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Avaliação do ângulo de Southwick em duzentos quadris de crianças e adolescentes assintomáticos* * Trabalho realizado no Hospital da Restauração Governador Paulo Guerra, Recife, PE, Brasil.

Resumo

Objetivos

Medir o valor médio do ângulo de Southwick utilizando dois métodos diferentes, manual (1) e digital (2), e estabelecer um valor de normalidade.

Métodos

Estudo primariamente descritivo, realizado com 100 crianças e adolescentes. Foram excluídos indivíduos que apresentavam queixa ortopédica nos quadris e/ou joelhos, ou alterações de marcha. Para cada paciente, foi realizada uma radiografia na incidência lateral de Lowenstein, totalizando 100 radiografias e 200 quadris. O ângulo de Southwick foi medido de duas formas pelo mesmo pesquisador: pelo método convencional (1), traçando-se as retas com lápis e medindo o ângulo com o uso de goniômetro e negatoscópio, e por meio do editor de imagem GNU Image Manipulation Program (GIMP; código aberto), versão 2.7.0 (2), no qual foram traçadas as linhas e aferidos os ângulos de ambos os quadris em cada radiografia. Posteriormente, buscou-se avaliar a correlação entre os dois métodos e verificar o ângulo médio de Southwick correlacionando-o categoricamente por gênero, faixa etária e índice de massa corpórea (IMC) em adolescentes e crianças assintomáticos. Todas as radiografias foram autorizadas pelos responsáveis. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética das instituições em que a pesquisa foi realizada.

Resultados

A média do ângulo de Southwick obtida pelo método convencional foi de 8,7º (±2,0º), e pelo método digital, foi de 9,9º (±1,8º). O ângulo obtido pelas duas formas teve significância estatística (p < 0,001). A maioria da população estudada (95%) tinha índice de massa corpórea (IMC) > 18,5, e a média dos ângulos esteve dentro do valor previamente estabelecido como normal (∼ 10º).

Conclusão

Demonstrou-se, pela primeira vez, utilizando uma amostra substanciosa, um valor normal do ângulo de Southwick medido em indivíduos assintomáticos. Além disso, o editor de imagem mostrou ser um método confiável para mensuração do ângulo de Southwick.

Palavras-chave
escorregamento das epífises proximais do fêmur; articulação do quadril; adolescente

Abstract

Objectives

To measure the mean value of the Southwick angle using two different methods, the manual (1) and digital (2) methods, and to establish a normality value.

Methods

A primarily descriptive study with 100 children and adolescents. Individuals with orthopedic complaints regarding the hips and/or knees or gait alterations were excluded. For each patient, an X-ray was performed on the lateral incidence of Lowenstein, totaling 100 radiographs and 200 hips. The Southwick angle was measured in two different ways by the same researcher: the conventional method (1), tracing the lines with pencils and measuring the angle with the use of a goniometer and negatoscope, and through the GNU Image Manipulation Program (GIMP) image editor (open source), version 2.7.0 (2), in which the lines were plotted and the angles of both hips were gauged on each radiograph. Later, we sought to evaluate the correlation between the two methods and to verify the mean Southwick angle by categorically correlating it by gender, age group and body mass index (BMI) in asymptomatic children and adolescents. All radiographs were authorized by the children and adolescents' parents/legal guardians. The study was approved by the ethics committee of the institutions in which the research was conducted.

Results

The mean of the Southwick angles obtained by the conventional method was of 8.7º (±2.0º), and, by the digital method, it was of 9.9º (±1.8º). The angle obtained by the two methods was statistically significant (p < 0.001). The majority of the studied population (95%) had a body mass index (BMI) > 18.5, and the mean of the angles was within the previously established value (∼ 10º).

Conclusion

For the first time, using a substantial sample size, a normal value for the Southwick angle measured in asymptomatic individuals was demonstrated. In addition, the image editor proved to be a reliable method to measuring the Southwick angle.

Keywords
slipped capital femoral epiphysis; hip joint; adolescent

Introdução

A epifisiólise proximal do fêmur ainda é uma doença negligenciada por falta de diagnóstico precoce.11 Monin JO, Gouin F, Guillard S, Rogez JM. [Late results of the treatment of the slipped upper femoral epiphysis (26 cases with follow-up study over 10 years)].RevChir Orthop ReparAppar Mot1995;81(01):35-43,22 Westhoff B, Schroder K, Weimann-Stahlschmidt K, Zilkens C, Wil-lers R, Krauspe R. Radiological outcome and gait function of SCFE patients aftergrowth arrest. J Child Orthop 2013;7(06):507-512 A radiografia simples de bacia é o método de escolha para o diagnóstico por meio da mensuração do ângulo lateral entre a epífise proximal e a diáfise do fêmur. Southwick, em seu trabalho original,33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 considerou o ângulo de normalidade em torno de 10º com base em um número pequeno de indivíduos. Uma adequada caracterização deste parâmetro de normalidade em um tamanho amostral maior é necessária para que se possa restabelecer ou corroborar os valores normais do ângulo entre a epífise proximal do fêmur e sua diáfise.

A epifisiólise do quadril é uma afecção caracterizada pelo aumento da espessura, e consequente enfraquecimento, da placa de crescimento proximal do fêmur no nível da camada hipertrófica.44 Jingushi S, Suenaga E. Slipped capital femoral epiphysis: etiology and treatment. J Orthop Sci 2004;9(02):214-219

5 Krauspe R, Weinstein S. Special symposium issue: slipped capital femoral epiphysis (SCFE). J Child Orthop 2017;11(02):85-86

6 Tresoldi I, Modesti A, Dragoni M, Potenza V, Ippolito E. Histological, histochemical and ultrastructural study of slipped capital femoral epiphysis. J Child Orthop 2017;11(02):87-92
-77 Current concepts review. Slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am 1990;72(04):631-633 Embora a doença ocorra na adolescência, o escorregamento acarreta alteração mecânica em articulação de carga, e isso pode desencadear, no futuro, osteoartrose degenerativa do quadril, daí a necessidade de se estabelecer precocemente o diagnóstico e se instituir tratamento adequado.88 Ortegren J, Peterson P, Svensson J, Tiderius CJ. Persisting CAM deformity is associated with early cartilage degeneration after Slipped Capital Femoral Epiphysis: 11-year follow-up including dGEMRIC. Osteoarthritis Cartilage 2018;26(04):557-563,99 Helgesson L, Johansson PK, Aurell Y, Tiderius CJ, KarrholmJ, RiadJ. Early osteoarthritis after slipped capital femoral epiphysis. Acta Orthop 2018;89(02):222-228

Essa doença acomete o quadril de crianças e adolescentes na faixa etária entre 10 e 15 anos de idade.88 Ortegren J, Peterson P, Svensson J, Tiderius CJ. Persisting CAM deformity is associated with early cartilage degeneration after Slipped Capital Femoral Epiphysis: 11-year follow-up including dGEMRIC. Osteoarthritis Cartilage 2018;26(04):557-563,99 Helgesson L, Johansson PK, Aurell Y, Tiderius CJ, KarrholmJ, RiadJ. Early osteoarthritis after slipped capital femoral epiphysis. Acta Orthop 2018;89(02):222-228 Evidências indicam que, quando esta afecção ocorre em um quadril, há maior possibilidade de acometer o contralateral nos 18 meses subsequentes.44 Jingushi S, Suenaga E. Slipped capital femoral epiphysis: etiology and treatment. J Orthop Sci 2004;9(02):214-219,1010 Loder RT, Aronson DD, Greenfield ML. The epidemiology of bilateral slipped capital femoral epiphysis. A study of children in Michigan. J Bone Joint Surg Am 1993;75(08):1141-1147,1111 Griffith MJ. Slipping of the capital femoral epiphysis. Ann R Coll Surg Engl 1976;58(01):34-42 A prevalência de epifisiólise proximal do fêmur, dependendo da região do mundo e da etnia, varia em média de 2 a 10 casos por 100.000 individuos susceptríveis.1212 Ward WT, Stefko J, Wood KB, Stanitski CL. Fixation with a single screw for slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am 1992;74(06):799-809

13 Herngren B, Stenmarker M, Vavruch L, Hagglund G. Slipped capital femoral epiphysis: a population-based study. BMC Musculoskelet Disord 2017;18(01):304
-1414 Perry DC, Metcalfe D, Costa ML, Van Staa T. A nationwide cohort study of slipped capital femoral epiphysis. Arch Dis Child 2017; 102(12):1132-1136 Estudos indicam que esta doença é mais comum em meninos77 Current concepts review. Slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am 1990;72(04):631-633 e em jovens negros,1515 Aronson DD, Loder RT. Slipped capital femoral epiphysis in black children. J Pediatr Orthop 1992;12(01):74-79 sendo verificada maior dominância do lado esquerdo.44 Jingushi S, Suenaga E. Slipped capital femoral epiphysis: etiology and treatment. J Orthop Sci 2004;9(02):214-219,55 Krauspe R, Weinstein S. Special symposium issue: slipped capital femoral epiphysis (SCFE). J Child Orthop 2017;11(02):85-86,77 Current concepts review. Slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am 1990;72(04):631-633,1313 Herngren B, Stenmarker M, Vavruch L, Hagglund G. Slipped capital femoral epiphysis: a population-based study. BMC Musculoskelet Disord 2017;18(01):304,1414 Perry DC, Metcalfe D, Costa ML, Van Staa T. A nationwide cohort study of slipped capital femoral epiphysis. Arch Dis Child 2017; 102(12):1132-1136

O diagnóstico da epifisiólise proximal do fêmur é confirmado mediante radiografias simples em projeção anteroposterior (AP) da bacia em posição de rã ou dupla abdução (Lowenstein), nas quais, antes mesmo do deslocamento da epífise em relação ao colo, pode ser detectado aumento na altura ou espessura da placa de crescimento, e redução das projeções dos corpos mamilares.1616 Loder RT, Richards BS, Shapiro PS, Reznick LR, Aronson DD. Acute slipped capital femoral epiphysis: the importance of physeal stability. J Bone Joint Surg Am 1993;75(08):1134-1140 Uma linha traçada na porção superior do colo femoral, na radiografia em AP, deve atravessar parte do núcleo epifisário (sinal de Trethowan) e, quando não o faz, sugere a presença do escorregamento.1717 Damaceno FL, Santili C, Longui CA. Normal reference values of Southwick's anteroposterior angle in prepubertal and pubertal normal adolescents. J Pediatr Orthop B 2007;16(06):389-392 Além da osteopenia detectada no colo femoral, atribuída ao relativo desuso ou à hipervascularização reacional, nos escorregamentos de maior monta, pode-se notar uma linha de esclerose sobreposta à imagem do colo (sinal do crescente de Steel), que traduz a visão radiográfica frontal da epífise, posicionada posteriormente em relação ao colo.1818 Steel HH. The metaphyseal blanch sign of slipped capital femoral epiphysis. J Bone Joint Surg Am 1986;68(06):920-922

Em 1967, Southwick33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 quantificou esse deslizamento em graus, baseando-se, principalmente, na radiografia em dupla abdução dos quadris, na qual se verificava o desvio AP. Segundo o referido autor, unem-se com uma linha os pontos extremos da epífise e, em seguida, traça-se sua perpendicular, que formará um determinado ângulo com uma terceira linha, paralela ao eixo longo da diáfise (Fig. 1A).33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 É considerado normal o desvio até 10º;33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 casos em que o ângulo é superior ao desvio normal, mas não maiores do que 30º, são considerados epifisiólise leve; os casos em que o ângulo é entre 30º e 60º são considerados moderados; e graves são aqueles em que o ângulo mede mais de 60º.1919 Millis MB. SCFE: clinical aspects, diagnosis, and classification. J Child Orthop 2017;11(02):93-98

Fig. 1
Desenho esquemático do ângulo epifisio-diafisário de Southwick na posição lateral dos quadris de Lowenstein (A).33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 Radiografia de bacia posição lateral dos quadris de Lowenstein no editor de imagens GIMP, versão 2.7.0, com linhas traçadas sobre o quadril esquerdo para medir o ângulo (B).

No entanto, o estabelecimento dessa baliza de 10º não se adequa necessariamente à média da população brasileira ou da de outros países, uma vez que não existem estudos com amostra substanciosa que possa ser utilizada como parâmetro de normalidade. No Brasil, há poucos estudos sobre este tema, e não foram estabelecidos valores médios de normalidade do ângulo de Southwick.1717 Damaceno FL, Santili C, Longui CA. Normal reference values of Southwick's anteroposterior angle in prepubertal and pubertal normal adolescents. J Pediatr Orthop B 2007;16(06):389-392,2020 Santili C, de Assis MC, Kusabara FI, Romero IL, Sartini CM, Longui CA. Southwick's head-shaft angles: normal standards and abnormal values observed in obesity and in patients with epiphysiolysis. J Pediatr Orthop B 2004l13(04):244-247

Com a evolução tecnológica e digitalização de radiografias simples, programas de computador têm sido cada vez mais utilizados no estabelecimento e na mensuração de linhas e ângulos, pois tornam o diagnóstico mais preciso, e, consequentemente, otimizam o tratamento, melhorando o prognóstico de doenças como a epifisiólise.2121 Baecker V. Image J Macro Tool Sets for Biological Image Analysis. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Volker_-Baecker/publication/273769192_ImageJ_Macro_Tool_Sets_for_Bio-logical_Image_Analysis/links/550c039c0cf2528164dae59a/ImageJ-Macro-Tool-Sets-for-Biological-Image-Analysis.pdf?origin=publica tion_detail
https://www.researchgate.net/profile/Vol...

Portanto, o objetivo deste estudo foi verificar o valor médio do ângulo de Southwick do quadril por meio de dois métodos. No primeiro método, o convencional, foi usado o negatoscópio, no qual as linhas foram traçadas na própria radiografia, e, depois, foi utilizado o goniômetro para mensuração do ângulo; no segundo método, foi utilizado o editor de imagem GNU Image Manipulation Program (GIMP; código aberto), versão 2.7.0, para a confecção das linhas e a mensuração dos ângulos em ambos os quadris. Posteriormente, buscou-se avaliar a correlação entre os dois métodos e verificar o ângulo médio de Southwick por gênero, índice de massa corpórea (IMC), e faixa etária em crianças e adolescentes assintomáticos.

Materiais e Métodos

Trata-se de um estudo primariamente descritivo com análises secundárias, realizado com 100 indivíduos entre 10 e 15 anos de idade, de ambos os gêneros. Este estudo foi conduzido na enfermaria, na emergência e no ambulatório de pediatria e ortopedia. Foram excluídos pacientes que apresentavam queixa ortopédica nos quadris e/ou joelhos, ou alterações da marcha. Para cada paciente, foi realizada uma radiografia na incidência lateral de Lowenstein, totalizando 100 radiografias e 200 quadris.

O método preconizado por Southwick33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 foi usado para a realização das radiografias, que são feitas do seguinte modo: 1) a pelve é mantida paralela à mesa; 2) o tubo de raios-X é centrado exatamente na linha média entre os quadris; 3) para incidência lateral (pata de rã), os quadris são colocados em abdução máxima e rotação externa, com os joelhos fletidos e as superfícies plantares dos pés uma contra a outra, enquanto as superfícies laterais repousam sobre a mesa.

Para medir o ângulo, uniu-se com uma linha os pontos extremos da cartilagem (fise) de crescimento da epífise proximal do fêmur, e traçou-se uma perpendicular que forma um determinado ângulo com uma terceira linha paralela ao eixo longo da diáfise do fêmur. O eixo longo da diáfise do fêmur foi identificado por uma linha reta formada pela união de 2 diferentes pontos, distantes 1,5 cm entre si, posicionados centralmente em 2 níveis na diáfise proximal do fêmur.33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835,2222 Subburaj K, Ravi B, Agarwal M. Computer-aided methods for assessing lower limb deformities in orthopaedic surgery planning. Comput Med Imaging Graph 2010;34(04):277-288

O ângulo foi medido de duas formas pelo mesmo pesquisador: pelo método convencional, traçando-se as retas com lápis e medindo o ângulo com o uso de goniômetro no negatoscópio (Fig. 1A),33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 e por meio de fotografias digitais sem flash com máquina de 12 megapixels, que foram inseridas no programa GIMP, no qual foram traçadas as linhas e aferidos os ângulos de ambos os quadris (Fig. 1B).

Além disso, foi mensurado o peso e a altura dos indivíduos para cálculo do IMC, considerando as relações bem estabelecidas entre a obesidade e a incidência de epifisiólise,2323 Aversano MW, Moazzaz P, Scaduto AA, Otsuka NY. Association between body mass index-for-age and slipped capital femoral epiphysis: the long-term risk for subsequent slip in patients followed until physeal closure. J Child Orthop 2016;10(03):209-213 as quais devem ser estudadas mesmo em se tratando de quadris normais.

Aos responsáveis foram explicados os métodos e os fins do trabalho, sobretudo no que concerne à realização das radiografias e à proteção radioativa durante elas, mediante uso de protetores de chumbo na região dos testículos e ovários. Só foi dada continuidade após pleno consentimento por parte do responsável, protocolado em termo de consentimento livre esclarecido. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos das instituições em que a pesquisa foi realizada – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 0299.0.099.000–11.

Para facilitar os cálculos, o valor de cada ângulo foi aproximado para o número inteiro mais próximo. Os dados foram inseridos em uma planilha do programa Microsoft Office Excel 2016 (Microsoft Corp., Redmond, WA, EUA). Para a análise de dados gráficos, usou-se o programa Origin (OriginLab, Northampton, MA, EUA), versão 2016, empregando-se procedimentos de estatística descritiva (distribuição de frequência, medidas de tendência central, dispersão e amplitude) e indutiva. Para a análise da distribuição normal dos dados, foram empregados o teste de Kolmogorov-Smirnov e representação gráfica. O coeficiente de correlação intraclasse (CCI) foi empregado para avaliar a consistência dos ângulos do quadril. A correlação de Pearson foi utilizada para verificar se o ângulo no editor de imagem tinha relação com o medido pelo método convencional, e para analisar uma possível correlação entre o ângulo e o IMC.

O teste t de Student para amostras independentes foi usado para comparar o valor médio dos ângulos dos quadris esquerdo e direito medidos pelos dois métodos de acordo com o gênero e com duas categorias de faixa etária (de 10 a 12 anos, e de 13 a 15 anos). Em todas as análises estatísticas, um nível de significância de 5% foi considerado critério para a rejeição da hipótese nula, com um intervalo de confiança de 95% e poder de 80%.

Resultados

Foram avaliados 100 indivíduos com idade entre 10 a 15 anos, sendo que 60% da amostra tinham entre 10 e 12 anos, e a maioria era do sexo masculino (n = 60). Verificou-se que 95% dos indivíduos apresentavam IMC maior do que 18,5. A Tabela 1 apresenta os dados descritivos das variáveis investigadas.

Tabela 1
Média, desvio padrão, mediana e valores mínimos e máximos das variáveis investigadas

O ângulo do quadril medido digitalmente teve uma boa consistência (CCI: 0,72; 0,60–0,81) quando comparado ao ângulo medido pelo método convencional. O CCI do quadril esquerdo foi de 0,74 (IC95%: 0,56–0,85), e o do direito, 0,70 (IC95%: 0,49–0,83). Verificou-se que o ângulo medido digitalmente tinha relação estatística com o ângulo medido pelo método convencional (p < 0,001).

O ângulo médio do quadril esquerdo não diferiu estatisticamente por gênero: pelo método digital, foi de 9,4º ± 2,4º nos meninos, e de 10,6º ± 2º nas meninas (p = 0,093), e pelo convencional, foi de 9º ± 1,9º nos meninos, e de 7,8º ± 2,2º (p = 0,092) nas meninas (Figura 2A e C). No entanto, o ângulo médio do quadril direito foi estatisticamente maior nos indivíduos do gênero feminino nos dois métodos investigados; pelo método digital, foi de 9,3º ± 1,6º nos meninos, e de 11,2º ± 2º nas meninas (p = 0,001), e, pelo método convencional, foi de 8,3º ± 1,75º nos meninos, e de 10,1º ± 1,85º (p = 0,005) nas meninas (Figura 2B e D).

Fig. 2
Médias dos ângulos dos quadris esquerdo e direito pelo método digital (A, B) (teste t de Student; **p = 0,001) e pelo método convencional (C, D) (teste t de Student; **p = 0,005) por gênero.

Verificou-se que tanto o ângulo médio do quadril esquerdo (10,6º ± 2.2º; p = 0,002) quanto o do quadril direito (10,5º ± 2,1º; p = 0,02) no método digital foram estatisticamente maiores nos pacientes mais jovens (entre 10 e 12 anos) quando comparados aos mais velhos (esquerdo: 8,6º ± 1,8º; direito: 9,1º ± 1,9º; Figura 3A). Entretanto, constatou-se que não houve diferença no método convencional por faixa etária (esquerdo: p = 0,059; direito: p = 0,079; Figura 3B).

Fig. 3
Médias dos ângulos de Southwick dos quadris esquerdo (teste t de Student; **p = 0,002) e direito (teste t de Student; **p = 0,02) pelo método digital (A) e pelo método convencional (B) por faixa etária (teste t de Student; p > 0.05).

O IMC apresentou uma correlação positiva moderada com o ângulo em ambos os métodos (manual: r = 0,5; p = 0,041; digital: r = 0,59; p = 0,015).

Discussão

O objetivo do presente estudo foi descrever valores normais do ângulo de Southwick em 100 quadris assintomáticos de crianças e adolescentes entre 10 e 15 anos de idade. Adicionalmente, também verificou-se uma provável correlação entre os ângulos e as variáveis estudadas.

A maior parte dos pacientes era do gênero masculino, com faixa etária entre 10 e 12 anos, o que corrobora os achados da literatura,2424 Crawford AH. Slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1988;70(09):1422-1427,2525 Santili C, Akkari M, Waisberg G, Braga SR, Kasahara A, Perez MC. Evolution of slipped capital femoral epiphysis after nonsurgical treatment. Rev Bras Ortop 2015;45(05):397-402 em que a epifisiólise é relatada com maior frequência neste perfil de pacientes.

A média do ângulo obtido pelo método convencional foi de 8,7º, e, pelo método digital, foi de 9,9º, com boa consistência e significância estatística, o que confirma a reprodutibilidade e a confiabilidade da medida pelos dois métodos, pois foram analisados pelo mesmo pesquisador. Os valores médios foram próximos ao valor preconizado por Southwick33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 (em torno de 10º graus), o que parece representar o valor normal de retroversão da epífise proximal do fêmur de crianças e adolescentes na faixas etárias estudadas.

O surgimento de sistemas operacionais proporcionou um crescimento significativo das aplicações de informática na área da saúde. O editor de imagem GIMP mostrou-se prático, útil e confiável, e outros métodos também práticos e sem custos vêm sendo utilizados, como o ImageJ (domínio público), disponibilizado pelo National Institutes of Health (NIH).2626 Schneider CA, Rasband WS, Eliceiri KW. NIH Image to Image J: 25 years of image analysis. Nat Methods 2012;9(07):671-675

A consideração da incidência lateral de Southwick, em detrimento da anteroposterior, se justifica por haver questionamento acerca da real valia, ou mesmo existência, do desvio lateral-medial, com posicionamento medial da epífise em relação à metáfise, causando o varo visto na incidência anteroposterior, pois este seria apenas efeito da paralaxe, a diferença na posição aparente de um objeto visto por observadores em locais distintos.2727 Fujiki EM, Honda EK, Pradal A, Téo JB, Seixas LF, Porto LC. Epifisiólise femoral grau III: proposta de uma metodologia parao estudo radiográfico. Rev Bras Ortop Pediatr 2002;3(01 ):28-33 Não há dúvida, no entanto, sobre o posicionamento posterior da epífise em relação à metáfise, que pode ser aferido nos moldes de Southwick, razão pela qual usamos a incidência de Lowenstein para nortear a busca de um valor médio. Contudo, alguns autores demonstraram que pacientes com epifisiólise apresentam uma redução do ângulo na radiografia AP.1717 Damaceno FL, Santili C, Longui CA. Normal reference values of Southwick's anteroposterior angle in prepubertal and pubertal normal adolescents. J Pediatr Orthop B 2007;16(06):389-392 Esta constatação pode decorrer da dificuldade de se obter uma incidência AP do quadril em pacientes com epifisiólise, devido à atitude de rotação externa e dificuldade de se realizar rotação interna do quadril.2727 Fujiki EM, Honda EK, Pradal A, Téo JB, Seixas LF, Porto LC. Epifisiólise femoral grau III: proposta de uma metodologia parao estudo radiográfico. Rev Bras Ortop Pediatr 2002;3(01 ):28-33

No total, 95% dos pacientes apresentavam um IMC > 18,5, o que é um fator de risco para o surgimento da epifisiólise. Loder et al1010 Loder RT, Aronson DD, Greenfield ML. The epidemiology of bilateral slipped capital femoral epiphysis. A study of children in Michigan. J Bone Joint Surg Am 1993;75(08):1141-1147 constataram que 95% dos portadores de epifisiólise proximal do fêmur estão acima do percentil de peso para o seu grupo etário. No presente estudo, mesmo em pacientes com IMC acima do normal (> 18,5), a média dos ângulos esteve abaixo dos 10º, intervalo considerado normal de acordo com Southwick.33 Southwick WO. Osteotomy through the lesser trochanter for slipped capital femoral epiphysis. J BoneJoint Surg Am 1967;49(05 ):807-835 Contudo, foi demonstrada uma correlação positiva entre o aumento do ângulo de Southwick e o aumento do IMC, que sugere que talvez o sobrepeso possa ser um fator contribuinte para o surgimento e/ou agravamento da doença, como foi previamente verificado por alguns autores.1010 Loder RT, Aronson DD, Greenfield ML. The epidemiology of bilateral slipped capital femoral epiphysis. A study of children in Michigan. J Bone Joint Surg Am 1993;75(08):1141-1147,2323 Aversano MW, Moazzaz P, Scaduto AA, Otsuka NY. Association between body mass index-for-age and slipped capital femoral epiphysis: the long-term risk for subsequent slip in patients followed until physeal closure. J Child Orthop 2016;10(03):209-213

Um estudo1717 Damaceno FL, Santili C, Longui CA. Normal reference values of Southwick's anteroposterior angle in prepubertal and pubertal normal adolescents. J Pediatr Orthop B 2007;16(06):389-392 constatou a normalidade do ângulo de Southwick em radiografia AP da bacia. Porém, acreditamos que o valor normal na incidência lateral de Southwick também precisa ser descrito, uma vez que o desvio na epifisiólise é primordialmente no sentido AP.

Um maior tamanho amostral poderia ter demonstrado diferenças com mais significância estatística, como pode ser observado na comparação por faixa etária entre os ângulos médios dos quadris esquerdo e direito, que apresentaram um valor de p (0,059) estatisticamente limítrofe à esquerda para o nível de significância considerado no presente estudo (p < 0,05). Um número maior de responsáveis foi entrevistado com o intuito de aumentar os participantes e radiografias do estudo, mas a recusa deles em participar impossibilitou isso.

Com a inclusão de um número maior de avaliadores, poderiam ser feitas análises inter e intraobservador para comparar a eficiência de ambos os métodos, mas isso fugiria do escopo inicial do presente estudo, e poderá ser verificado futuramente.

Conclusão

Os dois métodos utilizados para medir o ângulo de Southwick apresentaram uma boa consistência. Com um tamanho amostral relevante, demonstrou-se pela primeira vez um valor normal aproximado para o ângulo de Southwick: no método convencional, o valor médio foi de8,7º, e pelo método digital, foi de 9,9º. O editor de imagem GIMP mostrou ser um método confiável para medir o ângulo de Southwick, e pode facilitar o diagnóstico preciso e precoce da epifisiólise.

  • *
    Trabalho realizado no Hospital da Restauração Governador Paulo Guerra, Recife, PE, Brasil.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer ao Dr. Rômulo de Araújo Rego pela ajuda prestada na aquisição de radiografias de pacientes que participaram do presente estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2018
  • Aceito
    26 Mar 2019
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