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Osteointegração e sucesso em revisão acetabular de artroplastia total de quadril com enxerto estrutural homólogo: seguimento médio de 9,6 anos

Resumo

Objetivo

Avaliarosresultadosclínicos, radiográficos e a sobrevida da cirurgia de revisão acetabular de artroplastia total de quadril com implante cimentado sem uso de anel de reforço, associado à enxertia óssea homóloga estrutural.

Métodos

Um total de 40 pacientes (44 quadris) operados de 1995 a 2015 foram analisados retrospectivamente. As radiografias foram avaliadas de acordo com a classificação do defeito ósseo acetabular, o formato do enxerto e à presença de osteointegração. Foram considerados casos de insucesso a migração do implante > 5 mm em qualquer direção e/ou a progressão de linhas de radioluscência em torno do componente acetabular > 2mm. Verificamos a associação dos achados radiográficos com os casos de falha utilizando testes estatísticos e analisamos a sobrevida utilizando a curva de Kaplan-Meier.

Resultados

Dos 44 quadris, 45,5% dos defeitos acetabulares eram Paprosky tipo 3A e 50%, 3B. Em 65% dos quadris, a configuração do enxerto foi classificada como tipo 1 de Prieto e em 31% como tipo 2. Não foi observada evidência radiográfica de osteointe-gração em 13,6% dos casos. Observamos 9 (20,5%) falhas de reconstrução. Foi observada correlação entre falha da reconstrução com a ausência de sinais radiográficos de osteointegração do enxerto.

Conclusão

Observamos bons resultados clínicos e radiográficos, com sobrevida de 79,54% em seguimento médio de 9,65 anos. Também houve associação entre ausência de sinais radiográficos de osteointegração do enxerto estrutural e falha nesta série de pacientes com grandes defeitos ósseos. As falhas não se correlacionaram com a severidade do defeito ósseo acetabular, espessura ou configuraçãodoenxerto.

artroplastia de quadril; enxerto ósseo; estudos transversais; osteointegração; transplante homólogo; reoperação

Abstract

Objective

To evaluate the clinical and radiographic results and survival of the acetabular revision surgery of total hip arthroplasty with cemented implant without the use of reinforcement ring, associated with structural homologous bone grafting.

Methods

A total of 40 patients (44 hips) operated from 1995 to 2015 were retrospectively analyzed. Radiographs were evaluated according to the classification of the acetabular bone defect, graft shape, and the presence of osseointegration. Cases were considered as failures when the migration of the implant was > 5 mm in any direction, and/or the progression of radiolucency lines around the acetabular component were > 2 mm. We verified the association of radiographic findings with cases of failure using statistical tests and analyzed survival using the Kaplan-Meier curve.

Results

Of the 44 hips, 45.5% of the acetabular defects were Paprosky type 3A and 50% were 3B. In 65% of the hips, the graft configuration was classified as Prieto type 1 and in 31% as type 2. No radiographic evidence of osseointegration was observed in 13.6% of the cases. We observed 9 (20.5%) reconstruction failures. A correlation was observed between reconstruction failure and the absence of radiographic signs of graft osseointegration.

Conclusion

We observed good clinic and radiographic results, with survival of 79.54% in a mean follow-up of 9.65 years. Also, there was an association between absence of radiographic signs of osseointegration of the structural graft and failure in this series of patients with large bone defects. The failures did not correlate with the severity of the acetabular bone defect, thickness, or graft configuration.

arthroplasty, replacement, hip; grafting bone; cross-sectional studies; osseointegration; transplantation, homologous, reoperation; osteointegration

Introdução

A cirurgia de reconstrução acetabular em revisão de artro-plastia total do quadril (RATQ) é um procedimento complexo. A soltura do implante pós-artroplastia é uma das complicações mais frequentes à longo prazo, levando a perda óssea.11 Meneghini RM, Ford KS, McCollough CH, Hanssen AD, Lewallen DG. Bone remodeling around porous metal cementless acetabular components. J Arthroplasty 2010;25(05):741-747Os principais objetivos da cirurgia de reconstrução acetabu-lar são obter a estabilidade do implante, restaurando a anatomia do quadril com posicionamento do componente o mais próximo possível do centro de rotação articular.22 Prieto HA, Kralovec ME, Berry DJ, Trousdale RT, Sierra RJ, Cabanela ME. Structural allograft supporting a trabecular metal cup provides durable results in complex revision arthroplasty. J Arthro-plasty 2017;32(11):3488-3494

Existem diversas formas de tratamento de grandes defeitos ósseos acetabulares em RATQ: colocação de implante com centro de rotação do quadril alto (High Hip Center), utilização de implantes de grande diâmetro (dumbo cup), uso de enxerto ósseo homólogo estrutural (com ou sem anel de reforço), impacção de enxerto ósseo homólogo fragmentado (com ou sem anel de reforço), além da utilização de aumentos de metal trabecular.33 Stigbrand H, Gustafsson O, Ullmark G. A 2- to 16-Year Clinical Follow-Up of Revision Total Hip Arthroplasty Using a New Acetabular Implant Combined With Impacted Bone Allografts and a Cemented Cup. J Arthroplasty 2018;33(03):815-822 Contudo, o tratamento mais adequado ainda permanece indefinido.44 Guimarães RP, Yonamine AM, Faria CEN, Rudelli M. Is the size of the acetabular bone lesion a predictive factor for failure in revisions of total hip arthroplasty using an impacted allograft? Rev Bras Ortop 2016;51(04):412-417, 55 Butscheidt S, Moritz M, Gehrke T, et al. Incorporation and Remodeling of Structural Allografts in Acetabular Reconstruction: Multiscale, Micro-Morphological Analysis of 13 Pelvic Explants. J Bone Joint Surg Am 2018;100(16):1406-1415

O nosso serviço iniciou o uso de enxerto homólogo em RATQ na década de 80, com a publicação subsequente dos resultados.66 Roos MV, Roos BD, Sampaio CM, Marques PR Junior. Evaluation of a method of acetabular reconstruction using homologous bone graft and cemented implant. Rev Bras Ortop 2008;43(09): 367-375

7 Roos MV, Roos BD, Giora TS, Taglietti TM. Use ofcortical structural homologous bone graft in femoral reconstructive surgery. Rev Bras Ortop 2015;45(05):483-489
-88 Roos BD, Roos MV, Camisa A Jr. Circumferential proximal femoral allografts in revision hip arthroplasty: four to 20 years follow-up. Hip Int 2013;23(01):66-71 A análise dos nossos casos e dos resultados da literatura permite a constatação da consolidação do enxerto ósseo homólogo com possível osteointegração na maioria dos casos, permitindo uma reconstrução estável.22 Prieto HA, Kralovec ME, Berry DJ, Trousdale RT, Sierra RJ, Cabanela ME. Structural allograft supporting a trabecular metal cup provides durable results in complex revision arthroplasty. J Arthro-plasty 2017;32(11):3488-3494 Ousode enxerto ósseo possibilita restaurar o centro de rotação do quadril, obter estabilidade do implante, restaurar a integridade do acetábulo e o estoque ósseo, facilitando futuras revisões.99 Gerhardt DMJM, De Visser E, Hendrickx BW, Schreurs BW, Van Susante JLC. Bone mineral density changes in the graft after acetabular impaction bone grafting in primary and revision hip surgery. Acta Orthop 2018;89(03):302-307 Com a estabilidade do enxerto na reconstrução, é possível fornecer condições para que ocorram a revascula-rização e osteointegração junto ao osso hospedeiro.99 Gerhardt DMJM, De Visser E, Hendrickx BW, Schreurs BW, Van Susante JLC. Bone mineral density changes in the graft after acetabular impaction bone grafting in primary and revision hip surgery. Acta Orthop 2018;89(03):302-307 As desvantagens que podem ser encontradas com essa técnica são a potencial reabsorção do enxerto e a não-união ao osso hospedeiro.1010 Hooten JP Jr, Engh CA Jr, Engh CA. Failure of structural acetabular allografts in cementless revision hip arthroplasty. J Bone Joint Surg Br 1994;76(03):419-422, 1111 Kwong LM, Jasty M, Harris WH. High failure rate of bulk femoral head allografts in total hip acetabular reconstructions at 10 years. J Arthroplasty 1993;8(04):341-346

O objetivo do presente estudo é avaliar os resultados clínicos, radiográficos e a sobrevida da cirurgia de reconstrução acetabular com implante cimentado sem uso de anel de reforço, associado à enxertia óssea homóloga estrutural.

Materiais e Métodos

Entre janeiro de 1995 e agosto de 2015, 318 pacientes foram submetidos a RATQ por 2 cirurgiões da mesma equipe médica (Roos B. D. e Roos M. V.). Destes, 71 foram submetidos a RATQ com a utilização de implante acetabular cimentado sem anel de reforço associado à enxertia óssea homóloga estrutural. Trinta e um pacientes foram excluídos por perda de seguimento, seguimento < 24 meses, ou por apresentarem prontuário ou exames incompletos. Quarenta pacientes foram analisados (44 quadris) em um estudo retrospectivo (Tabela 1).

Tabela 1
Características clínicas e demográficas dos casos(quadrisoperados)

A decisão de utilizar a técnica avaliada neste trabalho foi a constatação radiográfica pré-operatória de defeitos ósseos acetabulares segmentares ou combinados, além de grandes defeitos cavitários, com ou sem descontinuidade pélvica (Classificação D'Antonio1212 D'Antonio JA, Capello WN, Borden LS, et al. Classification and management of acetabular abnormalities in total hip arthro-plasty. Clin Orthop Relat Res 1989;(243):126-137). O estudo foi iniciado após aprovação pelo Comitê de Ética da nossa instituição.

Avaliação Clínica

A avaliação clínica pré- e pós-operatória tardia foi realizada em todos os pacientes utilizando o escore de avaliação do quadril Harris Hip Score (HHS).1313 Guimaraes RP, Alves DPL, Silva GB, et al. Translation and cultural adaptation of the Harris Hip Score into Portuguese. Acta Ortop Bras 2010;18(03):142-147

Avaliação Radiográfica

Radiografias padronizadas de pélvis foram realizadas pré-operativamente, no pós-operatório imediato e nos exames de acompanhamento em 6 semanas, 3 meses, 6 meses, e após, anualmente.

Pré-operativamente, foi avaliada a classificação do defeito ósseo acetabular através dos métodos de Paprosky1414 Paprosky WG, Perona PG, Lawrence JM. Acetabular defect classification and surgical reconstruction in revision arthroplasty. A 6-year follow-up evaluation. J Arthroplasty 1994;9(01):33-44 eD'An-tonio,1212 D'Antonio JA, Capello WN, Borden LS, et al. Classification and management of acetabular abnormalities in total hip arthro-plasty. Clin Orthop Relat Res 1989;(243):126-137 além da dimensão do defeito em milímetros.66 Roos MV, Roos BD, Sampaio CM, Marques PR Junior. Evaluation of a method of acetabular reconstruction using homologous bone graft and cemented implant. Rev Bras Ortop 2008;43(09): 367-375

Na radiografia pós-operatória imediata, foram avaliadas a percentagem de cobertura do componente acetabular pelo enxerto estrutural, e a aferição em milímetros da maior espessura craniocaudal do enxerto. Para descrever a configuração do enxerto estrutural no acetábulo, utilizamos a descrição publicada por Prieto et al.,22 Prieto HA, Kralovec ME, Berry DJ, Trousdale RT, Sierra RJ, Cabanela ME. Structural allograft supporting a trabecular metal cup provides durable results in complex revision arthroplasty. J Arthro-plasty 2017;32(11):3488-3494 definidos em três tipos: Tipo 1, configuração de contraforte ou "flying buttress"; Tipo 2, suporte de domo "dome support"; e, Tipo 3, em base ou "footing".

Na radiografia pós-operatória mais tardia, classificou-se a osteointegração do enxerto conforme descrição em outra publicação, que se tornou conhecida como "critério de Coon".1515 da Silva AF, Antebi U, Honda EK, Rudelli M, Guimarães RP. Comparative Study of the Osteointegration of Irradiated and Non-irradiated Bone Grafts Used in Patients with Revision Hip Arthroplasty. Rev Bras Ortop 2019;54(04):477-482 O tipo 1 foi definido como continuidade total do trabeculado ósseo na interface entre o osso hospedeiro e o enxerto (osteointegração total); o tipo 2, como continuidade parcial do trabeculado ósseo na interface entre o osso hospedeiro e o enxerto (osteointegração parcial); o tipo 3, como ausência de continuidade do trabeculado ósseo na interface entre o osso hospedeiro e o enxerto (ausência de osteointegração); e o tipo 4 como impossibilidade de visualização do enxerto pela presença de componentes protéticos (telas, anéis de reforço etc.).

Em radiografias seriadas, avaliou-se a presença de linhas de radioluscência progressivas em torno do componente acetabular, sinais de reabsorção do enxerto e de osteólise, de acordo com as zonas acetabulares determinadas por DeLee et al.1616 DeLee JG, Charnley J. Radiological demarcation of cemented sockets in total hip replacement. Clin Orthop Relat Res 1976; (121):20-32

Foi aferida a migração do componente acetabular em radiografias obtidas no pós-operatório imediato em comparação com o mais tardio, através de parâmetros definidos por Knight et al.,1717 Knight JL, Fujii K, Atwater R, Grothaus L. Bone-grafting for acetabular deficiency during primary and revision total hip arthroplasty. A radiographic and clinical analysis. J Arthroplasty 1993;8(04):371 -382 tendo como pontos de referência a gota de lágrima de ambos os quadris, a linha de Köhler e o centro de rotação do quadril.

Foram considerados casos de insucesso as falhas de reconstrução devido a afrouxamento do implante com migração > 5mm em qualquer direção, e/ou a progressão de linhas de radioluscência em torno do componente aceta-bular > 2mm de largura. Os casos de insucesso foram comparados com os demais (sucesso) buscando correlação com a classificação do defeito ósseo conforme Paprosky et al.1414 Paprosky WG, Perona PG, Lawrence JM. Acetabular defect classification and surgical reconstruction in revision arthroplasty. A 6-year follow-up evaluation. J Arthroplasty 1994;9(01):33-44 e D'Antonio et al.,1212 D'Antonio JA, Capello WN, Borden LS, et al. Classification and management of acetabular abnormalities in total hip arthro-plasty. Clin Orthop Relat Res 1989;(243):126-137 a dimensão do defeito ósseo em milíme-tros,66 Roos MV, Roos BD, Sampaio CM, Marques PR Junior. Evaluation of a method of acetabular reconstruction using homologous bone graft and cemented implant. Rev Bras Ortop 2008;43(09): 367-375 a maior espessura do enxerto em milímetros, o percentual de cobertura do implante pelo enxerto, a osteointegração do enxerto,1515 da Silva AF, Antebi U, Honda EK, Rudelli M, Guimarães RP. Comparative Study of the Osteointegration of Irradiated and Non-irradiated Bone Grafts Used in Patients with Revision Hip Arthroplasty. Rev Bras Ortop 2019;54(04):477-482 a presença de reabsorção do enxerto e osteólise, além da sua configuração.1818 Nehme A, Lewallen DG, Hanssen AD. Modular porous metal augments for treatment of severe acetabular bone loss during revision hip arthroplasty. Clin Orthop Relat Res 2004;(429): 201-208

Para evitar erros inter- e intraobservadores, as aferições foram realizadas por um membro da equipe e revisada por outro. No caso de haver discordância, uma nova avaliação foi executada por um terceiro membro da equipe procedendo-se, então, a um consenso.

Técnica Cirúrgica

Em todos os casos, utilizamos a abordagem cirúrgica ante-rolateral de Hardinge modificada. Inicialmente, realiza-se a remoção do componente acetabular; após, efetua-se a limpeza de debris e tecido fibroso da cavidade, utilizando curetas e fresas acetabulares, com o objetivo de alcançar uma superfície cruenta e apta a receber o enxerto. Em seguida, é realizada a remoção da haste femoral, quando necessário.

O enxerto é preparado e lavado com soro fisiológico; utilizou-se enxerto em bloco no teto acetabular associado ou não a enxerto picado. Após a limpeza do acetábulo, prepara-se um leito com enxerto picado impactado no local que receberá o bloco ósseo, para que não existam "zonas mortas" que permitam a formação de tecido fibroso ou cistos, dificultando a consolidação e a possível integração do bloco.

A fixação do enxerto estrutural no osso hospedeiro se dá por meio de parafusos esponjosos de 3,5mm com rosca parcial, em ângulo de 45° e em número variável de acordo com o tamanho e número de blocos ósseos utilizados. Após a fixação do enxerto, fresa-se a cavidade até que se atinja o tamanho ideal. Após o preenchimento complementar dos defeitos existentes, é colocado o componente acetabular, cimentado ou não, e é realizada ao menos uma ancoragem, feita superiormente com broca de 10mm, necessariamente alcançando o osso hospedeiro, e outra feita no ísquio através do osso hospedeiro, enxerto impactado, ou bloco ósseo (dependendo do tamanho da cavidade existente). Usamos uma solução de iodopolividona com soro fisiológico ao longo do transoperatório.

Manejo Pós-operatório

Foi utilizada profilaxia tromboembólica mecânica no pós-operatório imediato, anticoagulação oral profilática durante trinta dias e antibioticoprofilaxia com vancomicina e cef-triaxona. Além disso, em cada dose de cimento ósseo utilizado é adicionado um grama de ceftazidima. Realiza-se avaliação radiográfica 6 semanas após o procedimento cirúrgico; a partir desse momento, é permitido apoio total com uma muleta como elemento acessório de equilíbrio.

Análise Estatística

A análise estatística foi realizada para se estabelecerem comparações entre as medidas do pré e do pós-operatório em relação aos dados e critérios clínicos e radiológicos, utilizando-se, conforme a necessidade, os testes t de Student, χ2, Mann-Whitney, ou teste exato de Fischer. Foi utilizado o teste de normalidade de Shapiro-Wilk. A análise de sobrevida do componente acetabular foi realizada através do método de Kaplan-Meier usando dados radiográficos. Considerou-se valor significativo quando p < 0.05, com intervalo de confiança [IC] de 95%. Foi empregado o software IBM SPSS Statistics for Windows, versão 27.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA) para a análise de dados.

Resultados

Foram avaliados 40 pacientes (44 quadris), com seguimento médio de 9,65 anos (de 2 a 18,75 anos). Em 39 pacientes iniciais dasérie(88,66%) foi utilizadocomponenteacetabular cimentado convencional (não crosslinked).

Com relação aos resultados clínicos, o HHS1313 Guimaraes RP, Alves DPL, Silva GB, et al. Translation and cultural adaptation of the Harris Hip Score into Portuguese. Acta Ortop Bras 2010;18(03):142-147 pré-opera-tório médio foi de 48,8 pontos, e o pós-operatório tardio de 82. Comparativamente, observou-se diferença estatisticamente significativa (p < 0,001).

Dos 44 casos operados, 20 defeitos acetabulares (45,5%) foram classificados como tipo 3A de Paprosky1414 Paprosky WG, Perona PG, Lawrence JM. Acetabular defect classification and surgical reconstruction in revision arthroplasty. A 6-year follow-up evaluation. J Arthroplasty 1994;9(01):33-44 e 22 (50%) como tipo 3B. Pela classificação de D'Antonio,1212 D'Antonio JA, Capello WN, Borden LS, et al. Classification and management of acetabular abnormalities in total hip arthro-plasty. Clin Orthop Relat Res 1989;(243):126-137 observou-se 39 defeitos combinados (88,6%). A dimensão do defeito ósseo em milímetros66 Roos MV, Roos BD, Sampaio CM, Marques PR Junior. Evaluation of a method of acetabular reconstruction using homologous bone graft and cemented implant. Rev Bras Ortop 2008;43(09): 367-375 foi em média de 62,48 mm. As características radiográficas dos pacientes estão descritas na Tabela 2.

Tabela 2
Características radiográficas dos pacientes

A percentagem de cobertura média do implante cimentado pelo enxerto foi de 77% (43 a 100%), sendo em 41 casos (93,18%) evidenciado > 50% de cobertura. A maior espessura craniocaudal do enxerto foi em média de 2,2 mm (1,2 a 4,6 mm). Em 29 quadris (65%), a configuração do enxerto foi classificada como tipo 1 de Prieto22 Prieto HA, Kralovec ME, Berry DJ, Trousdale RT, Sierra RJ, Cabanela ME. Structural allograft supporting a trabecular metal cup provides durable results in complex revision arthroplasty. J Arthro-plasty 2017;32(11):3488-3494 (footing), e em 14 (31%) como tipo 2 (dome support).

Pós-operativamente, não foi observada evidência radiográfica de osteointegração em 6 (13,6%) casos (Coon 31515 da Silva AF, Antebi U, Honda EK, Rudelli M, Guimarães RP. Comparative Study of the Osteointegration of Irradiated and Non-irradiated Bone Grafts Used in Patients with Revision Hip Arthroplasty. Rev Bras Ortop 2019;54(04):477-482). Em 14 quadris (26%), observou-se reabsorção parcial do enxerto, todos na zona 1 de DeLee.1616 DeLee JG, Charnley J. Radiological demarcation of cemented sockets in total hip replacement. Clin Orthop Relat Res 1976; (121):20-32 Em 8 casos (18.2%), evidenciou-se a presença de osteólise, todos na zona 3 de DeLee.1616 DeLee JG, Charnley J. Radiological demarcation of cemented sockets in total hip replacement. Clin Orthop Relat Res 1976; (121):20-32

Observou-se linhas de radioluscência progressivas > 2 mm de largura em torno do implante acetabular em 9 casos. Destes, em 8 casos evidenciou-se migração > 5mm. De acordo com os critérios radiográficos estabelecidos, 9 casos (20,5) foram considerados falhas de reconstrução. Cinco (11,5%) destes pacientes foram submetidos novamente à cirurgia de revisão, sendo um destes casos por infecção. Dos 9 casos de falha, não se observou osteointegração do enxerto em 6 casos (►Figs. 1 e 2).

Fig. 1
Radiografias de uma paciente feminina, 73 anos, que teve o quadril direito operado. A) radiografia pré-operatória mostrando artroplastia total de quadril não cimentada com defeito combinado (D'Antonio); Paprosky 3B, medindo 82 mm; B) radiografiapós-operatóriaimediata apresentando reconstrução acetabular com enxerto estrutural e componente acetabular cimentado; C) Radiografia pós-operatória com 10 anos e 6 meses após reconstrução acetabular sem sinais de soltura.

Fig. 2
Radiografias de uma paciente feminina, 63 anos, que teve o quadril direito operado. A) radiografia pré-operatória mostrando artroplastia total de quadril cimentada com descontinuidade pélvica; Paprosky 3B, medindo 80 mm; B) radiografia pós-operatória imediata apresentando reconstrução acetabular com enxerto estrutural e componente acetabular cimentado; C) radiografia pós-operatória com 3 anos e 1 mês após reconstrução acetabular com sinais de soltura.

Utilizando-se critérios radiográficos para definição de insucesso, constatamos 79,54% de sobrevida em seguimento médio de 9,65 anos. Quando utilizada como critério a necessidade de nova cirurgia de revisão do componente acetabular por qualquer motivo, a sobrevida foi de 88,63%. Como complicações, observamos 4 casos (9,09%) de instabilidade e 1 (2,27%) de infecção.

A sobrevida da reconstrução foi avaliada através da curva de Kaplan-Meier, sendo de 92.1% em 5 anos e 78.3% em 10 anos, quando utilizado os parâmetros radiográficos de insucesso. A sobrevida de 5 e 10 anos livre de nova cirurgia de revisão do componente acetabular por qualquer motivo como desfecho, foi de 94.4 e 83.2%, respectivamente (►Fig. 3).

Fig. 3
Curvas de Kaplan-Meier para sobrevida de reconstrução sem revisão para: (A) soltura acetabular (92.1% em 5 anos, 78.3% em 10 anos e 67.5% em 15 anos) ou (B) qualquer causa (94.4% em 5 anos e 83.2% em 10 e 15 anos).

Foi observada correlação entre migração e falha da reconstrução, com a ausência de sinais radiográficos de osteointegração do enxerto (p< 0,01). Houve 5 casos de complicações: 4 de instabilidade (9,09%) e 1 (2,27%) de infecção.

Discussão

No presente estudo, a maioria dos pacientes apresentava grandes defeitos acetabulares, sendo 90,9% dos defeitos classificados como tipo III ou IV de D'Antonio e 95,5% como tipo 3A ou 3B de Paprosky. Foi observada correlação entre insucesso da reconstrução e ausência de sinais radiográficos de osteointegração do enxerto (p < 0,01). Os pacientes que apresentaram sinais radiográficos de insucesso evidenciaram escores pós-operatórios significativamente piores que os demais pacientes.

A reconstrução acetabular na presença de deficiência óssea acetabular grave é um cenário desafiador na cirurgia de revisão do quadril. As técnicas de reconstrução acetabular utilizando enxerto ósseo estrutural permitem restaurar o centro de rotação do quadril e obter estabilidade do implante, com possibilidade de restauração do estoque ósseo, facilitando futuras revisões.1818 Nehme A, Lewallen DG, Hanssen AD. Modular porous metal augments for treatment of severe acetabular bone loss during revision hip arthroplasty. Clin Orthop Relat Res 2004;(429): 201-208

A reconstrução acetabular com uso de enxerto homólogo estrutural em RATQ apresentam resultados controversos na literatura.1111 Kwong LM, Jasty M, Harris WH. High failure rate of bulk femoral head allografts in total hip acetabular reconstructions at 10 years. J Arthroplasty 1993;8(04):341-346,1818 Nehme A, Lewallen DG, Hanssen AD. Modular porous metal augments for treatment of severe acetabular bone loss during revision hip arthroplasty. Clin Orthop Relat Res 2004;(429): 201-208,1919 van Haaren EH, Heyligers IC, Alexander FGM, Wuisman PIJM. High rate of failure of impaction grafting in large acetabular defects. J Bone Joint Surg Br 2007;89(03):296-300 Prieto et al.22 Prieto HA, Kralovec ME, Berry DJ, Trousdale RT, Sierra RJ, Cabanela ME. Structural allograft supporting a trabecular metal cup provides durable results in complex revision arthroplasty. J Arthro-plasty 2017;32(11):3488-3494 encontraram 94% de sobrevida em implantes não cimentados com metal de alta porosidade associado ao uso de aloenxerto estrutural em 5 anos de seguimento. Brown et al., utilizando aloenxerto estrutural de fêmur distal associado a implante não-cimentado, observaram 72% de sobrevida em 21 anos de seguimento médio.2020 Brown NM, Morrison J, Sporer SM, Paprosky WG. The Use of Structural Distal Femoral Allograft for Acetabular Reconstruction of Paprosky Type IIIA Defects at a Mean 21 Years of Follow-Up. J Arthroplasty 2016;31(03): 680-683Garbuz et al.2121 Garbuz D, Morsi E, Gross AE. Revision of the acetabular component ofa total hip arthroplastywith a massive structural allograft. Study with a minimum five-year follow-up. J Bone Joint Surg Am 1996;78(05):693-697 avaliaram 33 casos de reconstrução acetabular com enxerto estrutural suportando > 50% do implante, em seguimento médio de 7 anos. Observou-se 45% de falha, as quais ocorreram principalmente em casos nos quais não foi utilizado anel de reforço.

Butscheidt et al.,55 Butscheidt S, Moritz M, Gehrke T, et al. Incorporation and Remodeling of Structural Allografts in Acetabular Reconstruction: Multiscale, Micro-Morphological Analysis of 13 Pelvic Explants. J Bone Joint Surg Am 2018;100(16):1406-1415 analisaram pós-morte 13 enxertos homólogos estruturais por meio de radiografia, tomogra-fiacomputadorizada (TC),histologiae microscopiaeletrônica. A distância entre o aloenxerto atual e o osso hospedeiro e a distância entre o aloenxerto original e o osso hospedeiro foram avaliadas. O estudo observou adequada osteointegração de todos os enxertos ao longo da maior parte da interface entre enxerto e osso hospedeiro. A eventual não-osteointegração em alguns pontos não levou ao colapso dos enxertos em até 22 anos de seguimento.55 Butscheidt S, Moritz M, Gehrke T, et al. Incorporation and Remodeling of Structural Allografts in Acetabular Reconstruction: Multiscale, Micro-Morphological Analysis of 13 Pelvic Explants. J Bone Joint Surg Am 2018;100(16):1406-1415

A literatura aponta maior incidência de falha da reconstrução quando da utilização de enxerto estrutural com cobertura do implante acetabular > 50%, o que não evidenciamos nesta série mesmo sem a utilização de anel de reforço.1010 Hooten JP Jr, Engh CA Jr, Engh CA. Failure of structural acetabular allografts in cementless revision hip arthroplasty. J Bone Joint Surg Br 1994;76(03):419-422,1111 Kwong LM, Jasty M, Harris WH. High failure rate of bulk femoral head allografts in total hip acetabular reconstructions at 10 years. J Arthroplasty 1993;8(04):341-346,2222 Zmolek JC, Dorr LD. Revision total hip arthroplasty. The use of solid allograft. J Arthroplasty 1993;8(04):361-370 O paciente com maior tempo de seguimento (18,75 anos) não apresenta sinais de soltura ou falha até o momento (►Fig. 4).

Fig. 4
Radiografias de uma paciente feminina, 74 anos, que teve o quadril direito operado. A) radiografia pré-operatória mostrando artroplastia total de quadril cimentada com defeito combinado (D'Antonio); Paprosky 3A, medindo 74 mm; B) radiografia pós-operatória imediata apresentando reconstrução acetabular com enxerto estrutural e componente acetabular cimentado; C) radiografia pós-operatória com 18 anos e 9 meses após reconstrução acetabular sem sinais de soltura.

A RATQ na presença de defeitos acetabulares graves é mais desafiadora e pode ter resultados piores. No presente estudo, com a análise do tratamento de grandes defeitos ósseos, não observamos, entretanto, uma correlação entre a falha da reconstrução e a gravidade do defeito ósseo acetabular, a espessura ou a configuração do enxerto.

Nosso estudo apresenta algumas limitações. Observamos bom tempo de seguimento médio dos pacientes (9,65 anos); porém, tivemos uma considerável perda de seguimento, o que impossibilitou mais conclusões. Além disso, como a série de pacientes é antiga e não havia localmente a disponibilidade de implante acetabular cimentado com polietileno crosslinked, deve-se considerar que a utilização de polietileno convencional na maioria dos casos pode ter comprometido a sobrevida da reconstrução devido a desgaste precoce. Sugerimos pesquisa futura para avaliar a osteointegração do enxerto estrutural utilizando somente um tipo de implante protético cimentado, visando reduzir fatores de confusão.

Conclusão

Observamos bons resultados clínicos e radiográficos, com sobrevida de 79,54% em seguimento médio de 9,65 anos. Houve associação entre ausência de sinais radiográficos de osteointegração do enxerto estrutural e falha da revisão acetabular de artroplastia total do quadril nesta série de pacientes com grandes defeitos ósseos. As falhas não se correlacionaram com a severidade do defeito ósseo acetabu-lar, a espessura ou a configuração do enxerto.

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  • Trabalho desenvolvido no Departamento de Ortopedia e Traumatología, Hospital Ortopédico de Passo Fundo, Passo Fundo, RS, Brasil.
  • Suporte Financeiro
    O presente estudo não recebeu nenhum suporte financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2022
  • Aceito
    4 Out 2022
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