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Cirurgia em metástase vertebral: Proposta de modelo preditivo de morbimortalidade* * Trabalho desenvolvido no Hospital Erasto Gaertner pelo Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.

Resumo

Objetivo

Desenvolver um modelo preditivo de morbimortalidade pós-operatória precoce com o intuito de auxiliar na seleção dos candidatos à cirurgia para metástase vertebral.

Métodos

Análise retrospectiva de pacientes consecutivos operados por doença metastática vertebral. As características pré-operatórias consideradas possivelmente prognósticas foram: sexo, idade, comorbidades, velocidade de progressão tumoral e contagem de leucócitos e linfócitos no sangue periférico. Os desfechos pós-operatórios analisados foram: mortalidade em 30 dias e em 90 dias, e presença de complicações. Um modelo preditivo foi desenvolvido a partir de fatores independentemente associados a esses três desfechos. Testou-se então o modelo estabelecido quanto à tendência de prever eventos adversos, à capacidade de discriminação e à calibração.

Resultados

Um total de 205 pacientes foram operados entre 2002 e 2015. A mortalidade em 30 dias e em 90 dias e a incidência de complicações foram de 17%, 42% e 31%, respectivamente. Os fatores independentemente associados a esses três desfechos, e que constituíram o modelo preditivo, foram: presença de comorbidades, tumor primário de progressão não lenta, e linfócitos abaixo de 1.000 células/µL. A exposição a nenhum, um, dois ou três fatores definiu as categorias do modelo preditivo: baixo, moderado, alto e de extremo risco, respectivamente. Comparando-se as categorias, houve aumento progressivo na ocorrência dos desfechos, seguindo tendência linear. A capacidade de discriminação foi de 72%, 73% e 70% para mortalidade em 30 dias, em 90 dias e incidência de complicações, respectivamente. Não ocorreu falta de calibração.

Conclusão

O modelo preditivo permite estimar a morbimortalidade após a cirurgia para metástase vertebral e hierarquizar os riscos em baixo, moderado, alto e extremo.

Palavras-chave
coluna vertebral/cirurgia; comorbidade; linfócitos; morbidade; mortalidade; metástase neoplásica; complicações pós-operatórias

Abstract

Objective

To develop a predictive model of early postoperative morbidity and mortality with the purpose of assisting in the selection of the candidates for spinal metastasis surgery.

Methods

A retrospective analysis of consecutive patients operated for metastatic spinal disease. The possible prognostic preoperative characteristics were gender, age, comorbidities, tumor growth rate, and leukocyte and lymphocyte count in the peripheral blood. The postoperative outcomes were 30-day mortality, 90-day mortality and presence of complications. A predictive model was developed based on factors independently associated with these three outcomes. The final model was then tested for the tendency to predict adverse events, discrimination capacity and calibration.

Results

A total of 205 patients were surgically treated between 2002 and 2015. The rates of the 30-day mortality, 90-day mortality and presence of complications were of 17%, 42% and 31% respectively. The factors independently associated with these three outcomes, which constituted the predictive model, were presence of comorbidities, no slow-growing primary tumor, and lymphocyte count below 1,000 cells/µL. Exposure to none, one, two or three factors was the criterion for the definition of the following categories of the predictive model: low, moderate, high and extreme risk respectively. Comparing the risk categories, there was a progressive increase in the occurrence of outcomes, following a linear trend. The discrimination capacity was of 72%, 73% and 70% for 30-day mortality, 90-day mortality and complications respectively. No lack of calibration occurred.

Conclusion

The predictive model estimates morbidity and mortality after spinal metastasis surgery and hierarchizes risks as low, moderate, high and extreme.

Keywords
spine/surgery; comorbidity; lymphocytes; morbidity; mortality; neoplasm metastasis; postoperative complications

Introdução

Por estar relacionado a uma alta incidência de complicações pós-operatórias,11 Patil CG, Lad SP, Santarelli J, Boakye M. National inpatient complications and outcomes after surgery for spinal metastasis from 1993-2002. Cancer 2007;110(03):625-630 o tratamento cirúrgico para metástase vertebral é controverso, e vem sendo debatido no ambiente acadêmico há décadas.22 Cohen J, Alan N, Zhou J, Kojo Hamilton D. The 100 most cited articles in metastatic spine disease. Neurosurg Focus 2016;41 (02):E10 Outras formas de tratamento, como a radioterapia, têm menos efeitos adversos,33 Rades D, Huttenlocher S, Dunst J, et al. Matched pair analysis comparing surgery followed by radiotherapy and radiotherapy alone for metastatic spinal cord compression. J Clin Oncol 2010;28 (22):3597-3604 e se tornam cada vez mais atraentes, principalmente por se tratar de um grupo de pacientes que, frequentemente, não atinge doze meses de sobrevida.44 Finkelstein JA, Zaveri G, Wai E, Vidmar M, Kreder H, Chow E. A population-based study of surgery for spinal metastases. Survival rates and complications. J Bone Joint Surg Br 2003;85 (07):1045-1050 O portador de doença metastática vertebral (DMV) tem em média 60 anos de idade, e um estado de saúde fragilizado por comorbidades como imunodepressão e desnutrição.55 Wise JJ, Fischgrund JS, Herkowitz HN, Montgomery D, Kurz LT. Complication, survival rates, and risk factors of surgery for metastatic disease of the spine. Spine 1999;24(18):1943-1951

Nos casos de tratamento cirúrgico da DMV, as complicações pós-operatórias ocorrem em 17-51% dos casos,11 Patil CG, Lad SP, Santarelli J, Boakye M. National inpatient complications and outcomes after surgery for spinal metastasis from 1993-2002. Cancer 2007;110(03):625-630,66 Schoenfeld AJ, Le HV, Marjoua Y, et al. Assessing the utility of a clinical prediction score regarding 30-day morbidity and mortality following metastatic spinal surgery: the New England Spinal Metastasis Score (NESMS). Spine J 2016;16(04):482-490 e, muitas vezes, interferem negativamente na história natural da doença, abreviando a já curta sobrevida do paciente. Por outro lado, quando se leva em consideração a cirurgia, há evidências científicas dos benefícios desse tratamento, inclusive com resultados superiores aos da radioterapia isolada,77 Patchell RA, Tibbs PA, Regine WF, et al. Direct decompressive surgical resection in the treatment of spinal cord compression caused by metastatic cancer: a randomised trial. Lancet 2005;366 (9486):643-648 pois possibilita a descompressão intracanal direta das estruturas (ressecção da massa tumoral), e também a estabilização mecânica da coluna vertebral pela fixação cirúrgica. Esses procedimentos podem levar à manutenção/recuperação da função urinária, redução da dor, e recuperação, em alguns casos, da capacidade de deambulação.88 Choi D, Fox Z, Albert T, et al. Rapid improvements in pain and quality of life are sustained after surgery for spinal metastases in a large prospective cohort. Br J Neurosurg 2016;30(03):337-344

9 Ibrahim A, Crockard A, Antonietti P, et al. Does spinal surgery improve the quality of life for those with extradural (spinal) osseous metastases? An international multicenter prospective observational study of 223 patients. Invited submission from the Joint Section Meeting on Disorders of the Spine and Peripheral Nerves, March 2007. J Neurosurg Spine 2008;8(03):271-278
-1010 Quan GM, Vital JM, Aurouer N, et al. Surgery improves pain, function and quality of life in patients with spinal metastases: a prospective study on 118 patients. Eur Spine J 2011;20(11): 1970-1978

A antecipação de eventos adversos resultantes da cirurgia em casos de DMV e a previsão da evolução positiva ou negativa dos casos operados por meio de modelos preditivos (MPs) também originam muitas pesquisas. Vários MPs estão disponíveis na literatura, sendo que alguns ajudam na seleção de pacientes, mas a maioria tem como função principal estimar o tempo de sobrevida do paciente.1111 Tokuhashi Y, Uei H, Oshima M, Ajiro Y. Scoring system for prediction of metastatic spine tumor prognosis. World J Orthop 2014;5(03):262-271 Os autores não encontraram na literatura atual nenhum MP que ajudasse a estimar a morbimortalidade precoce após o tratamento cirúrgico de DMV. Assim, os objetivos do presente estudo foram avaliar os parâmetros clínicos e laboratoriais que influenciam a morbimortalidade precoce após o tratamento cirúrgico da DMV e determinar, com base na análise multivariada desses parâmetros, um MP que ajude o médico assistente a estimar a morbimortalidade pós-operatória precoce em pacientes com lesões metastáticas vertebrais.

Materiais e Métodos

Foi realizada uma análise retrospectiva de uma coorte de pacientes operados por DMV entre janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2015. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição onde foi realizado o estudo. Por se tratar de estudo retrospectivo, não houve necessidade de aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Critérios de Inclusão

(1) Pacientes únicos e consecutivos submetidos a cirurgia aberta; e (2) presença de estudo anatomopatológico confirmando o diagnóstico de neoplasia maligna vertebral metastática.

Critérios de Exclusão

(1) Cirurgia primária ou revisão em outra instituição; (2) dados incompletos de prontuário; e (3) perda de seguimento.

Determinação dos fatores de risco possivelmente prognósticos

Os autores consideraram as seguintes características pré-operatórias como possíveis fatores de risco para a ocorrência dos desfechos negativos na DMV:

  1. sexo masculino;

  2. idade ≥ 70 anos;

  3. presença de pelo menos uma comorbidade da lista do Quadro 1. As comorbidades listadas foram obtidas pela união das comorbidades significativas propostas por Charlson et al1212 Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis 1987;40(05):373-383 e Elixhauser et al;1313 Elixhauser A, Steiner C, Harris DR, Coffey RM. Comorbidity measures for use with administrative data. Med Care 1998;36 (01):8-27

    Quadro 1
    Índice de comorbidades

  4. tumor primário considerado de progressão não lenta. Adotou-se o modelo de Tomita et al,1414 Tomita K, Kawahara N, Kobayashi T, Yoshida A, Murakami H, Akamaru T. Surgical strategy for spinal metastases. Spine 2001;26 (03):298-306 em que são consideradas neoplasias de progressão lenta o câncer de mama, de próstata e de tireoide. Neste grupo, foram também considerados tumores de progressão lenta o mieloma múltiplo e o linfoma;

  5. contagem de leucócitos ≥ 13.000 células/µL no sangue periférico; e

  6. contagem de linfócitos < 1.000 células/µL no sangue periférico.

Possíveis Desfechos do Tratamento da Doença Metastástica Vertebral Para Elaboração de Modelo Preditivo

Para a elaboração do MP, foram considerados os seguintes desfechos:

  1. mortalidade em 30 dias de pós-operatório;

  2. mortalidade em 90 dias de pós-operatório; e

  3. incidência de pelo menos uma complicação.

Foram consideradas complicações pós-operatórias aquelas ocorridas em até 30 dias do procedimento, com base na definição da Organização Mundial da Saúde (OMS).1515 Haynes AB, Weiser TG, Berry WR, et al; Safe Surgery Saves Lives Study Group. A surgical safety checklist to reduce morbidity and mortality in a global population. N Engl J Med 2009;360(05): 491-499 Elas foram caracterizadas e classificadas pelo método de Rampersaud et al,1616 Rampersaud YR, Moro ER, NearyMA, et al. Intraoperative adverse events and related postoperative complications in spine surgery: implications for enhancing patient safety founded on evidencebased protocols. Spine 2006;31(13):1503-1510 sendo incluídas apenas as maiores, que foram agrupadas em:

  1. locais/sistêmicas; e

  2. infecciosas/não infecciosas.

Modelo Preditivo

A comparação da frequência de ocorrência dos desfechos em indivíduos expostos e não expostos aos possíveis fatores de risco, e a análise multivariada, determinando os fatores com significância estatística e os fatores associados a todos os desfechos, permitiram a hierarquização dos riscos em baixo, moderado, alto e extremo. O MP foi testado com relação à tendência de ocorrência de eventos, à capacidade de discriminação, e à calibração.

Análise Estatística

Variáveis contínuas foram dicotomizadas e tratadas como variáveis categóricas. Os testes de Fisher e qui-quadrado foram aplicados para a avaliação de risco. A análise da mortalidade em 30 e 90 dias de pós-operatório foi realizada de forma separada para cada ponto no tempo. O método de Kaplan-Meier foi utilizado para elaboração das curvas de sobrevida. As categorias do MP final foram comparadas quanto à tendência de ocorrência de eventos por meio do teste qui-quadrado. A capacidade de discriminação e a calibração do modelo final foram analisadas por meio da curva da característica de operação do receptor (COR) e do teste de Hosmer-Lemeshow, respectivamente. Modelos de regressão logística foram aplicados aos grupos de variáveis, desde que p < 0,05 na análise bivariada. O intervalo de confiança foi de 95% para todas as análises. Os programas de computador R (R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria), versão 3.3.1, e MedCalc (MedCalc Software, Ostende, Bélgica), versão 17.6, foram utilizados para a realização dos testes estatísticos.1717 R Core Team. RA language and Environment for Statistical Computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing; 2016,1818 BVBA. MedCalc Software. Oostende, Belgium 2017

Resultados

Pacientes

Foram operados 306 pacientes, e, após a adoção dos critérios de inclusão e exclusão, restaram 205 pacientes que compõem este estudo. Na Tabela 1, estão apresentadas as características gerais dos pacientes estudados.

Tabela 1
Características gerais dos 205 pacientes submetidos a cirurgia para metástase vertebral

Fatores de Risco Possivelmente Prognósticos

Um total de 114 pacientes (55%) eram do sexo masculino; 48 pacientes (23%) apresentavam idade ≥ 70 anos; 65 pacientes (32%) apresentavam 1 ou mais comorbidades; 81 pacientes (40%) eram portadores de tumores de progressão não lenta; 40 pacientes (20%) apresentavam leucócitos ≥ 13.000 células/µL (média de 9.700 células/µL); e 51 pacientes (25%) apresentavam linfócitos < 1.000 células/µL (média de 1.600 células/µL).

Possíveis Desfechos do Tratamento da Doença Metastástica Vertebral Para a Elaboração de Modelo Preditivo

A mortalidade em 30 dias foi de 17% (n = 36), e em 90 dias, de 43% (n = 88). A incidência de complicações pós-operatórias foi de 31% (n = 64), e está apresentada na Tabela 2.

Tabela 2
Incidência de complicações após tratamento cirúrgico para metástase vertebral

Análise Estatística

As Tabelas 3 e 4 apresentam estudo analítico de risco com relação aos possíveis fatores preditivos dos desfechos. Detectou-se que as características que se comportam como fator de risco independente para a ocorrência de complicações do tipo sistêmicas são: idade ≥ 70 anos (razão de probabilidades [RP]: 2,44; p < 0,05); tumor primário de progressão não lenta (RP: 2,54; p < 0,05); e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 3,19; p < 0,01). Tumor primário de progressão não lenta é a única característica pré-operatória associada com infecção de sítio cirúrgico (RP: 2,52; p < 0,05). Idade ≥ 70 anos e tumor primário de progressão não lenta são fatores de risco independentes para complicação do tipo infecciosa (RP: 2,82; p < 0,05; e RP: 3,22; p < 0,01, respectivamente). Após análise multivariada, a mortalidade advinda de complicação está associada com idade ≥ 70 anos (RP: 3,35; p < 0,01), presença de comorbidades (RP: 2,74; p < 0,01), e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 3,61; p < 0,0001). O óbito relacionado a complicações infecciosas, após análise de múltiplas variáveis, tem correlação com idade ≥ 70 anos (RP: 2,61; p < 0,05), tumor primário de progressão não lenta (RP: 2,82; p < 0,05), e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL (RP: 4,23; p < 0,01).

Tabela 3
Análise bivariada de características pré-operatórias como possíveis fatores prognósticos de morbimortalidade precoce após tratamento cirúrgico para metástase vertebral
Tabela 4
Análise multivariada de características pré-operatórias como possíveis fatores prognósticos de morbimortalidade precoce após tratamento cirúrgico para metástase vertebral

Modelo Preditivo

Na Tabela 4, estão explicitados os fatores de risco independentes para a ocorrência dos desfechos desta pesquisa. Aqueles que apresentaram significância estatística para os três desfechos foram incluídos no MP, que está ilustrado no Quadro 2.

Quadro 2
Modelo preditivo

As Figuras 1, 2 e 3 mostram as curvas de sobrevida em 90 dias de pós-operatório, de acordo com as características utilizadas para desenvolver o MP final. A exposição a nenhum, um, dois ou três fatores foi o critério que definiu as categorias de baixo, moderado, alto e extremo risco, respectivamente. A Figura 4 ilustra a incidência de morbimortalidade precoce de acordo com cada categoria de risco do MP. A Figura 5 mostra a sobrevida em 90 dias de pós-operatório, de acordo com as 4 categorias de risco. Comparando-se as categorias do menor para o maior risco, houve aumento progressivo na ocorrência dos desfechos, seguindo tendência linear (p < 0,0001). O mesmo ocorreu quando analisadas as complicações sistêmicas (p < 0,0001), infecciosas (p < 0,0001), óbito por complicação (p < 0,0001), óbito por complicação infecciosa (p < 0,0001) e infecção de ferida operatória (p < 0,05). A capacidade de discriminação do modelo, segundo a curva COR, foi de 72% para mortalidade em 30 dias, de 73% para mortalidade em 90 dias, e de 70% para incidência de complicações. Não houve evidência de falta de calibração pelo teste de Hosmer-Lemeshow.

Fig. 1
Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a presença de comorbidades.

Fig. 2
Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a velocidade de progressão tumoral.

Fig. 3
Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com a contagem pré-operatória de linfócitos no sangue periférico.

Fig. 4
Morbimortalidade precoce após tratamento cirúrgico para metástase vertebral, de acordo com o modelo preditivo (MP) proposto.

Fig. 5
Sobrevida em 90 dias de pós-operatório de acordo com o modelo preditivo (MP) proposto.

Discussão

As complicações da DMV em relação a desfechos cirúrgicos desfavoráveis, incluindo o óbito, que é o pior deles, em nada se comparam às obtidas no tratamento cirúrgico da maioria das doenças ortopédicas. Na cirurgia da DMV, a mortalidade em 90 dias é importante, e a maioria dos autores concorda que esse intervalo de tempo seja o mínimo previsto para se indicar um procedimento altamente mórbido e paliativo.1919 George R, Jeba J, Ramkumar G, Chacko AG, Leng M, Tharyan P. Interventions for the treatment of metastatic extradural spinal cord compression in adults. Cochrane Database Syst Rev 2008; (04):CD006716 No entanto, há poucos estudos que abordam esse ponto de corte na sobrevida pós-operatória.2020 Schoenfeld AJ, Leonard DA, Saadat E, Bono CM, Harris MB, Ferrone ML. Predictors of 30- and 90-Day Survival Following Surgical Intervention for Spinal Metastases: A Prognostic Study Conducted at Four Academic Centers. Spine 2016;41(08):E503-E509

Supõe-se que características clínicas pré-operatórias exerçam maior influência nos resultados cirúrgicos precoces quando comparados com resultados de longo prazo. Os MPs tradicionais, como o sistema de pontuação de Tokuhashi,2121 Tokuhashi Y, Matsuzaki H, Oda H, Oshima M, Ryu J. A revised scoring system for preoperative evaluation of metastatic spine tumor prognosis. Spine 2005;30(19):2186-2191 focam mais em características que se mostram associadas a resultados cirúrgicos de médio e longo prazo, como a presença de metástases viscerais. Talvez por isso, o escore de Tokuhashi só estime eventos a partir de 180 dias do procedimento. Mais recentemente, Schoenfeld et al2020 Schoenfeld AJ, Leonard DA, Saadat E, Bono CM, Harris MB, Ferrone ML. Predictors of 30- and 90-Day Survival Following Surgical Intervention for Spinal Metastases: A Prognostic Study Conducted at Four Academic Centers. Spine 2016;41(08):E503-E509 apontam o nível sérico de albumina como um forte fator de risco para mortalidade em 30 dias, superando até mesmo a velocidade de progressão tumoral. O presente estudo, com a esperança de identificar fatores prognósticos mais significativos, e que possam alterar positivamente os desfechos em até três meses do procedimento, avalia algumas características clínicas menos valorizadas em estudos prévios, tais como os índices de comorbidades e a contagem celular no sangue periférico.

Os índices de comorbidades são abordados em raras pesquisas sobre DMV. Patil et al11 Patil CG, Lad SP, Santarelli J, Boakye M. National inpatient complications and outcomes after surgery for spinal metastasis from 1993-2002. Cancer 2007;110(03):625-630 relatam risco aumentado em 50% de complicações da cirurgia em DMV em pacientes que apresentam duas comorbidades, de acordo com as citadas por Elixhauser et al.1313 Elixhauser A, Steiner C, Harris DR, Coffey RM. Comorbidity measures for use with administrative data. Med Care 1998;36 (01):8-27 Arrigo et al2222 Arrigo RT, Kalanithi P, Cheng I, et al. Charlson score is a robust predictor of 30-day complications following spinal metastasis surgery. Spine 2011;36(19):E1274-E1280 observam risco aumentado em até cinco vezes em pacientes com duas ou mais comorbidades citadas por Charlson et al.1212 Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis 1987;40(05):373-383 O presente trabalho mostra que a presença de pelo menos uma comorbidade entre aquelas obtidas pela união das citadas por Charlson et al1212 Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis 1987;40(05):373-383 e Elixhauser et al1313 Elixhauser A, Steiner C, Harris DR, Coffey RM. Comorbidity measures for use with administrative data. Med Care 1998;36 (01):8-27 representa um fator de risco independente para morbimortalidade precoce após cirurgia em metástase vertebral. Esse é um fator de risco não relatado anteriormente na literatura.

A linfocitopenia secundária pode ter diversas etiologias, entre elas desnutrição, infecção, uso de corticosteroides, radioterapia e quimioterapia. Essas condições são frequentes na DMV. A linfocitopenia reduz a ação dos linfócitos B, T e dos exterminadores naturais contra bactérias, vírus e fungos, deixando o organismo suscetível a infecções locais ou à distância. O zinco e algumas vitaminas têm um papel na maturação celular, e a sua carência pode explicar em parte a linfocitopenia apresentada pelos pacientes desnutridos.2323 Brass D, McKay P, Scott F. Investigating an incidental finding of lymphopenia. BMJ 2014;348:g1721 Embora a baixa contagem de linfócitos seja um antigo marcador nutricional2424 Bharadwaj S, Ginoya S, Tandon P, et al. Malnutrition: laboratory markers vs nutritional assessment. Gastroenterol Rep (Oxf) 2016; 4(04):272-280 e um conhecido fator de mau prognóstico no câncer,2525 Trédan O, Ray-Coquard I, Chvetzoff G, et al. Validation of prognostic scores for survival in cancer patients beyond first-line therapy. BMC Cancer 2011;11:95 surpreendentemente, a revisão da literatura não mostra a linfocitopenia pré-operatória como fator de risco para cirurgia em DMV. Os trabalhos revisados utilizam ponto de corte diferente para contagem celular (1.500/µL), o que pode explicar os achados conflitantes.55 Wise JJ, Fischgrund JS, Herkowitz HN, Montgomery D, Kurz LT. Complication, survival rates, and risk factors of surgery for metastatic disease of the spine. Spine 1999;24(18):1943-1951,2626 Luksanapruksa P, Buchowski JM, Hotchkiss W, Tongsai S, Wilartratsami S, Chotivichit A. Prognostic factors in patients with spinal metastasis: a systematic review and meta-analysis. Spine J 2017; 17(05):689-708 Por outro lado, na atual pesquisa, a contagem total de linfócitos < 1.000/µL se mostrou um forte fator de risco. A presença deste dado representa um fator de aumento significativo na ocorrência precoce de complicações e óbito. Ele esteve relacionado a um risco aumentado em quase cinco vezes para a ocorrência de óbito advindo de complicação infecciosa. Nesta série, uma paciente com contagem total de linfócitos pré-operatória de 245/µL foi a óbito em decorrência de sepse por Candida sp, um raro agente causador de infecção sistêmica.

Estudos prévios apontaram que pacientes idosos apresentam piores resultados cirúrgicos em DMV.2626 Luksanapruksa P, Buchowski JM, Hotchkiss W, Tongsai S, Wilartratsami S, Chotivichit A. Prognostic factors in patients with spinal metastasis: a systematic review and meta-analysis. Spine J 2017; 17(05):689-708,2727 Chi JH, Gokaslan Z, McCormick P, Tibbs PA, Kryscio RJ, Patchell RA. Selecting treatment for patients with malignant epidural spinal cord compression-does age matter?: results from a randomized clinical trial Spine 2009;34(05):431-435 Neste estudo, identificou-se que indivíduos com 70 anos ou mais têm risco aumentado em 2,73 vezes de mortalidade em 30 dias; em 3,15 vezes de complicações totais; em 2,44 vezes de complicações sistêmicas; em 2,82 vezes de complicações infecciosas; em 3,35 vezes na incidência de óbito por complicação; e em 2,61 vezes na incidência de óbito por complicação infecciosa. No entanto, por falhar na previsão de mortalidade em 90 dias, essa característica foi excluída do MP final.

Não surpreendem os resultados encontrados sobre a influência da agressividade do tumor primário em relação à incidência de complicações e à mortalidade em 30 e 90 dias da cirurgia. Diversos estudos pregressos relatam pior prognóstico em grupos de pacientes portadores de tumores com tipos histológicos mais agressivos.2626 Luksanapruksa P, Buchowski JM, Hotchkiss W, Tongsai S, Wilartratsami S, Chotivichit A. Prognostic factors in patients with spinal metastasis: a systematic review and meta-analysis. Spine J 2017; 17(05):689-708

Neste trabalho, foi proposto um MP para estimar morbimortalidade precoce em DMV que leva em consideração não somente a agressividade do tumor primário, como também a condição sistêmica do paciente (Quadro 2). Laufer et al,2828 Laufer I, Rubin DG, Lis E, et al. The NOMS framework: approach to the treatment of spinal metastatic tumors. Oncologist 2013;18 (06):744-751 em seu algoritmo para conduta, afirmam que a condição sistêmica do paciente é fator decisivo na tomada de decisão cirúrgica. No entanto, nenhum dos muitos MPs existentes na literatura considera a presença de comorbidades e a capacidade imunológica do paciente.1111 Tokuhashi Y, Uei H, Oshima M, Ajiro Y. Scoring system for prediction of metastatic spine tumor prognosis. World J Orthop 2014;5(03):262-271 Apenas Ghori et al2929 Ghori AK, Leonard DA, Schoenfeld AJ, et al. Modeling 1-year survival after surgery on the metastatic spine. Spine J 2015;15 (11):2345-2350 fazem referência à influência no estado nutricional analisando a albumina sérica, e sugerem esse fator como uma possível ferramenta estimadora de complicações.

O MP proposto estima, por categoria, a ocorrência de eventos desfavoráveis em 90 dias da cirurgia. Neste trabalho, os pacientes de baixo risco apresentaram as menores taxas de morbimortalidade pós-operatória, enquanto os pacientes na categoria de extremo risco apresentaram os piores resultados (Figuras 4 e 5). Pesquisas futuras poderiam esclarecer se este MP é útil para orientar a decisão terapêutica. Acredita-se que, devido à simplicidade de aplicação, este MP poderia ser uma das primeiras ferramentas utilizadas na avaliação do paciente com DMV.

Esta pesquisa tem diversas limitações, e, sem dúvida, necessita validação futura, principalmente em relação aos resultados do MP. Pelo desenho retrospectivo, pode ter ocorrido viés de seleção, de aferição e de suscetibilidade. Os resultados podem não ser generalizáveis pelo fato de o estudo ter sido realizado em uma única instituição e sobre uma amostra tipicamente heterogênea.

Conclusões

Os fatores pré-operatórios que permitem predizer a morbimortalidade precoce em casos de DMV são: idade ≥ 70 anos; presença de pelo menos uma comorbidade de índice específico; tumor primário de progressão não lenta; leucócitos ≥e 13.000 células/µL; e contagem total de linfócitos < 1.000 células/µL. O MP proposto permite estimar a morbimortalidade da cirurgia na DMV e hierarquizar os riscos cirúrgicos em baixo, moderado, alto e extremo.

  • *
    Trabalho desenvolvido no Hospital Erasto Gaertner pelo Programa de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.

References

  • 1
    Patil CG, Lad SP, Santarelli J, Boakye M. National inpatient complications and outcomes after surgery for spinal metastasis from 1993-2002. Cancer 2007;110(03):625-630
  • 2
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2018
  • Aceito
    06 Ago 2018
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