014;28(02):63-69 1919 Astur D, Arliani G, Balbachevsky D, Fernandes H, Reis F. Fraturas da Extremidade Proximal do Fêmur Tratadas no Hospital São Paulo/Unifesp: estudo epidemiológico. Rev Bras Med 2011; 68(4,n.esp):11-15 Em contrapartida, Garcia et al2020 Garcia R, Leme MD, Garcez-Leme LE. Evolution of Brazilian elderly with hip fracture secondary to a fall. Clinics (São Paulo) 2006;61 (06):539-544 apresentou taxa de mortalidade inferior ao do presente estudo no que se refere ao seguimento de pacientes por 6 meses e 1 ano (14% e 30%, respectivamente), assim como Guerra et al,1313 Guerra M, Viana R, Feil L, Feron E, Maboni J, Vargas A. One-year mortality of elderly patientswith hip fracture surgically treated at a hospital in Southern Brazil. Rev Bras Ortop 2017;52(01):17-23 com taxa de mortalidade após 1 ano de 23,6%. Wood et al2121 Wood DJ, Ions GK, Quinby JM, Gale DW, Stevens J. Factors which influencemortality after subcapital hip fracture. J Bone Joint Surg Br 1992;74(02):199-202 e Parker e Pryor2222 Parker MJ, Pryor GA. The timing of surgery for proximal femoral fractures. J Bone Joint Surg Br 1992;74(02):203-205 obtiveram taxa de mortalidade de aproximadamente 14% em pacientes com seguimento de 1 ano. Desta maneira, ficam evidentes as divergências na literatura no que se refere à taxa de mortalidade na população idosa com FPFs.

Observou-se que a taxa de mortalidade pós-operatória encontrada foi inferior à taxa de mortalidade geral de indivíduos com idade superior a 60 anos no Brasil (34,7% contra 58,6%).2323 Mello-Jorge M, Laurenti R, Lima-Costa MF, Gotlieb SLD, Chiavegatto- Filho ADP. Mortalidade de idosos no Brasil: a questão das causas mal definidas. Epidemiol Serv Saude 2008;17(04): 271-281 2424 OstrumRF, Agarwal A, Lakatos R, Poka A. Prospective comparison of retrograde and antegrade femoral intramedullary nailing. J Orthop Trauma 2000;14(07):496-501 Assunto que permanece controverso na literatura, não encontramos taxa de mortalidade diferente no que diz respeito ao gênero do paciente, corroborando os achados de van Laarhoven et al2525 van Laarhoven JJ, van Lammeren GW, Houwert RM, van Laarhoven CJ, Hietbrink F, Leenen LP, et al. Isolated hip fracture care in an inclusive trauma system: A trauma system wide evaluation. Injury 2015;46(06):1042-1046 e Antes et al.2626 Antes D, Schneider I, d'Orsi E. Mortality caused by accidental falls among the elderly: a time series analysis. Rev Bras Geriatr Gerontol 2015;18(04):769-778

Em relação às comorbidades, optamos por uma avaliação quantitativa e não qualitativa, uma vez que entendemos que, de maneira geral, o paciente que apresenta comorbidade mais grave também apresenta um número maior de comorbidades. Além disso, assumimos que a presença de comorbidades consideradas graves muitas vezes se fazem como consequência de comorbidades prévias de menor gravidade. Tais inferências encontram embasamento em estudo de Garcia et al,2020 Garcia R, Leme MD, Garcez-Leme LE. Evolution of Brazilian elderly with hip fracture secondary to a fall. Clinics (São Paulo) 2006;61 (06):539-544 que ao dividir sua amostra de acordo com o número de comorbidades que apresentava cada paciente, encontrou queda abrupta do número de pacientes com mais de quatro comorbidades, achado semelhante ao da Tabela 1. Somando-se a isso, em revisão de literatura existem estudos que demonstram que quanto maior o número de comorbidades associadas, pior é o desfecho em relação a óbito, não levando em consideração a qualificação quanto à gravidade da doença.2727 Rizzuto D, Melis RJF, Angleman S, Qiu C, Marengoni A. Effect of Chronic Diseases and Multimorbidity on Survival and Functioning in Elderly Adults. J Am Geriatr Soc 2017;65(05):1056-1060 2828 Menotti A,Mulder I, Nissinen A, Giampaoli S, Feskens EJ, Kromhout D. Prevalence of morbidity and multimorbidity in elderly male populations and their impact on 10-year all-cause mortality: The FINE study (Finland, Italy, Netherlands, Elderly). J Clin Epidemiol 2001;54(07):680-686 Apesar de não avaliarmos a gravidade da patologia e não encontrarmos diferença estaticamente significativa em relação ao número absoluto de patologias (nossos resultados apenas permitem afirmações em relação a presença ou ausência de comorbidade), acreditamos que tanto a gravidade das doenças quanto o número de associações dessas interferem em proporções distintas e de difícil dissociação quanto ao óbito de um paciente, sendo que a avaliação unicamente quantitativa no que se refere à comorbidade não invalida um estudo. Desta maneira, consideramos relevante o achado que demostra o risco de morte quatro vezes maior em pacientes com ao menos um tipo de comorbidade em comparação aos que não possuem comorbidades, corroborando Guerra et al,1313 Guerra M, Viana R, Feil L, Feron E, Maboni J, Vargas A. One-year mortality of elderly patientswith hip fracture surgically treated at a hospital in Southern Brazil. Rev Bras Ortop 2017;52(01):17-23 que observou que a ausência de comorbidade é associada ao grupo de seu trabalho intitulado vivo e a presença de três comorbidades associada ao grupo intitulado óbito. O mesmo ocorre com Shebubakar et al2929 Shebubakar L, Hutagalung E, Sapardan S, Sutrisna B. Effects of older age andmultiple comorbidities on functional outcome after partial hip replacement surgery for hip fractures. Acta Med Indones 2009;41(04):195-199 e Campos et al,3030 Campos S, Alves SM, Carvalho MS, Neves N, Trigo-Cabral A, Pina MF. Time to death in a prospective cohort of 252 patients treated for fracture of the proximal femur in a major hospital in Portugal. Cad Saude Publica 2015;31(07):1528-1538 que demonstram que a presença de duas ou mais comorbidades está associada a um aumento da taxa de morbidade e mortalidade. Ainda no que diz respeito à escolha por uma análise puramente quantitativa, também levamos em consideração o fato de termos como objetivo a criação de uma linha de raciocínio reprodutível e aplicável à população de maneira geral e não a grupos específicos e seus distintos níveis de acometimento patológico (cardiopatas, coronariopatas, hepatopatas, nefropatas, pneumopatas, etc).

Considerando-se os achados da Tabela 3, onde a internação hospitalar maior que 7 dias e a presença de FCFs não apresentaram significância estatística, pensamos que ainda assim é importante levarmos em conta ambas as variáveis. A primeira devido ao fato de que a mesma apresentou significância estatística e RC exuberante nos achados na Tabela 1 (risco de óbito 2,5 vezes maior). A segunda pelo fato de apresentar RC importante conforme as Tabelas 1 e 3. Assim sendo, acreditamos que um número amostral maior pode revelar diferença estatisticamente significativa em relação ao desfecho óbito no que diz respeito a topografia da lesão (FITs x FCFs), principalmente quando levado em consideração a demanda por internação em CTI.

Conclusão

A mostra estudada segue a tendência epidemiológica estabelecida na literatura no que diz respeito à idade média, gênero e topografia da fratura em relação a mortalidade de pacientes senis com FPF submetidos a tratamento cirúrgico. Idade avançada, presença de comorbidade, maior tempo de internação hospitalar e internação em CTI também são achados já consolidados no que concerne a um número maior de mortes de pacientes da população em questão, sendo que, da mesma maneira, relacionaram-se a maior mortalidade em nosso estudo.

Em relação ao desfecho óbito, apesar de não encontramos diferença estatisticamente significativa no que se refere à topografia da lesão e como essas se comportam no momento em que coexistem junto a internação em CTI, acreditamos na necessidade de maiores investigações sob essa ótica na população com o perfil estudado. Justifica-se esta necessidade uma vez que no modelo de classificação proposto existe uma probabilidade maior de óbito nos pacientes mais velhos, com tempo de internação hospitalar superior a sete dias, internação em CTI e que apresentaram FCFs, de maneira que indagamos se um número amostral maior pode resultar em estatística significante no que tangencia maior risco de óbito em pacientes com mais de 70 anos com FCFs internados em CTI.

References

  • 1
    Cunha U, Veado MAC. Fratura da extremidade proximal do fêmur em idosos: independência funcional e mortalidade em um ano. Rev Bras Ortop 2006;41(06):195-199
  • 2
    United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population, Population Division. World Population Prospects: The 2010 Revision, Volume I: Comprehensive Tables. New York: DESA; 2011
  • 3
    Verbeek DO, Ponsen KJ, Goslings JC, Heetveld MJ. Effect of surgical delay on outcome in hip fracture patients: a retrospective multivariate analysis of 192 patients. Int Orthop 2008;32(01):13-18
  • 4
    Moja L, Piatti A, Pecoraro V, Ricci C, Virgili G, Salanti G, et al. Timing matters in hip fracture surgery: patients operated within 48 hours have better outcomes. A meta-analysis and metaregression of over 190,000 patients. PLoS One 2012;7(10):e46175
  • 5
    Norring-Agerskov D, Laulund AS, Lauritzen JB, Duus BR, van der Mark S, MosfeldtM, et al. Metaanalysis of risk factors formortality in patients with hip fracture. Dan Med J 2013;60(08):A4675
  • 6
    Gunasekera N, Boulton C, Morris C, Moran C. Hip fracture audit: the Nottingham experience. Osteoporos Int 2010;21(Suppl 4): S647-S653
  • 7
    Brauer CA, Coca-Perraillon M, Cutler DM, Rosen AB. Incidence and mortality of hip fractures in the United States. JAMA 2009;302 (14):1573-1579
  • 8
    Vestergaard P, Rejnmark L, Mosekilde L. Increased mortality in patients with a hip fracture-effect of pre-morbid conditions and post-fracture complications.Osteoporos Int 2007;18(12):1583-1593
  • 9
    Loures F, Chaoubah A, Maciel V, Paiva E, Salgado P, Netto A. Costeffectiveness of surgical treatment for hip fractures among the elderly in Brazil. Rev Bras Ortop 2015;50(01):38-42
  • 10
    Brasil. Ministério da Saúde. Datasus. Informações de Saúde (TABNET). Assistência à Saúde [Internet]. Datasus. 2008 [acessed in Sep 10, 2017]. Available at: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/ index.php/index.php?area=0202&id=11633
    » http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/ index.php/index.php?area=0202&id=11633
  • 11
    Bucholz R, Court-Brow C, Heckman J, Tornetta P III, eds. Fraturas em Adultos de Rockwood & Green. 7th ed. Barueri, SP: Manole; 2013
  • 12
    Forster MC, Calthorpe D.Mortality following surgery for proximal femoral fractures in centenarians. Injury 2000;31(07):537-539
  • 13
    Guerra M, Viana R, Feil L, Feron E, Maboni J, Vargas A. One-year mortality of elderly patientswith hip fracture surgically treated at a hospital in Southern Brazil. Rev Bras Ortop 2017;52(01):17-23
  • 14
    Lustosa LP, Bastos EO. Proximal fracture of the femur on the elderly: what's the best treatment? Acta Ortop Bras 2009;17(05): 309-312
  • 15
    Silveira VA, Medeiros MM, Coelho-Filho JM, Mota RS, Noleto JC, Costa FS, et al. [Hip fracture incidence in an urban area in Northeast Brazil]. Cad Saude Publica 2005;21(03):907-912
  • 16
    Sakaki M, Oliveira A, Coelho F, Leme LE, Suzuki I, Amatuzzi M. Study of the proximal femoral fractures mortality in elderly patients. [in Portuguese]. Acta Ortop Bras 2004;12(04):242-249
  • 17
    Souza RC, Pinheiro RS, Coeli CM, Camargo KR Jr, Torres TZ. [Risk adjustment measures for mortality after hip fracture]. Rev Saude Publica 2007;41(04):625-631
  • 18
    Pugely AJ, Martin CT, Gao Y, Klocke NF, Callaghan JJ, Marsh JL. A risk calculator for short-term morbidity and mortality after hip fracture surgery. J Orthop Trauma 2014;28(02):63-69
  • 19
    Astur D, Arliani G, Balbachevsky D, Fernandes H, Reis F. Fraturas da Extremidade Proximal do Fêmur Tratadas no Hospital São Paulo/Unifesp: estudo epidemiológico. Rev Bras Med 2011; 68(4,n.esp):11-15
  • 20
    Garcia R, Leme MD, Garcez-Leme LE. Evolution of Brazilian elderly with hip fracture secondary to a fall. Clinics (São Paulo) 2006;61 (06):539-544
  • 21
    Wood DJ, Ions GK, Quinby JM, Gale DW, Stevens J. Factors which influencemortality after subcapital hip fracture. J Bone Joint Surg Br 1992;74(02):199-202
  • 22
    Parker MJ, Pryor GA. The timing of surgery for proximal femoral fractures. J Bone Joint Surg Br 1992;74(02):203-205
  • 23
    Mello-Jorge M, Laurenti R, Lima-Costa MF, Gotlieb SLD, Chiavegatto- Filho ADP. Mortalidade de idosos no Brasil: a questão das causas mal definidas. Epidemiol Serv Saude 2008;17(04): 271-281
  • 24
    OstrumRF, Agarwal A, Lakatos R, Poka A. Prospective comparison of retrograde and antegrade femoral intramedullary nailing. J Orthop Trauma 2000;14(07):496-501
  • 25
    van Laarhoven JJ, van Lammeren GW, Houwert RM, van Laarhoven CJ, Hietbrink F, Leenen LP, et al. Isolated hip fracture care in an inclusive trauma system: A trauma system wide evaluation. Injury 2015;46(06):1042-1046
  • 26
    Antes D, Schneider I, d'Orsi E. Mortality caused by accidental falls among the elderly: a time series analysis. Rev Bras Geriatr Gerontol 2015;18(04):769-778
  • 27
    Rizzuto D, Melis RJF, Angleman S, Qiu C, Marengoni A. Effect of Chronic Diseases and Multimorbidity on Survival and Functioning in Elderly Adults. J Am Geriatr Soc 2017;65(05):1056-1060
  • 28
    Menotti A,Mulder I, Nissinen A, Giampaoli S, Feskens EJ, Kromhout D. Prevalence of morbidity and multimorbidity in elderly male populations and their impact on 10-year all-cause mortality: The FINE study (Finland, Italy, Netherlands, Elderly). J Clin Epidemiol 2001;54(07):680-686
  • 29
    Shebubakar L, Hutagalung E, Sapardan S, Sutrisna B. Effects of older age andmultiple comorbidities on functional outcome after partial hip replacement surgery for hip fractures. Acta Med Indones 2009;41(04):195-199
  • 30
    Campos S, Alves SM, Carvalho MS, Neves N, Trigo-Cabral A, Pina MF. Time to death in a prospective cohort of 252 patients treated for fracture of the proximal femur in a major hospital in Portugal. Cad Saude Publica 2015;31(07):1528-1538
  • *
    Trabalho feito na Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2017
  • Aceito
    06 Ago 2018
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia Al. Lorena, 427 14º andar, 01424-000 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: 55 11 2137-5400 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbo@sbot.org.br