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Autoavaliação de competências fundamentais e orientação médico durante o primeiro ano de residência ortopédica brasileira

Resumo

Objetivo

A formação de um médico competente requer direcionar o perfil de pós-graduação residente para atividades práticas. Buscou-se identificar a orientação de relacionamento médico-paciente e a autoavaliação das competências fundamentais que eles apontaram que precisavam ser desenvolvidas.

Métodos

Todos os 56 residentes em ortopedia admitidos entre 2016 e 2019 participaram do presente estudo observacional prospectivo. A Escala de Orientação Médico-Paciente (Patient Practitioner Orientation Scale [PPOS, na sigla em inglês]) e um questionário de autoavaliação foram respondidos no início e no final do primeiro ano de residência (R1) em Ortopedia e Traumatologia. Calculamos o desvio médio e padrão para itens e pontuações de PPOS e os analisamos através do teste t emparelhado. As opções de resposta do Questionário de Autoavaliação foram "sim" ou "preciso melhorar" e as habilidades foram classificadas na ordem decrescente da frequência das respostas "preciso melhorar" com descrição de número absoluto e percentual. Comparamos frequências usando o teste de Fisher. Consideramos significativos valores-p < 0,05. Os programas GraphPad Prism 8.4.3 (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA) e Microsoft Excel (Microsoft Corporation, Redmond, WA, EUA) foram utilizados para análise estatística.

Resultados

No período entre o início e o final do R1, a média total de PPOS diminuiu significativamente, de 4,63 para 4,50 (p= 0,024), mais focada em biomédica. Cerca de um terço dos residentes identificou competências do cuidado ao paciente, aprendizagem e melhoria baseadas na prática e habilidades interpessoais e de comunicação, como necessitando melhorar.

Conclusões

As atividades de PPOS e autoavaliação podem promover práticas de reflexão e são possíveis ferramentas para avaliação de competência centrada no aluno. A orientação biomédica tende a prevalecer à medida que a formação dos médicos progride e as autoavaliações periódicas podem ser trabalhadas para construir uma mentalidade de crescimento.

Palavras-chave
residência médica; ortopedia; relações médico-paciente; autoavaliação; educação baseada em competências

Abstract

Objective

Training a competent physician requires to direct the resident profile of graduate students for practice activities. We sought to identify the doctor-patient relationship orientation and the self-assessment of the core competencies, which they pointed out needed to be developed.

Methods

All 56 orthopedic residents admitted between 2016 and 2019 participated in the present prospective observational study. The Patient Practitioner Orientation Scale (PPOS) and a self-assessment questionnaire were answered at the beginning and end of the first year of residency (R1) in Orthopedics and Traumatology. We calculated mean and standard deviation for PPOS items and scores and analyzed them through the paired t-test. Self-Assessment Questionnaire answer options were “yes” or “I need to improve it” and skills were classified in decreasing order of the frequency of “I need to improve it” responses with description of absolute number and percentage. We compared frequencies using Fisher Test. P-values < 0.05 were considered statistically significant. GraphPad Prism 8.4.3 (GraphPad Software, San Diego, CA, USA) and Microsoft Excel (Microsoft Corporation, Redmond, WA, USA) were used for statistical analysis.

Results

In the period between the beginning and the end of R1, the total PPOS mean score significantly decreased from 4.63 to 4.50 (p= 0.024), more biomedical-focused. Around one-third of the residents identified competencies of patient care, practice-based learning and improvement, and interpersonal and communication skills as needed to improve.

Conclusions

The PPOS and self-assessment activities could promote reflection practices and are possible tools for learner-centered competency assessment. Biomedical guidance tends to prevail as the training of physicians progresses, and periodic self-assessments can be worked on to build a growth mindset.

Keywords
medical residency; orthopedics; physician-patient relations; self-assessment; competency-based education

Introdução

Competência profissional é o uso habitual e criterioso do conhecimento, da comunicação, das habilidades técnicas, do raciocínio clínico, das emoções, dos valores e da reflexão na prática cotidiana para beneficiar o indivíduo e a comunidade atendida.11 Epstein RM, Hundert EM. Defining and assessing professional competence. JAMA 2002;287(02):226–235 O desenvolvimento de habilidades depende de ponderar seu treinamento e capacidade de continuar aprendendo ao longo de sua vida.22 Fernandes CR, Farias Filho A, Gomes JMA, Pinto Filho WA, Cunha GKF, Maia FL. Currículo baseado em competências na residência médica. Rev Bras Educ Med 2012;36(01):129–136

No início da década de 1990, o Royal College of Physicians and Surgeons of Canada desenvolveu uma estrutura referencial com seis competências para orientar a formação médica que deveria ser um objetivo para estabelecer um compromisso com a qualidade da saúde. As competências são Médico Especialista, Profissional, Promotor de Saúde, Estudioso, Líder, Colaborador e Comunicador.33 Frank JR, Snell L, Sherbino J, Eds. CanMEDS 2015 Physician Competency Framework. Ottawa: Royal College of Physicians and Surgeons of Canada; 2015 Esses papéis e competências foram adotados pelos principais organismos de acreditação em todo o mundo. Nos EUA, o Conselho de Acreditação para a Pós-Graduação em Educação Médica (Accreditation Council for Graduate Medical Education [ACGME, na sigla em inglês]) também reconheceu a importância das habilidades não clínicas e definiu uma lista de “competências fundamentais” a serem dominadas por todos os residentes: “atendimento ao paciente”, “conhecimento médico”, “aprendizagem e aperfeiçoamento baseados na prática”, “habilidades interpessoais e de comunicação”, “profissionalismo” e “prática baseada em sistemas”.44 Swing SR. The ACGME outcome project: retrospective and prospective. Med Teach 2007;29(07):648–654

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Escolas de Medicina de Graduação foram atualizadas no Brasil em 2014. O perfil profissional da pós-graduação incorporou um senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania como promotor da saúde integral do ser humano. Esse perfil se baseia em diversos princípios para a saúde, entre os quais destacamos: atenção integral e humanizada, saúde de qualidade, segurança, ética profissional, comunicação com empatia, sensibilidade e interesse, atendimento centrado no paciente e trabalho interprofissional.55 Brasil. Parecer CNE/CES N o: 116/2014. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina [Internet]. Diário Oficial da União, PARECER CNE/CES N o: 116/2014 jun 6, 2014 p. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior, DF. Seção 1, Página 17. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ index.php?option¼com_docman&task¼doc_download&gid¼ 15514&Itemid¼
http://portal.mec.gov.br/ index.php?opti...

Os currículos baseados em competências estão centrados no perfil da pós-graduação, sendo estruturados para que os resultados sejam obtidos ao final do programa educacional ou de formação.66 Carraccio C, Wolfsthal SD, Englander R, Ferentz K, Martin C. Shifting paradigms: from Flexner to competencies. Acad Med 2002;77(05):361–367 Os resultados a serem trazidos para o currículo de competência direcionam o processo educacional. Assim, primeiro os resultados são definidos, depois as estratégias necessárias para alcançá-los. O foco é dado ao que deve ser aprendido pelo aluno e não ao que tem que ser ensinado.77 Santos WS. Organização curricular baseada em competência na educação médica. Rev Bras Educ Med 2011;35(01):86–92 Os alunos precisam estar preparados para a aprendizagem ao longo da vida e ter oportunidades de desenvolver a capacidade de regular sua aprendizagem à medida que avançam no ensino superior.88 Nicol DJ, Macfarlane-Dick D. Formative assessment and selfregulated learning: a model and seven principles of good feedback practice. Stud High Educ 2006;31(02):199–218

Para uma avaliação realmente precisa da proficiência dos residentes, são necessárias múltiplas ferramentas de avaliação e vários assessores. Uma dessas ferramentas de avaliação é a "autoavaliação".99 Bradley KE, Andolsek KM. A pilot study of orthopaedic resident self-assessment using a milestones’ survey just prior to milestones implementation. Int J Med Educ 2016;7:11–18 A autoavaliação representa uma estratégia de ensino vital que prepara os alunos a repensar os resultados de suas ações profissionais, refletir sobre o que aprenderam, avaliar como tal aprendizado os preparou para realizar as tarefas esperadas, perceber suas necessidades individuais de aprendizagem e desenvolver um plano coerente para lidar com suas dificuldades, comparar os novos resultados com os anteriores e revisar e atualizar seu plano de aprendizagem.1010 Henderson P, Johnson MH. An innovative approach to developing the reflective skills of medical students. BMC Med Educ 2002;2:4 Essa capacidade de identificar valores e atitudes pessoais, reconhecendo seus pontos fortes e fracos, pode ser desenvolvida, melhorada e modificada pela educação.1111 Domingues RCL, Amaral E, Zeferino AMB. Self and peer assessment: strategies for the professional development of the physician. Rev Bras Educ Med 2007;31(02):173–175

Embora o cuidado centrado no paciente tenha sido um dos princípios mais discutidos na prática médica nas últimas décadas, as atitudes dos médicos centradas no paciente podem diminuir em relação à sua educação médica.1212 Ishikawa H, Son D, Eto M, Kitamura K, Kiuchi T. Changes in patient-centered attitude and confidence in communicating with patients: a longitudinal study of resident physicians. BMC Med Educ 2018;18(01):20 Quando consideramos que o cuidado centrado no paciente é revelado na relação médico-paciente, diversas estratégias educacionais podem ser adotadas no processo ensino-aprendizagem visando melhorá-lo.1313 Silva LD, Ribeiro MMF, Nogueira AI, et al. Impacto da “Disciplina Relação Médico-Paciente” sobre Atitudes Centradas no Paciente. Rev Bras Educ Med 2017;41(02):283–289

Krupat et al.1414 Krupat E, Hiam CM, Fleming MZ, Freeman P. Patient-centeredness and its correlates among first year medical students. Int J Psychiatry Med 1999;29(03):347–356 desenvolveu a Escala de Orientação Médico-Paciente (Patient Practitioner Orientation Scale [PPOS, na sigla em inglês]) para avaliar a atitude dos estudantes de medicina e a orientação individual do paciente. Trata-se de um instrumento capaz de auxiliar a autopercepção dos atores envolvidos em sua responsabilidade no processo cuidado-saúde-doença.1515 Krupat E, Yeager CM, Putnam S. Patient role orientations, doctorpatient fit, and visit satisfaction. Psychol Health 2000;15(05): 707–719 O PPOS foi traduzido para o português e validado.1616 Pereira CMAS. Tradução, adaptação cultural e validação da Patient - Practitioner Orientation Scale (PPOS) para a língua portuguesa do Brasil [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia; 2012 [citado 27 de agosto de 2018]. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/12731
https://repositorio.ufu.br/handle/123456...
Os respondentes completam 18 itens usando uma escala Likert de 6 pontos, resultando em uma pontuação total de 1 a 6. A escala reflete dimensões de “compartilhamento” e “cuidado” relacionadas ao paciente. O “compartilhamento” subscore avalia o quanto os médicos devem compartilhar o poder (informações e decisões) com seus pacientes, e o “cuidado” subscore reflete o cuidado que o médico apresenta sobre as expectativas, sentimentos e emoções dos pacientes.1616 Pereira CMAS. Tradução, adaptação cultural e validação da Patient - Practitioner Orientation Scale (PPOS) para a língua portuguesa do Brasil [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia; 2012 [citado 27 de agosto de 2018]. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/12731
https://repositorio.ufu.br/handle/123456...
,1717 Ribeiro MM, Krupat E, Amaral CF. Brazilian medical students’ attitudes towards patient-centered care. Med Teach 2007;29(06): e204–e208 A atitude centrada no médico foi definida por um ponto de corte < 4,57, e os valores entre 4,57 e 5,00 foram medicamente centrados no paciente.1818 Ribeiro MMF, Amaral CFS. Medicina centrada no paciente e ensino médico: a importância do cuidado com a pessoa e o poder médico. Rev Brasileira de Educ Med 2008;32(01):90–97

Os objetivos do presente estudo foram identificar, entre os residentes médicos de Ortopedia e Traumatologia, o perfil de orientação na relação médico-paciente durante o primeiro ano de sua formação nesta especialidade cirúrgica, bem como a autoavaliação das competências fundamentais, apontadas por eles mesmos como aquelas com necessidade de serem desenvolvidas com mais cuidado.

Métodos

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana sob o número de Certificate of Clearance CAAE-03353718.2.0000.5273.

Um estudo observacional prospectivo foi realizado durante o primeiro ano da Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia no INTO. É o serviço de referência nacional em cirurgias ortopédicas e de trauma de alta complexidade do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), que atende pacientes e recebe médicos residentes de todo o território brasileiro.

Os 56 participantes foram residentes do primeiro ano do programa de residência entre 2016 e 2019. Aplicamos o PPOS e um questionário de autoavaliação para avaliar o residente em treinamento no início e no final do primeiro ano de residência (R1) em Ortopedia e Traumatologia no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (INTO).

Criamos e contextualizamos o Questionário de Autoavaliação de 18 itens às condições de treinamento em serviço do INTO para desencadear uma autorreflexão sobre seu comportamento em relação ao seu desempenho profissional e o desenvolvimento das competências fundamentais do “cuidado ao paciente”, “habilidades de aprendizagem e melhoria baseadas na prática”, “habilidades interpessoais e de comunicação”' e “profissionalismo”. As opções de resposta foram “sim” ou “preciso melhorar” e as habilidades foram classificadas em ordem decrescente da frequência das respostas “preciso melhorar”, com a descrição do número absoluto e percentual, no início e no final do primeiro ano de residência. As frequências foram comparadas utilizando-se o teste de Fisher, considerando significativo um valor-p < 0,05.

Calculamos a média e o desvio-padrão (DP) para cada item do PPOS, a pontuação total (18 itens) e subcores de compartilhamento e cuidado (9 itens cada) no início e no final do primeiro ano do programa de residência ortopédica. Para determinar se as médias das diferenças entre os dois momentos (início e fim) foram maiores do que você esperaria ver por acaso, analisamos através do teste t emparelhado, considerando um valor-p diferente significativo quando < 0,05. Utilizamos os programas GraphPad Prism 8.4.3 (GraphPad Software, San Diego, CA, EUA) e Microsoft Excel (Microsoft Corporation, Redmond, WA, EUA) para a análise estatística.

Resultados

Todos os 56 residentes médicos que ingressaram em nosso programa de residência ortopédica entre 2016 e 2019 foram incluídos no presente estudo e suas características são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Características dos participantes

Escala de orientação médico-paciente (PPOS)

No período entre o início do programa de residência e o término do R1, a média do escore total de PPOS diminuiu significativamente de 4,63 para 4,50 (p= 0,024). As médias dos subscores de cuidado e compartilhamento também apresentaram redução durante o primeiro ano, mas sem significância estatística (p= 0,170 e 0,069, respectivamente) (Tabela 2). O teste de Kolmogorov-Smirnov confirmou a distribuição normal, tanto nas médias no início quanto no final do R1, na pontuação total, e nos subcores de cuidado e compartilhamento.

Tabela 2
Escala de Orientação Médico-Paciente (PPOS), com desvio médio e padrão do escore total e subscores de cuidado e compartilhamento (n= 56)

Não houve diferença significativa entre os gêneros ou por classe de admissão na residência. Dos 18 itens dos PPOS, houve diferença significativa entre as respostas obtidas no início e no final do primeiro ano para os itens número 5, 15 (do subscore de compartilhamento) e 6, 7 e 16 (do subscore de cuidado) (Tabela 3).

Tabela 3
Escala de Orientação Médico-Paciente (PPOS), com desvio médio e padrão por item do questionário, no início e no final do R1, e comparação pelo teste t emparelhado, com valor-p (n= 56)

Questionário de Autoavaliação

No início do primeiro ano, 98% (n= 55) dos residentes responderam ao questionário de autoavaliação e, ao final de R1, 100% (n= 56). A Tabela 4 mostra a classificação em ordem decrescente das habilidades abordadas através das perguntas, de acordo com a frequência de respostas “preciso melhorar” no início e no final do R1, sem diferença diminuindo o tempo sobre as frequências.

Tabela 4
Questionário de autoavaliação: número absoluto e percentual de respostas "Preciso melhorar" de acordo com as habilidades, classificadas em ordem decrescente de frequência (valor-p não significativo pelo teste de Fisher)

Entre as principais competências sinalizadas pelos próprios residentes ortopédicos como precisando melhorar durante o primeiro ano do programa de residência, encontramos o atendimento ao paciente, seguido de aprendizado e aperfeiçoamento baseados na prática e habilidades interpessoais e de comunicação, todas essas três competências autoavaliadas por cerca de um terço dos residentes, tanto no início quanto no final do primeiro ano. A competência profissional de profissionalismo não foi tão expressivamente autoavaliada por eles (Fig. 1).

Fig. 1
Competências fundamentais autoavaliadas durante o primeiro ano do programa de residência ortopédica como precisando ser melhoradas, exceto o conhecimento médico. Frequência (porcentagem) no início e no final do R1.

Discussão

Nossa amostra tinha apenas 16% de mulheres, mas 54% estavam fora do estado onde o INTO está localizado.

O escore total médio de PPOS foi de 4,63 no início, estatisticamente significativo, e caindo para 4,50 no final do primeiro ano de residência. Isso demonstra uma tendência, já no primeiro ano de residência, de mudar uma atitude, inicialmente mais centrada no paciente, para uma mais centrada no médico, refletindo um modelo ainda mais biomédico prevalecendo na prática.

Cerca de um terço dos residentes identificou pelo questionário de autoavaliação que as competências do cuidado ao paciente, aprendizagem e aperfeiçoamento baseados na prática e habilidades interpessoais e de comunicação precisavam ser desenvolvidas.

O desenvolvimento profissional de competências geralmente faz parte do “currículo oculto” e não é privilegiado no processo ensino-aprendizagem dos cursos de residência médica. Os organismos de treinamento ortopédicos em países como Canadá, Austrália e Estados Unidos têm tomado para a educação baseada em competências.1919 Nousiainen M, Incoll I, Peabody T, Marsh JL. Can We Agree on Expectations and Assessments of Graduating Residents?: 2016 AOA Critical Issues Symposium J Bone Joint Surg Am 2017;99(11): e56 O Brasil também vem evoluindo e, em 2019, construiu sua matriz de competência para programas de residência em ortopedia e traumatologia.2020 Brasil. Resolução n o 22, de 8 de abril de 2019. Aprova a matriz de competências dos Programas de Residência Médica em Ortopedia e Traumatologia. [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Superior; 2019. (Edição 70, Seção 1, Página 213) A Resolução da Comissão Nacional de Residência Médica orienta que de 80 a 90% da carga horária deve ser desenvolvida sob a forma de formação em serviço, com 10 a 20% destinados a atividades teóricas complementares, mas sem discriminação em atividades específicas para o amplo desenvolvimento de competências de residentes médicos em formação.2121 Brasil. Resolução CNRM n o 02 /2006, de 17 de maio de 2006. Dispõe sobre requisitos mínimos dos Programas de Residência Médica e dá outras providências. Diário Oficial da União, Secretaria de Educação Superior, 19/05/06. (Seção 1, Páginas 23-36)

Estudos brasileiros mostram que a pontuação total no PPOS de estudantes de medicina e médicos é comparável à dos Estados Unidos e consideravelmente maior do que as pontuações no Nepal, Grécia e Coreia. No entanto, o subscore assistencial, que mede até que ponto a importância das emoções e estilo de vida dos pacientes é considerada, é maior entre os estudantes de medicina brasileiros do que em qualquer outra cultura em que esses subscores foram relatados.1717 Ribeiro MM, Krupat E, Amaral CF. Brazilian medical students’ attitudes towards patient-centered care. Med Teach 2007;29(06): e204–e208

Semelhante ao nosso estudo, Ishikawa et al.1212 Ishikawa H, Son D, Eto M, Kitamura K, Kiuchi T. Changes in patient-centered attitude and confidence in communicating with patients: a longitudinal study of resident physicians. BMC Med Educ 2018;18(01):20 descobriram que as atitudes dos médicos residentes japoneses centradas no paciente diminuíram durante seu primeiro ano de residência. Embora não houvesse diferenças entre gêneros e subscores de cuidado e compartilhamento em nosso estudo, os japoneses observaram o declínio mais significativo dos homens, especialmente no subscore de cuidado. As diferenças nas atitudes práticas de homens e mulheres existem muito cedo na formação médica, pois as estudantes de medicina tendem a ser mais centradas no paciente; além disso, o foco no paciente e os maiores escores de empatia têm sido positivamente associados a especialidades “orientadas para as pessoas”.1414 Krupat E, Hiam CM, Fleming MZ, Freeman P. Patient-centeredness and its correlates among first year medical students. Int J Psychiatry Med 1999;29(03):347–356 Nossa amostra representa o primeiro ano de residência em especialidade cirúrgica, com um pequeno número de estudantes do sexo feminino, o que poderia explicar em parte nosso declínio de pontuação total de PPOS logo no primeiro de 3 anos deste programa de residência. Mesmo que possamos encontrar alguns estudos com PPOS em especialidades cirúrgicas,2222 Chan CMH, Ahmad WAW. Differences in physician attitudes towards patient-centredness: across four medical specialties. Int J Clin Pract 2012;66(01):16–20,2323 Matsen CB, Ray D, Kaphingst KA, Zhang C, Presson AP, Finlayson SRG. Patient Satisfaction With Decision Making Does Not Correlate With Patient Centeredness of Surgeons. J Surg Res 2020; 246:411–418 ainda não encontramos ninguém examinando PPOS em ortopedia.

É preciso dar maior ênfase às habilidades não técnicas, essenciais para boas práticas clínicas, mas menos fáceis de avaliar.2424 Nousiainen MT, McQueen SA, Hall J, et al. Resident education in orthopaedic trauma: the future role of competencybased medical education. Bone Joint J 2016;98-B(10): 1320–1325 Faltam métodos ideais para avaliar o desempenho do estagiário e faltam as ferramentas para avaliar as habilidades essenciais de um médico competente.2525 Krueger CA, Rivera JC, Bhullar PS, Osborn PM. Developing a Novel Scoring System to Objectively Track Orthopaedic Resident Educational Performance and Progression. J Surg Educ 2020;77(02): 454–460 Os residentes valorizam a autoavaliação e o feedback e, por entender melhor as experiências de autoavaliação dos residentes seguidas de feedback, os educadores podem ser capazes de adaptar o processo de feedback, melhorar o desempenho clínico e, finalmente, melhorar o atendimento ao paciente.2626 Moroz A, Horlick M, Mandalaywala N, Stern DT. Faculty feedback that begins with resident self-assessment: motivation is the key to success. Med Educ 2018;52(03):314–323 O feedback triangular de múltiplas fontes (por exemplo, colegas, supervisores, pacientes e eu) fornece a imagem mais precisa do desempenho.88 Nicol DJ, Macfarlane-Dick D. Formative assessment and selfregulated learning: a model and seven principles of good feedback practice. Stud High Educ 2006;31(02):199–218 Esse tipo de avaliação traz o residente para o centro de sua formação, sendo ele mesmo o ator crítico e reflexivo em seu processo de aprendizagem ao longo da vida e desenvolvimento de habilidades para sua atuação profissional.

Em pesquisas com diretores e residentes, eles indicaram que o atendimento ao paciente e o conhecimento médico foram os mais importantes entre as competências do núcleo da ACGME. Ao mesmo tempo, a prática de aprendizagem baseada em prática e a prática baseada em sistemas foram atribuídas às fileiras mais baixas.2727 Yaszay B, Kubiak E, Agel J, Hanel DP. ACGME core competencies: where are we? Orthopedics 2009;32(03):171 Em nosso estudo, questões sobre orientação médica na alta hospitalar, prontuários médicos e autoaprendizagem figuraram entre as três principais questões de autoavaliação. A formação em aprendizagem e aperfeiçoamento baseada na prática deve ser uma parte obrigatória do currículo de pós-graduação e fornece aos residentes as habilidades e conhecimentos necessários para refletir sobre seus pontos fortes e deficiências, identificar suas próprias necessidades de aprendizagem e se engajar no aprendizado para melhorar.2828 Mahajan R, , Anshu, Gupta P, Singh T. Anshu, Gupta P, Singh T. Practice-based learning and improvement (PBLI) in postgraduate medical training: Milestones, instructional and assessment strategies. Indian Pediatr 2017;54(04):311–318 Assim, as competências dos residentes apontadas como necessárias para serem melhoradas podem orientar a criação e inserção da dinâmica dentro do programa de residência médica. O objetivo é promover o desenvolvimento da aprendizagem experiencial relacionada às principais dificuldades da prática do médico residente, bem como seu engajamento em um plano individualizado para seu avanço durante seu período de treinamento. Algumas atividades simples como essas poderiam fazer parte do currículo focado em promover a melhoria do conhecimento, habilidades e atitudes dos residentes relacionadas a outras competências além da expertise técnica, como comunicação eficaz e tomada de decisão compartilhada, segurança dos pacientes, colaboração e cuidados centrados em relacionamentos, além de aprendizagem ao longo da vida.

Sugerimos que uma atividade de autoavaliação realizada periodicamente, seguida por fontes de feedback peer-to-peer e outras fontes de feedback, poderia promover a autoconsciência e conexão dos residentes com seu contínuo processo de aprendizagem profissional. Essa também é uma oportunidade de desenvolver uma mentalidade de crescimento2929 Dweck CS. Mindset: the new psychology of success. New York: Random House; 2006 em todo o estabelecimento de objetivos pessoais derivados desse tipo de prática reflexiva. Além disso, um instrumento como o PPOS pode orientar a construção de um espaço de reflexão durante a formação dos residentes, com foco na compreensão do processo de adoecimento no contexto biopsicossocial, consistente com a prática do método clínico centrado no paciente. Acreditamos que todas as equipes envolvidas em um programa de residência devem construir em conjunto o perfil especializado que gostariam de treinar, planejar atividades para alcançá-lo durante o programa e partir de uma matriz de competência.

Nossa pesquisa tem um pequeno número de residentes do sexo feminino e está confinado a um serviço ortopédico único. No entanto, mais da metade dos nossos residentes vem de outros estados e regiões brasileiras. Outra limitação é o tempo de apenas 1 ano de acompanhamento, considerando que o programa de residência ortopédica no Brasil é um curso de 3 anos. O questionário de autoavaliação foi criado por esse grupo para o cenário específico do nosso serviço e não foi validado como PPOS.

Conclusões

As atitudes centradas no paciente diminuíram durante o primeiro ano de residência. As competências dos residentes no cuidado ao paciente, aprendizagem baseada na prática e habilidades interpessoais e de comunicação foram apontadas como necessárias a serem melhoradas. Assim, escalas validadas como o PPOS ajudam a avaliar as abordagens dos residentes e as autoavaliações periódicas contextualizadas ao serviço de saúde são possíveis ferramentas no processo de avaliação de competências centrada no aluno que visa melhorar a formação do residente médico e construir uma mentalidade de crescimento.

Agradecimentos

Agradecemos sinceramente a todos os residentes que participaram desta pesquisa e a Débora Peixoto de Azevedo, assistente social, e Ágata Cristinier Castanheda da Silva, psicóloga, que contribuíram e participaram das atividades reflexivas dos residentes da ortopedia.

  • Suporte Financeiro
    O presente estudo não recebeu apoio financeiro de fontes públicas, comerciais ou sem fins lucrativos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    sep/oct 2023

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2022
  • Aceito
    18 Out 2022
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