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Tratamento das pseudoartroses infectadas da tÍbia pelo mÉtodo de Ilizarov associado ao curativo de Orr

Resumo

Objetivo

Analisar os resultados e os dados clínicos e epidemiológicos do tratamento das pseudoartroses infectadas da tíbia pelo método de Ilizarov associado ao curativo de Orr.

Métodos

Para analisar os dados de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia foram aplicados métodos estatísticos descritivos e inferenciais e os resultados ósseos e funcionais foram avaliados de acordo com os critérios de avaliação de Paley. As variáveis qualitativas foram apresentadas por distribuição de frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram apresentadas pelo teste de DAgostino-Pearson.

Resultados

Foi encontrado que 37 (86,04%) eram do sexo masculino, 6 (13,95%) femininos. A faixa etária mais frequente entre os pacientes foi de 50 a 59 anos (25.6%), p-valor = 0.8610. O tempo de tratamento é maior no tratamento trifocal (23.8 meses) quando comparado com o Bifocal (15.6 meses), p-valor =0.0010* (altamente significante). Os resultados ósseos excelentes representaram 72,09%, 23,25% foram de resultados considerados bons. Os resultados funcionais considerados excelentes foram 55,81%, os resultados bons foram 6,97%, resultados regulares foram 27,90. O curativo com gaze vaselinada (curativo de Orr) mostrou-se eficaz, alcançando assim a cicatrização das feridas com cobertura de partes moles em todos os pacientes avaliados.

Conclusões

O método de Ilizarov proporcionou uma mudança substancial no tratamentos das infecções ósseas, especialmente das pseudoartroses infectadas. A versatilidade deste método se transformou em uma ferramenta eficaz, permitindo a cura do processo infeccioso, bem como correção das possíveis deformidades e do encurtamento.

Palavras-chave
pseudoartrose; tíbia; resultado do tratamento; técnica de Ilizarov

Abstract

Objective

This study aims to analyze outcomes and clinical and epidemiological data of infected tibial pseudarthrosis using the Ilizarov method and the Orr dressing.

Methods

Data from n = 43 patients diagnosed with infected tibial pseudarthrosis were analyzed by descriptive and inferential statistical methods. In addition, Paley's assessment criteria evaluated bone and functional outcomes. Qualitative variables were presented as the distribution of absolute and relative frequencies. The presentation of quantitative variables followed the D'Agostino-Pearson test.

Results

Thirty-seven (86.04%) subjects were males, and six (13.95%) were females. The most frequent age group among patients was 50 to 59 years old (25.6%), with a p-value = 0.8610. The treatment time was longer for the trifocal treatment (23.8 months) when compared to the bifocal treatment (15.6 months), with a p-value = 0.0010* (highly significant). Excellent bone outcomes represented 72.09% of the sample; 23.25% of outcomes were good. Functional outcomes were excellent in 55.81%, good in 6.97%, and regular in 27.90% of subjects. The Orr dressing (using Vaseline gauze) proved effective, achieving wound healing with soft tissue coverage in all patients evaluated.

Conclusions

The Ilizarov method resulted in a substantial change in the treatment of bone infections, especially infected pseudarthrosis. The versatility of this method has turned it into an effective tool, allowing the healing of the infectious process and the correction of potential deformities and shortening.

Keywords
Ilizarov technique; pseudoarthrosis; tibia; treatment outcome

Introdução

As pseudoartroses são um dos problemas mais importantes enfrentados por cirurgiões ortopédicos em todo o mundo no tratamento de fraturas dos ossos tubulares longos. Além da dificuldade de consolidação, problemas graves como deformidade, infecção e discrepância dos membros acompanham o quadro clínico.11 Oztürkmen Y, Doğrul C, Karli M. [Results of the Ilizarov method in the treatment of pseudoarthrosis of the lower extremities]. Acta Orthop Traumatol Turc 2003;37(01):9–18

As fraturas podem evoluir com retardo ou não consolidação. As pseudoartroses são definidas como a falta de consolidação de uma fratura, com evidências clínicas e/ou radiológicas que o processo de cicatrização da fratura finalizou, e sua consolidação será altamente improvável.22 Catena RS, Targa WH, Bongiovanni JC, Nery CAS, Laredo Filho J, Catena A. C. Tratamento da pseudoartrose traumática infectada da diáfise da tíbia pelo método de Ilizarov. Rev Bras Ortop 1998;33 (08):583–587

Há a necessidade de um tratamento que estimule a consolidação óssea, trate a infecção e resolva os problemas de discrepância de comprimento e deformidades angulares.33 Borges JL, Lopes Júnior O, Kim JH, Milani C. Tratamento da pseudartrose infectada da tíbia pelo método de Ilizarov: técnica do encurtamento agudo com subseqüente alongamento. Rev Bras Ortop 2007;42(09):278–284 Em 1951, em Kurgan, na Rússia, Gavriil Abramovich Ilizarov iniciou o uso da fixação externa e desenvolveu, com grande êxito, seu método para o tratamento de várias lesões ortopédicas e traumatológicas.44 Silva WN, Catagni M. Pseudoartrose de úmero: tratamento com a técnica de Ilizarov. Rev Bras Ortop 1996;31(08):633–637

A possibilidade de alongar o osso de forma segura e previsível, pela tração gradual segundo o princípio proposto por Ilizarov, permitiu o alongamento ósseo sob nova visão biológica, bem como o desenvolvimento de uma nova técnica denominada de osteossíntese de compressão-afastamento.55 Ilizarov GA, Ledyaev VI. The replacement of long tubular bone defects by lengthening distraction osteotomy of one of the fragments. 1969. Clin Orthop Relat Res 1992; (280):7–10

Este trabalho, portanto, busca analisar os resultados e os dados clínicos e epidemiológicos do tratamento das pseudoartroses infectadas da tíbia tratadas pelo método de Ilizarov associado ao curativo de Orr.

Métodos

Este trabalho teve a aprovação do comitê de ética sob o número: 53773621.3.0000.5553.

Foram avaliados, retrospectivamente, 43 prontuários médicos de pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia do Hospital Regional de Sobradinho, Distrito Federal, no período de julho de 2012 a dezembro de 2019. Os critérios de inclusão relacionam-se aos casos de pseudoartroses da tíbia infectadas tratadas pelo método de Ilizarov ao menos seis meses após a retirada do fixador, em pacientes maiores de 18 anos, homens e mulheres, que possuíam todos os dados disponíveis no prontuário. Foram utilizados como critérios de exclusão os casos de pseudoartroses não infectadas, de pseudoartroses da tíbia tratadas por outros métodos e de pseudoartrose congênita na tíbia, bem como pacientes menores de 18 anos e com dados insuficientes no prontuário.

Os dados foram coletados dos prontuários eletrônicos por meio de planilhas, em um formulário de coleta desenvolvido pelo próprio pesquisador, e os resultados ósseos e funcionais foram avaliados de acordo com os critérios de avaliação de Paley et al.66 Paley D, Catagni MA, Argnani F, Villa A, Benedetti GB, Cattaneo R. Ilizarov treatment of tibial nonunions with bone loss. Clin Orthop Relat Res 1989; (241):146–165 (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Critérios de avaliação dos resultados ósseos de Paley et al
Tabela 2
Critérios de avaliação dos resultados funcionais de Paley et al.

Para analisar dados de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia, foram aplicados métodos estatísticos descritivos e inferenciais. As variáveis qualitativas serão apresentadas por distribuição de frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram apresentadas por medidas de tendência central e de variação e tiveram a normalidade avaliada pelo teste de D'Agostino-Pearson D*=DE{D}s(D), os testes de Qui-quadrado de aderência χ2=i=1kOiEi2Ei, teste t Student t=ZV/ν e a correlação linear de Person t=rn21r2 também foram utilizados.77 Ayres M, Ayres M Junior, Ayres DL, Santos AAS. Bioestat 5.3: aplicações estatísticas nas áreas das ciências biológicas e médicas. Belém: IDSM, 2007 Foi previamente fixado erro alfa em 5% para rejeição de hipótese nula, e o processamento estatístico foi realizado nos programas BioEstat versão 5.3 e STATA release 17.88 Statacorp. 2021Stata statistical software: release 17. College Station, TX: StataCorp LLC. Available from: https://www.stata.com/support/faqs/resources/citing-software-documentation-faqs/
https://www.stata.com/support/faqs/resou...

Técnica cirúrgica e tratamento ambulatorial

Cada paciente foi avaliado clínica e radiologicamente antes do procedimento cirúrgico. Os aparelhos de Ilizarov foram montados durante o per-operatório de acordo com o tamanho do segmento, verificando comprimento e largura necessários. As incisões geralmente foram realizadas nas topografias das cicatrizes cirúrgicas prévias.

Os materiais implantados, quando presentes, foram removidos. Incisão anterior ou anteromedial foi realizada para ressecção do tecido ósseo inviável. Considera-se inviável o tecido necrótico ou a borda óssea menor do que 2/3 do diâmetro normal. As amostras ressecadas foram encaminhadas para estudo histopatológico.

A montagem dos fixadores externos de Ilizarov foi realizada seguindo o padrão da escola italiana,55 Ilizarov GA, Ledyaev VI. The replacement of long tubular bone defects by lengthening distraction osteotomy of one of the fragments. 1969. Clin Orthop Relat Res 1992; (280):7–10 utilizando fios de Kirschner 1.8 milímetros, juntamente com pinos de Schanz cônicos de 6 milímetros. Os fixadores foram estendidos até o pé para minimizar deformidade em equino nos alongamentos ósseos maiores que 4 centímetros ou nos casos de falhas ósseas metafisárias distais. Foram realizadas corticotomias com serra de Gigli (técnica americana).

O tipo de reconstrução óssea é utilizado conforme o tamanho da falha óssea a ser reconstruída. Foi utilizado transporte bifocal nas falhas ósseas menores que 4 cm e transporte ósseo trifocal nas falhas ósseas maiores que 4 cm. Nas falhas ósseas acima de 10 cm, foi utilizado o transporte ósseo tetrafocal ou a reconstrução com fíbula; em um paciente, foi realizada a tibialização da fíbula.

A ferida operatória localizada no local da ressecção do tecido ósseo inviável sempre foi mantida aberta, o tamanho da ferida variou de acordo com o tamanho da ressecção óssea, podendo ser menores que 4 cm nos transportes bifocais e maiores que 4 cm nos trifocais, até mesmo maiores que 10 cm nas ressecções maiores. Os curativos foram feitos com gazes umedecidas com óleo de girassol. Esses curativos profundos são trocados semanalmente no ambulatório de ortopedia, seguindo a técnica proposta por Orr.99 Orr HW. The treatment of acute osteomyelitis by drainage and rest. 1927. Clin Orthop Relat Res 2006;451(451):4–9 Não foram utilizados procedimentos adicionais, como cirurgias plásticas.

No pós-operatório, os pacientes geralmente receberam alta hospitalar nas primeiras 48 horas, com prescrições de medicamentos antimicrobianos e analgésicos, via oral, para uso na primeira semana seguindo protocolo hospitalar pré-estabelecido. Após o tratamento cirúrgico de ressecção, os antibióticos foram descontinuados, ou mesmo não utilizados, ficando a antibioticoterapia reservada apenas para os casos de infecção relacionadas aos trajetos dos pinos e fios.

Os pacientes foram orientados a manterem o membro elevado e a utilizarem órtese elástica para dorsiflexão passiva para o tornozelo. Estimula-se a descarga de peso a partir da terceira semana após a cirurgia. Além disso, o tratamento fisioterápico é amplamente recomendado, porém, muitas vezes, ele é bastante prejudicado ou negligenciado devido a fatores socioeconômicos.

O transporte ósseo é iniciado entre a 2ª e a 3ª semana após a cirurgia. Foi utilizada a velocidade de 0,5 milímetros ao dia para a construção de cada regenerado, dividida em duas etapas manipulações diárias.

Quando alcançado o fechamento da ferida por segunda intenção e a finalização do transporte ósseo, um novo procedimento cirúrgico para enxertia de osso esponjoso autólogo retirado da crista ilíaca foi realizado nos focos das pseudoartroses.

Após a enxertia, uma avaliação radiológica foi feita mensalmente para verificar a união no local de pseudoartrose e a consolidação dos regenerados, como também das possíveis complicações. O fixador foi removido quando a completa dinamização do aparelho foi alcançada, quando a pseudoartrose estava consolidada, quando os regenerados estavam corticalizados em pelo menos três dos quatro lados, quando não havia dor à palpação óssea e quando os pacientes descarregaram carga total sobre o membro afetado. Após a retirada do aparelho, foram utilizadas órteses protetoras do tipo bota durante pelo menos um mês, para evitar casos de refratura.

Resultados

O presente estudo analisou dados de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia. A Tabela 3 apresenta a caracterização dos pacientes tratados, sendo a faixa etária entre 50-59 anos a mais frequente com 25,6%, o sexo masculino com 86% e a tíbia esquerda a mais acometida em 53,5%, devido a acidentes motociclísticos em 37,2%.

Tabela 3
Caraterização de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia

O tempo de tratamento, como mostra a Tabela 4, pode ser estimado pela seguinte equação: Tempo de tratamento = 6.7 + Idade * 0.2895, a qual indica que a correspondência é diretamente proporcional (Fig. 1), 44,2% foram tratados entre 12-23 meses, em 46,5% o tipo de tratamento foi o transporte ósseo bifocal e 46,5% trifocal, 88,3% apresentaram infecção no trajeto do pino.

Fig. 1
Correlação entre Idade do paciente (anos) e Tempo de tratamento (meses) de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia.
Tabela 4
Detalhes do tratamento e presença de complicações em n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia

A Tabela 5 descreve a avaliação dos resultados funcionais após o tratamento, observando-se que 58,1% dos pacientes não apresentavam claudicação e 95,3% não apresentaram distrofia. A Tabela 6, por sua vez, mostra a caracterização do tempo de tratamento, o qual é maior quando o paciente tem claudicação (24.2 meses) em comparação a quando o paciente não claudica (17.6 meses), sendo p-valor =0.0469* (estatisticamente significante), conforme apresentado na Fig. 2.

Fig. 2
Tempo de tratamento conforme tipo de tratamento e claudicação em n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia.
Tabela 5
Resultados funcionais após o tratamento de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia
Tabela 6
Tempo de tratamento conforme avaliação dos resultados funcionais de n = 43 pacientes com diagnóstico de pseudoartrose infectada da tíbia

Em relação aos resultados da anatomia patológica, foi possível localizar os resultados em apenas 8 dos 43 pacientes avaliados, sendo estas 8 amostras positivas para osteomielite. As culturas costumeiramente não foram solicitadas, já que foi optado por não utilização de antibióticos após o tratamento de ressecção óssea e reconstrução.

Os desfechos ósseos e funcionais foram avaliados retrospectivamente, por meio da análise das informações contidas nos prontuários médicos de todos os pacientes após o término do tratamento, por meio dos critérios de Paley et al.66 Paley D, Catagni MA, Argnani F, Villa A, Benedetti GB, Cattaneo R. Ilizarov treatment of tibial nonunions with bone loss. Clin Orthop Relat Res 1989; (241):146–165 (Tabela 1).

Neste estudo, 72,09% dos pacientes obtiveram resultados ósseos excelentes (Fig. 3) e 23,25% apresentaram resultados considerados bons. Nenhum paciente obteve resultado ósseo regular e 4,65% tiveram resultados ósseos ruins. Todos os pacientes obtiveram a cura da infecção óssea e consolidação da pseudoartrose, os resultados regulares e ruins foram relacionados a deformidades ou discrepâncias residuais, além de casos de refratura.

Fig. 3
(a) Homem com pseudoartrose de tíbia direita esquerda com exposição do material de síntese; (b) Radiografia após retirada do material, ressecção óssea e montagem do fixador de Ilizarov objetivando transporte ósseo trifocal; (c, d) Radiografia mostra transporte ósseo; (e) Radiografia mostra o estado próximo ao término do transporte; (f, g) Fratura consolidada.

Quanto aos resultados funcionais (Tabela 2), o presente estudo encontrou o seguinte cenário: 55,81% dos pacientes apresentaram resultados funcionais excelentes (Fig. 4); 6,97% tiveram resultados bons; 27,90%, regulares; e, por fim, 9,30% apresentaram resultados ruins.

Fig. 4
(a) Homem no pós-operatório imediato do fixador de Ilizarov para tratamento de pseudoartrose infectada; (b, c) Paciente durante o tratamento; (d, e, f, g) Resultado funcional após retirada do fixador de Ilizarov.

Em relação às complicações ocorridas durante o tratamento, foi observado que, em algum momento do tratamento, em todos os pacientes, ocorreram infecções relacionadas aos pinos de Schanz e aos fios de Kirschner, sendo que, em um deles, houve a soltura do pino e, portanto, a necessidade de um procedimento adicional para debridamento cirúrgico do trajeto e fixação de um novo pino. Em um outro paciente, esse processo infeccioso levou à instabilidade do bloco distal do fixador, e isso foi resolvido com novo procedimento de revisão do aparelho.

Dois pacientes incorreram com refratura após retirada do fixador e foram tratados conservadoramente com aparelhos gessados e órteses do tipo bota. Um paciente apresentou fratura do regenerado ósseo e foi tratado com órtese imobilizadora do tipo bota, evoluindo com consolidação óssea sem deformidades.

Ao avaliar os desfechos de partes moles, todos os pacientes foram tratados sem necessidade de procedimentos adicionais, tais como retalhos ou enxertos cutâneos. O curativo com gazes umedecidas com vaselina líquida ou com óleo de girassol (curativo na técnica de Orr)99 Orr HW. The treatment of acute osteomyelitis by drainage and rest. 1927. Clin Orthop Relat Res 2006;451(451):4–9 foi o recurso utilizado; alcançou-se, assim, a cicatrização por segunda intenção das feridas com cobertura de partes moles em todos os pacientes avaliados.

Discussão

Ilizarov postulou novos conceitos biológicos e técnicas de um sistema de fixação externa que revolucionou o tratamento das pseudoartroses. Por meio desse sistema, é possível, com osteossíntese mínima, corrigir deformidades, erradicar infecções, equalizar membros e eliminar falhas ósseas, concomitantemente, manter a função articular e permitir carga corpórea precoce.66 Paley D, Catagni MA, Argnani F, Villa A, Benedetti GB, Cattaneo R. Ilizarov treatment of tibial nonunions with bone loss. Clin Orthop Relat Res 1989; (241):146–165

Em relação aos dados epidemiológicos idade, sexo e lateralidade, este estudo foi corroborado por outro estudo33 Borges JL, Lopes Júnior O, Kim JH, Milani C. Tratamento da pseudartrose infectada da tíbia pelo método de Ilizarov: técnica do encurtamento agudo com subseqüente alongamento. Rev Bras Ortop 2007;42(09):278–284 que incluiu 20 pacientes portadores de pseudartrose unilateral infectada da tíbia tratados pelo método de Ilizarov, no qual 16 pacientes eram homens e quatro eram mulheres, com média de idade de 32 anos (17-74). Quanto ao lado acometido, nove (45%) foram do lado direito e 11 (55%), do lado esquerdo.

Em relação as opções e o tempo de tratamento, no presente estudo, os transporte ósseos bifocal e trifocal foram os recursos mais utilizados e o tempo médio de tratamento foi de 20,34 meses. Um estudo indiano99 Orr HW. The treatment of acute osteomyelitis by drainage and rest. 1927. Clin Orthop Relat Res 2006;451(451):4–9 utilizou o transporte bifocal em 85% dos pacientes, diferentemente do estudo de americano,55 Ilizarov GA, Ledyaev VI. The replacement of long tubular bone defects by lengthening distraction osteotomy of one of the fragments. 1969. Clin Orthop Relat Res 1992; (280):7–10 onde 10 pacientes receberam tratamento monofocal de compressão-distração, o tratamento bifocal foi realizando em 7 pacientes e em três deles, o tratamento bifocal foi combinado com a ressecção do infectado osso.

Esses dados diferem de outros trabalhos,66 Paley D, Catagni MA, Argnani F, Villa A, Benedetti GB, Cattaneo R. Ilizarov treatment of tibial nonunions with bone loss. Clin Orthop Relat Res 1989; (241):146–165,1010 Skroch GP, Abagge M, Rodrigues MB, Cousseau VA, Dias JM Junior, Yoshiyasu GA. Tratamento da pseudoartrose infectada de tíbia pelo método de Ilizarov. Rev Bras Ortop 1996;31(08): 649–654 uma vez que um encontrou um tempo médio de consolidação de 12,57 meses, e o outro apresentou tempo médio de acompanhamento de 40,8 meses. Outros autores,1111 McNally M, Ferguson J, Kugan R, Stubbs D. Ilizarov Treatment Protocols in the Management of Infected Nonunion of the Tibia. J Orthop Trauma 2017;31(Suppl 5):S47–S54 no entanto, observaram que 85% dos pacientes foram tratados por transporte bifocal.

Em relação aos resultados ósseos deste estudo, observaram-se dados semelhantes aos encontrados por Maini et al.,1212 Maini L, Chadha M, Vishwanath J, Kapoor S, Mehtani A, Dhaon BK. The Ilizarov method in infected nonunion of fractures. Injury 2000;31(07):509–517 os quais obtiveram 70% de resultados excelentes, 10% bons, 0% regular e 20% ruins. Esse mesmo cenário foi encontrado por McNally et al.,1111 McNally M, Ferguson J, Kugan R, Stubbs D. Ilizarov Treatment Protocols in the Management of Infected Nonunion of the Tibia. J Orthop Trauma 2017;31(Suppl 5):S47–S54 que apresentaram 60% de resultados excelentes, 15% bons, 25% regulares e 0% ruim, e isso diverge de outro estudo,1313 Meleppuram JJ, Ibrahim S. Experience in fixation of infected non-union tibia by Ilizarov technique - a retrospective study of 42 cases. Rev Bras Ortop 2016;52(06):670–675 no qual obtiveram 22% de excelentes resultados, 36,34% bons, 22% regulares e 18,18% ruins.

Outros dois trabalhos apresentaram resultados comparáveis,66 Paley D, Catagni MA, Argnani F, Villa A, Benedetti GB, Cattaneo R. Ilizarov treatment of tibial nonunions with bone loss. Clin Orthop Relat Res 1989; (241):146–165,1414 Dendrinos GK, Kontos S, Lyritsis E. Use of the Ilizarov technique for treatment of non-union of the tibia associated with infection. J Bone Joint Surg Am 1995;77(06):835–846 sendo que o primeiro alcançou os seguintes resultados ósseos: 60,87% excelentes, 26,09% bons, 8,7% regulares e 4,35% ruins. Já o segundo obteve como resultados excelentes 50%, os bons foram 29%, os regulares, 3,6%, e os ruins, 17,4%.

Os resultados funcionais nesse estudo foram os seguintes: 55,81% excelentes, 6,97% bons, 27,90% regulares e 9,30% ruins. Esse cenário se assemelha a outro trabalho,1414 Dendrinos GK, Kontos S, Lyritsis E. Use of the Ilizarov technique for treatment of non-union of the tibia associated with infection. J Bone Joint Surg Am 1995;77(06):835–846 que obteve 55% de excelentes resultados, 30% de bons, 5% de regulares e 10% de ruins.

Esses dados diferem de outros quatro estudos,66 Paley D, Catagni MA, Argnani F, Villa A, Benedetti GB, Cattaneo R. Ilizarov treatment of tibial nonunions with bone loss. Clin Orthop Relat Res 1989; (241):146–165,1313 Meleppuram JJ, Ibrahim S. Experience in fixation of infected non-union tibia by Ilizarov technique - a retrospective study of 42 cases. Rev Bras Ortop 2016;52(06):670–675,1515 Madhusudhan TR, Ramesh B, Manjunath K, Shah HM, Sundaresh DC, Krishnappa N. Outcomes of Ilizarov ring fixation in recalcitrant infected tibial non-unions - a prospective study. J Trauma Manag Outcomes 2008;2(01):6,1616 Lewallen DG, Edwards CC, Epps CH. Complications of Orthopaedic Surgery. 3rd. Philadelphia: J.B. Lippincott; 1994 os quais apresentaram as seguintes conclusões: o primeiro alcançou 26,7% de resultados funcionais excelentes, 40% bons, 10% regulares e 28,3% ruins; o segundo encontrou 5,56% excelentes, 22,22% bons, 33,33% regulares e 38,89% ruins; já o terceiro obteve 25% excelentes, 39,2% bons, 14,3% regulares e 2,15% ruins; o quarto, por fim, apresentou 64% excelentes, 28% bons, 4% regulares e 4% ruins.

Existem complicações e intercorrências inerentes e habituais ao uso de fixador externo, que são infecção nos trajetos dos pinos e fios, contraturas articulares, lesões vasculonervosas e perda da estabilidade do aparelho. Entretanto, existem certas complicações próprias aos transportes ósseos das pseudoartroses.1717 Mercadante MT. Clínica ortopédica: fixadores externos. Rio de Janeiro: Medsi; 2000

A consolidação prematura e o retardo na ossificação do regenerado são complicações oriundas da falta de equilíbrio em relação ao ritmo e à periodicidade do alongamento. Outras complicações são a deformidade angular e a fratura do regenerado, que ocorrem, na maioria das vezes, por retirada precoce do aparelho, como também por quedas do paciente durante ou após o tratamento.1818 Blum ALL. Tratamento da pseudartrose por falha óssea infectada no fêmur pelo método de Ilizarov [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2004

Em relação às complicações ocorridas durante o tratamento, foi observado que, em algum momento, todos os pacientes apresentaram infecções relacionadas aos pinos de Schanz e aos fios e de Kirchner. Essa observação é corroborada por outro estudo,1818 Blum ALL. Tratamento da pseudartrose por falha óssea infectada no fêmur pelo método de Ilizarov [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2004 o qual concluiu que a infecção superficial no trajeto dos pinos e/ou fios pode chegar a até 100% dos casos e sempre está presente em alguma fase do tratamento.

Ao avaliar os desfechos de partes moles, todos os pacientes foram tratados sem necessidade de procedimentos adicionais, tais como retalhos ou enxertos cutâneos. O curativo com gaze vaselinada (curativo de Orr) foi o recurso utilizado, alcançando assim a cicatrização das feridas com cobertura de partes moles em todos os pacientes avaliados.

O cirurgião de guerra H. Winnett Orr99 Orr HW. The treatment of acute osteomyelitis by drainage and rest. 1927. Clin Orthop Relat Res 2006;451(451):4–9 desenvolveu o tratamento da osteomielite aguda por meio da drenagem e um de curativo asséptico que deve ser colocado dentro e ao redor da ferida, o qual não deve ser retirado ou trocado por várias semanas. Geralmente, dois ou quatro curativos são suficientes para garantir a cicatrização; enquanto isso, o membro é mantido imobilizado com aparelho gessado e os curativos são trocados por meio de uma janela feita no gesso.

Esse curativo com tamponamento com gaze vaselinada é usado desde a Primeira Guerra Mundial (Fig. 5). A vaselina sólida impregna as gazes e não permite que haja a penetração dos brotos de neoformação vascular nas margens delas, entretanto, ao mesmo tempo, permite o escoamento das secreções. O crescimento do tecido vai empurrando gradativamente o tamponamento para fora e, quando atingir o nível da pele, ocorre o recobrimento da ferida pelo epitélio proveniente das bordas do próprio ferimento.1919 Hungria Filho JS. Infecções osteoarticulares: tratamento racional baseado na patologia. São Paulo: Sarvier; 1992

Fig. 5
(a) Exemplo de curativo com gaze vaselinada de Orr; (b) Homem no intra-operatório do fixador de Ilizarov para transporte ósseo tetrafocal em tandem; (c) Radiografia do pós-operatório imediato do fixador de Ilizarov para transporte tetrafocal; (d) Algumas semanas após início do transporte ósseo e trocas do curativo de Orr; (e) Paciente após término do transporte, retirada do fixador de Ilizarov e trocas do curativo de Orr; (f) Radiografia após retirada do fixador de Ilizarov e transporte tetrafocal.

Conclusão

O método de Ilizarov proporcionou uma mudança substancial no tratamento das infecções ósseas, especialmente das pseudoartroses infectadas, e a versatilidade desse método o transformou em uma ferramenta eficaz, uma vez que permite a cura do processo infeccioso, bem como a correção das possíveis deformidades e dos encurtamentos dos membros.

Os dados epidemiológicos e os resultados ósseos e funcionais deste trabalho foram corroborados por grande parte da literatura e demonstram a eficácia do método, na qual foi obtida a resolução do processo infecioso, a consolidação óssea, além de fornecer uma razoável recuperação funcional aos indivíduos avaliados.

As complicações são inerentes ao tratamento, devido ao período muitas vezes prolongado até a obtenção da cura, e devem ser compreendidas e manejadas adequadamente pelo médico assistente e pelo paciente, de forma a buscar minimizá-las ao máximo.

O manejo das partes moles também é um fator importante a ser levado em consideração. O curativo com gaze vaselinada mostrou-se uma opção eficaz e barata no tratamento das partes moles, uma vez que elimina a necessidade de procedimentos cirúrgicos adicionais, bem como gera economia e menor desgaste físico e emocional aos pacientes.

  • Trabalho desenvolvido no Hospital Regional de Sobradinho, Brasília, Distrito Federal, Brasil
  • Suporte Financeiro
    A presente pesquisa não recebeu nenhum financiamento específico de gências de financiamento dos setores público, comercial ou sem fins lucrativos.

References

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    Oztürkmen Y, Doğrul C, Karli M. [Results of the Ilizarov method in the treatment of pseudoarthrosis of the lower extremities]. Acta Orthop Traumatol Turc 2003;37(01):9–18
  • 2
    Catena RS, Targa WH, Bongiovanni JC, Nery CAS, Laredo Filho J, Catena A. C. Tratamento da pseudoartrose traumática infectada da diáfise da tíbia pelo método de Ilizarov. Rev Bras Ortop 1998;33 (08):583–587
  • 3
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2022
  • Aceito
    12 Abr 2023
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